UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO FLÁVIO BASILE. As cláusulas pro soluto e pro solvendo no contrato de factoring



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Transcrição:

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO FLÁVIO BASILE As cláusulas pro soluto e pro solvendo no contrato de factoring Orientador: Prof. Dr. Rogério Alessandre de Oliveira Castro Ribeirão Preto 2013

FLÁVIO BASILE As cláusulas pro soluto e pro solvendo no contrato de factoring Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo como requisito parcial da obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Rogério Alessandre de Oliveira Castro Ribeirão Preto 2013

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. BASILE, Flávio. As cláusulas pro soluto e pro solvendo no contrato de factoring. / Flávio Basile Ribeirão Preto, 2013. 89 p. ; 30 cm. Trabalho de conclusão de curso (Graduação) - Faculdade de Direito de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo, 2013. Orientador: Prof. Dr. Rogério Alessandre de Oliveira Castro. 1.Factoring. 2.Cessão de crédito. 3.Endosso. 4.Pro soluto. 5.Pro solvendo. 6.Direito de regresso.

FOLHA DE APROVAÇÃO Flávio Basile As cláusulas pro soluto e pro solvendo no contrato de factoring. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo como requisito parcial da obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Rogério Alessandre de Oliveira Castro. Aprovado em: BANCA EXAMINADORA Professor Doutor Rogério Alessandre de Oliveira Castro. Instituição: Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Assinatura: Professor Doutor Instituição: Assinatura: Professor Doutor Instituição: Assinatura:

Ao meu pai.

RESUMO BASILE, Flávio. As cláusulas pro soluto e pro solvendo no contrato de factoring. 2013. 45 f. Trabalho de Conclusão de Curso Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2013. RESUMO: O presente trabalho de conclusão de curso tem como objeto o estudo das cláusulas pro soluto e pro solvendo no contrato de factoring. A possibilidade ou não de o faturizador se voltar contra o faturizado, no caso de inadimplemento do devedor, é um tema controverso na doutrina e na jurisprudência e gera significativo impacto econômico para as partes, influenciando no custo da operação e na segurança jurídica e econômica do negócio. Assim, o trabalho se inicia com um panorama geral do instituto do factoring e sua distinção face às instituições financeiras. Feito isso, estuda-se os meios de transferência do crédito no factoring para, finalmente, enfrentar-se o tema das cláusulas pro soluto e pro solvendo. PALAVRAS-CHAVE: factoring, cessão de crédito, endosso, pro soluto, pro solvendo, direito de regresso.

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO... 11 1.1 Recorte temático e justificativa... 11 1.2 Conteúdo dos capítulos... 12 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA... 15 2.1 Origens históricas: surgimento do factoring... 15 2.2 O surgimento do factoring no Brasil... 16 3 CONCEITO E PARTICULARIDADES DO FACTORING... 21 3.1 Conceito doutrinário de factoring... 21 3.2 Modalidades... 23 3.3 O contrato de factoring... 26 3.3.1 Natureza jurídica do contrato de factoring... 26 3.3.2 Classificação... 28 3.3.3 Conteúdo do contrato de factoring... 29 3.3.3.1 Sujeitos do contrato de factoring... 29 3.3.3.2 Direitos e obrigações das partes... 29 3.4 Legislação aplicável... 31 4 INSTITUIÇÃO FINANCEIRA X FACTORING... 33 4.1 Conceito de instituição financeira... 33 4.2 Distinção entre banco e factoring... 36 4.3 A operação de factoring e o desconto bancário... 40 5 OS PRINCIPAIS MEIOS DE TRANSFERÊNCIA DO CRÉDITO NO FACTORING... 43 5.1 A cessão de crédito... 43 5.1.1 A responsabilidade do cedente pela existência do crédito... 47

