AULA 6 23/03/11 A LETRA DE CÂMBIO 1 O CONCEITO A letra de câmbio é uma ordem de pagamento, à vista ou a prazo, emitida pelo sacador contra o sacado, devendo este último efetuar o pagamento ao beneficiário da quantia nela especificada. É um dos títulos de crédito mais antigos, sendo predecessor do cheque. Encontra-se, em nosso país, regulamentada pelo Decreto n. 2.044/1908, também chamado de Lei Saraiva, bem como pelo Decreto n. 57.663/1966, alcunhado Lei Uniforme. Ambos institutos também disciplinam as notas promissórias. Historicamente, comenta-se que, ocorrera da década de 1930, na Suíça, a Convenção de Genebra, reunindo os grandes produtores e exportadores. Houve por bem uniformizar-se a letra de câmbio, bem como a nota promissória, dentre outras medidas. O Brasil fez-se signatário. Mas, como as disposições de convenções não vigoram de pronta no Brasil (salvo tratado internacional que tenha por objeto direito fundamental ex. Pacto de São José da Costa Rica), teve que ser ratificado pelo Congresso, o que somente ocorreu em 1966. 2 AS PARTES A letra de câmbio encerra uma relação creditícia triangular, na medida em que a sua criação se dá a partir de um saque cambial (emissão do título) efetuado pelo sacador, titular de um direito de crédito contra o sacado (obrigado cambiário) que deverá pagar ao beneficiário a quantia do título. O terceiro elemento nessa relação jurídica é o beneficiário ou tomador, que é credor do sacador, o qual, por sua vez, por meio da letra de câmbio dá uma ordem ao sacado a fim de que este pague ao beneficiário por sua ordem. Um pagamento simplifica duas relações de débito e crédito.
34 DIREITO EMPRESARIAL A letra é um instrumento legal destinado a facilitar as relações de natureza econômica fazendo com que o crédito seja mobilizado durante um certo período de tempo, transformando-se em dinheiro a confiança que os portadores depositam nos obrigados na letra. O tomador poderá, em vez de aguardar o momento de vencimento do título, negociá-lo com outra pessoa, recebendo, logo, a importância mencionada. Esse novo proprietário da letra poderá fa\zer o mesmo com outras pessoas. Em suma, há um triângulo: (A) é o sacador que cria o título e o entrega a (B) que é o sacado e que deve um valor para (A), mas que, por ordem de (A), efetuará o pagamento para (C) que é o beneficiário ou tomador. (C) pode negociar o título para terceiros (X), (Z), (Z). Percebe-se que a circulação de valores gera tributações. A letra de câmbio racionaliza o pagamento que, ao invés de passar de (B) para (A) e deste para (C), passa imediatamente de (B) para (C), extinguindo a relação jurídica travada entre (A) e (B), bem como aquela entre (A) e (C). A convenção cambial propicia uma tributação menor. Um pagamento extingue duas relações jurídicas. (B) por orem de (A) paga o valor a (C), sendo que (A) é simultaneamente credor de (B) e devedor de (C). 3 AS CARACTERÍSTICAS Primeira: a relação jurídica existente em uma letra de câmbio é nitidamente triangular, envolvendo obrigatoriamente três posições jurídicas distintas, quais sejam: o sacador, o sacado e o beneficiário, também batizado tomador. Segunda: tal relação, entretanto, não obstante necessitar das três posições referidas, pode conter a mesma pessoa, por exemplo, como sacador e beneficiário de uma letra de câmbio, conforme roga o art. 3º (Anexo I), da Lei Uniforme. Terceira: a letra de câmbio é um título abstrato, porquanto a sua emissão não exija uma causa legal específica, não necessitando, desta maneira, trazer expresso o motivo que lhe deu origem. Abstrato quer dizer absorto, contemplativo, distraído, meditativo, pensativo. Quarta: a despeito de não ser o principal pagador, uma vez efetuado o saque cambial, o sacador se vincula ao pagamento da letra de câmbio, conforme textualmente vem previsto no art. 9º (Anexo I), da Lei Uniforme.
