Breves ressalvas sobre a necessidade de desmilitarização da Polícia Militar Rodrigo Eduardo Rocha Cardoso 1 Discute um tema atual e relevante ao tratar da desmilitarização das Polícias Militares do Brasil. Diversos grupos, movimentos sociais, ONGs de defesa dos direitos humanos e entidades representativas dos policiais sustentam necessidade de um debate jurídico em torno da perspectiva de retirar elementos do militarismo da Segurança Pública prestada por policiais, tendo em vista que a atividade da Polícia Militar não é outra senão servir e proteger a sociedade. O artigo apresenta argumentos históricos, sociais e jurídicos a respeito do tema. Palavras-chave: Polícias; direitos humanos; segurança pública INTRÓITO A história das Polícias Militares, bem como o regramento excessivamente atentatório aos valores humanitários, de certo é fundamento da necessidade de ao menos discutir mudanças em torno do tema. De início, tratar de traços históricos contribui para conhecer a história e o funcionamento das Polícias Militares. Reserva-se a apresentar nesse contexto, traços da Polícia Militar da Bahia. Discutem-se ainda as campanhas nacionais e até mesmo internacionais em prol da desmilitarização, por ser certo que a democracia não combina com a presença de forças militares e repressoras no serviço de Segurança Pública que está para servir e proteger a sociedade. 2. UM POUCO DE HISTÓRIA No contexto da Independência no Brasil datada de 1822, que em verdade se findou em 1823, na Bahia, no dia 02 de julho, com a expulsão das tropas portuguesas, o Exército e a Guarda Nacional firmaram os ideais de proteção do território, e cuidaram de garantir os 1 Policial Militar. Coordenador da ASPRA Regional Itabuna (Associação de Praças Policiais Militares e Bombeiros do Estado da Bahia). Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público e Privado (FTC). Mestre em Cultura e Turismo (UESC). Professor Universitário FTC Itabuna. Email: rodrigoeduardo85@yahoo.com.br
interesses da aristocracia dominante. Estas forças eram formadas basicamente por mulatos e negros libertos (ARAÚJO, 1997). Em meados de 1920 o Corpo de Polícia da Bahia teve que enfrentar o Cangaço, muitos militares morreram. A denominação Polícia Militar na Bahia adveio em 1935, momento em que já havia uma Polícia Civil criada em 1912. Em 1936 foi criada o CIM Centro de Instrução Militar, com vistas a formar os Policiais. O ingresso se dava por alistamento, de modo, que o interessado após exames físicos e de saúde, e sabendo ler e escrever poderia se tornar policial por um período de 03 anos (ARAÚJO, 1997). Após o período de 03 anos tinha a opção de engajamento, e poderia permanecer definitivamente na instituição, onde através dos concursos internos havia a possibilidade de promoção na carreira. Esta situação era prevista até meados de 1981 conforme versava a Lei Estadual nº 3.933 de 06 de novembro de 1981. Atualmente, o cenário é diferente. O ingresso na instituição ocorre através de concurso público de provas e títulos, e, exige-se dos candidatos enquanto escolaridade o ensino médio completo, bem como outros requisitos, valendo citar carteira de habilitação na categoria B e limite de idade (conforme dispõe o atual Estatuto da Polícia Militar do Estado da Bahia, Lei nº 7.990 de 27 de dezembro de 2001). 3. O ENTORNO SOCIAL E JURÍDICO DO TEMA A Constituição Federal, enquanto principal regra jurídica do Brasil, dispõe que as Policiais Militares são forças auxiliares das Forças Armadas (conforme artigo 144 da CF/88). Porém, muitos estudiosos assinalam que não é possível imaginar na contemporaneidade uma Polícia com rigores militares em sua formação e estrutura. No ano de 2012, o Estado da Bahia presenciou um período crítico de temor, violência, pânico e medo, momentos desencadeados em função de uma greve dos Policiais Militares, que reivindicando seus direitos deixaram de cumprir com o honroso dever: servir e proteger a sociedade. Gerou-se então um debate sobre o fim do militarismo nas polícias, bem como discussões a respeito do Policial Militar ter direito à greve. As redes sociais, valendo citar, facebook e Orkut, fazem campanhas no sentido de acabar com o histórico traço do militarismo presente na Polícia Militar. Além destes, um site intitulado Avaaz.org divulga uma mobilização online em prol da Desmilitarização das Polícias no Brasil contendo petição pública com milhares de assinaturas. Além disso, as manifestações populares ocorridas desde o mês de junho de 2013, sustentam a necessidade da desmilitarização em função da forte repressão praticada por parte da Polícia Militar.
