Propagação de Ondas de Frio na América do Sul e as Trajetórias de Ciclones e Anticiclones Extratropicais Alexandre Bernardes Pezza Tércio Ambrizzi Departamento de Ciências Atmosféricas. Instituto Astronômico e Geofísico - Universidade de São Paulo e-mail:alepezza@model.iag.usp.br Fone/Fax: (55)(11)(38184808) ABSTRACT Polar Outbreaks during wintertime in South America (May to August) are a very important feature of the regional climatology of many countries. The Andes Mountains have an important role in the mechanism of meridional propagation, pushing the cold air masses from higher into lower latitudes with a marked ageostrophic flow. In the strongest events, when the cold air reaches the Equatorial region over the Amazon Rain Forest, the phenomenon known as friagem, in Brazil, is produced. Frost and freezing temperatures usually take place in many agricultural areas, generally resulting in important economical losses. This study shows how the displacement of cold air masses can be associated with the propagation of extratropical cyclones and migratory anticyclones near the surface. We are using an automatic scheme originally developed in the University of Melbourne (Australia) by Drs. Ross Murray and Ian Simmonds, applying it for mean sea level pressure data from the NCEP (National Center for Environmental Prediction) Reanalysis project. A climatology for high and low pressure centers tracks was determined for the period of 1973 1996 in a hemispheric polar stereographic view. The preliminary results show a very good agreement with the available ones in the literature, indicating that a strong polar outbreak in the tropical region requires the action of the two systems of pressure (cyclone and anticyclone) simultaneously. A period of strong cold advection usually takes place before a period of marked radiational cooling. The already documented cases of June and July 1994 cold waves over the Tropical region were analyzed, and we tracked a long anticyclonic path from the New Zealand region about 20 days in advance to the frost time in Brazil. Such information can be very useful to the operational weather services, contributing to improve the frost forecast in our country. RESUMO As Ondas de Frio (Polar Outbreaks) que atingem a América do Sul durante o período de inverno possuem uma relevância muito grande tanto do ponto de vista social (agricultura, transportes, telecomunicações, turismo, saúde pública, dentre outros) quanto do ponto de vista da pesquisa, quando se pensa em uma melhor previsibilidade do fenômeno. Uma variabilidade muito grande é quase sempre observada, com casos bem documentados de invasões polares muito vigorosas em latitudes médias e altas (geralmente durante eventos de Bloqueio Atmosférico na zona subtropical) e casos de incursões de grandes massas de ar frio até as regiões Equatoriais, caracterizando o fenômeno da friagem na Bacia Amazônica. Este trabalho apresenta uma associação entre a propagação de ondas de frio na América do Sul e as trajetórias dos ciclones extratropicais e dos anticiclones migratórios frios. Através de um esquema numérico automático desenvolvido originalmente por Ross Murray e Ian Simmonds (Universidade de Melbourne, Austrália), calculou-se uma climatologia (1973 1996) da trajetória dos sistemas de alta e baixa pressão para todo o Hemisfério Sul durante o período de inverno. Para este estudo, foram usados os dados de pressão reduzida ao nível médio do mar da Reanálise do NCEP (National Center for Environmental Prediction). Os resultados indicam uma concordância muito boa com o que já se conhece a nível climatológico. Um estudo de caso preliminar foi realizado para as ondas de frio de junho e julho de 1994, já documentadas na literatura. Dentre outros aspectos, observou-se que o anticiclone frio que atingiu a América do Sul descreveu uma trajetória muito longa no Oceano Pacífico desde a região da Austrália e Nova Zelândia, onde formou-se cerca de 20 dias antes da ocorrência da geada no sul do Brasil. Tal constatação pode fornecer novos subsídios para as previsões 3107