5.1.2 A responsabilidade do cedente pela solvência do devedor: as cláusulas pro solvendo e pro soluto... 49 5.2 O endosso... 50 5.2.1 Responsabilidade do endossante quanto ao pagamento do título... 52 5.2.1.1 A responsabilidade do endossante-sacador pelo pagamento do título na operação de factoring... 54 6 O DIREITO DE REGRESSO... 59 6.1 Doutrina majoritária: críticas... 59 6.2 Jurisprudência... 64 6.2.1 Jurisprudência contrária à cláusula pro solvendo... 64 6.2.2 Jurisprudência favorável à cláusula pro solvendo... 70 6.3 A validade da cláusula pro solvendo no contrato de factoring... 73 6.3.1 A legalidade da cláusula pro solvendo... 73 6.3.2 A cláusula pro solvendo não distingue o factoring das atividades típicas das instituições financeiras... 77 6.3.3 Direito comparado... 78 6.3.3.1 Convenção sobre factoring internacional Unidroit... 79 6.3.3.2 A possibilidade da cláusula pro solvendo em outros países... 80 6.3.4 O risco do mercado brasileiro... 81 7 CONCLUSÃO... 83 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 85

11 1 INTRODUÇÃO 1.1 Recorte temático e justificativa Este Trabalho de Conclusão de Curso traz à discussão o polêmico tema das cláusulas pro soluto e pro solvendo no contrato de factoring. Primeiramente, é importante destacar que a atividade do factoring possui grande importância para a economia brasileira. Sobretudo, porque ela fomenta o desenvolvimento das pequenas e médias empresas, que têm pouco ou nenhum acesso ao crédito junto aos bancos e demais instituições financeiras. O factoring, através da compra a vista dos créditos provenientes das vendas e serviços a prazo de seus clientes, possibilita com que as empresas e prestadores de serviço tenham capital de giro suficiente para honrar seus compromissos e investir no seu negócio. Papel este que deveria ser dos bancos, em especial os estatais, que não conseguem capilarizar recursos para atender as micro e pequenas empresas 1. Além disso, oferece uma gama de serviços de assessoria e acompanhamento de contas. Para ilustrar a importância da atividade, segundo dados da Associação Nacional de Fomento Comercial (ANFAC), o giro de carteira das empresas associadas registrou no exercício de 2010 um estoque de ativos, representados por direitos creditórios originados de vendas mercantis e da prestação de serviços, da ordem de aproximadamente R$ 81,0 bilhões, contribuindo para viabilizar transações econômicas industriais, comerciais e de serviços e, ainda, para sustentar 2,2 milhões de empregos diretos e indiretos 2. Além disso, o factoring está fortemente inserido no mercado brasileiro, com cerca de 6.300 empresas espalhadas pelo país, número maior que o de agências do Banco do Brasil 3. Diante disso, o tema das cláusulas pro soluto e pro solvendo no contrato de factoring impacta diretamente o factoring e sua relação com as empresas-clientes, refletindo na escolha dos títulos a serem negociados e no custo e segurança da operação. 1 DAS NEVES, Alexandre Fuchs. Jornal destaca equívocos jurídicos contra o setor. Disponível em: http://www.sinfacsp.com.br/v2/content.php?id_page=6&id_content=3183, acessado em 08 de agosto de 2013. 2 Disponível em: http://www.anfac.com.br/v3/factoring-estatistica.jsp#factoring, acessado em 08 de agosto de 2013. 3 DAS NEVES, Alexandre Fuchs. Op., cit.

