Fluxos de calor sobre o Oceano Atlântico Sudoeste Diogo Alessandro Arsego 1, Ronald Buss de Souza 2, Otávio Costa Acevedo 1, Luciano Ponzi Pezzi 3 1 Universidade Federal de Santa Maria - UFSM - Santa Maria - RS - Brasil 2 Centro Regional Sul de Pesquisas Espaciais, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CRS- INPE), Santa Maria - RS, Brasil 3 Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC-INPE), Cachoeira Paulista - SP, Brasil. e-mail: diogo.arsego@gmail.com ABSTRACT: Through the Brazilian Antarctic Program (PROANTAR) the Program INTERCONF ( Air-Sea Interaction at Brazil-Malvinas Confluence) aims to study the interaction between ocean and atmosphere in the region of contact between the warm waters of the Brazil Current ( BC) and the Malvinas Current (MC). The resulting interactions from this thermal contrast are given in the form of latent heat flux (evaporation) and sensible heat flux (convection and conduction). Recent publications of PEZZI et al. (2005, 2009), PEZZI and SOUZA (2009) and Acevedo et al. (2009) report results of observations of INTERCONF, suggesting that the ocean front which characterizes the region of the Brazil-Malvinas Confluence (CBM) modulates the atmospheric boundary layer (ABL) in the absence of largescale atmospheric systems operating in the region (e.g., frontal atmospheric system, extratropical cyclones). The objective of this paper is to describe the heat fluxes in the Southern Atlantic Ocean based on remote sensing data and perform a comparison between these fluxes with those estimated from in situ data collected in the BMC region. The data were collected in situ during the course of Operation Antarctica 23, from November 2 to November 4 2004. The results demonstrate a greater instability of ABL on the north side ( warm) of the oceanographic front associated with more intense heat fluxes on that side of the front. Palavras-chave: Interação Oceano-Atmosfera, Oceano Atlântico, Fluxos de Calor 1 INTRODUÇÃO O Oceano Atlântico Sul exerce papel fundamental, ainda que pouco estudado, no tempo e clima do Brasil (Pezzi e Souza, 2009). A Corrente Sul-Equatorial, que se desloca de leste para oeste desde o lado leste do Oceano Atlântico, bifurca-se ao alcançar a costa brasileira dando origem na sua porção sul à conhecida Corrente do Brasil (CB). Em altas latitudes no hemisfério sul, quando a Corrente Circumpolar Antártica sofre a influência da barreira continental imposta pela presença da America do Sul e da Península Antártica ao longo do seu deslocamento para a Passagem de Drake, uma parte de seu transporte se deflete para o norte, originando a Corrente das Malvinas (CM). As instabilidades causadas pela interação entre as águas quentes e salinas da CB, e as águas frias e menos salinas da CM, resultam em grande atividade oceânica de mesoescala na região que tipicamente resulta numa das regiões mais energéticas do Oceano Global (Legeckis e Gordon, 1982; Lentini et al., 2002, Chelton et al., 1990). A compreensão da interação existente entre a CB e a CM é de extrema importância para a caracterização do papel do Oceano Atlântico Sul e da sua inflência no tempo e clima da América do Sul.
