AVALIAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO DE QUEIMADAS NATURAIS E ANTRÓPICAS A PARTIR DE DADOS DE MONITORAMENTO DE QUEIMADAS E INCÊNDIOS EM MINAS GERAIS, BRASIL



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Transcrição:

AVALIAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO DE QUEIMADAS NATURAIS E ANTRÓPICAS A PARTIR DE DADOS DE MONITORAMENTO DE QUEIMADAS E INCÊNDIOS EM MINAS GERAIS, BRASIL Daniel E Silva 1, Dalton Valeriano de Morisson 2 1 Biólogo, Pesquisador bolsista CNPq, INPE, São José dos Campos-SP, esilva@dsr.inpe.br 2 Biólogo, Pesquisador, INPE, São José dos Campos-SP, dalton@dsr.inpe.br RESUMO: As queimadas representam uma perturbação de grande impacto no bioma Cerrado. Por isso, é preciso integra-las nos modelos de distribuição da vegetação. Esse trabalho visa discriminar em grande escala os focos de queimadas em relação a sua origem, natural ou antrópica, baseado na distinção dos seus padrões temporais intra-anuais. Índices espaciais de ocorrência de queimada antrópica e natural são gerados pelo método de Kernel e validados através o estudo da distribuição da vegetação do Cerrado. As correlações espaciais entre índices de diferentes origens são baixas. A confusão entre esses índices e varáveis climáticas, que poderia limitar o seu uso em estudo da distribuição da vegetação, é atenuada. Os índices gerados explicam significativamente parte da discriminação entre fitofisionomias do Cerrado associadas ao fogo. Esses índices são então válidos para estudos dos impactos do fogo antrópico e natural na cobertura da vegetação. PALAVRAS-CHAVE: fogo, Cerrado, Kernel. INTRODUÇÃO: Vários estudos visam discriminar e quantificar em grande escala a influência das atividades humanas sobre a distribuição da vegetação de savana e o seu determinismo natural (GREVE et al., 2011). Isso permite melhorar as políticas públicas de conservação dos recursos naturais, entre outros. O Cerrado é o bioma brasileiro mais atingindo por queimadas (MMA, 2011). Experiências de exclusão de fogo conduzidas em zonas de savana em vários continentes apontam uma colonização de espécies florestais (TRAPNELL, 1959; SAN JOSE e FARINAS, 1983; SWAINE et al., 1992; MOREIRA, 2000). As queimadas representam então um fator modelador da paisagem. Por isso, é necessário integrá-las nos estudos de distribuição da vegetação. Determinar a origem das queimadas no Cerrado representa um desafio para a elaboração de planos de conservação ou de manejo dos recursos naturais. De fato, apesar de o fogo ser integrado ao funcionamento dos ecossistemas do Cerrado, não existe mais dúvida sobre o importante papel do homem na ocorrência dos incêndios da vegetação, principalmente desde o século 18. A discriminação das queimadas antrópicas e naturais é o objetivo principal desse estudo, que visou mais especificamente (i) criar índices espaciais de queimadas antrópica e natural, e (ii) validar esses índices por meio do estudo da distribuição das fitofisionomias do Cerrado. MATERIAL E MÉTODOS: A área de estudo deste trabalho envolve o Estado de Minas Gerais, para o qual a extensão do Cerrado e a disponibilidade de mapeamentos da vegetação permitem a realização deste estudo. O mapeamento da vegetação usado foi realizado em 2005 (IFMG, 2008). Foram utilizados dados de queimadas anteriores a observação da vegetação, registradas de 1992 a 2004 pelo sistema de monitoramento de queimadas e incêndios por satélite em tempo quase real do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE, 2012). Esse sistema visa detectar os focos de calor na superfície terrestre a partir de vários satélites que possuem sensores óticos operando na faixa termalmédia de 4 μm. Apesar da impossibilidade em localizar com exatidão a ocorrência de um foco de calor, a resolução predominante de 1 km² fornece representações espaciais de qualidade. A correspondência entre focos de calor detectados pelo sistema de monitoramento do INPE e cicatrizes de queimadas observadas em imagens satélite ou in situ foi estudada por vários autores (ARANTES PEREIRA et al., 2012; DE JESUS et al., 2011; GONTIJO et al., 2011; TOMZHINSKI et al., 2011; 165

