mudanças e a alterar realidade dos Censos



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Transcrição:

Crise está a acelerar mudanças e a alterar realidade dos Censos RESULTADOS Menos de dois anos depois, a crise já contribuiu para desatualizar alguns números dos últimos Censos, apresentados ontem. ATUAL PÁGS. 6 E 7

Crise acelera mudanças e altera números dos Censos Resultados. Éramos 10 562 178 a 21 de março de 201 1, quando foram feitos os Censos, mas a crise tornou este e outros números pouco atuais em cerca de ano e meio, nomeadamente o do desemprego e o de habitantes. Outros são estruturais: estamos assustadoramente mais velhos, concentrados no litoral e nas cidades e as nossas famílias mudaram PATRÍCIA JESUS Somos menos do que éramos em março de 2011? Tudo indica que sim: a queda da natalidade e a saída de 80 a cem mil pessoas por ano, empurradas pelo desemprego, que também disparou, fazem com que o retrato que os Censos fizeram do País há menos de dois anos já esteja desatualizado. Ficámos mais "magros", por assim dizer. Talvez mais tristes, se depender do desemprego, que passou de 13,2%, o número do recenseamento, para 15,8%. E as comunidades migrantes que nos fizeram crescer desde 2001 começaram a voltar a casa ou a procurar outros destinos. "Estamos num período de grandes mudanças. É uma sociedade que não está apenas em declínio demográfico, mas também em declínio social e económico, e no último ano e meio isso agravou- se a uma velocidade tremenda", repara o sociólogo e demógrafo Mário Leston Bandeira. Por isso, acredita que se o recenseamento fosse feito agora os números do crescimento dapopulação-2%, mais 206 mil pessoas do que em 2001 - seriam "ainda mais dececionantes e medíocres". Para o geógrafo Jorge Malheiros, as tendências já tinham começado a mudar em 2009. "Depois de 2007 a população tende a estagnar, com um saldo fisiológico de quase zero e o saldo migratório a ficar negativo. Por isso estes Censos são quase uma média entre a realidade da primeira metade da década e a da segunda metade, que é de declínio." O geógrafo nota também que "a realidade muda hoje mais depressa do que no passado". E até a coordenadora dos Censos admitiu, na apresentação dos resultados, que os prognósticos apontam para um diminuição da população. No entanto, Anabela Delgado realça que "os grandes números são estruturais e não mudam de um momento para o outro". Mesmo assim há uma área em que há mudanças profundas: a família, mais pequena e mais diversificada. As pessoas sozinhas são um quinto das famílias, as monoparentais cresceram 36% e as recompostas 127% (ver textos ao lado). Os casais sem filhos também aumentaram e os que vivem em união de facto representam agora 13% das uniões. Entre as tendências estruturais está o preocupante envelhecimento da população, salienta a especialista. Há 128 idosos por cada cem jovens -em 2001 eram 102edezanos antes apenas 68. Com consequências para a população ativa: há apenas 94 pessoas a entrar no mercado de trabalho, para cada cem que se reformam. "É uma transformação estrutural e trágica, não pelo envelhecimento em si, mas porque não estamos preparados para viver com essa realidade. E é muito difícil de resolver, além de ser agravada com a emigração dos mais jovens", indica Leston Bandeira. Quanto à emigração, pela primeira vez o recenseamento perguntou aos portugueses seja tinham vivido no estrangeiro. Um milhão e meio respondeu que sim - a maioria nas ex-colónias, mas também em França, Alemanha e Suíça. Por "defeito profissional", o geógrafo Jorge Malheiros ficou impressio-

