III224 REMOÇÃO DA DQO DO CHORUME ATRAVÉS DA PERCOLAÇÃO EM SOLOS EMPREGADOS COMO MATERIAL DE COBERTURA DE ATERROS SANITÁRIOS Cristiano Kenji Iwai (1) Engenheiro Civil pela Faculdade de Engenharia de Bauru, UNESP. Mestre em Engenharia Industrial pela Faculdade de Engenharia de Bauru UNESP. Desenvolve pesquisa sobre disposição final de resíduos sólidos e tratamento de chorume. Agente credenciado da CETESB Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, para fiscalização de fontes de poluição. Jorge Hamada Prof. Adjunto do Departamento de Engenharia Civil da Faculdade de Engenharia e Tecnologia de Bauru UNESP. Engenheiro civil, mestrado e doutorado em hidráulica e saneamento pela Escola de Engenharia de São Carlos USP, consultor na área ambiental especialmente para manejo de resíduos sólidos. Coordenador do Grupo de Estudos de Resíduos Sólidos da Unesp Bauru. Gilberto Sebastião Castilho Filho Técnico Químico do DAE Departamento de Água e Esgotos de Bauru. Responsável pelo laboratório de Análise de Águas Residuárias do convênio DAE/FEBUNESP, atua em atividades de coordenação, coletas e análises água em sistemas de abastecimento público e de esgotos sanitários. Endereço (1) : Rua Barão de Jaceguai n 1620, Jardim Esplanada Mogi das Cruzes SP CEP 08780100 Brasil Tel.: (0xx11) 4799 1711 (com.) FAX (0xx11) 4796 6460 email: cristianok@cetesb.sp.gov.br RESUMO Neste estudo visouse avaliar o potencial do emprego do solo utilizado na cobertura de aterros sanitários, como elemento filtrante para a remoção da DQO do chorume. Para tanto se utilizou uma areia fina pouco argilosa, residual do arenito, típica da região de Bauru, disposta em colunas de percolação sob diferentes condições de compactação as quais foram alimentadas com chorume proveniente de um aterro controlado de médio porte, sob diferentes taxas de aplicação hidráulica. A partir dos resultados obtidos, observouse grande potencial de aplicação desta alternativa para o tratamento do chorume considerado, apresentando remoções sistemáticas de DQO acima de 90%, antes que se observasse a saturação do solo com a matéria orgânica, a qual ocorreu com a aplicação de cerca de 300 litros de chorume por metro cúbico de solo, obtendose a remoção de 0,59 g.dqo/kg.soloseco. Neste período, obtevese ainda a remoção média de aproximadamente 60% de Sólidos Totais, o que acarretou em resultados significativos de redução de Cor e Turbidez. Observouse também que a intermitência na alimentação, para os valores estudados, não influenciou significativamente a resposta do sistema. Apesar da capacidade limitada das colunas, deve ser lembrado que a proposição está embasada na rotatividade do solo a ser empregado primeiramente no tratamento do chorume, em condições controladas, idealizandose a utilização de baias similares a leitos de secagem, sendo este, posteriormente, utilizado na cobertura diária dos resíduos no aterro sanitário, cuja demanda de terra é bastante significativa. PALAVRASCHAVE: Resíduos Sólidos, Chorume, Tratamento de Chorume, Percolação no Solo. INTRODUÇÃO O tratamento de chorume temse tornado cada vez mais importante na medida em que novos aterros sanitários são construídos de acordo com a legislação vigente. Esta relevância está associada à grande quantidade de chorume captada pelo sistema de drenagem nos aterros com liners eficientes. O tratamento de chorume é dificultado pela dinâmica de suas características durante as estações do ano e também durante sua vida útil. Processos biológicos via de regra apresentam baixa eficiência na remoção de carga orgânica, exigindo ainda grandes bacias de equalização. Processos físicoquímicos produzem grandes quantidades de lodo, necessitando ainda de maiores recursos para seu manejo. Portanto, tornamse necessárias formas alternativas que auxiliem ou substituam os processos convencionais a custos reduzidos. Estudos realizados por Calças (2001) e avaliados por Hamada et al (2002) enfocaram dentre outros parâmetros, a atenuação da carga orgânica do chorume em solo arenoso fino, utilizandose colunas de ABES Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1
