Jogando as capoeiras... Berimbau já deu chamada vem pra roda jogar. Carin, Marcos Ribeiro, Ronaldo, Tiago



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Transcrição:

Jogando as capoeiras... Berimbau já deu chamada vem pra roda jogar Carin, Marcos Ribeiro, Ronaldo, Tiago Sr. Delegado eu vi uma briga onde um homem morre foi um negro malvado que matou o homem e depois se benzeu Foi uma luta de mestres onde um dos mestres era eu por favor prenda esse homem que eu quero saber seu nome e onde foi que ele aprendeu a jogar a capoeira eu que pensava ser bamba, ai meu Deus muito tenho que aprender ele matou um dos mestres não foi com soco nem pernadas foi com a humildade e confiança em suas palavras Autor: Dudgé Iê Maior é Deus Iê maior é Deus camará Iê viva meu mestre Iê viva meu mestre camará 1

Iê quem me ensinou Iê quem me ensinou camará Iê a malandragem Iê a malandragem camará Iê da Capoeira Iê da Capoeira camará Iê galo cantou Iê galo cantou camará D.P.(Dominio Publico) Angola e e e Angola e Angola Berimbau é de angola angola ê Atabaque é de angola angola D.P. Menino quem foi seu mestre Meu mestre foi Salomão Discipulo que aprendo Mestre te dou lição O mestre que me ensinou No engenho da conceição A ele devo dinheiro Saúde e obrigação O segredo de São Cosme Só quem sabe é Damião Aruandê Iê Aruandê camará D.P. Perto de mim tem um vizinho Que enricou sem trabalha 2

Meu pai trabalhou tanto Nunca pode enricar Volta do mundo Iê volta do mundo D.P. Oi Sim sim sim, Oi Não Não Não D.P. Vai você vai você Dona Maria como vai você D.P. Vou dizer ao meu senhor Que a mantega derramou D.P. A benguela chamou pra jogar A benguela chamou pra jogar Capoeira Tudo começou assim e eu tenho que lembrar Que Maria Martinha do Bomfim, Luis Candido Machado Eram os pais de mestre Bimba Manuel dos Reis Machado E Bimba assim dizia Tocando seu berimbau Sentado no velho banco Ensinando a regional 3

E no dia de formatura Era obrigado a jogar O São Bento Grande o toque de Iuna Na benguela não podia sujar Em 05 de fevereiro do ano de 74 Triste fato aconteceu Na cidade de Goiania Mestre Bimba faleceu Autor: Tucano Preto Coisa boa é treinar E rever os amigos na academia É saber que meu mestre tá ali Todos os dias Cabeça do ser humano É coisa que ninguém passeia Olha o jogo duro existe Mas aqui ninguém se odeia Quando eu chego na academia Eu tenho que largar suor Foi o meu mestre quem disse Que quem tá ruim vai ficar bom...e quem tá bom vai ficar melhor Os conselhos do meu mestre Eu vou seguir dessa maneira Olha tem que ser onze na vida Pra poder ser dez na capoeira 4