deste fenômeno que são feitas atualmente em nosso país, e a técnica utilizada poderá ser de grande valia se implementada nos serviços meteorológicos operacionais. 1. INTRODUÇÃO O regime climático da América do Sul está fortemente ligado às interações existentes entre massas de ar de propriedades distintas, devido ao movimento das mesmas. No que diz respeito à esta questão, a Cordilheira dos Andes exerce uma notável influência modelando as trajetórias das massas de ar e contribuindo muito para determinados padrões climáticos regionais já bem documentados na literatura. Especialmente durante o inverno, quando as massas de ar frio são fortalecidas nas altas latitudes em função da diminuição da radiação solar incidente e os primeiros anticiclones migratórios frios se deslocam para o sul do Chile e Argentina, a influência da Cordilheira se faz sentir, canalizando o escoamento do ramo norte da célula de alta pressão ageostroficamente em direção ao Equador (Seluchi et al 1998, Seluchi e Marengo 1998, e Garreaud e Wallace, 1998, dentre outros). Sabese que na América do Norte, por exemplo, as Montanhas Rochosas desempenham um papel semelhante, ainda que em menor escala, na canalização de ar frio em direção ao México, como discutido por exemplo por Klaus (1973) e Hartjenstein e Bleck (1991). Dependendo da circulação atmosférica nos médios e altos níveis, no entanto, a massa fria resultante pode deslocar-se ou não para latitudes baixas. Em situações de Bloqueio Atmosférico de inverno na região subtropical, as massas frias tendem a ficar confinadas ao sul do continente, em geral produzindo temperaturas muito baixas e uma situação meteorológica adversa, com excesso de neve, chuva e vento ao sul do Bloqueio. Entretanto, em situações favoráveis, a massa fria pode deslocar-se meridionalmente com muita rapidez, chegando em alguns casos a cruzar a linha do Equador e atingir, por exemplo, o sul da Venezuela (Myers, 1964 e Dapozzo e Silva Dias, 1994). Este fenômeno é conhecido regionalmente como friagem, e tem importantes conseqüências econômicas especialmente devido à ocorrência de geada em vastas áreas agrícolas. Durante o inverno de 1994, duas ondas de frio muito intensas propagaram-se desde o sul da Patagônia até ultrapassar a linha do Equador, provocando geadas intensas nas regiões tropicais e prejuízos enormes para as plantações de café no Sudeste do Brasil, com uma pronunciada queda de temperatura na Bacia Amazônica (Marengo et al, 1997). Especialmente durante o primeiro evento, no mês de junho, as temperaturas apresentaram um declínio acentuado até mesmo ao norte do Equador. A cidade de Boa Vista (2.8 o N, 60.7 o W, 140 m), por exemplo, registrou uma temperatura mínima de 7.6 o C no dia 26 de junho. A figura 1 mostra um mapa físico da América do Sul com as temperaturas mínimas absolutas registradas nesta e em outras localidades do continente durante o evento frio de 25/26 de junho de 1994. Fica evidente, pelo mapa, que o ar frio que cruzou o Equador descreveu uma longa trajetória contornando a Cordilheira, ficando confinado a oeste do continente. 3108
Figura 1: Mapa físico da América do Sul com as temperaturas mínimas absolutas para algumas localidades durante o evento frio de junho de 1994 (entre os dias 24 e 27). Em azul estão indicados valores inferiores à 20 o C e em vermelho valores maiores ou iguais à 20 o C. As setas indicam a localização aproximada de entrada e saída do Anticiclone (A) do continente. Um dos valores mais baixos registrados durante o evento, com exceção das regiões de alta montanha (acima de 2000 m de altitude), foi de 10.9 o C na cidade de Malargue (35.5 o S, 69.6 o W, 1425 m), na Argentina, situada muito próximo do local em que o Anticiclone cruzou a