12 Para enfrentá-lo, é preciso responder algumas perguntas, como: pode-se estabelecer o direito de regresso do faturizador face ao faturizado no caso de inadimplemento do crédito pelo devedor? A assunção do risco do inadimplemento da obrigação pelo faturizador é essencial ao contrato de factoring? Essas são algumas das questões centrais que nortearam este trabalho. Assim, nos dois capítulos iniciais do trabalho, tratou-se dos aspectos gerais do instituto do factoring, como sua evolução histórica, conceituação, natureza jurídica e classificação. Dessa maneira, pôde-se lançar as bases da discussão e delimitar sua importância no tempo e no espaço. Mais adiante, levou-se à discussão os temas relativos ao factoring e às instituições financeiras e aos principais meios de transferência do crédito no factoring. Isso porque são correlatos e essenciais ao estudo dos temas das cláusulas pro soluto e pro solvendo, estando na base da investigação. Passado esse caminho, enfrentou-se diretamente o tema no capítulo específico sobre o direito de regresso, no qual, discutindo-se a legislação, a jurisprudência, doutrina e a realidade brasileira, pôde-se chegar à conclusão da pesquisa. 1.2 Conteúdo dos capítulos Antes de adentrar ao tema proposto é interessante destacar, brevemente, o conteúdo dos capítulos do trabalho. Primeiramente, o capítulo 2 traça um panorama histórico do factoring, desde sua origem no mundo até seu desenvolvimento no Brasil. Assim, busca-se situar o instituto no espaço e traçar algumas de suas características essenciais. O capítulo 3 aborda o conceito e as particularidades do factoring. Dessa maneira, delineou-se as características gerais da atividade no Brasil, apontando sua conceituação doutrinária, as modalidades praticadas e as particularidades do contrato. O capítulo 4 diferencia o factoring das atividades típicas das instituições financeiras. Nesse ponto foi demonstrado que existe uma série de diferenças entre tais atividades, não sendo a responsabilidade do cedente-faturizado a distinção fundamental. O capítulo 5 trata dos principais meios de transferência do crédito no factoring. Principalmente através do estudo da legislação referente ao endosso dos títulos de crédito, em

13 especial da duplicata, e à cessão de crédito. Procurou-se, então, analisar a legalidade da cláusula pro solvendo. Finalmente, o capítulo 6 enfrenta definitivamente a questão do direito de regresso ou possibilidade de inserção da cláusula pro solvendo no contrato de factoring. Diante disso, é realizada uma análise da doutrina e jurisprudência, do direito comparado e da realidade brasileira acerca do tema, para que se pudesse chegar à conclusão da pesquisa.

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15 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA Para que se comece a adentrar ao estudo do instituto do factoring, é interessante contextualizá-lo no espaço e no tempo, apresentando, assim, uma breve evolução histórica do mesmo, tanto no mundo quanto no Brasil. 2.1 Origens históricas: surgimento do factoring Diversos autores ligam o surgimento do factoring a períodos remotos, defendendo que ele teria nascido na Grécia antiga, em Roma ou, até mesmo, na Babilônia. Segundo Fran Martins, na Grécia e em Roma, comerciantes incumbiam a agentes (factors), disseminados por lugares diversos, a guarda e a venda de mercadorias de sua propriedade 4. No entanto, como bem acentua Newton de Lucca, tal indagação não guarda conexão histórica com o atual instituto do factoring. Isso porque tais agentes possuíam apenas a função de intermediadores, realizando as atividades de comércio em nome da outras pessoas 5. Assim, a tese mais plausível seria a de que o factoring teria surgido com os descobrimentos marítimos, no século XVI, mais especificamente, diante do comércio entre a Inglaterra e suas colônias americanas. Dessa forma, com a expansão do comércio ultramarino, surge a figura do factor, cujo papel era o de vender as mercadorias produzidas na metrópole, geralmente produtos têxteis, antecipando os valores das mercadorias ao comerciante e assumindo o risco pelas vendas. Vêse nessas últimas características, a imensa proximidade com o atual instituto do factoring 6. Percebe-se, também, que a grande importância dos factors nesse período, deve-se ao fato de que eles se instalavam nas colônias. Assim, possuíam ampla visão sobre o mercado 4 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais, ed. rev. e aum. Rio de Janeiro, Forense, 2010, p. 426. 5 DE LUCCA, Newton. A faturização no direito brasileiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1986, p. 10. 6 DE LUCCA, Newton. Op., cit. p. 12-13.