percolação. Para as taxas aplicadas e sob condições não saturadas, demonstrouse que mesmo um solo arenoso fino possui boa capacidade de retenção, sob condições moderadas de compactação (densidade aparente entre 1,5 e 1,67), apresentando eficiência de remoção de DQO de até 97% antes que ocorresse a saturação do meio por matéria orgânica, quando a eficiência se reduzia para patamares em torno de 50%. Apesar das taxas de aplicação hidráulica serem muito baixas (0,0062 m 3 /m 2.dia), observouse um uso potencial dessa capacidade do solo para redução da carga orgânica do chorume em condições controladas. Uma vez que nos aterros sanitários a demanda de terra para cobertura é expressiva e, portanto, em tese, disponível em quantidade, o objetivo principal deste estudo foi avaliar o potencial de uso do solo de cobertura de um aterro sanitário como elemento filtrante para tratamento de chorume. Foi utilizado um solo arenoso fino, descrito por Calças (2001), disposto em colunas de percolação sob diferentes condições de compactação e taxas de aplicação hidráulica e o parâmetro químico avaliado foi a DQO. MATERIAIS E MÉTODOS O solo empregado neste estudo pode ser considerado típico daquele que ocorre na região de Bauru, SP, Brasil, e foi classificado texturalmente como areia fina pouco argilosa vermelha, residual do arenito. A partir da curva granulométrica, foi obtida a seguinte composição do solo, segundo a escala da ABNT/ NBR7181/84: Areia média: 7%; Areia fina: 67%; Silte: 8%; Argila 18%. As colunas de percolação de PVC, com diâmetro interno de 9,7 cm, contendo uma camada de 1m de solo, foram executadas visando simular as condições prováveis de campo, com baixas compactações, para viabilizar sua aplicação prática, ou seja, em condições que variam de uma situação de empolamento do solo (d=1,15), passando pela densidade natural (d=1,5), até o limite de 80% do Proctor Normal (d=1,67). Nas figuras 1 e 2 são apresentados o perfil esquemático das colunas, bem como uma foto da disposição destas durante o ensaio. VERIFICAÇÃO DE CARGA E ALIMENTAÇÃO GEOTÊXTIL FLANGE DE NYLON SUPORTE (ESTRUTURA) TOMADAS DE AMOSTRA SOLO PREPARADO (h = 1,0 m) GEOTÊXTIL FLANGE COPO COLETOR EFLUENTE PLACA PERFURADA Figura 1 Perfil esquemático das Colunas de Percolação. Figura 2 Disposição das colunas durante os ensaios. Utilizouse, no abastecimento das colunas, um chorume característico de um aterro com 10 anos de idade (DQO média igual à 4.260 mg/l), e ainda, com o chorume coletado próximo à frente de operação, ou seja, com características de aterros novos (DQO média igual à 26.700 mg/l). Ressaltase que para fins de diferenciação, denominase aqui simplificadamente, chorume velho e chorume novo. Na tabela 1 são apresentadas as ABES Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 2
características qualitativas do chorume utilizado para o abastecimento das colunas, em cada campanha de ensaios. Tabela 1 Caracterização do chorume utilizado em cada campanha de ensaios. Parâmetros 1ª Campanha 2ª Campanha 3ª Campanha ph 7,97 8,00 7,23 Alcalinidade (mg/l) 8.800,00 7.100,00 4.380,00 DBO 5 (mg/l) 3.180,00 3.080,00 DQO (mg/l) 6.830,00 3.560,00 22.200,00 Condutividade (μs/cm 20 C) 6.140,00 9.340,00 4.840,00 Sólidos Totais (mg/l) 12.270,00 9.856,00 20.088,00 Foram avaliadas variáveis físicas e químicas, tais como taxa de aplicação hidráulica (m 3 Chor./m 3 Solo.dia) e densidade do solo, eficiência de remoção de DQO e, ainda, carga de DQO aplicada e removida (gdqo/kgsoloseco). Ao todo foram efetuadas três campanhas de ensaios, sendo que na primeira utilizouse 4 colunas preenchidas com solo nas seguintes densidades (base seca): 1,15; 1,30; 1,50 e 1,67, as quais foram abastecidas com 1 litro de chorume (velho) por semana, equivalente à 0,135 m 3 Chor./m 3 Solo, durante 4 semanas. Na segunda campanha de ensaios também foram utilizadas 4 colunas com as mesmas densidades da primeira campanha, porém estas foram abastecidas com 0,25 litros de chorume (velho), ou de 0,034 m 3 Chor/m 3 Solo, 5 dias por semana, sendo que após a saturação das colunas, verificandose a redução da eficiência de remoção, efetuouse o