Cordilheira. Entretanto, em outros locais serranos da Argentina ou até mesmo no Brasil foram registrados valores inferiores. Na região do Morro da Igreja, por exemplo, situada nos arredores de São Joaquim (SC), a uma altitude de aproximadamente 1800 m, a temperatura mínima registrada foi de 12.0 o C no dia 25. Este valor não alcançou o recorde local, que foi de 17.0 o C na década de 80 (Ronaldo Coutinho, comunicação pessoal). No Parque do Estado, na capital Paulista (23 o 39 S, 46 o 37 W, 799 m), a temperatura mínima absoluta chegou a 0.6 o C na manhã do dia 27, uma marca que é próxima ao recorde histórico para a Estação ( 1.2 o C em Julho de 1942 e Agosto de 1955). É interessante observar que no extremo sul do continente não foram registradas temperaturas mais baixas que as ocorridas nas regiões subtropicais e de latitudes médias durante este particular evento, possivelmente pelo fato do anticiclone ter cruzado a Cordilheira mais ao norte, associado à penetração de ar frio em altura proveniente do Oceano Pacífico (Sanchez-Ccoyllo e Silva Dias, 1996). Durante os invernos posteriores à grande geada de 1994, ocorreram situações peculiares e muito interessantes do ponto de vista da pesquisa. Em 1995, a Patagônia enfrentou um dos invernos mais rigorosos dos últimos tempos, com nevadas intensas e duradouras associadas à freqüente passagem de ciclones extratropicais e temperaturas inferiores à 20 o C sendo registradas em algumas localidades da Terra do Fogo sob condições anticiclônicas, o que causou um enorme transtorno social (Serviço Meteorológico Argentino, comunicação pessoal). Em contraste, a maior parte das regiões subtropicais, incluindo todo o sul do Brasil, tiveram um inverno com temperaturas muito acima do normal, com quebra de recordes em algumas regiões. Já em 1996 ocorreu o oposto, ou seja, ausência de neve e temperaturas amenas na Patagônia (com escassa passagem de ciclones), e temperaturas bem abaixo do normal (inclusive com ocorrência de neve) no Sul e Sudeste do Brasil (Pezza e Ambrizzi, 1999), com passagem de ciclones intensos próximo à costa do Rio Grande do Sul e advecção de ar frio marítimo associada à circulação anticiclônica na costa. Esta grande variabilidade no que diz respeito à propagação do ar frio parece estar fortemente ligada às anomalias nas trajetórias dos ciclones e anticiclones migratórios que se formam próximo à superfície. Em geral, estes sistemas possuem uma estrutura bastante baroclínica associada. Os mecanismos de grande escala envolvidos estão ligados à circulação geral da atmosfera, e possuem uma grande interdependência com as anomalias da temperatura da superfície do mar e também com a convecção Tropical (mecanismos teleconectivos), o que torna bastante complexo o seu estudo. Acresce-se a isso o fato de que outros mecanismos de escalas menores também podem desempenhar um papel importante no sentido de modular as trajetórias das massas frias que passam sobre a Cordilheira, como por exemplo o balanço radiativo local, bastante dependente da umidade disponível na coluna. Esta pesquisa visa uma melhor compreensão destes mecanismos físicos associados à propagação do ar frio sobre o continente, que possui um impacto direto em importantes atividades sociais como a agricultura, o transporte, o turismo, as telecomunicações, a saúde pública e outras. A seguir é feito um resumo da metodologia utilizada e são apresentados alguns resultados preliminares, incluindo um breve estudo de caso para as ondas de frio de junho (figura 1) e julho de 1994. 3. DADOS E METODOLOGIA Nos últimos anos, alguns pesquisadores passaram a usar esquemas automáticos de identificação e plotagem do deslocamento dos centros de alta e baixa pressão, com o intuito de eliminar o exaustivo trabalho manual a que se era submetido no passado, com a vantagem adicional de criar-se uma maior objetividade e uniformidade na comparação entre diferentes trabalhos. No presente trabalho, utilizou-se um esquema automático de diagnóstico da posição e trajetórias de centros de ciclones e anticiclones desenvolvido pelos pesquisadores Ross Murray e Ian Simmonds, da Universidade de Melbourne, Austrália (Murray and Simmonds 1991a, daqui para frente referido como MS). 3109