16 local, as necessidades e os compradores, informações de difícil acesso aos distantes comerciantes da metrópole 7. A atividade dos factors ingleses ainda foi predominante no século XVIII, mas com a enorme expansão da indústria norte-americana no século XIX, a atividade se deslocou maciçamente para as antigas colônias britânicas. Dessa maneira, Newton de Lucca, destaca que o vazio deixado na Europa pelo deslocamento da atividade do factoring para os EUA, a que oportunamente se refere Guillamón, foi suprido pela operação de desconto bancário, operação essa, como se sabe de utilização insignificante nos EUA 8. Por fim, a atividade do factoring apenas foi reintroduzida na Europa na década de 1960. Dessa forma, reiniciou-se na Inglaterra e depois se espalhou para o continente 9. 2.2 O surgimento do factoring no Brasil A primeira vez que o instituto do factoring, faturização ou fomento comercial, empresarial ou mercantil é trazido à discussão acadêmica no Brasil, segundo autores como Newton de Lucca 10, foi através de um artigo escrito por Fábio Konder Comparato na Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, em 1972 11. Neste artigo o autor, através de bibliografia estrangeira, faz uma análise acerca do tema do factoring definindo suas bases (concessão de capital de giro para pequenas e médias empresas e algumas características fundamentais: garantia gestão de crédito - financiamento), por ele nomeado de faturização, e sua possível introdução no Brasil. No entanto, a atividade do factoring somente começou a ser praticada no país na década de 1980. Período no qual ocorreu uma série de discussões sobre o tema e intervenções do Banco Central diante da dúvida se ela seria ou não atividade típica das instituições financeiras. 7 DE LUCCA, Newton. O contrato de factoring. In: Novos contratos empresariais / Carlos Alberto Bittar (coordenador). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1990, p. 121. 8 DE LUCCA, Newton, Op., cit. p. 122. 9 MARTINS, Fran. Op., cit. p. 427. 10 DE LUCCA, Newton. Op., cit. p. 7. 11 COMPARATO, Fábio Konder. Op., cit.

17 No dia 11 de fevereiro de 1982, Luiz Lemos Leite, funcionário aposentado do Banco Central, funda a ANFAC Associação Nacional das Empresas de Fomento Comercial, com o objetivo de reunir as empresas de factoring, organizar o setor e divulgar suas funções 12. Coincidentemente, nesse mesmo ano, o Banco Central, a fim de impedir a prática de atividades próprias das instituições financeiras por agentes não autorizados, baseando-se na Lei nº 4595/64, que dispõe sobre o Sistema Financeiro Nacional, editou a Circular nº 703 de 16-6-82. Eis o teor da Circular: CIRCULAR Nº 703 Em face das disposições da Lei nº 4.595, de 31.12.64, em especial as contidas em seus arts. 2º, 3º, inciso V, 4º, incisos VI e VIII, 10, inciso V, 11, inciso VII, e 44, 7º, o Banco Central do Brasil, ouvido o Conselho Monetário Nacional, em sessão realizada nesta data, decidiu tornar público os seguintes esclarecimentos: I - As operações conhecidas por "factoring", "compra de faturamento" ou denominações semelhantes - em que, em geral, ocorrem a aquisição, administração e garantia de liquidez dos direitos creditórios de pessoas jurídicas, decorrentes do faturamento da venda de seus bens e serviços - apresentam, na maioria dos casos, características e particularidades próprias daquelas privativas de instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central. II - Assim, e até que a matéria seja regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional, as pessoas físicas ou jurídicas não autorizadas que realizarem tais operações continuampassíveis, na forma prevista no 7º do art. 44 da Lei nº 4.595, de 31.12.64, das penas de multapecuniária e detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, ficando a estas sujeitos, quando pessoas jurídicas, seus administradores. Brasília-DF, 16 de junho de 1982 Carlos Geraldo Langoni Presidente Dessa maneira, entendendo que a atividade do factoring possuía características próprias das instituições financeiras, o Banco Central determinou que as Juntas Comerciais não acolhessem os pedidos de arquivamento e registro dos atos constitutivos das empresas de factoring, até que a matéria fosse regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional. Diante dessa imposição do Banco Central, diversas empresas de factoring recorreram ao poder judiciário para que conseguissem o direito de constituir e registrar suas sociedades. Assim, em 1986, a segunda turma do Tribunal Federal de Recursos proferiu sentença favorável 13, determinando que as Juntas Comerciais concedessem o arquivamento dos atos 12 LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 11.

