AS PRÁTICAS ESPORTIVAS/LAZER PARA SE ESTAR SEMPRE EM FORMA : O CONTEMPORÂNEO CULTO AO CORPO E A INTERVENÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA



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Transcrição:

1 AS PRÁTICAS ESPORTIVAS/LAZER PARA SE ESTAR SEMPRE EM FORMA : O CONTEMPORÂNEO CULTO AO CORPO E A INTERVENÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA Ronaldo Medeiros Brazão 1 Tatiana Passos Zylberberg (Orientadora) 2 Resumo Em tempos de adoração e obsessão em cultuar o corpo, as práticas de esporte e lazer são muitas vezes encaradas como treinamento esportivo, sendo atravessadas por perigosos imperativos que prometem juventude, bem-estar, beleza e, consequente, felicidade e saúde a seus praticantes. Tais práticas vêm ganhando cada vez mais adeptos dedicados e fieis. Porém, os limites para a obtenção do tal propalado corpo belo e saudável vêm sendo relativizados, o que induz a reflexão sobre como o professor de Educação Físic a pode intervir nesse contexto contemporâneo de culto ao corpo que estabelece formas de se estar em forma. Este estudo bibliográfico traz para o diálogo escritores contemporâneos para realizar uma análise crítica e reflexiva sobre os conceitos hodiernos de corpo, os valores das práticas esportivas e de lazer e, o papel do profissional em Educação Física em suas intervenções. Há um apelo cada vez mais abrangente e imperativo quanto à prática sistemática e formal de exercícios físicos e esportes para a população em geral, como um dos mecanismos para o indivíduo se manter em forma a partir de uma norma que dita o que é a boa forma. Nesta lógica, as práticas de lazer, que trazem em sua essência o sentido lúdico, o prazer, e sociabilidade, vem se esvaziando, dando lugar cada vez mais a uma necessidade sistemática, um caminho para se conseguir alcançar um ambicionado, veiculado e profetizado patamar de saúde/estética e felicidade plena. Em nome do imperativo sempre jovem, inúmeras pessoas dedicam-se exaustivamente, e até adoecem para tentar manter o status quo do corpo belo. Neste contexto, professores de Educação Física, devem superar os discursos midiáticos e mercadológicos, devem ir além da intervenção técnica para dialogar sobre o entendimento de corpo de seus alunos, tornando-os sujeitos críticos e motivados a práticas mais conscientes, autenticamente saudáveis, superando significados e sentidos oriundos do senso comum. Palavras-Chave: Culto ao corpo, Práticas desportivas/lazer, Intervenção Profissional. Introdução Em tempos de adoração e obsessão em cultuar o corpo, as práticas de esporte e lazer vem sendo atravessadas por perigosos imperativos que prometem juventude, bem-estar, beleza, felicidade e saúde a seus praticantes. As práticas, tanto formais e informais vêm ganhando cada vez mais adeptos fieis. A ferrenha obtenção do tal propalado corpo belo e saudável convocam profissionais de Educação Física a promoverem intervenções que não sejam coniventes com excessos para buscar formas de ter um corpo em forma. 1 Discente do Curso de Educação Física Bacharelado - IEFES-UFC 2 Docente do Instituto de Educação Física e Esportes (IEFES) da Universidade Federal do Ceará (UFC) - Laboratório de Estudos das Possibilidades de Ser (LEPSER)

2 Há um apelo cada vez mais abrangente e imperativo quanto à prática sistemática e formal de exercícios físicos e esportes para a população em geral, como um dos mecanismos, segundo Soares (2006), para o indivíduo se manter em forma a partir de uma norma que dita o que é a boa forma. Também é claramente observável, a união e o esforço da mídia, do governo, do mercado e dos setores biomédicos, em propalar os benefícios do ativismo físico para a saúde. Nesta lógica, as práticas de lazer, que trazem em sua essência o sentido lúdico, o prazer, e sociabilidade, vem se esvaziando, dando lugar cada vez mais a uma necessidade sistemática, um caminho para se conseguir alcançar um ambicionado, veiculado e profetizado patamar de saúde/estética e felicidade plena. Em nome do imperativo seja sempre jovem, inúmeras pessoas dedicam-se exaustivamente, e até adoecem para tentar manter o status quo do corpo belo. De acordo com (Soares, 2006, p.120) para muitas pessoas praticar uma atividade motora sistematizada formalmente hoje é quase uma religião, não isenta da culpa quando a ela se falta ou não se é fiel e é também segundo Vaz (1999) um sacrifício disfarçado de alegria obrigatória. Este estudo bibliográfico traz então para o diálogo escritores contemporâneos como Sant anna (2006), Vaz (1999, 2004), Soares (2006) e Bento (2013) para realizar uma análise crítica e reflexiva sobre os conceitos hodiernos de corpo, os valores das práticas esportivas e de lazer, de forma a defender uma intervenção profissional em Educação Física mais crítica e consciente. Revisão de literatura Os poderes dominantes das sociedades, desde a antiguidade clássica, ambicionam controlar e governar os corpos por intermédio de uma série de conhecimentos, técnicas e discursos (SANT ANNA, 2006; VAZ, 1999). Atualmente, vários autores contemporâneos (VAZ, 1999; LÜDORF, 2009, FRAGA, 2006; GALLO, 2006; ODILON, 2015) vêm denunciando existir na essência do contemporâneo culto ao corpo saudável e belo, um poder difuso, que longe de ser sutil, imprime um macrodiscurso (LÜDORF, 2004) da vida ativa e esportiva.