O esquema pode ser usado, a princípio, para quaisquer tipos de dados, entretanto ele foi escrito especialmente para localizar baixas e altas meteorológicas na esfera, mais particularmente baixas ao nível médio do mar. Os três princípios básicos usados para o diagnóstico dos ciclones são os seguintes: I. Cada valor de pressão é comparado com os valores ao redor e são então agrupadas as possíveis candidatas à baixas pressões, em uma matriz; II. III. Em seguida, é aplicado um critério mais flexível, para que eventuais sistemas de escala menor também apareçam. O esquema procurará então por pontos de grade nos quais o laplaciano horizontal da pressão é maior que o laplaciano em 8 pontos de grade ao redor e maior também que um valor positivo previamente especificado; Posteriormente, para cada um dos pontos encontrados em II, o esquema procurará por um mínimo local de pressão. Nesta parte é usada uma técnica iterativa que é uma extensão bidimensional do algoritmo de Newton - Raphson. A convergência para encontrar os mínimos tende a ocorrer depois de 3 ou 4 iterações. Para o caso dos anticiclones, o processo é todo análogo, bastando tomar-se os máximos de pressão. A segunda parte do programa de MS, que se encarrega de determinar a trajetória dos centros de pressão, possui uma significativa componente estatística, pelo simples fato de que não se pode garantir com 100% de certeza se determinado centro de baixa ou alta é ou não o resultado do deslocamento de um particular centro existente na análise anterior. O critério básico considera um determinado raio de ação sobre cada ciclone (ou anticiclone) encontrado em um dado instante de tempo, de modo que todos os sistemas que se encontrarem neste raio de ação na análise imediatamente posterior serão candidatos a serem a evolução do sistema inicial. O esquema automático desenvolvido por MS tem apresentado bons resultados e mostrado ser uma importante ferramenta para estudos climatológicos, conforme discutido Jones e Simmonds, 1993 (vide também Murray e Simmonds 1991b). Este esquema também foi usado com sucesso em um recente trabalho de mestrado desenvolvido no IAG/USP (Ito e Ambrizzi, 1999). Para este estudo foram utilizados os dados de pressão reduzida da Reanálise do NCEP (Kalnay et al, 1996) para o período de JJA de 1973 à 1996 (à cada 12 horas). Os parâmetros de especificação no esquema automático foram calibrados comparando-se as saídas produzidas pelo modelo com análises manuais. Para a determinação da climatologia das trajetórias, foram considerados anticiclones de valores central superior à 1020 hpa e ciclones de pressão central inferior à 1015 hpa. 4. RESULTADOS A figura 2 mostra uma superposição de todas as trajetórias de anticiclones (A) e ciclones (B) para o período de JJA de 1973 à 1996. As trajetórias foram obtidas pelo esquema automático de MS para os dados de pressão reduzida com um intervalo de 12 horas. Ciclones e anticiclones que aparecem apenas como pontos correspondem a casos nos quais verificou-se uma ciclogênesis (anticiclogênesis) em determinado horário e uma ciclólise (anticiclólise) no horário imediatamente seguinte (após 12 horas). Nota-se que estes resultados fornecidos pelo esquema automático estão bastante próximos do que se poderia esperar em função das referências existentes na literatura (Jones e Simmonds 1993; Sinclair 1994, 1995 e 1996, e Taljaard 1967, dentre outros). Os anticiclones descrevem um caminho preferencial confinado entre 25 e 50 o S, com trajetórias tipicamente de oeste para leste nos oceanos. Sobre os três continentes (África, Austrália e América do Sul), a