Recentemente o jornal Folha de São Paulo noticiou que a ONU Organização das Nações Unidas recomenda a extinção das Polícias Militares, conforme se observa: O Conselho de Direitos Humanos da ONU pediu nesta quarta-feira ao Brasil maiores esforços para combater a atividade dos "esquadrões da morte" e que trabalhe para suprimir a Polícia Militar, acusada de assassinatos. O Conselho de Direitos Humanos da ONU pediu nesta quarta-feira ao Brasil maiores esforços para combater a atividade dos "esquadrões da morte" e que trabalhe para suprimir a Polícia Militar, acusada de assassinatos. (PAÍSES DA ONU RECOMENDAM O FIM DA POLÍCIA MILITAR NO BRASIL, 2012, p. 1). Loureiro (2012) destaca que na visão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) as PMs não são propriamente forças militares e são tratadas como forças de policiamento ostensivo e de preservação da ordem pública. Assim, Loureiro (2012, p. 1) comenta que no Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no Brasil aprovado pela Comissão em 29 de setembro de 1997, durante o 97º período ordinário de sessões, tem que: As polícias estaduais dividem-se em polícia civil e polícia "militar". Esta última cumpre tarefas próprias das polícias civis típicas, subordina-se diretamente ao Poder Executivo (Governador e Secretário de Segurança Pública de cada estado) e não é uma força interna do aparato militar nacional. Contudo, mantém o nome de polícia "militar" que lhe foi atribuído ao ser criada em 1977 no decorrer do período de governo militar. Insistindo-se em que não se trata propriamente de uma força militar e em que se subordina diretamente ao Poder Executivo de cada estado, figurará neste relatório entre aspas. A "polícia militar" tem a responsabilidade do policiamento ostensivo e da preservação da ordem pública, ou seja, ela se ocupa, primordialmente, das tarefas diárias de patrulhamento e de perseguição de criminosos. Quanto à subordinação, as polícias estaduais, tanto "militares" quanto civis, subordinam-se aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (Artigo 144, parágrafo 6 da CF). O chefe das polícias estaduais é o Secretário de Segurança Pública, auxiliar direto do Governador e responsável pelos atos que pratica ou referenda no exercício de seu cargo. A identidade é construída no seio social em que o indivíduo, habita, interage. No caso dos Policiais Militares da Bahia, os traços históricos de uma formação pautada nos valores do militarismo amoldam a conduta do indivíduo. O ainda vigorante Regulamento Disciplinar da Polícia Militar da Bahia Decreto Estadual n 29.535 de 11 de março de 1983 traz em sua estrutura algumas normas destoantes dos valores sociais dando ao indivíduo um caráter de extrema submissão, conforme os exemplos: Art.13 - Transgressão disciplinar é qualquer violação dos princípios da ética, dos deveres e das obrigações policiais-militares e das obrigações policiais-militares, na sua manifestação elementar e simples, e qualquer omissão ou ação contrária aos preceitos estatuídos em leis, regulamentos, normas ou disposições, desde que não constitua crime. As transgressões disciplinares são: (...) XVI - retardar a execução de qualquer ordem; XXXI - contrair dívidas ou assumir compromisso superior às suas possibilidades, comprometendo o bom nome da classe; (...)