3 Gallo (2006) se refere ao controle dos corpos nessa atual configuração de sociedade de controle, que transcendeu os dispositivos disciplinares (FOUCAULT, 1977 apud FRAGA, 2006), como: uma forma de controle-estimulação, de forma que, quanto mais estimulados, quanto mais ativados, paradoxalmente mais controlados estarão os corpos (p.27). Nessa perspectiva biopolítica, envolvendo governo e controle dos corpos pelo poder nas sociedades pós-modernas, diversas instituições contemporâneas como a(s): imprensas, televisão, mídias virtuais, academias de ginástica, escolas, clubes esportivos, clínicas, nos bombardeiam de informações, ditando os mais eficazes exercícios e atividades desportivas, estando estes vinculados às únicas possibilidades de se bem viver, com fins mercadológicos e sanitaristas nem sempre explícitos. Para ilustrar a existência dos fenômenos hodiernos, um estudo que se propôs a observar três perfis femininos dentre os dez mais populares da categoria fitness no Instagram (BATISTA e RODRIGUES, 2014), demonstra como esse poder extremamente difuso sobre o corpo na contemporaneidade, se manifesta pulverizado, através de várias formas e de vários meios (LÜDORF, 2009; TEVES, 2000). Os autores do estudo verificaram por meio de publicações dessas três mulheres, que são ídolos virtuais e possuem milhares de seguidores, um padrão nessas em aparentarem-se felizes, por meio de postagens de várias fotos dos seus corpos sarados e desnudos, vinculados a mensagens explícitas que priorizam o foco nos exercícios físicos, e reprovam às atitudes que fogem do padrão fitness, tal patamar de felicidade veiculado por essas personalidades públicas, que são exemplos para inúmeras pessoas, se encontra condicionado à obrigação de ser vitorioso (a) no mundo fitness. No mesmo contexto, Hansen e Vaz (2004) refletem a relação entre o universo esportivo, resultado, mundo fitness e idolatria: No universo esportivo tornam-se ídolos aqueles que quebram recordes, vencem um número significativo de provas, ganham medalhas importantes. Toda uma preparação, com treinos periodizados de maneira especial, é devotada para a fase final e mais importante de cada competição. Uma estrutura semelhante encontramos no mundo do fitness, no qual a idolatria é concedida aos sarados e às gostosas, ou seja, àqueles que são vistos como vitoriosos na corrida pelo delineamento corporal. (p.144) Se por um lado tais fenômenos democratizam a prática desportiva, por outro demonstra fruto de mecanismos cada vez mais fortes de dominação entre as diferentes classes sociais (TEVES, 2000, p.192). Essa relação entre mídia, corpo, esporte, é