E você que tem seu mestre Dê a ele seu valor Saiba que o momento é agora E não depois que ele se for Autor: Arraia Falar sobre a prática da capoeira, é sobretudo falar da sua história e dos que a negaram durante tempos, pois os mesmos que a negaram, só são citados hoje em várias pesquisas, justamente por tornar dificultoso o verdadeiro sentido da história da capoeira, pois ela é parte significativa da própria história do Brasil, sendo que os aspectos do seu jogar remontam processos histórico-sociais e de certa maneira estão diretamente ligados a constituição do povo brasileiro. Não dá para jogar capoeira sem pensar na contribuição da cultura bantu na construção das manifestações afrobrasileiras. A roda, o canto, a gira, a percussão, que embalam e embolam e dão sentido a vida e a natureza que dá o nome em tupi-guarani para capoeira. Capoeira é mato! Hoje a capoeira é jogada em mais de 150 países, no Brasil mais de 6 milhões de pessoas a praticam. Segundo João da Mata (1993) a escassez de documentos que registram a fase do surgimento da capoeira no Brasil, portanto, fase significativa de nossa história, foram destruídos no final do século XIX por Rui Barbosa, Ministro da Fazenda no Governo do General Deodoro da Fonseca. Segundo os relatos de João da Mata (1993), Rui Barbosa mandou queimar praticamente tudo o que tinha, alegando ser a escravidão uma página negra da história brasileira e que a manutenção de tais documentos significaria um retrato da vergonha nacional. Mesmo sendo rica culturalmente, e hoje patrimônio cultural nacional, a capoeira não tem um acervo histórico em registros do qual merece, mas diante de esforços de estudiosos e mestres de capoeira ao longo do tempo, existem hoje alguns registros isolados que de certa maneira colaboram para o entendimento do panorama social e político do Brasil Colonial e conseqüentemente, o início da capoeira. O objetivo principal desse texto não é aprofundar esse debate em relação às questões históricas ligadas a capoeira, entretanto entendemos como fundamental abordar de forma sucinta tal aspecto para que as idéias posteriores desenvolvidas no texto possam ser compreendidas. 5

Um pouco de história da história... Após massacrarem os povos indígenas que habitavam o Brasil, o tráfico de escravos negros oriundos de diversas regiões do continente Africano, passou a ser a base econômica do nosso país, sendo que o uso dessa mão de obra perdurou por mais de três séculos. Não se pode afirmar com exatidão quando os primeiros escravos africanos chegaram ao Brasil, acredita-se que os primeiros navios negreiros vindos da África, desembarcaram na Costa da Bahia em meados de 1530. É possível encontrar em registros da história, hipóteses que os primeiros escravos vieram de várias regiões de Angola, país esse que se destacou como o maior centro de tráfico negreiro naquela época. Como é contado historicamente, os negros capturados na África tornavam-se mercadorias nos Portos da África Ocidental. Eram trocados por especiarias e transportados para a Costa brasileira em condições sub-humanas, tendo como principais destinos as regiões do Recife, Salvador e Rio de Janeiro. No século XVI o Brasil foi considerado o maior país das Américas a comprar escravos, sendo responsável pela maior operação internacional de transferência forçada de pessoas de um continente para o outro. Perante aos olhos dos portugueses, os povos africanos pareceram ser a solução mais fácil e viável para seus interesses comerciais, sendo utilizados inicialmente nos trabalhos de lavoura de açúcar nas fazendas de engenho. Aqui, nas novas terras os escravos podiam ser objetos de compra, venda, empréstimo, doação, penhor, seqüestro, transmissão por herança, embargo ou depósito. Os negros trabalhavam arduamente, em péssimas condições, eram utilizados até se esgotarem, logo eram substituídos por outros sem nenhum cuidado posterior. Após a instalação maciça dos negros aqui no Brasil e diante de trabalhos e mais trabalhos, exploração que superava a cada dia a exploração, mesmo sem muitas possibilidades de lutas, os negros por conta da demanda daquele momento iniciaram a resistência. Era uma reação contra os maus tratos e também contra o crime cultural que os europeus arquitetaram contra eles, como a proibição de seguirem suas religiões, os forçando a religião católica. Tiraram os seus nomes tribais, os separavam dos membros de mesma tribo, lhes ensinavam outras línguas a fim de impedir o diálogo entre eles, como prevenção a futuras organizações coletivas dos escravos. 6