ocorrência de trajetórias com uma componente meridional significativa é muito mais elevada do que nos oceanos (especialmente na AS), o que está provavelmente associado ao maior contraste térmico, à topografia e à circulação de altos níveis existente sobre os continentes. Na interior da Antártica, nota-se um acúmulo de trajetórias que na realidade é fruto de um problema numérico decorrente da redução da pressão em regiões de elevada topografia. Problema semelhante também foi identificado sobre os Andes. Em termos de simetria, há um indicativo de que o cinturão de altas pressões é mais largo e menos concentrado no Pacífico e Atlântico (a dispersão latitudinal é maior), e mais estreito e mais concentrado (menor dispersão latitudinal) no oceano Índico (figura 2A). É provável que a distribuição assimétrica entre continentes e sua topografia e os oceanos esteja relacionada à esta observação, entretanto foge ao escopo da presente discussão o porquê desta propriedade. 3110
Em termos das trajetórias sinóticas dos ciclones (figura 2B), fica evidente que sua dispersão latitudinal é razoavelmente superior à dos anticiclones, podendo-se dizer, de forma geral, que os ciclones ficam confinados em um cinturão de trajetórias que circunda o globo entre as latitudes de 25 o S e a borda do continente Antártico, não ultrapassando em geral o Círculo Polar Antártico mas podendo chegar até cerca de 80oS na reentrância do mar de Ross (170 o W). É interessante notar que praticamente não são encontrados ciclones no interior da Antártica, apesar da freqüência máxima de passagem ocorrer exatamente na borda do continente (região de máximo contraste). No que diz respeito às influências topográficas, A figura 2 também evidencia um acúmulo de anticiclones sobre as maiores cadeias de montanhas do HS, e um acúmulo de ciclones imediatamente à leste, o que pode ser considerado como uma mescla de questões numéricas com questões realmente dinâmicas. Fica evidente, por exemplo, uma nuvem de pontos de ciclones à leste dos Andes, que acredita-se ser devido, em grande parte, à uma problemática numérica. Uma filtragem topográfica seria necessário para remover este sinal. Como o critério de intensidade e localização dos ciclones utilizado foi bastante flexível, pode-se encontrar também alguns centros isolados (sem descrever trajetórias) nas regiões tropicais. Da mesma forma que no caso dos anticiclones, para os ciclones as figuras deixam evidente que a dispersão latitudinal nos oceanos Atlântico e Pacífico é maior do que no Oceano Índico. A B 3111
Figura 2: Total de trajetórias de Anticiclones com pressão central superior à 1020 hpa (A) e de Ciclones com pressão central inferior à 1015 hpa (B) durante o período de JJA de 1973 à 1996 (à cada 12 horas), segundo o esquema automático de MS. Apesar de não ser possível (mesmo porque fisicamente não teria sentido) a definição de uma média das trajetórias mostradas na figura 2, é possível, isto sim, a determinação de trajetórias a partir de um campo médio de pressão. A figura 3 apresenta as trajetórias dos ciclones e anticiclones encontrados para um JJA calculado através da média diária dos campos de pressão da Reanálise do NCEP para 15 anos de dados (1982-1996). Conforme o esperado, nota-se que foi feita a filtragem dos eventos sinóticos, obtendo-se os sinais apenas em regiões de muita persistência. Os diferentes campos de ação foram identificados por legendas na própria figura 3. Para os ciclones, obteve-se um sinal bastante forte próximo à borda do continente Antártico (B), caracterizando a região de freqüente passagem dos transientes (storm tracks). O sinal destes transientes é tão intenso que ele não pôde ser filtrado pela média. Na região do oeste do Paraguai, foi identificado um sinal fraco correspondente à Baixa Térmica (BT) que se desenvolve devido ao forte aquecimento radiativo existente no final do inverno. De fato, refinando-se a