4 também facilmente encontrada nas propagandas midiáticas, quando imagens de belos atletas aparecem vendendo, ou usando uma variedade de produtos esportivos, com sedutores invólucros, passando com isso uma imagem corporal saudável, bela, competente (TEVES, 2000). Exaltam-se os padrões de normalidade, o combate ao sedentarismo, através de uma busca infindável pela estética corporal, construindo-se nas massas ideais de beleza, de atleta, e de esporte (MENDES; MELO, 2010; TEVES, 2010). Ao relacionar o culto ao corpo à promoção das atividades físicas com esse fim pelas instituições midiáticas, Soares (2006) questiona se não seria fascista esse discurso do corpo malhado que é vomitado pelos meios de comunicação de massas diuturnamente, nos instigando a refletir sobre a veiculação desse pensamento atual do corpo esculpido, que pela sua tendência egocêntrica, desrespeita e não representa a pluralidade humana, reproduzindo assim, um caminho, único e idealizado para ser feliz, e, consequentemente, saudável. A negligência desses pontos por parte desses meios promove uma insalubre busca desenfreada de um ideal que deve ser singular a todos, indistintamente (TEVES, 2000, ANZAI, 2000; BATISTA e RODRIGUES, 2014). A repetição de imperativos como: seja sempre jovem (SANT ANNA, 2006), na esteira do vômito diuturno midiático, ignora o respeito de cada um para consigo próprio e para com os outros, atribuindo, enfim, a imagem da beleza e a busca pela juventude um patamar bem elevado se comparado aos outros valores humanos. Ao interrogar a finalidade desses seres que são feitos de montanha de músculos, numa sociedade que prescinde cada vez mais de força muscular, Soares (2006) denota, finalmente, o esclarecimento de que há um narcisismo contemporâneo nas sociedades, e que a imagem difundida é mais validada do que a própria existência (BATISTA e RODRIGUES, 2014, p.4). O onipresente discurso da vida ativa (FRAGA, 2006), vinculado a imperativos estéticos, promessas de autonomia, felicidade e saúde, contaminam, com seus objetivos de padronização, os mais diversos cenários. O sentido das práticas desportivas, como já citado, é um deles, que vem sendo afetado de modo impactante e alarmante. Esse sentido, desde sempre perpassado e moldado por mudanças complexas da sociedade referentes ao poder, às instituições sociais e as tecnologias, adquire, constantemente, diferentes significações no imaginário coletivo em função de tais metamorfoses sociais. Porém, através da história da Educação Física e dos esportes, nota-se que tais práticas, mesmo

5 com suas reformulações complexas, desde os primórdios da humanidade, estão intrinsecamente ligadas à busca do ser humano por estética corporal, saúde e ludicidade (OLIVEIRA, 1983). Para reafirmar esse fato, Bento (2013, p.80) observa que: As formas de jogo e exercitação, percussoras do desporto e praticadas nas diferentes épocas e contextos históricos e civilizacionais, foram sempre instrumentalizadas para cumprir uma larga panóplia de finalidades muito díspares, incluindo as do corpo e da saúde. A popularização de conhecimentos metodológicos oriundos do treinamento esportivo, facilmente encontrados nas mídias e instituições já citadas, afetam as pessoas não atletas, que acabam iniciando uma cultura desportiva, promovendo treinamentos que encarnam potência, força e ausência de limites, questões tão caras à cultura contemporânea (HANSEN e VAZ, 2004, p.146) repercutindo, em inúmeros casos, nos já mencionados problemas de saúde. Nessa busca incansável, por vezes obsessiva, trilhada por meio de uma árdua rotina de exercícios, de superação de limites em nome de contornos corporais concebidos como ideais para a estética e a saúde (HANSEN e VAZ, 2004), são considerados moralmente superiores aqueles que praticam atividades físicas e desportivas de forma religiosa, formal, sacrificial, como uma obrigação que deve ser cumprida sistematicamente, vigiada constantemente pelos outros, e principalmente por si mesmo (SOARES, 2006; TEVES, 2000; VAZ, 1999). Atado a tais ideais de superação, domínio do corpo, formalidade, e principalmente de religião, o treinamento desportivo segundo Hansen e Vaz (2004) nos: remete a uma das utopias mais antigas, a imortalidade pela tentativa de superação infinita dos limites humanos, pela expectativa de glória eterna ou pela simples perspectiva de uma vida mais longeva - é pelo treinamento que se pode pensar em torná-la possível. (p.141) As práticas corporais como a musculação, assim como as mais diversas modalidades de ginástica, segundo Hansen e Vaz (2004), também passam por um processo de esportivização nesse mesmo contexto de sacrifício e vigilância. Segundo os autores: tais semelhanças com as modalidades esportivas podem ser evidenciadas na grande dedicação de tempo, nos sacrifícios autoimpostos e ainda na vigilância do corpo pelas balanças, adipômetros, fitas métricas e, no caso das academias de ginástica e musculação, essencialmente pelos espelhos (p.136). Em prol desses ideais ambicionados e veiculados, ainda de acordo com Hansen e Vaz (2004), conclui-se que as pessoas comuns, atualmente, são informadas e motivadas

