Estruturas de Fixação dos Tectos em Caixotões Figura 1 Vista obtida a partir do andaime 1 : Tecto em caixotões da Igreja do Antigo Convento do Salvador. O tecto é em abóbada de berço abatida. Pode ver-se o prolongamento dos oito tirantes de ferro já oxidados, destinados a reforçar a estabilidade e a sustentação. 1 Resumo No presente estudo pretende-se relacionar alguns aspectos ligados às estruturas de fixação e a disposição dos tectos em caixotões, principalmente, em contexto religioso. A complexa estrutura para sustentação dos tectos em caixotões prende-se, não só com os formatos dos tectos e das pinturas, mas também, com a arquitectura dos edifícios, e dos espaços, como capelas-mores, naves ou outros compartimentos das igrejas. Os diversos formatos de tectos, curvos ou rectos, ditam as suas estruturas de sustentação, contudo, poderão verificar-se alguns casos excepcionais, de apoios com enredos de componentes complexos, sendo estes pouco comuns. Estruturas dos Tectos em Caixotões As estruturas dos tectos em caixotões dependem, geralmente de dois factores: do formato do respectivo tecto e do desenho arquitectónico do edifício. O formato do tecto está vinculado à disposição e ao ângulo da sua colocação o que, por sua vez, interage com a arquitectura do edifício. De uma forma geral, podemos distinguir quatro tipologias de formato de tectos (Fig. 2). Contudo, não se tratam de tipologias estanques, 1 Agradece-se à Câmara Municipal de Braga, em particular, ao Eng. Rogério Magalhães a disponibilidade prestada na colocação e empréstimo de andaimes. Materiais e Técnicas de Pintores do Norte de Portugal Processo nº 3-6-15-6-1199 (QREN) 1
podendo haver variantes dentro de cada perfil. Também existem casos singulares de tectos com formatos e perfis únicos, não obedecendo a nenhuma das seguintes formas. a b c Figura 2 Esquematização do formato dos tectos em caixotões de igrejas e capelas: a) Tecto em forma de abóbada de berço abatida; b) Tecto em forma de abóbada de berço; c) Tecto em três terços; d) Tecto com forma plana. d No contexto religioso é mais comum a existência de tectos onde a disposição das pinturas é em abóbada de berço abatida embora, por vezes, também possa derivar para tectos em que se forma uma abóbada de berço, sendo o seu perfil, um arco de volta perfeita. No primeiro caso referimo-nos, por exemplo, ao tecto em caixotões da igreja do Antigo Convento do Salvador, em Braga, que se apresenta, ligeiramente, abatido. No segundo caso, é exemplo a igreja de S. Pedro 2, em Marialva, em que, na entrada para a capela-mor, o tecto se inscreve num arco de volta perfeita, bem rematado por molduras esculpidas em talha. É também exemplo, o tecto da igreja paroquial de Marzagão, em Carrazeda de Anciães 3. Em casos menos comuns, verifica-se que o formato do tecto é de perfil em arco ainda mais abatido, simulando a divisão em três terços, vulgarmente designado tecto em masseira 4. Nesta tipologia de tectos, as pinturas das fileiras laterais estão, geralmente, dispostas com certa inclinação. Em alguns casos pontuais, muito pouco correntes, as pinturas podem mesmo estar dispostas na vertical, acompanhando as paredes laterais da Igreja. Mencionamos a igreja matriz de Mêda que alberga um tecto em caixotões com trinta e cinco pinturas, estando as fileiras laterais quase na vertical. Já na igreja paroquial de Avantos 5 essa verticalidade é assumida, estando as duas filas de pinturas exteriores colocadas junto às paredes laterais do corpo da nave central. 2 A igreja de S. Pedro situa-se em Marialva, pertence ao concelho da Meda. 3 A igreja paroquial de Marzagão é também denominada de igreja de São João Baptista e pertence a Carrazeda de Anciães, no distrito de Bragança. 4 Os tectos em masseira tomam este nome, pois a sua forma invertida lembra a peça de mobiliário, masseira, destinada amassar o pão. 5 A igreja paroquial de Avantos é também denominada de igreja de Santo André e situa-se em Mirandela, no distrito de Bragança. Materiais e Técnicas de Pintores do Norte de Portugal Processo nº 3-6-15-6-1199 (QREN) 2
