Número do 1.0313.16.008151-6/001 Númeração 0182466- Relator: Relator do Acordão: Data do Julgamento: Data da Publicação: Des.(a) Alberto Vilas Boas Des.(a) Alberto Vilas Boas 17/10/2017 23/10/2017 EMENTA: ADMINISTRATIVO. TUTELA ANTECIPADA. DIREITO À SAÚDE. PRESTAÇÃO DE FAZER EXIGIDA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. SOLIDARIEDADE ENTRE OS ENTES FEDERADOS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. SÍNDROME DE DOWN. RISCO DE DANO IRREPARÁVEL. - Com base no texto constitucional e infraconstitucional, é responsabilidade do Estado (União, Estados-membros e Municípios), a garantia do direito à saúde, havendo, portanto, responsabilidade solidária entre os entes federados, nos termos da orientação firmada pelo STF. - Hipótese na qual, com o intuito de resguardar os direitos à saúde e ao desenvolvimento da criança, a decisão agravada que deferiu a tutela antecipada deve ser mantida haja vista que a irreversibilidade do direito à saúde do infante é mais significante do que o gasto público com a liminar. AGRAVO DE INSTRUMENTO-CV Nº 1.0313.16.008151-6/001 - COMARCA DE IPATINGA - AGRAVANTE(S): ESTADO DE MINAS GERAIS - AGRAVADO(A)(S): N.D.S.O. REPRESENTADO(A)(S) P/ PAI(S) C.F.O. - INTERESSADO(A)S: MUNICÍPIO DE IPATINGA A C Ó R D Ã O Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em REJEITAR A PRELIMINAR E NEGAR PROVIMENTO. 1
DES. ALBERTO VILAS BOAS RELATOR DES. ALBERTO VILAS BOAS (RELATOR) V O T O 1 - A espécie em exame. Cuida-se de agravo de instrumento interposto pelo Estado de Minas Gerais objetivando a reforma da decisão interlocutória oriunda do juízo da Vara da Infância e da Juventude da comarca de Ipatinga que, no âmbito da ação cominatória de obrigação de fazer ajuizada por N.D.S.O., deferiu a medida de urgência para determinar que o agravante e o Município de Ipatinga forneça ao menor o tratamento pleiteado, sob pena de multa diária fixada em R$100,00, limitada ao importe de R$ 10.000,00. Em suas razões recursais, o poder público sustenta a falta de interesse de agir tendo em vista que a Superintendência Regional de Saúde de Coronel Fabriciano informou à Defensoria Púbica que a APAE de Ipatinga mantém convênio com o SUS e está plenamente habilitada para realizar os atendimentos especializados de que necessita o autor. 2
Alega que a decisão agravada viola o art. 1º, 3º da Lei nº 8.437/92 e art. 300, 3º do NCPC, por conceder ao demandante o próprio bem da vida pretendido ao final. Discorre sobre a ofensa ao princípio da isonomia haja vista a existência de fila no SUS tendente a organizar de forma integrada os atendimentos à população, conforme critérios objetivos. Assim, se um provimento jurisdicional determina a realização de tratamentos médicos em favor de um paciente, isso significa que outra pessoa, em situação igual ou talvez mais gravosa, será preterida. Informa inexistir comprovação científica de que a natação é método de tratamento mais eficaz de que outros tratamentos disponíveis e, ainda, alega que o método Bobath não se encontra presente na lista oficial do SUS. No que se refere à terapia ocupacional, relata ser responsabilidade do ente municipal o seu custeio. 2 - Questão preliminar: intempestividade. Em contrarrazões, o recorrido alega a intempestividade do recurso em razão de ter havido a regular intimação do agravante em 13/7/2016 e o protocolo postal ser de 10/03/2017. 3
Sabe-se, todavia, que o ato de citação do Estado de Minas Gerais deve ser feito na pessoa do Advogado-Geral do Estado de Minas Gerais, nos termos da LCE nº 30/1993, o que, inclusive, foi determinado conforme se observa da carta precatória de f.74. Sendo assim, como não há notícias da juntada da carta da precatória cumprida, deve-se considerar a data em que os autos foram entregues em cargo à Advocacia- Geral do Estado, em 17/2/2017, como termo inicial da contagem do prazo recursal e na forma prevista na lei processual civil (art. 183, 1º, CPC). Rejeito, portanto, a alegação e conheço do recurso. 3 - Mérito. 3.1 - Concessão de tutela antecipada contra o poder público. Com efeito, é necessário registrar que as questões relativas à impossibilidade de concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública e de outorga de liminar que esgote, no todo ou em parte, o objeto da demanda não podem ser lidas de forma linear, sobretudo quando o caso envolve o direito fundamental a saúde e a necessidade de celeridade da prestação jurisdicional como instrumento de efetividade do processo. 4