6 a substituir as atividades físicas e desportivas por verdadeiros programas de treinamento. Logo, as atividades físicas e desportivas não são passíveis de escolha, possuem caráter obrigatório, formal e sacrificial tornando-se, assim, cada vez mais ambígua sua classificação e caracterização enquanto atividades prazerosas, espontâneas e de lazer (ODILON, 2015). Marcellino (2000) ao conceber as atividades de lazer de um modo totalizante, entende que independente de sua natureza, tais atividades vêm tendo sua essência deturpada, pois sendo interpretadas como atividades de esfera permitida e controlada na vida social, através de pressupostos racionalistas, provocam a morte do lúdico e do prazer. O lúdico no contexto da racionalização e da intelectualização das práticas desportivas acaba padecendo completamente, ou então ficando em "segundo plano". A ludicidade é também evitada, pois comumente, aparenta ser um fenômeno restrito a infância, ou uma irresponsável "perca de tempo". Há um entendimento de que as pessoas adultas devem se preocupar com coisas sérias, consideradas produtivas. O fato de vivermos em uma sociedade cada vez mais esportivizada, impregnada pelo princípio do rendimento, condicionam a distorção de tais interpretações (GOMES, 2004 apud MENDES e MELO, 2010; VAZ, 1999). Kunz (2009, p.29) considera problemático para o esporte, e para os praticantes dessas e de outras manifestações humanas, que tais atividades "sejam, de certo modo, 'intelectualizadas' pelos profissionais, pela ciência e pelos próprios praticantes do esporte". Adotar uma rotina de exercícios físicos ou desportivos compulsivamente, ditados por modismos, como denotador de status, vinculado a esse impactante teor de produtividade, acaba fazendo com que se valorize a performance e o produto ao invés do processo de vivência que lhe dá origem, caracterizando tais práticas saudáveis da mesma forma alienante verificada em outras áreas de atividade humana (MARCELLINO, 2000). Assim, as práticas desportivas atreladas ao desejo de rendimento, de produtividade, segundo Vaz (2009, p.93) trazem a preocupação com uma precisão cada vez maior na análise, traduzida, via de regra, em linguagem matemática, em números que possam comparar grandezas em sua possível equivalência, alterando com isso a especificidade e o sentido da experiência vivida, soterrando o prazer de movimentar-se, em praticar exercícios, pelos supostos resultados dessa movimentação, pois nessa perspectiva, os exercícios físicos não têm mais fins em si mesmo, sendo por vezes vistos até como uma intervenção não medicamentosa em prol da saúde (FRAGA, 2006; ODILON, 2015).

7 Pistas para intervenção profissional que rompa com o irrefletido culto as formas O projeto de disciplinar e encaixotar (ODILON, 2015) os corpos por meio de atividades físicas e desportivas, para alcançar o ser ideal, esportivo, é uma ideia que apesar de não ser nova (SOARES, 2006; BENTO, 2013), adquiriu, progressivamente, uma importância surreal na vida da população em geral, um espaço inédito na mídia, e uma consolidada banalização no cotidiano das grandes e pequenas cidades, pelos pontos estéticos e higiênicos já supracitados, acarretando um implícito detrimento da ludicidade, tão característica de tais práticas. Assim, como comentamos anteriormente, tais condutas esportivas acabaram se tornando obsessões desportivas, o que, por não raras vezes, repercute em consequências seriamente desastrosas a seus praticantes, de faixas etárias distintas, como: lesões, esgotamento físico e psicológico, distúrbios de imagem corporal, transtornos alimentares, utilização de anabolizantes, etc (SANT ANNA, 2006; PAULA, 2014, ODILON, 2015). Outras possibilidades para professores de Educação Física compreenderem o corpo e as práticas esportivas/lazer na pós-modernidade estão sendo propostas por diversos pesquisadores que anunciam e denunciam a necessidade de romper com as práticas que criticamos ao decorrer da revisão bibliográfica. Neste sentido, destacamos a proposta de Corpos Anárquicos e Corpos extra-vagantes do coletivo do NISE (Núcleo de Educação Somaestética) da UFC (Cavalcante Junior, 2014, 2015). Romper modelos, romper formas que padronizam e excluem tanto nas práticas de lazer, quanto esportivas. Ao invés de priorizar as obsessões desportivas, podemos convidar as pessoas as experimentações esportivas. A viver diferentes experiências de movimento, ampliando tempos e espaços, desmecanizando os gestos. Os profissionais/professores de Educação Física, precisam transcender os já conhecidos modelos pedagógicos tradicionais da área, que tendem a abordar as temáticas corpo/esporte de forma tecnicista, cartesiana e verticalizada. Há uma vasta literatura que dialoga sobre possíveis intervenções inovadoras, adequadas aos novos paradigmas de nossa sociedade pós-moderna, tendo em vista que há uma busca em tornar as intervenções pedagógicas mais coerentes em relação às rápidas e imprevisíveis mudanças sociais, sendo esse movimento uma constante que vem acontecendo em todas as áreas do conhecimento.