XLIII - freqüentar lugares incompatíveis com seu nível social e o decoro da classe; (...) LXXXVII sentar-se a Praça em público, à mesa em que estiver Oficial ou vice-versa, salvo em solenidade, festividades ou reuniões sociais; (BAHIA, 1983). Esses dispositivos destacados servem para elucidar a violência simbólica e psicológica que o regulamento disciplinar exerce sobre os indivíduos por ele regidos. Ainda nessa mesma perspectiva, Minayo et al. (2008, p. 154) afirma que: a construção da identidade corporativa da Polícia Militar tem suas raízes na história (...) e a identidade dos seus membros dela deriva, modelando-se através da interação social (...) que são representações bem construídas e intimamente relacionadas do eu (...) como produto dramático [que], derivado de um quadro de representação e mediado por um público, só ganha visibilidade na ação entre protagonistas. (...) a imagem que um policial tem de si [, portanto,] é permanentemente edificada sobre o conjunto de movimentos interativos com a realidade que vivencia: com a instituição que cria códigos, preceitos e ritos, por meio dos quais mantém a visão corporativa e abrange a todos os servidores, e com a sociedade que aplaude ou reage às práticas policiais, construindo avaliações e interpretações, segundo suas expectativas sobre o cumprimento do serviço público que seus profissionais prestam. 4. CONCLUSÃO Tendo em vista o exposto, a reflexão que aqui fazemos da categoria identidade privilegia não o aspecto psicológico da formação do eu, mas, concebendo o indivíduo como indissociável do contexto social, compreende a identidade enquanto representação social e, portanto, construída por uma sociedade, grupo ou segmento social em um determinado momento de sua história. O militarismo atende a um modelo de força voltado para guerras, situações de conflito bélico, por isso possuem um rigor, teorias voltadas ao extremo preparo físico dos combatentes que possuem funções específicas: combater inimigos, defender o território e a soberania da pátria. De outro ponto, as PMs são órgãos instituídos para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, desenvolvendo atividades de policiamento ostensivo, na missão de servir e proteger (MINAYO, 2008). Assim, é necessário refletir sobre a desmilitarização. Trata-se de uma discussão jurídica interessante e pertinente na atual conjuntura por questionar a legitimidade da regra constitucional que tratou de criar uma polícia ostensiva com requintes militares. Tramitam no Congresso Nacional algumas propostas legislativas a respeito do tema, valendo citar a PEC 102 de 2011, que tem como assunto a unificação das Polícias. A mobilização das entidades representativas de policiais, bem como órgão em defesa de direitos humanos é importante. Nesse sentido, ocorreu em Salvador no período de 17 a 19 de abril o X ENERP Encontro Nacional de Entidades Representativas de Praças Policiais
Militares e Bombeiros evento ocorrido no Centro Cultural da Câmara de Vereadores de Salvador. O evento foi organizado pela Associação Nacional de Entidades Representativas de Praças Policiais e Bombeiros Militares ANASPRA, em parceria com a ASPRA BAHIA Associação de Praças e Bombeiros do Estado da Bahia, evento que discutiu um novo modelo de polícia desmilitarizada em conjunto com a sociedade civil organizada e gestores da Segurança Pública. O princípio democrático insculpido no artigo 1º da Constituição Federal de 1988 conclama por um Estado com ordem política, administrativa e jurídica tendente a efetivar a democracia. Nesse ponto, as regras, procedimento, estruturação das PMS pautadas no regime militar das Forças Armadas não condiz com a dinâmica social, tendo em vista que, a Segurança Pública é um direito, cujos destinatários são as pessoas, ao passo que, a população civil é em verdade usuária desse serviço, e não inimiga ou adversária, como parece ser em certos momentos, a exemplo das manifestações contemporâneas que recebem o rigor das Polícias Militares. Assegura-se que a Polícia Militar manteria o seu papel ostensivo de prevenção e repressão, como ocorre, por exemplo, com a Polícia Rodoviária Federal, efetivamente dentro de sua atribuição. Assim, espera-se que o futuro seja prospero no que diz respeito ao anseio pela desmilitarização das PMS, fato que contribuirá com a efetivação da cidadania e da democracia no Brasil. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Oséas Moreira de. Notícias sobre a Polícia Militar da Bahia no Século XIX. Salvador: Secretaria de Cultura e Turismo do Estado da Bahia, 1997. BAHIA. Decreto Estadual n 29.535 de 11 de março de 1983. dispõe sobre o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar da Bahia. Disponível em: < http://www.pm.ba.gov.br/legislacao.htm > Acesso em: 20 ago. 2012.. Lei nº 7.990 de 27 de dezembro de 2001. Dispõe sobre o Estatuto da Polícia Militar do Estado da Bahia. Disponível em: < http://www.pm.ba.gov.br/legislacao.htm > Acesso em: 20 ago. 2012. LOUREIRO, Ythalo Frota. As Polícias Militares na Constituição Federal de 1988: polícia de segurança pública ou forças auxiliares e reserva do Exército?. Disponível em: < http://www.pgj.ce.gov.br/servicos/artigos/artigos.asp?icodigo=84 >. Acesso em: 10 set. 2012. MINAYO, M. C. S. et al. (coord.) Missão prevenir e proteger: condições de vida, trabalho e saúde dos policias militares do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2008.
PAÍSES DA ONU RECOMENDAM O FIM DA POLÍCIA MILITAR NO BRASIL. Jornal Folha de São Paulo. Caderno Cotidiano. Publicado em: 30 de maio de 2012. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1097828-paises-da-onu-recomendam-fim-da-policiamilitar-no-brasil.shtml > Acesso em: 15 ago. 2012.