PANTOJA e BROWN, 2007; PANTOJA et al., 2005; SELHORST e BROWN, 2003). Estes estudos apontam altas taxas de omissões na detecção de queimadas, podendo atingir 96%. No entanto, a superfície dessas omissões representa uma proporção baixa da área total queimada, entre 17,5% e 29%. De fato, as omissões dizem respeito quase que exclusivamente às queimadas de pequenas superfícies, pouco detectáveis quando se consideram as limitações de resolução dos satélites utilizados e a brevidade deste tipo de queimada. Apesar de variáveis, os erros de comissão estimados nestes estudos são satisfatórios (de 0 a 23,5%). O mapeamento do Inventário Florestal de Minas Gerais (IFMG, 2008) foi realizado a partir da interpretação de imagens LandSAT 5 TM de resolução espacial fina de 1 de arco. Nele, foi utilizado um método de classificação automática supervisionada e critérios fitofisionômicos e florísticos, que permitiram a representação detalhada da vegetação. As classes de vegetação mapeadas incluem três biomas e discriminam as fitofisionomias de campo a cerradão para o bioma Cerrado. Três condições devem ser reunidas para que uma queimada da vegetação ocorra: a existência de material combustível seco, uma fonte de ignição e condições atmosféricas propícias ao incêndio. A fonte natural de ignição corresponde aos raios, que ocorrem principalmente durante a estação chuvosa. No entanto, nesta época, o material combustível seco é raro e as condições meteorológicas pouco propícias à propagação de incêndios, restringindo muito a superfície atingida. Incêndios da vegetação se concentram durante a estação seca, quando a quantidade de combustível é máxima. Como a ocorrência de raios é baixa nesta época, a grande maioria das queimadas da vegetação registradas são antropogênicas (COUTINHO, 1990; MISTRY, 1998; FRANÇA, 2000), de origem acidental ou planejada. No presente trabalho, dados dos focos de queimadas foram extraídos para a estação seca e úmida em uma resolução espacial de 1 km. A data de início e a duração da estação seca variam em função das condições meteorológicas, que evoluem no espaço e no tempo. Considerar essas variações envolve o uso de séries temporais climáticas de boa resolução espacial, pouco disponíveis, o que dificulta a realização desse tipo de trabalho. No entanto, ao utilizar médias climáticas plurianuais de alta resolução espacial, disponíveis e livres, a representação espacial das estações é privilegiada. Para definir a estação seca, calcula-se então o índice climático mensal de aridez de De Martonne (1926) a partir dos dados WORLDCLIM (HIJMANS et al., 2005). Esses dados climáticos apresentam uma resolução espacial de 1 km e correspondem a médias mensais de temperaturas e precipitações durante o período de 1960 a 1990. A associação de um incêndio à estação seca ou úmida é condicionada ao valor do índice de De Martonne no mês e na localização do seu registro. O limiar de 20 é escolhido para inclusão na estação seca, pois representa condições semiáridas ou desérticas. A frequência de focos por célula de 1 km é calculada para cada estação e as curvas de densidades são estimadas pelo método estatístico de Kernel (PARZEN, 1962). Os valores de 2, 3, 7, 10, 21, 49 e 98 km foram escolhidos para definir o raio da área centrada nos pontos da grade para estimar a função de Kernel. Os valores das curvas de densidades de Kernel representam os índices de ocorrência de queimadas para a estação seca e úmida, em outros termos, de queimadas antrópicas e naturais. Para validar os índices de ocorrência de queimadas, esse trabalho se propõe a estudar, em primeiro lugar, a discriminação dos dois tipos de índices. Para isso, as correlações de Pearson entre índices da estação seca e úmida foram calculadas. Correlações altas significam que a ocorrência de um tipo de queimada pode depender da proximidade de outro tipo de queimada, e, então, que o fogo antrópico pode depender do fogo natural e vice versa. Também, para atender ao desafio de