18 constitutivos das empresas de factoring sem o exame prévio do Banco Central, até que a matéria fosse regulamentada por lei. Vale transcrever a ementa desta decisão: COMERCIAL E ADMINISTRATIVO - REGISTRO DO COMÉRCIO - EXERCÍCIO DE ATIVIDADES FINANCEIRAS - "FACTORING", FATURIZAÇÃO OU COMPRA DE ATIVOS BANCO CENTRAL DO BRASIL - FUNÇÕES DE REGISTRO E DE FISCALIZAÇÃO DE ATIVIDADES COMERCIAIS - DISTINÇÃO - LEIS Nº 4.595/64 e 4.726/65-1. Não pode o Banco Central do Brasil interferir nas funções de registro comercial, reguladas pela Lei nº 4.726/65. Estas funções competem às Juntas Comerciais, sob supervisão e orientação técnica do Departamento Nacional do Registro do Comércio. Não há confundir o registro comercial de firmas com o seu funcionamento. Controle e fiscalização deste, quando implique atividades financeiras, é que cabe ao Banco Central. 2. Factoring ou "faturização". Enquanto não regulada por lei a constituição ou registro de sociedades que se proponham ao exercício desse tipo de atividade comercial, não cabe às autoridades administrativas, com apoio em simples opiniões doutrinárias opor-lhes, "a priori", restrições de qualquer natureza. Se, no exercício efetivo de suas atividades comerciais, se verificar que interferem em atividades financeiras não autorizadas, então, sim, caberá ao Banco Central agir na forma da lei. (grifo nosso) Diante desta e de outras sentenças, o Banco Central editou, em 1988, a Circular nº 1.359/88 revogando a Circular nº 703/82: CIRCULAR Nº 1.359 Comunicamos que a Diretoria do Banco Central do Brasil, em sessão realizada em 08.09.88, decidiu revogar a Circular nº 703, de 16.06.82, relativa às operações de "factoring". Brasília-DF, 30 de setembro de 1988. Keyler Carvalho Rocha Diretor Pode-se dizer, então, que, a partir deste momento, a atividade do factoring passou a ser vista como comercial e não financeira e ser cada vez mais utilizada pelos empresários de pequeno e médio porte 14. 13 Brasil. Tribunal Federal de Recursos. Apelação em Mandado de Segurança nº 99.964-RS. Relator: Ministro Costa Lima. Publicação: 24 de dezembro de 1986. 14 CASTRO, Rogério Alessandre de Oliveira. Factoring no Brasil e na Argentina análise histórica, estrutural e funcional estudo de direito comparado, Convenção de Otawa do Unidroit. Curitiba: Juruá, 2009, p. 89.

19 Além disso, como aponta Fran Martins, nesse momento foram editados diversos atos normativos que fazem referência ao factoring, como o art. 28, 1º, c.4, da Lei n. 8.891/95 e a Resolução nº 2.144/95, do Conselho Monetário Nacional. O primeiro trata do imposto sobre a renda das pessoas jurídicas e faz referência expressa ao factoring. O segundo dita que qualquer operação praticada por empresa de factoring, que seja própria de instituição financeira, será considerada ilícito administrativo, reconhecendo, assim, a natureza comercial do factoring 15. Em suma, nos dizeres de Rogério Alessandre de Oliveira Castro 16 : Enfim podemos dizer que o factoring no Brasil passou a ser estudado no início da década de 70 e praticado no início da década de 80, quando sofre inicialmente restrição do Banco Central do país. Essa restrição, consistente em condicionar a sua atividade apenas às instituições financeiras (Circular 703/82), foi removida em 1988 (Circular 1.359). A partir desse momento, passou-se a registrar, enquanto atividade comercial, crescentes volumes em suas operações internas (factoring doméstico), a ponto de desencadear iniciativas do Congresso Nacional para sua regulamentação, o que, contudo, não ocorreu. 15 MARTINS, Fran. Op., cit. p. 430-432. 16 CASTRO, Rogério Alessandre de Oliveira. Op., cit. p. 90.