8 A área da Educação Física também vem sendo, constantemente, reformulada e teorizada, tendo em vista que a partir de transformações do macro para o micro, a visualização dos sujeitos em relação ao que é corpo, ser corpo, e realizar práticas desportivas também estão passíveis de reinterpretações, e os profissionais precisam estar preparados para esse novo contexto amplo atual. Alguns estudiosos da área da Educação Física, observam e dialogam sobre a necessidade de que o profissional em Educação Física se torne lúcido, consciente e crítico em relação às problemáticas que cercam as práticas corporais, especialmente as práticas esportivas. Tais estudiosos propõem que ele possa intervir em sua atuação profissional mediando conhecimentos não apenas sobre regras, conceitos técnico-táticos, mecanização e aperfeiçoamento dos movimentos, mas sim de forma humanizada, a fim de que os alunos entendam a complexidade dos benefícios que tais práticas podem propiciar aos seus praticantes, na eminência de desconstruir a já denunciada distorção que as práticas corporais desportivas veiculadas pelos canais midiáticos de informação. Considerações finais O professor de Educação Física, independente do campo de intervenção deve superar os discursos midiáticos e mercadológicos, deve ir além da intervenção técnica para dialogar sobre o entendimento de corpo de seus alunos, tornando-os sujeitos críticos e motivados às práticas mais conscientes, humanizadas, e autenticamente saudáveis, superando significados e sentidos oriundos do senso comum. Além disso, defende-se a necessidade de valorizar a individualidade, sem buscar saúde num modelo externo a si. A perspectiva do autocuidado deve ser priorizada, no lugar de buscas estéticas e funcionalistas. Cabe aos professionais da Educação Física, tanto nas práticas esportivas, quanto de lazer, colaborarem para a expressão sensível, livre e autêntica. Ao colaborar que as pessoas não se deixem corromper pela padronização e automatismo, abre-se possibilidade de experiências mais singulares e estésicas. Ao não ceder ao domínio dos modelos midiáticos, outras formas de relacionar com as formas do corpo, podem surgir. Não podemos ser adeptos do embrutecimento pelo movimento, temos que atuar e formar profissionais que atuem para a plasticidade poética do mover-se. Isso implica ainda numa outra compreensão de saúde que não profilática e higiênica. Uma dimensão

9 de saúde multifatorial, na qual o peso que temos ou a definição muscular que alcançamos, é um pequeno detalhe do que somos. Este artigo traz alguns elementos reflexivos sobre o culto ao corpo na contemporaneidade e aponta pistas para a intervenção profissional em Educação Física. Esta temática é ampla e nos convoca a permanente investigação. Nos convoca também a (re)avaliar quais os conhecimentos estamos ofertando nos cursos de formação de forma a romper com a hegemonia midiática. Referências ANZAI, K. O corpo enquanto objeto de consumo. Revista Brasileira de Ciência do Esporte, Campinas, v.21, n.2-3, p.71-6, 2000. BENTO, J. O. (2013) Desporto: discurso e substância. Belo Horizonte: Instituto Casa da Educação Física/UNICAMP Centro de Estudos Avançados Coleção CEAv Esporte. CAVALCANTE JUNIOR, F. S. (Org). Corpos anárquicos. 1ed. Curitiba, PR: CRV, 2014. (Org). Corpos extra-vagantes. 1ed. Curitiba, PR: CRV, 2015. FRAGA, A. B. Exercício da informação: governo dos corpos o mercado da vida ativa. Campinas: Autores Associados, 2006. GALLO, S. Corpo ativo e filosofia. In: MOREIRA, Wagner Wey (org.). Século XXI: a era do corpo ativo. Campinas: Papirus, 2006. HANSEN, R.; VAZ, A. F. Treino, culto e embelezamento do corpo: um estudo em academias de ginástica e musculação. RCBCE, Campinas, v. 26, n. 1, p. 135-152, set./2004. KUNZ, E. Esporte: uma abordagem fenomenológica. In: STIGGER, M.P.; LOVISOLO, H.R. (Orgs.). Esporte de rendimento e esporte na escola. Campinas: Autores Associados, 2009. p.27-48. LÜDORF, S.M.A. Corpo e formação de professores. Interface (Botucatu), v.13, n.28, p.99-110, 2009. MARCELLINO, N. C. Estudos do lazer: uma introdução. 2. ed., ampl. Campinas, SP: Autores Associados, 2000.

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