35 AULA 6 A LETRA DE CÂMBIO 4 OS REQUISITOS ESSENCIAIS A letra de cambio, como título formal que se afigura, deve conter determinados requisitos tidos por fundamentais, sendo os mesmos necessários à sua plena validade, conforme previsto no art. 1º, bem como no art. 2º (Anexo I), da Lei Uniforme. Primeiro a expressão letra de câmbio : o algoritmo comentado deverá vir inserido no texto do próprio título e, evidentemente, expressado em igual idioma que tenha sido aplicado em sua redação. Note que, outros países também usam essa espécie de título. Segundo o mandato puro e simples de pagar quantia determinada: o título deve conter expressamente o valor a ser pago, sendo que, por força do princípio da literalidade, tal valor prevalece até a data de vencimento, a partir do que o credor pode acrescentar juros de mora e despesas. Terceiro o nome de quem deve pagar: o nome do sacado. Este deve ser identificado, obrigatoriamente, pelo número de sua cédula de identidade, de inscrição no cadastro de pessoa física, do título eleitoral ou da carteira profissional. Quarto o lugar de pagamento da letra de câmbio: quando o título não especificar, deverá ser considerado como tal o local de domicílio do sacado, conforme vem previsto no art. 2º, alínea segunda (Anexo I), da Lei Uniforme. Quinto o nome do beneficiário, também alcunhado tomador: trata-se do nome, literalmente expresso, da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser pago o valor expresso na letra de câmbio. É aquele que ocupa a terceira posição na relação jurídica triangular em apreço. Sexto a data e o lugar de emissão da letra de câmbio: a data e o local do saque do título deve ser posto, sendo que, na sua ausência, se considera como tendo sido emitida em lugar inserido pelo beneficiário, ao lado do nome do sacador, conforme art. 2º, alínea terceira, da Lei Uniforme. Sétimo a assinatura de quem emite a letra de câmbio: mais do que evidente apostilar que o sacador está obrigado ao emitir a letra de câmbio selar o título em apreço com sua assinatura. Em suma, o sacador deve assinar a letra. No tocante ao mandado, percebe-se ser ele um comando. O instrumento do mandado é a procuração, o documento que prova o comando. A procuração é sempre necessária quando a lei assim a exigir.
36 DIREITO EMPRESARIAL Aclara-se que, a data de vencimento não constituiu requisito na letra de câmbio, porquanto, conforme o art. 2º, alínea primeira (Anexo I), da Lei Uniforme, a sua omissão implica o vencimento à vista do referido título. Por fim, registre-se que, parte da doutrina costuma referir-se às indicações contidas no art. 2º (Anexo I), da Lei Uniforme como requisitos não essenciais, na medida em que podem ser substituídos, conforme referido anteriormente. 5 O ACEITE O aceite é a relação unilateral do sacado aposta nos títulos de crédito emitidos como ordens de pagamento letra de câmbio e duplicata por meio da qual o sacado se torna efetivamente obrigado cambiário, aceitando literalmente a obrigação representada pelo título. Nos termos do art. 21 (Anexo I), da Lei Uniforme, a letra de câmbio pode ser apresentada para aceite do sacado até o respectivo momento do seu vencimento, no seu domicílio, pelo beneficiário ou por um representante deste. O aceite não é obrigatório na letra de câmbio à vista, devendo ser aposto, entretanto, nas modalidades de letra de câmbio com vencimento a prazo. Na hipótese de recusa do aceite por parte do sacado, a letra deve ser levada a protesto, sendo o seu vencimento antecipado para esta data. Para evitar a recusa do aceite pelo sacado antes do vencimento do título, a Lei Uniforme prevê em seu art. 22 (Anexo I), a possibilidade da emissão da letra de câmbio não aceitável, que é aquela em que o sacador proíbe expressamente no próprio título a sua apresentação para aceite. Na hipótese de recusa parcial do aceite o sacado não quer obrigar-se pelo valor total do título, mas apenas por parte dele o título também deve ser levado a protesto operando-se, dessa forma o vencimento antecipado da letra de câmbio. A Lei Uniforme, em seu art.24 (Anexo I), prevê a possibilidade de, quando da apresentação das letra ao sacado para aceite, este solicitar que o título lhe seja reapresentado no dia seguinte é o prazo de respiro, afigurando-se como uma faculdade legal conferida ao sacado.