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21 3 CONCEITO E PARTICULARIDADES DO FACTORING Faz-se necessário, antes de adentrar ao assunto específico das cláusulas pro soluto e pro solvendo nos contratos de factoring, realizar um breve estudo sobre o conceito do instituto, suas modalidades, características contratuais e legislação aplicável. 3.1 Conceito doutrinário de factoring Apesar de a atividade do factoring, como visto, vir sendo praticada no Brasil desde a década de 1980, a produção doutrinária sobre o assunto ainda não é muito vasta. No entanto, é indispensável analisarmos a conceituação do instituto no direito brasileiro. Para Fábio Konder Comparato, o precursor do estudo acadêmico sobre o assunto, o conceito de factoring ou faturização, baseia-se em seu tríplice objeto 17, a saber: garantia na liquidação dos valores no vencimento ou com antecipação, gestão de créditos (serviços de faturamento, cobrança, etc) e financiamento, já que com a negociação de seus títulos decorrentes das vendas a prazo, o faturizado ganha liquidez e capital giro. Segundo Fran Martins 18 : O contrato de faturização ou factoring é aquele em que um empresário cede a outro os créditos, na totalidade ou em parte, de suas vendas a terceiros, recebendo o primeiro do segundo o montante desses créditos, mediante o pagamento de uma remuneração. Na visão de Orlando Gomes 19 : Factoring é o contrato por via do qual uma das partes cede a terceiro (o factor) créditos provenientes das vendas mercantis, assumindo o cessionário o risco de não recebê-los contra o pagamento de determinada comissão a que o cedente se obriga. Arnaldo Rizzardo adota conceito semelhante a este 20. 17 COMPARATO, Fábio Konder. Op., cit. p. 61. 1818 MARTINS, Fran. Op., cit. p. 425. 19 GOMES, Orlando. Contratos. 26 ed. Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 580. 20 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 1387.

22 Para Waldírio Bulgarelli 21 : (...) a operação de factoring repousa na sua substância, numa mobilização de créditos de uma empresa; necessitando de recursos, a empresa negocia os seus créditos cedendo-os a outra, que se incumbe de cobrá-los, adiantando-lhe o valor desses créditos (conventional factoring) ou pagando-os no vencimento (maturity factoring); obriga-se contudo a pagá-los mesmo em caso de inadimplemento por parte do devedor da empresa. Luiz Lemos Leite, fundador da já citada ANFAC, baseando-se na Convenção Diplomática de Ottawa - Maio/88, dita que factoring é 22 : É a prestação contínua de serviços de alavancagem mercadológica, de avaliação de fornecedores, cliente e sacados, de acompanhamento de contas a receber e de outros serviços, conjugada com a compra de créditos de empresas resultantes de suas vendas mercantis ou de prestação de serviços, realizadas a prazo. Para Antonio Carlos Donini 23 : (...) a operação de factoring ou fomento empresarial resume-se em atos que envolvem a compra de crédito, antecipação de recursos não-financeiros (matériaprima) e prestação de serviços convencionais ou diferenciados, conjugados ou separadamente, a título oneroso entre dois empresários, faturizador e faturizado. Assim, pode-se perceber que, geralmente, as definições atribuem duas funções básicas ao factoring, a compra de crédito e a prestação de serviços. Dessa forma, o factoring se mostra como técnica financeira e de gestão comercial 24. Em relação ao primeiro ponto, a técnica financeira, o faturizado/empresa-cliente vende os direitos/créditos provenientes de suas vendas realizadas a prazo, recebendo o valor a vista, pagando uma remuneração, que também é denominada fator de compra. Os títulos de crédito são transferidos através do endosso e da cessão de crédito. Através dessa operação, a empresa de factoring acaba financiando a empresa-cliente, já que lhe dá liquidez ou capital de giro, para que possa cumprir suas obrigações financeiras junto aos fornecedores, funcionários, etc. 21 BULGARELLI, Waldírio. Contratos mercantis. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 541. 22 LEITE, Luiz Lemos. Op., cit. p. 4. 23 DONINI, Antônio Carlos. Manual do Factoring. 1 ed. São Paulo: Klarear, 2004, p.4. 24 Diversos autores defendem a apresentação do factoring com técnica financeira e de gestão comercial, dentre eles: MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais, ed. rev. e aum. Rio de Janeiro, Forense, 2010, p. 432; DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. 6 ed. Rio de Janeiro: Ed. Saraiva, 2006. v. 4, p. 82-83; RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 1388.