a Figura 3 Esquema simplificado do perfil de tectos em caixotões estruturas do telhado e do tecto: A - forma plana; B - forma curva. b Também, se encontram tectos de estilo plano horizontal, ou seja, com as pinturas dispostas em linha recta, como é o caso do coro alto do convento de Corpus Christi, em Gaia 6. É importante evidenciar, igualmente, os tectos em caixotões, quer da sacristia da Sé de Bragança, quer da sacristia da igreja dos Capuchos em Guimarães, que se inscrevem na mesma tipologia de plano horizontal. Figura 4 Aspecto geral do interior do coro alto do convento de Corpus Christi, Gaia. Cadeiral e tecto em caixotões. Não menos importantes, são os tectos de formatos singulares, que se adaptam não só à cobertura, mas também à forma do compartimento em que se inserem. São os que traduzem mais originalidade pelo seu formato, possivelmente, segundo o critério do artista, ou de alguma exigência do encomendante. Exemplo concreto desta tipologia é o tecto em caixotões da sala 6 O convento de Corpus Christi em Gaia, localiza-se junto ao rio Douro. A construção inicial remonta a 1345, contudo foi no séc. XVII que se fizeram grandes remodelações. Materiais e Técnicas de Pintores do Norte de Portugal Processo nº 3-6-15-6-1199 (QREN) 3
do Cabido da Sé do Porto. Os caixotões dispõem-se no tecto rectangular, mas não obedecem a nenhum dos esquemas acima referidos, formando um conjunto singular. As pinturas, por sua vez, também apresentam formatos interessantes, como rectângulos, trapézios e octógonos. Em Santa Marta de Penaguião, distingue-se na Quinta do Bairro 7, um magnífico e interessante tecto em caixotões, também de formato muito particular. As pinturas apresentam composições trapezoidais com cenas de carácter profano, formando um polígono octogonal. Com formato singular, distingue-se também, o tecto da Torre do Terrenho, pertencente ao Solar dos Brasis em Trancoso, distrito da Guarda. Este interessante solar, ostenta um tecto em caixotões que se inscreve numa sala quadrada, estando as várias pinturas em redor de um brasão entalhado. Por este motivo, as pinturas têm uma configuração, igualmente, particular, pois cada uma forma um trapézio. Destaca-se a primeira fiada, com dezasseis painéis, cada um com conjuntos de pinturas de flores de várias espécies. Formam um colorido intenso, proliferando as cores vivas, como o vermelho e o cor-de-rosa, que contrastam com o fundo neutro de tonalidade esverdeada. Na segunda fiada distinguem-se dezasseis painéis de dimensões, ligeiramente, maiores que representam retratos, a meio corpo, de santos acompanhados pelos seus atributos. No respeitante à arquitectura do edifício, as estruturas relacionam-se com o formato do compartimento em que se inserem e com a cobertura existente, contudo podem ser ou não dependentes destas. Normalmente são divisões quadrangulares e os telhados são de duas águas. Este estilo de telhado é o mais simples, tendo sido divulgado na Antiguidade clássica, nos templos da Antiga Grécia. A sua característica principal é a forma de um V invertido, permitindo a queda da água para os dois lados opostos. Os tectos em caixotões são construídos depois da cobertura da igreja, já havendo estrutura do telhado. Contudo, o tecto pode não ter estado, inicialmente, projectado para o local. Em alguns tectos, as estruturas de sustentação têm afinidades com o tipo de cobertura construída, recorrendo, em parte, à existente no telhado, mas, nas obras de maior qualidade, tal não acontece. São, e devem ser mantidas, como estruturas independentes. Por sua vez, as estruturas de sustentação variam conforme a tipologia e formato do tecto, quer sejam estes, de perfil curvo ou de perfil recto. (Fig. 3) Existem casos particulares em que a sustentação varia conforme as práticas de marcenaria e carpintaria dos mestres de uma determinada região ou escola, como no caso da capela da Misericórdia, em Arouca 8. (Figs. 5 e 6) Na sua estrutura interior, o tecto é constituído por inúmeras travessas, que acompanham o formato das molduras, permitindo assim a sua sustentação. De uma forma geral, os tectos em caixotões encontram-se assentes em apoios externos e internos, que cumprem funções de estabilidade, sustentação e configuração. 