Mesmo resistindo, muitos dos escravos africanos aqui encontrados não suportaram viver daquela maneira, preferindo acabar com a própria vida. Para o negro, viver daquela maneira significava a própria morte, e a possibilidade de fuga e conquistar a liberdade, era como retornar a vida. Em busca de melhores condições para viver, o negro, através da ânsia por sua liberdade, criou uma nova sociedade, os Quilombos lugares onde a busca era por organizar os negros para conquistar a liberdade de todos. Existiram vários, sendo o maior denominado Palmares, localizado entre os Estados de Alagoas e Pernambuco, sendo Zumbi de Palmares seu grande líder. Nesse processo de organização e de tentativas de fugas é possível visualizar que naquela época muitos dos movimentos de resistências exercidos pelos negros se fazem presentes hoje em dia na manifestação capoeira. Tal manifestação era vista em diversas ocasiões, como em brigas com os feitores, em brigas entre os próprios escravos, em festas, em confrontos com os capitães do mato, dentre outras. Existem polêmicas acerca do aparecimento da capoeira, isto é, ela foi trazida pelos negros da África, ou se fez no Brasil no período Colonial? O que se via manifestado pelos negros era realmente a capoeira? A capoeira jogada hoje em dia é influenciada pelas manifestações corporais praticadas pelos negros escravos na época do Brasil Colônia? Segundo estudiosos e grandes mestres a capoeira foi criada no Brasil, ela é filha de pais africanos, mas criada no Brasil. O tempo passou e a capoeira resistiu e continua fazendo parte da história dialogando com várias partes do mundo, dando condições do mundo compreender um pouco do Brasil partindo da manifestação da capoeira, pois as músicas, os movimentos e a filosofia da capoeira, estimulam o querer saber mais sobre o Brasil. O processo de expansão da capoeira no Brasil se deu em momentos difíceis, pois houve resistências de todas as ordens para impedir a sua prática, pois a capoeira era herança do negro, e o negro era o ex escravo, considerado marginalizado pela sociedade dominante. A capoeira foi proibida do ponto de vista legal na época do Brasil república, somente na década de 30, foi reformada e permitida a sua prática. Antes dessa reforma, quem era pego jogando capoeira, poderia ser preso. Diante disso nota-se que a capoeira sofreu (e ainda sofre) várias ressignificações em sua trajetória, sendo algo totalmente repudiado pela elite 7

econômica durante o período colonial, haja vista a formação da Guarda Real da Polícia que tinha a incumbência de perseguir os capoeiristas na figura do temido major Miguel Nunes Vidigal. Já após a independência do Brasil em alguns momentos a capoeira é utilizada como instrumento político ora ao lado dos republicanos ora apoiando os monarquistas, momento esse que intensifica os conflitos entre as maltas de capoeira que apoiavam partidos políticos diferentes. Como citado acima após a proclamação da república a capoeira é proibida e a perseguição aos capoeiristas é intensificada através das ações do chefe de polícia Sampaio Ferraz. Apenas no final da década de 30 a capoeira passa a ser permitida, porém Getúlio Vargas estrategicamente libera para exercer o controle não sendo permitida a prática dessa vinculada a ações subversivas, objetivando a transformação da capoeira em esporte nacional. Novamente nesse momento observam-se confrontos entre os capoeiristas, uma vez que os grupos de capoeira angola defendiam a manutenção das tradições ligadas à capoeira não aceitando a idéia da sua esportivização fomentada pelos grupos de capoeira regional. Nas últimas três décadas surge a capoeira contemporânea, que é fruto de um sincretismo de manifestações culturais como: capoeira, hip hop, ginástica artística entre outros, expressando assim novos significados. Nesses diferentes momentos históricos nota-se que a capoeira passou por diversas interpretações e mesmo diante de tantos entraves, a capoeira seguiu seu caminho, conduzida por pessoas que foram e são fundamentais nesse processo, podemos afirmar que com brilhantismo e resistência Mestre Pastinha praticante da capoeira angola e Mestre Bimba criador e praticante da capoeira regional, foram peças chaves para que a capoeira continuasse contando mundo a fora as suas histórias O jogo vai começar... Berimbau já deu chamada, vem pra roda jogar. Jogar com os sentidos, em todos os sentidos, entender seus significados, ficar de pernas pro ar. Dar a volta ao mundo após levar uma rasteira e cair com o pré-conceito no chão. Então já é hora de agachar ao pé do berimbau, pedir a proteção na sua fé e jogar com todas as relações que esse patrimônio imaterial da cultura brasileira torna a nós possível. 8