23 É indispensável destacar, como bem afirma Luiz Lemos Leite, que a empresa de factoring não cobra juros sobre os títulos de crédito, e sim um fator de compra, que é o preço de compra dos mesmos, sendo livremente pactuado entre as partes 25. Como explicita este autor, juro representa a remuneração pelo uso do capital de terceiros, levando-se em conta o prazo e o risco do desembolso, excluídas outras despesas e impostos. Enquanto o que ocorre na operação de factoring é a venda realizada, pelo faturizado, dos seus créditos mercantis ao faturizador, que os compra à vista, através da estipulação de um preço (fator). Assim, a operação representa uma compra e venda mercantil. Em relação ao segundo ponto, a técnica de gestão comercial, o factoring, além da negociação dos títulos de crédito, tem como característica a prestação de uma série de serviços, como acompanhamento de contas a receber e a pagar, cobrança, análise de riscos, consultoria, etc. Ou seja, o faturizado tem à sua disposição, quando necessário, com o pagamento de certa remuneração, uma série de serviços de gestão comercial, que têm por base gerar uma maior eficiência econômico-financeira em sua empresa. Apesar desses dois pontos comuns a quase todas as definições de factoring apresentadas na doutrina, há alguns outros que causam grandes discussões acadêmicas, o que é o caso, principalmente, da configuração do factoring como contrato bancário e da necessidade ou não da cláusula pro soluto, sendo este último tema central do presente trabalho. Tais tópicos serão abordados com vagar mais adiante. 3.2 Modalidades Embora o tema deste trabalho diga respeito, fundamentalmente, ao factoring convencional, existem outras modalidades presentes no mercado. Assim, é interessante que se faça um breve estudo sobre elas, no intuito de distinguir a modalidade que aqui está sendo tratada das outras que existem. Diversos autores 26 dividem o instituto do factoring em três grandes manifestações, classificação que Newton de Lucca denomina de levantamento histórico 27. 25 LEITE, Luiz Lemos. Op., cit. p. 63.

24 Tais manifestações seriam: a) Colonial factor (século XVI ao século XIX): espécie já desaparecida, nela o factor tem o papel de comissionário ou intermediário, operando como distribuidor dos produtos da metrópole na colônia. O factor tem a função de cobrar créditos, garantir a operação (star del credere) e conceder adiantamentos. b) Old line factor (fins do século XIX): nesta, em geral, deixa de existir a compra e venda de mercadorias, e há, por parte do factor, a atividade de gestão e cobrança dos créditos do faturizado. Há a concessão de adiantamentos dos créditos a prazo cedidos e pode haver a assunção dos riscos da operação pelo factor. Exemplos: conventional factoring, maturity factoring e import-export factoring estas modalidades serão tratadas mais especificamente nesse subitem. c) New style factor ou new line factor (a partir de 1930): desempenha a mesma função do old line factor, mas utilizando diversas técnicas financeiras especializadas. Exemplos: nonnotification factoring (não é realizada a notificação do devedor, a fim de preservar a imagem do faturizado em relação aos fornecedores), undisclosed factoring (o faturizado vende suas mercadorias ao faturizador, que as revende para os clientes do primeiro), entre outros 28. No entanto, mostra-se mais relevante abordar neste trabalho, as modalidades praticadas no Brasil, que quase em sua totalidade são derivadas do old line factor. Como bem aponta Antonio Carlos Donini, as modalidades praticadas no país atualmente são 29 : a) Factoring convencional (conventional factoring): é a modalidade mais comum no Brasil, e é a que está sendo abordada neste trabalho. As definições dadas no item 3.1, dizem respeito a este modelo, no qual se vê presente duas funções básicas: i) compra de crédito e ii) prestação de serviços. b) Maturity factoring: o objeto deste contrato é a compra de crédito pelo faturizador, com o pagamento na data de vencimento dos títulos. Nesta modalidade, o faturizador assume o risco contra o inadimplemento, ficando o faturizado desincumbido em relação aos custos de 26 Diversos autores apresentam dividem o factoring a partir destas três grandes manifestações, como: DE LUCCA, Newton. Op., cit. p. 20-24; CASTRO, Rogério Alessandre de Oliveira. Op., cit. p. 120-122; GERSCOVICH, Carlos G., y LISOPRAWSKY, Silvio V. Factoring análisis integral del negocio; aspectos legales, comerciales y operativos; financiamento de laspymes, modelos de contrato. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1997, p. 18-21; BIANCHI, Renzo. Il factoring i problema gestionaliche comporta. Turim: G. Giappichelli, 1970, p. 13-14. 27 DE LUCCA, Newton. Op., cit. p. 20. 28 CASTRO, Rogério Alessandre de Oliveira. Op., cit. p. 122. 29 DONINI, Antônio Carlos. Op., cit. p. 17-22.