integrar indicadores de perturbações antrópicas e natural nos modelos de distribuição da vegetação, procura-se minimizar as correlações de Pearson entre estes últimos e os determinantes climáticos dessa distribuição. Para isso, as variáveis climáticas do banco de dados WORLDCLIM foram utilizadas. Finalmente, tentou-se explicar a distribuição espacial das fitofisionomias do Cerrado pelos índices de queimadas antrópicas e naturais, com o objetivo de ilustrar a sua validade. Para isso, a presença dos pares de fitofisionomias cerradão/cerrado sensus stricto e cerrado sensus stricto/campo cerrado foram discriminadas através modelos de regressão logística testando os índices de queimadas, baseados no critério de máxima verossimilhança (MCCULLAGH; NELDER, 1989) e com seleção passo a passo. Somente os índices cuja correlação com variáveis climáticas é inferior a 0,40 participaram da seleção. O coeficiente de determinação de Nagelkerke e a AUC da curva ROC foram usados para avaliar a capacidade de discriminação do modelo (HOSMER; LEMESHOW, 2000). Foram determinados aleatoriamente 1.556 pontos de cerradão, 24.193 pontos de cerrado sensus stricto e 6.453 pontos de campo cerrado para construir as regressões. 166

RESULTADOS E DISCUSSÃO: A grande maioria das células de 1 km no Estado de Minas Gerais não apresenta registro de queimadas durante a estação seca (82,6%) ou durante a estação úmida (97,5%). Também, a maioria das ocorrências detectadas são eventos únicos por célula e para o período considerado, sendo 79,3 e 92,0% respectivamente para as estações seca e úmida. A Figura 1 ilustra as projeções dos índices de ocorrência de queimadas em Minas Gerais para as duas estações para um raio de 7 km, em grade de 1 km. Nota-se uma proporção relativamente importante de pixels (17,9%) onde ocorreu pelo menos uma queimada exclusivamente durante a estação seca. As correlações de Pearson entre índices de ocorrência de queimadas das duas estações são significativas (p<0,0001) e positivas, mas o valor máximo atinge somente 0,16. As queimadas são mais correlacionadas quando é considerado um raio de 7 a 21 km. Esses primeiros resultados indicam que os dois tipos de fogo apresentam padrões espaciais próprios. Um estudo realizado no Parque Nacional das Emas, Goiás, mostra que queimadas naturais iniciadas por raios podem ser frequentes e ter incidência notável sobre a vegetação em zonas de Cerrado protegidas do fogo antrópico (FRANÇA et al., 2004). Isso suporta a hipótese de substituição dos incêndios antrópicos por incêndios naturais em zonas protegidas. No entanto, nossos resultados indicam que a ocorrência do fogo de origem natural depende pouco da proximidade de ocorrências prévias ou futuras do fogo de origem antrópica; o contrário também é válido. Em outros termos, o risco de ignição e propagação natural de uma queimada em uma dada localização parece independente das ocorrências de fogo associadas ao homem nesta zona, e vice versa. Assim, nossos resultados não suportam a hipótese de substituição do fogo antrópico pelo fogo natural. No entanto, lembramos que os índices são derivados de ocorrências de queimadas acumuladas durante vários anos, o que pode levar a uma redução das correlações espaciais. As correlações entre índices de queimadas e variáveis climáticas são apresentadas na Figura 2. A correlação média absoluta atinge 0,26 e 0,15 para os índices estimados durante a estação seca e úmida, respectivamente. Os valores de correlação aumentam com o valor do raio de influência escolhido, para as precipitações e para os índices de ocorrência de queimadas da estação seca. Os índices com correlação sempre menor ou igual a 0,40 tem raio de até 10 km para a estação seca. Todos os índices para a estação úmida apresentam correlações inferiores a 0,40. Esses resultados indicam que a confusão entre índices de ocorrência de queimadas e variáveis climáticas pode ser atenuada até um valor satisfatoriamente baixo, quando são considerados raios adequados. As baixas correlações entre tipos de fogo e entre tipos de fogo e variáveis