37 AULA 6 A LETRA DE CÂMBIO Por fim, note-se que, o sacado que retém indevidamente letra de câmbio que lhe foi apresentada para aceite está sujeito a prisão civil, prevista no art. 885, do Código de Processo Civil 1, sendo que o beneficiário não é obrigado a deixar em poder do sacado a letra apresentada para aceite. 6 O VENCIMENTO A Lei Uniforme, em seu artigo 33 (Anexo I), esclarece que o vencimento do título em apreço, qual seja a letra de câmbio, pode dar-se de quatro maneiras distintas. Segue de modo pormenorizado cada uma das comentadas maneiras. A primeira à vista: o sacado recebe o título para pagamento imediato. A expressão à vista encerra em si própria o seu significado porquanto queira dizer aos olhos de quem está vendo. Inexiste aceite, de modo que ou se paga de imediato ou são adotadas medidas judiciais. A segunda a certo termo da data: após a fluência do termo fixado no título para o pagamento, termo que se inicia na data de criação do título. A palavra termo quer dizer período de tempo. As partes convencionam data futura para vencimento, prazo este contado a partir do aceite. A terceira a dia certo: é convencionado dia determinado para vencimento e pagamento. As partes convencionam data futura para o vencimento. Destina-se a data muito distante ao invés de dispor mil dias, agenda-se o vencimento para dia tal, mês tal, ano tal. A quarta a certo termo da vista: em prazo determinado, posterior à vista e ao aceite (a letra deve ser apresentada para aceite dentro de um ano, prazo que pode ser alterado pelo sacador). O termo inicial é a data de vencimento do título, não a do aceite. 1 Código de Processo Civil do Brasil (1973): Art. 885 - O juiz poderá ordenar a apreensão de título não restituído ou sonegado pelo emitente, sacado ou aceitante; mas só decretará a prisão de quem o recebeu para firmar aceite ou efetuar pagamento, se o portador provar, com justificação ou por documento, a entrega do título e a recusa da devolução. Parágrafo único. O juiz mandará processar de plano o pedido, ouvirá depoimentos se for necessário e, estando provada a alegação, ordenará a prisão.
38 DIREITO EMPRESARIAL 7 O VENCIMENTO ANTECIPADO Além das hipóteses referidas de vencimento regular da letra de câmbio, existem também aquelas hipóteses em que o vencimento pode vir a dar-se de forma antecipada, conforme previsto no art. 43 (Anexo I), da lei Uniforme. São três as hipóteses. Primeira falta ou recusa de aceite: em se ocorrendo a falta, bem como a recusa do aceite, sempre por parte do sacado, o dispositivo legal supra explicitado esclarece que o título poderá ser cobrado imediatamente. Aponta-se que, a recusa do aceite pode ser expressa (ex.: não faço) ou tácita (ex.: postergação). Em qualquer um dos casos, o titular deverá do título deverá levá-lo a protesto e a data de lavratura do protesto será a data de vencimento do título. Por outro lado, a falta de aceite ocorre em situações que independem da vontade do devedor, tal qual ocorre, por exemplo, quando este vem a falecer. Inexiste aceite póstumo: seu patrimônio responderá por suas obrigações; inexiste transferência automática de herança. Segunda falência do sacado: com a falência decretada, o vencimento será antecipado, a fim de que o credor possa ingressar tempestivamente no processo de falência do devedor, pela importância de seu crédito. Destaque-se que, a falência é um processo de execução coletiva no qual os credores do empresário dirigem-se ao Poder Judiciário requerendo a execução coletiva do empresário. Decretada a falência, todas as obrigações do falido vencem antecipadamente. Terceiras falência do sacador da letra não aceitável: o sacador tem responsabilidades no mundo jurídico e neste caso observa-se o vencimento antecipado, devendo o tomador concorrer pelo valor de seu crédito no processo falimentar. Apostila-se que, a relação triangular somente se perfaz quando o sacado confere o aceite. Em caso de falência do sacador, sua dívida para com o beneficiário vence de modo antecipado. Em outros termos, foi o título aperfeiçoado.