Agachados ao pé do berimbau vamos iniciar nosso jogo com as relações de poder que permeiam a prática. Se necessitarmos faremos chamadas e daremos a volta ao mundo para tentar pegar o leitor desprevenido, ou mesmo para repensarmos nossa estratégia depois de levar uma rasteira de nós mesmos! Quando o berimbau der chamada, como bons capoeiras que somos, devemos interpretar seus acordes. Dizem que só quem tem sentimento escuta o berimbau falar. E ele fala, assim como as cantigas, como jogar em que momento e porque jogar com quem jogar. E também como não jogar. Analisando cada jogo de capoeira podemos entender que à medida que a capoeira transitava em diferentes grupos sociais alguns códigos específicos desses grupos marcavam suas características e a identidade dos seus praticantes Os toques de berimbau... Angola, Regional, Yuna, Samba de roda, benguela, cavalaria, etc. Berimbau: Gunga, Médio e Viola. Gunga: é o berimbau com a cabaça maior, é conhecido como o comandante da capoeira, o capoeirista que estiver tocanto ele na roda, reproduz apenas o toque. Médio: a cabaça tem o tamanho médio, além de tocar o toque igual ao Gunga, em alguns momentos redobra dentro dele. Viola: berimbau com a cabaça pequena, reproduz o toque que nem os anteriores e também tem a função de repicar em cima dele, é como se fosse a guitarra solo. Jogando a regional... Na década de 1930, Manuel dos Reis Machado, o mestre Bimba, com sua luta regional baiana, sistematizou seu ensino de capoeira. Jogo rápido, os golpes foram criados e tem uma semelhança com golpes de outras lutas, não tem chamada, os instrumentos utilizados são: um berimbau, atabaque e pandeiro, o abadá (roupa de capoeira) é branco. Depois de apresentá-la em diversos embates de vale-tudo (valia tudo mesmo, não é como nos "primórdios" do MMA). Seus discípulos hoje representantes do seu legado 9

contribuem até hoje com informações importantíssimas para o entendimento da capoeira regional. Listando abaixo os toques encontramos algumas característica dos jogos do Centro de cultura física regional da Bahia, ou simplesmente a academia de mestre Bimba: - São bento: Jogo que caracteriza a luta da capoeira, golpes e movimentos com maior objetividade, com a utilização de golpes traumatizantes, desequilibrantes e projeção; - Iuna: jogo de demonstração da destreza do capoeira, utiliza-se balões e a cintura desprezada criada por mestre Bimba. É um jogo apenas para os formados; e a disputa está nos movimentos, ou seja, quem faz os melhores movimentos, não pode tocar um capoeirista no outro, diferente dos toques anteriores. - Banguela: jogo floreado e solto, os jogadores nesse jogo não podem se sujar; : criado para o capoeirista mais velho jogar com o mais novo, foi criado por Mestre Bimba - Idalina; Amazonas; Santa Maria: é considerado o hino da capoeira regional; Cavalaria. Jogo rasteiro, geralmente coloca-se um caxixi ou um chapéu no meio da roda e os dois capoeiristas que estão jogando precisando pegar o material com a boca sem deixar que o outro encoste o pé em si. Batizado... É de Mestre Bimba a idéia do batizado ou formatura (como chamava o mestre), evento onde os praticantes recebiam seus lenços, hoje representados na capoeira pelas cordas ou cordões. Com origens distintas, podemos utilizar as relações estabelecidas por Moreira (2007) para tentar traças seus significados. As cordas e cordões mais utilizadas tem seu ápice na organização hierárquica por um lado na corda vermelha, instituída no final da década de 1960 como a corda de mestre e o cordão branco, quase que em oposição, oficializada pela confederação brasileira de capoeira (na época um departamento da confederação brasileira de pugilismo) por volta de 1974. O autor coloca em contraposição as instituições com mais representatividade no Estado do Rio de Janeiro como também outrora as maltas que se opunham no período de confronto entre república e monarquia. Hoje é possível verificar cordas e cordões: amarelo, laranja, verde, azul, marrom roxo, verde, verde amarelo, amarelo, amarelo e azul. 10