Através do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), o Navio de Apoio Oceanográfico (NApOc.) Ary Rongel parte anualmente desde o Oceano Atlântico Sudoeste até o Oceano Austral na Antártica nos meses de outubro a novembro. Desde 2002, a região da CBM é estudada sob seus aspectos oceanográficos e meteorológicos através de um programa de observação chamado INTERCONF (Interação Oceano-Atmosfera na Região da Confluência Brasil-Malvinas). Ao longo do trajeto do navio no Oceano Atlântico Sudoeste, são realizadas medidas da temperatura do oceano em função da profundidade através de sondas do tipo XBT (Expendable Bathy-Thermograph). Medidas na atmosfera são feitas através de radiossondas, que são lançadas simultaneamente ao lançamento dos XBTs. Ao mesmo tempo em que os dados de radiossondas são adquiridos, o navio também realiza observações meteorológicas de bordo, incluindo uma medida de temperatura da superfície do mar (TSM) tipo balde, que são também muito úteis para calibração das medidas das radiossondas. Publicações recentes de Pezzi et al. (2005, 2009), Pezzi e Souza (2009) e Acevedo et al. (2010) reportam alguns resultados das observações realizadas pelo INTERCONF, sugerindo que a frente oceânica que caracteriza a região da CBM modula a Camada Limite Atmosférica (CLA) na ausência de sistemas atmosféricos de grande escala atuantes na região. Todos os trabalhos citados anteriormente, no entanto, colocam mais ênfase nos dados medidos ou estimados através das radiossondas e dos XBTs. Os dados meteorológicos de bordo, no entanto, foram pouco explorados por esses autores. Esse trabalho oferece um estudo das estimativas de fluxos de calor climatológicas no Oceano Atlântico Sul no mês de novembro utilizando dados do projeto OAFlux (Objectively Analyzed air-sea Heat Fluxes). O estudo também realiza uma comparação entre as estimativas do projeto OAFlux na região da CBM com os dados medidos durante a Operação Antártica 23 nos dias 2, 3 e 4 de novembro de 2004. 2 - MATERIAL E MÉTODOS O projeto OAFlux produz análises sobre o calor latente e sensível para o Oceano Global desde o ano de 1958. Os dados utilizados nas análises são provenientes de três tipos de fontes distintas: observações do tempo realizadas por navios voluntários, sensoriamento remoto por satélite e dados de reanálise atmosférica. Durante os dias 2, 3 e 4 de novembro de 2004 o programa INTERCONF realizou medidas in situ de dados meteorológicos na região da CBM. Para a estimativa dos fluxos de calor latente e sensível, esse trabalho utilizou o esquema proposto por Fairall et al. (1996) baseando-se em observações de variáveis entre 2 e 10 metros. Embora esta parametrização tenha sido elaborada para as estimativas de fluxos de calor no Pacífico Equatorial, ela vem sendo utilizada em trabalhos recentes na região da CBM (Pezzi et al., 2005, 2009). O calor sensível (Q S ) e o calor latente (Q L ) são estimados por: Q S C C U ( TSM ) P h ar Q L L C U e e ( qs qar ) onde C h, C e, e C P são, respectivamente, os coeficientes de trasnferência de calor, umidade e momentun, ar é a temperatura potencial do ar, q s é a umidade específica ao nível do mar, q ar é a umidade específica no nível de 10 metros, TSM é a temperatura da superfície do mar (temperatura de balde) e U e a velocidade média do vento na superfície do mar.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO A análise dos fluxos de calor e intensidade do vento descrita em PEZZI et al. (2005, 2009) enfatiza o fato de que no lado norte da frente oceanográfica entre a CB e a CM a atmosfera é mais instável (TSM maior que a temperatura do ar). Isso resulta em ventos mais fortes e numa intensa troca de energia entre o oceano e a atmosfera. As análise dos fluxos de calor latente e sensível (Figura 1) demonstram claramente a influência dos contrastes termais da região da CBM (longitudes próximas a 54 o W) nos fluxos de calor no Atlântico Sudoeste. No lado norte da frente oceanográfica, as águas quentes da CB tornam a atmosfera instável e aumentam os fluxos de calor latente e sensível. Por outro lado, no lado sul da frente as águas frias da CB estabilizam a atmosfera fazendo com que os fluxos de calor sejam menores ou negativos (da atmosfera para o oceano). Um processo semelhante ocorre na porção leste do Oceano Atlântico Sul (longitudes aproximadas de 18 o E), onde a provável influência dos processos de mesoescala associados à extensão da Corrente das Agulhas para dentro do Oceano Atlântico é bem marcada. Figura 1: Média climatológica dos fluxos de calor latente (painel superior) e sensível (painel inferior) estimada para o mês de novembro com dados entre os anos de 1975 e 2004. A Figura 2 mostra os mapas de anomalias de calor sensível e latente calculados para o Oceano Atlântico Sul para os dias em que os dados in situ foram coletados por navio na região da CBM durante a Operação Antártica 23. Os mapas mostram que essas anomalias tem uma dinâmica temporal muito intensa na região da CBM. Ao longo da longitude de 54 o W, por exemplo entre as latitudes de 36 o S e 42 o S, as anomalias passam de uma tendência
negativa (fluxos menores que a media climatológica) para positivas (fluxos maiores que a média climatológica) entre os dias 2 e 3 de novembro de 2004. Figura 2: Anomalias de fluxo de calor latente (esquerda) e sensível (direita) nos dias 2 (acima), 3 (centro) e 4 de novembro de 2004 (abaixo). A comparação entre as estimativas de fluxos de calor realizadas a partir de dados medidos in situ e as estimativas do projeto OAFlux estão apresentadas na Figura 3. Essa comparação demonstra que na região da CBM, embora as magnitudes dos fluxos não sejam iguais, o gradiente norte-sul dos fluxos de calor (causado pelo gradiente horizontal termal entre as águas da CB e da CM, respectivamente) é bem determinado em ambas estimativas. Apesar de usar uma base distinta de dados do que a usada nesse trabalho, esse resultado corrobora os estudos apresentados por PEZZI ET AL. (2005, 2009) e ACEVEDO et al. (2010). Figura 3: Estimativas de fluxo de calor latente (esquerda) e sensível (direita) baseados em dados medidos in situ (linha pontilhada) e dados do projeto OAFlux (linha contínua). A linha vertical delimita a posição da CBM estimada para o período em que medidas in situ foram tomadas.