análise à nível mensal, observa-se a presença deste sinal apenas em agosto (não mostrado). Em termos dos anticiclones, foram identificados diversos centros de ação. Em A1, observa-se a influência dos anticiclones migratórios que cruzam a América do Sul, adentrando o continente ao redor de 35 à 45 o S e saindo para o oceano Atlântico um pouco mais ao norte, de acordo com o obtido, por exemplo, por Lima e Satyamurty (1991). O sinal indicado por A2 corresponde à Alta Subtropical do Atlântico Sul, e está bastante próximo do esperado climatologicamente para o período de inverno (Ito e Ambrizzi, 1999). A região A3 corresponde à Alta Subtropical do Oceano Índico, a região A4 corresponde às altas migratórias que cruzam o sul da Austrália durante o inverno e o sinal A5 corresponde à Alta Subtropical do Pacífico Sul. No centro do continente Antártico também foi identificado um sinal anticiclônico, marcado por AT (Altas Topográficas). Este último sinal deve ser interpretado como um problema de redução da pressão decorrente da elevada topografia, e não como um fenômeno físico real. É muito interessante comparar as figuras 2 e 3 e perceber que, na realidade, a figura 3 nada mais é do que uma filtragem sobre a figura 2, indicando apenas as regiões onde o sinal relativo à passagem de ciclones e anticiclones é mais intenso. Figura3: Trajetórias de anticiclones (A) e ciclones (B) nos mesmos moldes da figura 2 porém usandose a média diária do campo de pressão para JJA de 1982 1996. A Baixa do Chaco está indicada por BT, e região dos storm tracks por B. A1 corresponde às altas migratórias na AS, A2 à Alta Subtropical do Atlântico Sul, A3 à Alta do Índico, A4 às altas migratórias australianas, A5 à Alta Subtropical do Pacífico Sul, e AT às altas topográficas formadas na Antártica. 3112
Para o período de inverno 1973 à 1996 também foram contabilizados o número total de trajetórias dos ciclones e anticiclones mês à mês, com o objetivo de verificar se a série temporal poderia apresentar algum indicativo de alteração climática deste parâmetro. A figura 4 mostra a evolução temporal do número de trajetórias dos ciclones com pressão central inferior à 1015 hpa (vermelho) e dos anticiclones com pressão central superior à 1020 hpa (azul) para o referido período. Este cálculo foi realizado englobando todo o Hemisfério Sul. Observa-se que o número de ciclones é ligeiramente superior ao número de anticiclones. Na média, obteve-se 350 trajetórias de anticiclones e 469 trajetórias de ciclones por trimestre de inverno (junho julho 530 480 Número de Trajetórias 430 380 330 280 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 Ano agosto). Não há nenhuma tendência temporal estatisticamente significativa para alteração do número de sistemas, apesar de no caso dos ciclones ter sido identificada uma ligeira tendência à diminuição. Figura 4: Evolução temporal do número de trajetórias dos ciclones com pressão central inferior à 1015 hpa (vermelho) e dos anticiclones com pressão central superior à 1020 hpa (azul) para JJA de 1973 à 1996, segundo o esquema automático de MS. As ondas de frio de junho e julho de 1994, já documentados na literatura (Marengo et al, 1997, e Sanchez-Ccoyllo e Silva Dias, 1996), foram analisadas utilizando-se o esquema automático de MS. A figura 5 mostra a trajetória do anticiclone migratório e do ciclone extratropical associados à onda de frio de junho de 1994. Na figura, identificou-se por A1 a trajetória do Anticiclone sobre o Pacífico e por A2 a trajetória a partir do instante em que o Anticiclone cruzou os Andes. A trajetória aparece interrompida enquanto a anticiclone cruzava a Cordilheira por motivos numéricos, já que para o esquema automático não é possível identificar a alta sobre a cordilheira devido aos problemas que surgem na pressão reduzida. No caso do ciclone, este problema não existiu. 3113