Na capoeira angola, dependendo do grupo utiliza-se lenços e os outros artefatos pendurados no corpo. Ao pensarmos no contexto social da época (final da década de 1960 e meados dos anos 1970) encontramos o auge do militarismo no Brasil, onde a validade dos cordões, dada a oficialização legitimada pelas federações, como também sua sequência hierárquica seguindo as cores da bandeira, como outros signos, como o "salve" relacionados ao facismo e ao comprimento nazista como apontam Veira e Assunção (1995). As diversas capoeiras... Moreira (2007), nos apresenta o malandro que vive no imaginário social na figura do capoeira, que com sua ginga e estilo de vida desperta a curiosidade e o receio de muitas pessoas, relaciona a diferentes figuras da cultura popular brasileira, estabelecendo a principal relação com a entidade da Umbanda: o Zé Pelintra. Coloca esse imaginário em contraposição na atualidade a prática da capoeira gospel apresentada por igrejas neopentecostais e suas ressignificações praticadas na capoeira, onde algumas cantigas e alguns ritos são alterados em reverencia a palavra de Deus. Para reforçar a idéia de uma capoeira gospel encontramos em Brito (1999), alguns referenciais onde o autor procura responder questões como: o que faz a capoeira ser pecado? Jogar capoeira é prestar culto ao demônio? Entre outras, onde com base em passagens bíblicas este procura afirmar que não existe problema em praticar a capoeira e apresenta Deus como solução para o homem, afirmando não existir nada de errado com a capoeira, mas sim com a natureza humana, corrompida pelo pecado. Então acreditamos que a capoeira se tornará santa todas as vezes que um Cristão consagrado a tocar... (Brito, 1999 p. 57) Acima encontramos um grande exemplo para continuarmos afirmando que as relações de poder na capoeira, reforçadas pela hierarquização das graduações (cordas e cordões), como também a figura do mestre, como detentor de todo o saber-poder sobre a capoeira marca a identidade dos "grupos", ou instituições que representam a capoeira em diferentes níveis sociais. 11