nado com a concentração de metade da população em 33 municípios - é que há outros 275 -, geralmente no litoral e à volta de Lisboa e Porto. Outra "transformação estrutural que as políticas urbanas ao longo das últimas décadas não conseguiram contrariar". Para Leston Bandeira, um "sintoma da nossa incapacidade para tomar conta do nosso próprio território, que ainda por cima é pequeno". Mas há boas notícias, embora tenham um travo a ironia. Os Censos confirmam que temos a geração mais qualificada de sempre. Metade da população fez o ensino básico (até ao 9. ano), cerca de 31% completaram o secundário e 1 5% têm uma licenciatura. Um longo caminho desde 1991, quando 11% da população era analfabeta, um número que caiu para 5, 2% - sobretudo mulheres idosas. Mas em 2011 ainda havia 10% de portugueses sem qualquer nível de escolaridade completo. "É um país a cores e outro a preto e branco. São alterações positivas e importantes, que não são acompanhadas pelo mercado de trabalho", lamenta Leston Bandeira. Aliás, no trabalho não houve grandes alterações. A taxa de atividade mantém-se nos 48%, mais de metade da população não trabalha: menores de 15 anos, estudantes, domésticos e reformados. Os que trabalham estão sobretudo nos serviços (70%), com a construção e a indústria a recuarem. Agricultura e pescas só empregam 3% dos trabalhadores. António Gonçalves foi dos primeiros a fixarem-se no Caniço Dormitório do Funchal faz de Santa Cruz o município que mais cresceu densidade Deve-se à freguesia do Caniço, o aumento exponencial da população do concelho de Santa Cruz, Madeira. A dez minutos do Funchal, esta freguesia transformou-se no dormitório da capital, com construção em massa, tal como acontece com as outras freguesias que mais cresceram. Mafra e Alcochete, que completam o top3, são disso exemplo. António Gonçalves, 60 anos, foi um dos primeiros a irem trabalhar e a fixar residência no Caniço em 1975, quando abriu o primeiro hotel. Inicialmente, os terrenos "eram baratos e apetecíveis e a construção civil viu o furo". "Havia muitos terrenos baldios, isto por aqui era um deserto. Hoje são blocos de apartamentos uns em cima dos outros. Há uns dois centros comerciais, clínica e centro de saúde, veterinário, e muito comércio. Os bancos estão todos aí. Ou seja, temos tudo o que precisamos, isto já podia ser uma cidade", diz. O movimento de apoio ao Caniço-cidade já existe mas com "a atual situação não vai vingar" a reivindicação. LÍLIABERNARDES

Juntos para constituir uma "grande família" FAMÍLIA REESTRUTURADA "Os nossos filhos têm pais diferentes mas, quando estamos todos juntos, não há distinções no tratamento de uns e de outros, a educação dada é igual." Karen Ribeiro foi mulher do ex-futebolista Mário Jardel, relação da qual nasceram dois filhos. Apóso divórcio, conheceu o jogador de hóquei Filipe Gaidão, que já tinha uma criança. Em2ooB, Karen (41 anos) efilipe (35 anos) casaram-se, e tiveram mais um filho, alargando ainda mais a "grande" família, como a própria afirma. "Eu educo o filho do Filipe como se fosse meu, e o mesmo acontece com ele." Em 2011,0 número de famílias reconstituídas ascendia já a 105 764. No entanto, Karen, nascidano Brasil, garante que "se eu e o Filipe nos tivéssemos casado antes, também teríamos sido uma família grande, porque gostamos de ser pai e mãe". A antiga apresentadora da SportTVaté gostaria de termais crianças, mas revela que já não pode, "pela idade". JOAQUIM CARDOSO O emprego de Catarina são os dois filhos monoparental "A grande dificuldade é alogística. Às vezes dava jeito ter outro par de mãos para ajudar." A frase é de Catarina Beato, 34 anos, mãe solteira de duas crianças, há sete a viver sozinha. Uma família monoparental que acentua a tendência confirmada pelas estatísticas: em comparação com os Censos 2001, os agregados monoparentais cresceram 36%. "Há uma grande dose de egoísmo e vivemos numa altura em que as frustrações não se toleram. Acredito que esta tendência é resultado disso", justifica. Catarina diz que ser mãe solteira tem desvantagens, sobretudo no que respeita à divisão das despesas, mas há fatores que não se traduzem em números. Desempregada, consegue viver do "pé de meia" que juntou, o que lhe permite ter mais tempo para acompanhar os filhos, poupar em ATL, no fundo, "ter mais qualidade de vida". Além disso, conta com a ajuda do pai do filho mais velho nas despesas de educação. A. R.

Cyntia já viu muitos amigos partir mas ela quer ficar Brasileiros dispararam numa década mas a debandada já começou imigrantes Quando há três anos Cyntia de Paula apostou em Portugal, para fazer o mestrado em Psicologia Comunitária, estava longe de imaginar que iria ficar por Lisboa. "Mas arranjei emprego e apaixonei-me pela cidade e pelo País. Apesar da crise em Portugal e de a economia no Brasil estar a melhorar, não penso regressar", diz esta natural de Mato Grosso do Sul, 26 anos, que trabalha na secretaria da Casa do Brasil. A sua vontade de ficar vai contra a corrente da maioria dos brasileiros. Depois do boom, registado nos Censos, começaram a regressar ao país. "Tenho pena de que os amigos se fossem embora, quando estavam tão bem adaptados, mas isto está a ficar difícil. Até amigos portugueses foram com eles", diz Cyntia. Gustavo Bher, vice-presidente da Casa do Brasil, confirma a debandada. "Não temos números, mas é muita gente", diz. Uma comunidade que começou a voltar ainda na última década foi a angolana, que era a principal em 2001 e passou para o quarto lugar. ROBERTO DORES