climáticas confirmam a potencialidade de uso dos índices de queimadas antrópicas e naturais para explicar padrões de distribuição da vegetação. Ambos os índices de ocorrência de queimadas antrópicas (raio de 21 km) e naturais (raio de 14 km) explicam significativamente (p<0,0001) as diferenças de distribuição espacial do cerradão e do cerrado sensus stricto. O coeficiente R² de Nagelkerke (R² N ) atinge 0,16 e a AUC se enquadra no nível aceitável segundo Hosmer e Lemeshow (2000), com um valor de 0,78. O ganho de R² N na adição do índice de queimadas naturais é inferior a 0,01, o que nos levou a não considera-lo. As queimadas antrópicas apresentam uma relação negativa com a presença do cerradão, como esperado. Índices de queimadas antrópicas e naturais (raios de 21 km) também explicam significativamente (p<0,0001) as diferenças de distribuição espacial do cerrado sensus stricto e do campo cerrado, ambos apresentando uma relação negativa com a presença do cerrado sensus stricto, em relação à presença do campo cerrado. No entanto, o coeficiente R² de Nagelkerke (R² N ) atinge somente 0,06 e a AUC é baixa (0,66). CONCLUSÕES: O baixo risco de ignição e propagação do fogo natural durante a estação úmida é admitido na literatura científica. Vários trabalhos indicam que o sistema de monitoramento do INPE é válido e pode ser utilizado para representar as queimadas ocorridas na cobertura vegetal. O método utilizado para caracterizar a origem das queimadas é de fácil uso. Além disso, a disponibilidade de mais de vinte anos de monitoramento de queimadas do INPE para vários continentes tornam estudos em grandes escalas possíveis. Os resultados deste estudo apontam uma boa discriminação das queimadas de origem antrópica e natural, ambas respondendo a um padrão espacial próprio. A seleção dos índices de menores correlações com as variáveis climáticas é possível. Isso limita o risco de confusão quando utilizados nos modelos de distribuição da vegetação, juntos aos fatores ambientais. Enfim, demonstra-se que os índices de queimadas explicam parte da discriminação entre fitofisionomias do Cerrado, cujas variações de estrutura são associadas ao fogo. Assim, esses índices são válidos para estudos dos impactos do fogo antrópico e natural na cobertura da vegetação. 167

a) b) Gradiente de densidade de ocorrência de queimadas Figura 1 Mapas dos índices de queimadas estimados pelo método de Kernel e baseados na frequência de focos de calor em Minas Gerais, de 1992 a 2004, durante a estação a) seca e b) úmida. Valor do raio da área centrada nos pontos da grade = 7 km. Resolução espacial de 1 km. Figura 2 Correlações de Pearson entre índices de ocorrência de queimadas (estação seca e úmida) e variáveis climáticas mensais. Meses de janeiro a dezembro (1 a 12). Raio de 2 a 98 km. AGRADECIMENTOS: Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa do Programa de Capacitação Institucional Desenvolvimento (PCI-D) cedida ao primeiro autor. Agradecem também ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) que disponibilizou dados, equipamentos, conhecimentos e infraestruturas para a realização desse estudo, e ao Dr. Alberto W. Setzer pela sua contribuição e seu apoio a realização deste trabalho. REFERÊNCIAS: ARANTES PEREIRA, A.; ALVES PEREIRA, J. A.; MORELLI, F.; ARANTES BARROS, D.; ACERBI JR., F. W.; SOARES SCOLFORO, J. R. Validação de focos de calor utilizados no monitoramento orbital de queimadas por meio de imagens TM. Cerne, v. 18, p. 335-343, 2012. COUTINHO, L. M. Fire in the ecology of the Brazilian cerrado. In: Goldammer, J. G. Fire in the tropical biota. Springer-Verlag, New York, p. 82-105, 1990. DE JESUS, S. C.; SETZER, A. W.; MORELLI, F. Validação de focos de queimadas no Cerrado em imagens TM/Landsat-5. In: XV SIMPÓSIO BRASILEIRO DE SENSORIAMENTO REMOTO, Curitiba, PR, 2011. Anais..., São José dos Campos: INPE, 2011, p. 8051-8058. DE MARTONNE, E. Aérisme et indice d aridité. Comptes Rendus de l Académie des Sciences, Paris, v. 182, p. 1395-1398, 1926. 168

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