Podemos entender que muito além da capoeira angola, caracterizada por seus aspectos ritualísticos e teatral, com suas armadilhadas e códigos "secretos" que escondem uma periculosidade, muitas vezes negada por uma idéia romântica de que a capoeira angola é caracterizada apenas pelo jogo com movimentos mais lentos próximos do chão. A capoeira angola tem chamada, antes de entrar na roda tem um ritual de cantiga, os instrumentos utilizados na roda são: três berimbaus, pandeiro, atabaque, caxixi e agogô, reco-reco. Antigamente jogava-se com terno ou a melhor roupa que tinham. Alguns dos capoeiristas mais conhecidos foram Mestre Pastinha, Daniel Noronha, etc. Entendendo como uma ressignificação da capoeira regional, caracterizada pela escola do mestre Bimba, encontramos também a capoeira contemporânea, que a exemplo da dança permitiu inúmeras hibridizações, como movimentos acrobáticos oriundo do circo, do hip hop, da ginástica, como também assimilando posturas de outras lutas para melhor posicionar o capoeira em um embate. A capoeira contemporânea, não caracterizada por toques, como acontece na Capoeira Angola (Angola,São Bento Pequeno, Sao Bento Grande, apanha a laranja no chão tico-tico, jogo de dentro) ou na regional ( São bento, Iuna, Idalina, Banguela, Amazonas, Santa Maria, Cavalaria), podemos talvez dizer que a ressignificaçao do toque de São Bento Grande de Angola, para jogos de capoeira em alguns grupos de capoeira onde sua gestualidade se aproximaria a capoeira regional e o toque de benguela, adaptado por uma das instituições com maior poder de expansão nas ultimas duas décadas. Em um passado (ou presente) não muito distante seria inconcebível um capoeira jogar na mesma roda nos toques da capoeira angola sendo representante da regional e viceversa. Hoje encontramos a capoeira presente em diferentes espaços e contextos sociais. Existem nos "mega-grupos" a formação de atletas altamente preparados para competições e para ministrar aulas fora do Brasil, o que muitos utilizam como atrativo para adesão de mais associados, assim como muitas vezes acontece no futebol, o discurso que só será um atleta de sucesso se estiver a divulgando na Europa. Na escola assimilando discursos pedagogização da pratica, como também o "forte" discurso da psicomotricidade e do lúdico da capoeira, onde a criança aprende brincando com elementos da capoeira. Os professores de capoeira nos últimos anos buscaram diversos 12

cursos de formação para aprender diferentes brincadeiras para poder dar aula para crianças. Muitos encontraram na faculdade de Educação Física o respaldo legal, mas não legitimo para atuar com a capoeira. Ao levar essa rasteira a capoeira passa a perder aspectos latentes de sua origem, assumindo assim a característica do colonizador, se tornando a "capoeira de verdade", fazendo uma analogia com Fanon (2008,p.34). Prevalecendo de determinados códigos sociais o preconceito instaura-se na capoeira marcando a identidade. Pertencer a determinados grupos ou ser aluno de determinados mestres posicionam os capoeiristas de forma diferente na comunidade da capoeira e de certa maneira fora dela também. Para dar nosso "adeus, adeus..." encontramos mestres antigos ainda em atividade, que vivenciaram diferentes épocas da capoeira e suas ressignificações, vale lembrar que mesmo com pouca instrução, baixo nível de escolarização, esses educadores não-formais levaram a cultura popular para diversas nacionalidades e mantiveram a resistência cultural dos seus arquétipos, deram a volta ao mundo e antes de agacharmos novamente ao pé do berimbau e ver que os jogos a seguir podem ter outros fundamentos, com outros toques de berimbau, pandeiros, atabaques, agogôs e reco-recos e que a rasteira bem aplicada no tempo do jogo pode ser aplicada em si mesmo encontramos políticas publicas que pretendem "cuidar" desses mestres do patrimônio imaterial da cultura brasileira. Continuando com as hibridizações tão recorrentes na capoeira, encerramos com uma frase de um mestre: "na capoeira é preciso ser para se entendê-la porque a capoeira é simplesmente...a capoeira. AREIAS, Anande das. O que é capoeira. São Paulo: Brasiliense. 1983. BIMBA, M(Manuel dos Reis Machado) Curso de Capoeira Regional. RC Discos/Fitas, 1974. BRITO, E. P. Capoeira e Religião. Goiânia: o autor, 1999 Documentário: Mestre Bimba e a capoeira Iluminada ( ano...) FANON, F. Pele negra, mascaras brancas. Salvador: UFBA, 2008. MATA, João da. A liberdade do corpo. Soma, capoeira angola e anarquismo. São Paulo. 1993. MOREIRA, J.F.F. Arte, Magia e malandragem: o imaginário cantado nas rodas de capoeira. Rio de Janeiro: Dissertação de mestrado, UGF, 2007. VIEIRA, L.R.; ASSUNÇÃO, M.R. Mitos, controvérsias e fatos: construindo a história da capoeira. Revista de Estudos Afra - Asiáticos. n.34, pg.81 121 dez.1998. 13