4 CONCLUSÕES As estimativas baseadas em satélites embora nem sempre precisas, constituem-se em um poderosa ferramenta de estudo da energia disponível sobre os oceanos. Os dados do projeto OAFlux conseguem demonstrar as intensas trocas de calor latente e sensível no lado norte da CBM e podem auxiliar em estudos futuros do INTERCONF para uma melhor compreensão da contribuição dos gradientes termais da CBM no clima da América do Sul. ACEVEDO et al. (2009) sugerem que o esquema de parametrização dos fluxos de calor proposto por FAIRALL et al. (1996) necessita ser melhor avaliado quando se objetiva estudar a região da CBM que é uma região extra-tropical. Estudos futuros do projeto INTERCONF terão como objetivo realizar a medição dos fluxos de calor através de aparelhos micrometeorológicos a fim de buscar uma nova parametrização para o esquema proposto por FAIRALL et al. (1996) e assim melhorar a qualidade de previsão dos modelos meteorológicos. Uma comparação desses fluxos medidos com os estimados pelo projeto OAFlux poderá demonstrar a real acurácia desses últimos e determinar a sua utilidade como forçantes de modelos de previsão do tempo e clima nas regiões extra-tropicais do Oceano Atlântico Sul e America do Sul. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACEVEDO, O. C.; PEZZI, L. P.; SOUZA, R. B.; ANABOR, V.; DEGRAZIA, G. A. 2009. Amospheric Boundary Layer Adjustment to the Synoptic Cycle at the Brazil-Malvinas Confluence, South Atlantic Ocean. Submetido ao Journal of Geophysical Research. CHELTON, D.; SCHLAX, M.; WITTER, D.; RICHMAN, J. 1990. Geosat altimeter observations of the surface circulation of the southern ocean. Journal of Geophysical Research, 95, 17.877-17.903. FAIRALL, C. W.; BRADLEY, E. F.; ROGERS, D. P. EDSON, J. B.; YOUNG, G. S. 1996. Bulk parameterization of ar-sea fluxes for Tropical Ocean-Global Atmosphere Coupled- Ocean Atmosphere Response Experiment. Journal of Geophysical Research, 101, 3747-3764. LEGECKIS, R. e GORDON, A.L., 1982. Satellite observations of the Brazil and Falkland currents - 1975 to 1976 and 1978. Deep-Sea Research, v. 29, p. 375-401. Lentini, C. A. D., Olson, D. B., & Podesta, G. (2002). Statistics of Brazil Current rings observed from AVHRR: 1993 to 1998. Geophysical Research Letters, 29(16), 58-1 58-4. PEZZI, L. P.; SOUZA, R. B.; DOURADO, M. S.; GARCIA, A. E.; MATA. M. M. 2005. Ocean- Atmosphere in situ observations at the Brazil-Malvinas confluence region. Geophysical Research Letters, 32, L22603, doi:10.1029/2005gl023866. PEZZI, L. P.; SOUZA, R. B.; ACEVEDO, O. C.; WAINER, I ; MATA, M.; GARCIA, C. A. E.; CAMARGO, R. 2009. Multi-year Measurements of the Oceanic and Atmospheric Boundary Layers at the Brazil-Malvinas Confluence Region. Journal of Geophysical Research, 114, D19103, doi:10.1029/2008jd011379. PEZZI, L. P.; SOUZA, R. B. Variabilidade de meso-escala e interação Oceano-Atmosfera no Atlântico Sudoeste. In: Iracema F. A. Cavalcanti; Nelson J. Ferreira; Maria Assunção F. Dias; Maria Gertrudes A. (Org.). Tempo e Clima no Brasil. 1a ed. São Paulo: O ficina de Textos, 2009, p 385-405.