Figura 5: Trajetórias do anticiclone (A1, A2) e ciclone (B) extratropicais associados à onda de frio de junho de 1994, segundo o esquema automático de MS. A trajetória do anticiclone ficou dividida em duas por problemas numéricos. As datas e os valores centrais mais intensos estão indicados ao lado das trajetórias. A trajetória do anticiclone associado à geada de junho de 94 (figura 5) foi excepcionalmente longa, tendo início na região da Nova Zelândia no dia 06 de junho, aproximadamente 20 dias em antecedência à geada no Sudeste do Brasil. Durante a maior parte do percurso no Oceano Pacífico, o anticiclone manteve-se ao redor de 33 o S, com uma pressão central por volta de 1030 à 1033 hpa. Ao se aproximar da América do Sul, o anticiclone curvou-se um pouco em direção ao sul, o que é esperado devido a presença da Cordilheira (Seluchi et al, 1998), transpondo os Andes por volta do dia 24 com uma acentuada trajetória meridional, posteriormente atravessando o Paraguai e atingindo o Estado do Paraná nos dias 26 e 27, durante o período das geadas mais intensas no Sudeste do Brasil. Finalmente, a alta deslocou-se para o Oceano Atlântico e descreveu uma longa trajetória até fundir-se à Alta Subtropical e desconfigurar-se por volta do dia 06 de julho, já próximo à África. O ciclone (B) associado ao evento frio formou-se à leste dos Andes no dia 23, mas a perturbação em médios e altos níveis já estava presente no Pacífico alguns dias antes. No dia 23, foram registradas intensas nevadas na Patagônia em associação à passagem da baixa, na presença de advecção fria bastante intensa. O ciclone logo se deslocou para alto mar e intensificou-se até um máximo de 972 hpa, e finalmente veio a sofrer ciclólise próximo ao continente Antártico no dia 04 de julho. Neste caso, aparentemente a trajetória continental e anomalamente ao norte do anticiclone foi a principal responsável pelas geadas no Sudeste do Brasil, entretanto o ciclone desempenhou um papel igualmente importante para o acúmulo de ar frio no extremo sul do continente. Estes resultados são similares aos obtidos em outros estudos de casos de ondas de frio intensas na América do Sul, dentre os quais pode-se citar os de Algarve e Cavalcanti (1994), Fortune e Kousky (1983), Girardi (1983), Hamilton e Tarifa (1978), Souza (1998), e Vera e Vigliarolo (2000), dentre outros. Para todos os eventos, o deslocamento meridional do anticiclone sobre o continente e a advecção fria associada principalmente a um ciclone extratropical sempre estiveram presentes. A figura 6 mostra as trajetórias do ciclone a do anticiclone frios associados ao evento frio de julho de 94, quando uma friagem bastante intensa também foi sentida na região Amazônica. 3114
Figura 6: Ídem à figura 5, para o evento frio de julho de 1994. Destaca-se que as trajetórias foram completamente distintas das verificados no caso anterior. O anticiclone teve origem em latitudes muito mais elevadas (50 o S) ao redor de América do Sul, e cruzou os Andes em uma região na qual a altitude média da Cordilheira é baixa, o que permitiu inclusive que o esquema automático tenha identificado o anticiclone mesmo sobre a Cordilheira. O valor central máximo do anticiclone chegou à 1036 hpa na Argentina, onde uma trajetória bastante meridional foi identificada. A geada ocorrida na região tropical durante este evento não foi tão intensa quanto a geada de junho, entretanto no centro da Argentina as temperaturas atingiram valores muito inferiores neste caso, o que possivelmente se explica pelo fato do anticiclone ter passado mais ao sul. A oscilação do anticiclone que aparece na figura na região nordeste da Argentina, que aparentemente pode aparentar ser uma descontinuidade na trajetória ou um erro numérico, foi observada nos dados da Reanálise, sendo fisicamente possível ao avaliar-se a possibilidade de um semi estacionamento do sistema. Por fim, também é interessante notar que o ciclone presente no caso de julho teve características totalmente distintas das de junho. Sua intensidade foi muito menor (apenas 1000 hpa), e o mesmo não esteve associado à um cavado intenso proveniente do Pacífico, como no caso anterior. 