7 A Quinta do Bairro situa-se na freguesia de Lobrigos. AZEVEDO, Carlos de Solares Portugueses: Introdução ao Estudo da Casa Nobre, Mem-Martins: Livros Horizonte, 1988, Pp 114. 8 Agradece-se a António Pereira, da empresa Arte e Talha Conservação e Restauro, Lda, o apoio em questões relacionadas com estruturas dos tectos, como também o fornecimento das fotografias relativas à capela da Santa Casa da Misericórdia de Arouca. Materiais e Técnicas de Pintores do Norte de Portugal Processo nº 3-6-15-6-1199 (QREN) 4
Figura 5 Estrutura de sustentação das pinturas do tecto em caixotões da capela da Santa Casa da Misericórdia, Arouca. Os apoios externos são todos os elementos de sustentação que se encontram visíveis, podendo alguns desempenhar, ao mesmo tempo, uma função ornamental. Deste modo, distinguem-se: as paredes dos edifícios que podem ser adornadas com cornijas; os tirantes de ferro ou de madeira, que desempenham uma função essencial como travões; e também, as molduras em talha dourada, que ornamentam todo o enquadramento. Apesar da sua função decorativa, as molduras desempenham a função de apoio às pinturas, e também permitem a sua divisão por segmentos. Em alguns tectos de tábuas corridas (tipo II) 9, as molduras constituem elementos apenas decorativos. No respeitante aos apoios internos, definem-se elementos estruturantes que se situam entre o telhado e o tecto, propriamente, dito. Neste sentido, toda a configuração do tecto não seria possível sem a existência de uma estrutura organizada composta por alicerces e vigamentos, em materiais como madeira e ferro, permitindo assim toda a sustentação e configuração do tecto. Os elementos essenciais constituintes de um telhado podem ser divididos em armação e trama. São estes os elementos indispensáveis para a sustentação do telhado, tendo a armação a função estrutural, constituída pelas tesouras, cantoneiras, escoras e, estando a trama organizada por um quadriculado formado por terças, caibros e ripas, que se apoiam sobre a armação e servem de assento às telhas. As estruturas de sustentação do telhado podem, por vezes, servir de apoio às estrutura dos caixotões, principalmente na zona da linha que pode ser utilizada pelos dois mecanismos, algumas vezes, estando unidos por pequenos pendurais. No que diz respeito à armação, é importante referir a importância das tesouras, pois trata-se de um sistema fundamental para suporte do conjunto. Estas são estruturas rectas verticais que 9 Ver RODRIGUES, Ana Rita Estudo Técnico e Material de duas pinturas do tecto em caixotões da Igreja do Antigo Convento do Salvador, MTPNP-QREN, pp 3. Materiais e Técnicas de Pintores do Norte de Portugal Processo nº 3-6-15-6-1199 (QREN) 5
sustentam o peso. Os seus apoios são compostos por: frechal, perna, linha, estribo, pendural, tirante, asna e escoras. Figura 6 Estrutura de sustentação que acompanha as pinturas e molduras do tecto em caixotões da capela de Santa Casa da Misericórdia, Arouca. As linhas são formadas por peças que correm ao longo da zona inferior da tesoura, e que, normalmente, funcionam por tracção. O pendurais 10 e os tirantes tratam-se de peças que ligam a linha à perna e se encontram em posição perpendicular ao plano da linha. Denominase pendural o elemento central perpendicular à linha. Os que se encontram também verticais e laterais ao pendural, embora mais pequenos, dão pelo nome de tirantes. As asnas, também denominadas escoras, constituem peças de ligação entre a linha e a perna e encontram-se, geralmente, em posição oblíqua