A situação de urgência a envolver a prestação de fazer relativa à saúde humana não pode aguardar a prévia oitiva do poder público, porquanto o tempo, em grande parte das situações fáticas, não é um aliado da parte autora. Outrossim, a tutela de urgência é hipótese prevista no art. 9º, parágrafo único, I, do CPC/15 que possibilita a prática do contraditório diferido, sendo certo que na espécie em exame não há de se falar em ofensa ao devido processo legal. Assim, a tutela de urgência não é satisfativa, mas apenas assegura o fornecimento da medicação ao menor até que se constate se é de fato imprescindível ao infante. Nesse particular, in casu, o relatório médico trazido aos autos, por ora, é suficiente para demonstrar o risco de danos irreparáveis e, consequentemente, a necessidade específica dos procedimentos prescritos, tendo em vista o estado de saúde do autor. 3.2 - A necessidade dos medicamentos. O autor, criança de 6 anos de idade, é portador de Trissomia do 21 (Síndrome de Down) e, segundo relatório médico anexo aos autos, necessita do tratamento consistente em 3 sessões semanais de 5
fonoaudiologia método Bobath; 3 sessões semanais de terapia ocupacional; 3 sessões semanais de natação e 3 sessões semanais de psicopedagogia. Diante disso, e considerando que o perigo de dano aparenta maior em face dos recorridos não é recomendável a reforma da decisão agravada, sobretudo em face da aparente irrelevância jurídica dos argumentos apresentados pelo ente estatal. Por certo, é necessário destacar que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE n. 855.178, é no sentido de que há responsabilidade solidária dos entes federados em propiciar o tratamento médico adequado aos necessitados, de modo que são todos eles legítimos para figurar no polo passivo da lide que visa a concretização de direitos relacionados à saúde dos necessitados: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. - (RE 855178 RG. Rel. Min. Luiz Fux. DJe 16/3/2015) Extrai-se do voto condutor: 6
O direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal como (1) direito de todos e (2) dever do Estado, (3) garantido mediante políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos, (5) regido pelo princípio do acesso universal e igualitário (6) às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. Examinemos cada um desses elementos. [...] (2) dever do Estado: O dispositivo constitucional deixa claro que, para além do direito fundamental à saúde, há o dever fundamental de prestação de saúde por parte do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). O dever de desenvolver políticas públicas que visem à redução de doenças, à promoção, à proteção e à recuperação da saúde está expresso no art. 196. A competência comum dos entes da federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestações na área de saúde. O fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles. 7
As ações e os serviços de saúde são de relevância pública, integrantes de uma rede regionalizada e hierarquizada, segundo o critério da subsidiariedade, e constituem um sistema único." (destaquei). Por conseguinte, tanto o Estado-membro quanto o Município podem ser compelidos a disponibilizar medicamentos ou insumos, e/ou a estabelecer condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde, devendo eventuais especificações de competências serem dirimidas administrativamente entre os entes federados. Nota-se, inclusive, que o Município de Ipatinga já está fornecendo as sessões de terapia ocupacional ao menor (f.95/98), sendo este mais um motivo para que o ente estatal não se omita de cumprir com as obrigações estabelecidas, sob pena de prejudicar o tratamento do menor. Outrossim, o agravante não comprovou a impossibilidade de arcar com o fornecimento do medicamento pleiteado ou mesmo que sua realização poderá prejudicar os interesses de outros usuários do SUS que aguardam tratamento pela rede pública de saúde. Neste contexto, e considerando que a tutela de urgência visa resguardar o direito fundamental à saúde da criança, direito garantido pelo art.196 da CF e pelo art.11 do ECA, por ora, deve ser mantida. 8
4 - Conclusão. Fundado nessas considerações, nego provimento ao recurso. Custas, pelo agravante, observado a isenção legal. DES. WASHINGTON FERREIRA - De acordo com o(a) Relator(a). DES. ARMANDO FREIRE - De acordo com o(a) Relator(a). SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO." 9