39 AULA 6 A LETRA DE CÂMBIO 8 O RESSAQUE Pode ocorrer de o sacado não efetuar o pagamento do título original, e, por causa disso, o sacador emite outra letra de câmbio para cobrar a mesma dívida não paga, com o valor do primeiro título, devidamente atualizado, conforme os artigos 37 e 38, da Lei Saraiva. Em outras palavras, é um novo saque é a emissão de uma nova letra de câmbio. Exemplo: sacador propõe ao sacado e o beneficiário anui certa letra; o sacado, percebendo impossibilidade de pagar, pede ao sacador que emita outra letra que acaba por anular a primeira. Aponte-se que, o ressaque representa a mesma obrigação, entretanto, com outro valor, porquanto o sacador faça um novo cálculo considerando os juros atualizados, e, igualmente, com outra data de vencimento. 9 A DUPLICATA É uma cópia da letra de câmbio que é emitida na hipótese de ocorrer o extravio ou destruição da via original. É emitida de forma literalmente igual à via original, inclusive com o mesmo valor e a mesma data de vencimento, conforme art. 67, da Lei Uniforme, bem como art. 16, da Lei Saraiva. Cuidado, o termo aplicado é homônimo àquele usado para designar a duplicata mercantil, entretanto, com ela em nada se confunde. Aqui temos a duplicata da letra de câmbio, que nada mais é, senão, uma segunda via, cópia fiel da via original. 10 AS HIPÓTESES DE PROTESTO Primeira falta de aceite: o portador deve encaminhar o título para protesto até o fim do prazo de apresentação ao sacado para aceite, ou no dia seguinte do término deste prazo se a letra foi apresentada no último dia e o sacado solicitou o prazo de respiro, segundo art. 44, da Lei Uniforme. Segunda falta de pagamento: o credor deverá encaminhar o título para protesto em um dos dois dias úteis seguintes ao vencimento do referido título de crédito, conforme pede o art. 44, da Lei Uniforme.
40 DIREITO EMPRESARIAL Não observados os prazos legais para o protesto, o portador do título perde o direito de crédito contra os coobrigados da letra sacador, endossante e seus respectivos avalistas permanecendo apenas com seu direito de crédito contra o aceitante e seu respectivo avalista. 11 PRAZOS PARA PROPOSITURA DE AÇÃO EXECUTIVA O credor pode, ainda, exercitar o seu direito à propositura de uma ação executiva com base em letra de câmbio, nos termos do disposto nos artigos 43 e 70 (Anexo I), da Lei Uniforme, considerando os seguintes prazos prescricionais: Em três anos, a contar do vencimento do título para propositura da ação contra o devedor principal e seu avalista. Em um ano, a contar do protesto efetuado dentro dos prazos legais, contra os endossantes, seus avalistas e sacado. Ademais, em um ano a contar do vencimento, no caso da letra que contenha cláusula sem despesas. E em seis meses, a contar do dia em que o endossante pagou ou que foi demandado para propositura de ação executiva dos endossantes, um contra os outros ou contra o sacador. 12 A APLICABILIDADE A letra de câmbio encontra vasto uso em operações internacionais. Na economia doméstica, meditemos um banco que faz com seu cliente um contrato de mútuo (ex.: empresta R$ 10.000,00 e cobrará R$ 15.000,00 em vinte parcelas mensais) que possibilite a emissão de letras de câmbio. No contrato de mútuo, o banco inclui uma cláusula que reza a seguinte condição: na hipótese de atraso no pagamento de certa parcela por parte do cliente, a instituição bancária se reserva o direito de sacar letra de câmbio à vista. Neste norte, o banco (sacador) torna-se credor do cliente (sacado) que obriga-se a pagar para o beneficiário (posição que é ocupada pelo próprio banco) em face do inadimplemento do pagamento de uma parcela qualquer daquilo que foi emprestado. A vantagem para o banco consiste no fato de que, inadimplente o devedor, poderá a instituição cobrá-lo em uma única parcela (a que não foi paga), ao invés de ingressar no moroso Judiciário a fim de executar toda a dívida (o cliente não tem dinheiro para quitar uma parcela, quanto mais todas).