à linha 11. Todos estes elementos visam a estabilidade do telhado, e por sua vez do tecto, face à prevenção da deterioração deste, relacionada com factores, como a entrada de água ou poeiras. Neste sentido, associa-se o guarda-pó, que consiste num forro em madeira, existente entre as vigas da cobertura e do telhado, tendo como o próprio nome, a função de resguardo. O coro alto do convento do Christi em Gaia, (Figs.4 e 7) ostenta um interessante tecto constituído por quarenta e nove pinturas, distribuídas em filas de sete por sete. As pinturas representam retratos de santos ligados a variadas Ordens, destacando-se, na sua maioria, figuras pertencentes à Ordem Dominicana. Entre estas pinturas, tomam um lugar central, quinze representações alusivas à vida e morte de Cristo. Como já se referiu, este tecto é de perfil horizontal, pelo que a organização da sua estrutura é, ligeiramente, diferente dos tectos em perfil curvo. Esta tipologia de tectos não necessita do prolongamento dos tirantes de ferro ou de madeira, pois funciona à tracção. (Fig. 4) As estruturas do telhado e do tecto encontram- 10 O pendural também pode ser denominado de montante principal. 11 Agradece-se o auxílio do Eng. Paulo Ribeirinho Soares em questões relacionadas com engenharia civil e física dos materiais, ciência indispensável no campo relativo à sustentação dos tectos em caixotões. Materiais e Técnicas de Pintores do Norte de Portugal Processo nº 3-6-15-6-1199 (QREN) 6
se, parcialmente, ligadas, verificando-se na zona da linha, algumas junções compostas por traves e elementos de união, metálicos. Cumieira Escoras Terça tarugo Perna Pendural Tirante Linha Tecto em caixotões Figura 7 Estrutura do telhado e do tecto em caixotões do coro alto do convento do Corpus Christi, em Gaia. As setas indicam os vários elementos que constituem toda a configuração. Já nos tectos de perfil curvo é necessária a utilização do prolongamento de tirantes, que podem ser em ferro ou em madeira, como é exemplo o tecto da nave do Antigo Convento do Salvador. (Figs. 1, 2 e 3) Estes elementos são essenciais para o equilíbrio de toda a composição, funcionando à tracção. Conclusão As estruturas dos tectos podem, em alguns casos, estar relacionadas com as do telhado, contudo em actuais intervenções de conservação e restauro devem evitar-se estabelecer tais vínculos. Ao estarem ligadas poderão trazer problemas de desequilíbrio das forças de sustentação, provenientes das estruturas do telhado, provocando, entre outros problemas, deformações e infiltrações directas de água. As acções horizontais resultantes de uma asna são absorvidas por tirantes que unem a base das mesmas e que poderão ser de madeira ou ferro. Só não são necessárias no caso de as paredes de apoio terem a função de contraforte, funcionando em tracção. No primeiro caso, relacionam-se os tectos em caixotões de perfil curvo, sendo o prolongamento dos tirantes essenciais para a sustentação do tecto. No segundo caso, referem-se a tectos de perfil recto, em que as próprias forças se baseiam na tracção dos elementos, tendo a linha uma função importante, pois não só serve de travão, como de ponto de equilíbrio do sistema estrutural. Materiais e Técnicas de Pintores do Norte de Portugal Processo nº 3-6-15-6-1199 (QREN) 7
Referências AZEVEDO, Carlos de Solares Portugueses: Introdução ao Estudo da Casa Nobre, Men-Martins: Livros Horizonte, 1988. CLOQUET, Louis Traité d Architecture, Paris: Baudry et Cie Editeurs, 1898. GRIÑAN, José Carpintaria de Oficina e de Armar, Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 1992. ISBN 972-707-047-7. LEITÃO, Ruben Andresen O Solar dos Brasis, Separata da Rev. Ocidente Lisboa: Neogravura, Lda, 1971. Vol. 81. MASCARENHAS, Jorge Sistemas de Construção, Lisboa: Colecção Livros Horizonte, 2006. Vol. 5. SALZMANN, Heinrich Construcción de edifícios industriales, Madrid: Editorial Labor, 1942. www.monumentos.pt desenvolvido por co-financiamento