25 cobrança e ao inadimplemento por conta do devedor. O faturizador, também, poderá prestar serviços, como os do factoring convencional, ao faturizado. c) Trustee: nesta modalidade, o faturizador oferece uma gama de serviços diferenciados, dirigindo e administrando as contas a receber e a pagar do faturizado, realizando consultoria e assessorando o faturizado na seleção de clientes e riscos. No entanto, somente é objeto desta modalidade a prestação de serviços, não havendo a cessão de crédito 30. d) Compra de matéria-prima: nesta operação, ocorre a antecipação de recursos não financeiros, no caso, matéria-prima para a produção do faturizado. Assim, o faturizador negocia diretamente com o fornecedor da matéria-prima, assumindo o pagamento dos insumos, comprando-os em nome próprio ou do faturizado. Em contrapartida, o faturizador terá direito de exclusividade sobre os créditos decorrentes das vendas dos produtos derivados da matéria-prima financiada. e) Factoring de importação-exportação: segundo Antônio Carlos Donini, este tipo de contrato é voltado exclusivamente para o campo do comércio exterior, onde o factoring atua em três frentes: importação, exportação e a chamada garantia ou securitização 31. Nessa operação, atuam o exportador, o importador, o factoring de exportação e o factoring de importação (este está estabelecido no lugar da importação). Resumidamente, o importador solicita ao factoring de exportação um limite de crédito, baseado no valor das exportações. Assim, o factoring de exportação contata o factoring de importação, solicitando que este analise e aprove o crédito. Aprovado o crédito, o exportador embarca as mercadorias e notifica o importador de que os direitos constantes das faturas foram cedidos e que o pagamento deve ser realizado ao factoring de importação. Feito isso, o exportador entrega os documentos de embarque ao factoring de exportação, que, em contrapartida, lhe paga o equivalente a 80% do valor das mercadorias. Por fim, o factoring de importação, em posse de toda documentação, remete o valor da importação ao factoring de exportação, descontadas as comissões pactuadas, e cobra do importador o montante devido 32. 30 Autores como Antônio Carlos Donini e Maria Helena Diniz excluem da definição do trustee a operação de cessão de créditos. No entanto, para Rogério Alessandre de Oliveira Castro ela está presente também nessa modalidade. Além disso, este último autor compara a função do trustee com a da recuperação judicial/extrajudicial de empresas, já que basicamente tem como objetivo a superação da crise econômico-financeira do faturizado. (DONINI, Antônio Carlos. Manual do Factoring. 1 ed. São Paulo: Klarear, 2004, p. 18; DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. 6 ed. Rio de Janeiro: Ed. Saraiva, 2006. v. 4, p. 86; CASTRO, Rogério Alessandre de Oliveira. Factoring no Brasil e na Argentina análise histórica, estrutural e funcional estudo de direito comparado, Convenção de Otawa do Unidroit. Curitiba: Juruá, 2009, p. 124.) 31 DONINI, Antônio Carlos. Op., cit. p. 19-21. 32 LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 318-324; GERSCOVICH, Carlos G., y LISOPRAWSKY, Silvio V. Op., cit. p. 121-127.