5. CONCLUSÕES A América do Sul, por ser um continente essencialmente agrícola, tem sua economia fortemente atrelada às flutuações climáticas sazonais, e as ondas de frio intensas são um importante fenômeno que afeta anualmente, de forma diferenciada, distintas zonas do continente. No caso das latitudes médias e altas, os maiores transtornos sociais em geral decorrem do grande acúmulo de neve em regiões habitadas e das condições meteorológicas adversas que impossibilitem o andamento normal de diversas atividades, e no caso da faixa tropical a ocorrência de geada em uma vasta região agrícola tem se mostrado como o fator de maior relevância. A metodologia automática utilizada para o monitoramento dos ciclones e anticiclones pode ser uma ferramenta de grande valia se implementada pela área operacional. Além disso, o caso da onda de frio de junho de 1994 mostrou que os anticiclones migratórios frios capazes de induzir a formação de geada nas regiões tropicais podem ser monitorados com grande antecedência. Se a física deste processo puder ser entendida com mais clareza, a previsão estendida de ondas de frio intensas deverá ser bastante beneficiada. 3115
6. AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de agradecer à FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) pelo suporte financeiro através da bolsa de doutoramento processo número 99/04105-2 e ao projeto Temático de Inverno número 96/01403-4. REFERÊNCIAS Algarve, V. R., e I. Cavalcanti, 1994: Características da circulação atmosférica associadas a ocorrência de geadas no sul do Brasil. Anais do VIII Congresso Brasileiro de Meteorologia. Belo Horizonte, MG, 545-547. Dapozzo, J., e M. A. F. Silva Dias, 1994: Um estudo de caso da penetração do ar polar em latitudes baixas: Julho de 1988. Anais do VIII Cong. Bras. Meteo., Belo Horizonte, MG, 601-606. Fortune, M., e V. E. Kousky, 1983: Two severe freezes in Brazil: precursors and synoptic evolution. Mon.Wea.Rev., 11, 181-196. Garreaud, R. D.; Wallace, J. M., 1998: Summertime incursions of mid latitude air into subtropical and tropical South America. M. W. R., volume 126, 10, 2713-2733. Girardi, C., 1983: El Pozo de los Andes. Proceedings, First International Congress on Southern Hemisphere Meteorology. São Jose dos Campos, São Paulo, Brazil. Amer. Meteor. Soc. 226-229. Hamilton, M. e J. Tarifa, 1978: Synoptic aspects of a polar outbreak leading to frost in tropical Brazil, July 1972. Mon.Wea.Rev., 106, 1545-1556. Hartjenstein, G. e R. Bleck, 1991: Factors affecting cold air outbreaks east of the Rocky Mountains. M. W. R., 119, 2280-2292. Ito, Ester R. K., e Tércio Ambrizzi, 1999: O uso de um modelo traçador de anticiclones no estudo da alta subtropical do Atlântico Sul. Dissertação de Mestrado. Depto. de Ciências Atmosféricas, IAG USP. Jones, D.A., e I. Simmonds, 1993: A climatology of Southern Hemisphere extratropical cyclones. Climate Dyn., 9, 131-145. Kalnay, E., Kanamitsu, M., e outros, 1996: The NCEP/NCAR 40-Year Reanalysis Project. Bulletin of the American Meteorological Society, vol.77, núm. 3, 437-471. Klaus, Dieter, 1973: Las invasiones de aire frio en los Tropicos a sotavento de las montañas Rocallosas. Geofísica Internacional, Vol. 13, 2, 99-143. Lima, L. Cláudio Ermida, e Prakki Satyamurty, 1991: Um estudo observacional da formação e trajetórias de anticiclones extratropicais na América do Sul. Tese de Mestrado - INPE 5387-TDI/476, S. José dos Campos, dezembro de 1991. Marengo, José A, A. Cornejo, P. Satyamurty, C. Nobre e W. Sea, 1997: Cold Surges in the Tropical and Extratropical South America. The strong event in June 1994. Monthly Weather Review, 125, 2759-2788. 3116
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