abastecimento destas com água, mantendose o mesmo volume de aplicação, visando simular sua suscetibilidade quando submetida à precipitação pluviométrica como camada de cobertura do aterro. Finalmente, na terceira campanha de ensaios, foram utilizadas 3 colunas preenchidas com solo nas densidades de 1,15; 1,30 e 1,50, também abastecidas com 0,25 litros de chorume (novo), 5 dias por semana. RESULTADOS As respostas em termos de eficiência de remoção de DQO das colunas, em função do volume de chorume aplicado equivalente, por metro cúbico de solo, são apresentadas na Figuras 1, 2 e 3, respectivamente para a primeira, segunda e terceira campanha de ensaios. Eficiência (%) 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 100 200 300 400 500 600 Volume Aplic. Equiv (Litros de chorume / m3 de Solo) d = 1,15 d = 1,30 d = 1,50 d = 1,67 Figura 3: Eficiência de remoção de DQO em função do volume aplicado equivalente, por metro cúbico de solo seco, para a primeira campanha de ensaios ABES Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 3
100 75 50 Eficiência (%) 25 (25) (50) 0 100 200 300 400 500 600 d=1,15 d=1,30 d=1,50 d=1,67 (75) (100) (125) Vo lu me Aplic. Eq u iv (L itro s d e cho rum e / m 3 de S olo ) Figura 4 Eficiência de remoção de DQO em função do volume aplicado equivalente, por metro cúbico de solo seco, para a segunda campanha de ensaios. 100,0 90,0 80,0 Eficiência (%) 70,0 60,0 50,0 40,0 30,0 d = 1,15 d = 1,30 d = 1,50 20,0 10,0 100,0 200,0 300,0 400,0 500,0 Volume Aplic. Equiv (Litros de chorume / m3 de Solo) Figura 5 Eficiência de remoção de DQO em função do volume aplicado equivalente, por metro cúbico de solo seco, para a terceira campanha de ensaios. Avaliandose as Figuras 1, 2 e 3, denotase claramente o limite do sistema para as condições de ensaio de cada campanha, representado pelo declínio acentuado na eficiência, chegandose a obter eficiências negativas devido ao arraste de matéria orgânica (Figura 2). Notase ainda que, para as duas primeiras campanhas de ensaios, o limite aproximado do sistema é representado pelo volume aplicado de aproximadamente 300 litros de chorume por metro cúbico de solo. Baseandose nos resultados obtidos temse que para tratar 1 m 3 de chorume com uma eficiência de remoção de DQO média, acima de 90 %, utilizandose solo compactado a uma densidade de 1,3 t/m 3, são necessários 3,3 m 3 de solo, sendo que para projetos de aterros sanitários verificase que segundo as estimativas de demanda de solo para cobertura dos resíduos, e chorume gerado ao longo da vida útil de um aterro sanitário hipotético (simulação), pôdese notar uma relação em torno de 0,90 m 3 de solo para 1 m 3 de chorume. Considerando que o processo é dinâmico (sazonalidade, qualidade, quantidade, etc.), em determinadas épocas a quantidade de solo poderia ser suficiente para tratar todo o chorume gerado com uma boa eficiência na remoção de DQO. Porém em alguns períodos pode haver proporcionalmente mais chorume que solo disponível para tratar com eficiência, mas isto não significa que o processo seja inviável, pois o gerenciamento do chorume não se deve basear somente em uma única alternativa de tratamento e/ou destinação final. Isto ocorre por suas características dinâmicas. Portanto este processo de infiltração não deve ser encarado como processo único de tratamento, pois é possível associálo a outras instalações com grandes vantagens, principalmente a redução dos custos globais e o aumento da eficiência. ABES Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 4
Conforme descrito anteriormente, após o encerramento do abastecimento com chorume, durante a segunda campanha de ensaios, devido a verificação da saturação das colunas e perda da eficiência da remoção de contaminantes, efetuouse o abastecimento destas com água, mantendose o mesmo volume do abastecimento com chorume, ou seja, 0,25 litros/dia, 5 dias por semana, simulando assim a percolação de águas pluviais, quando de sua utilização como material de cobertura em aterros, sendo que os resultados obtidos são apresentados na figura 6, em termos de DQO efluente em função do tempo. 3.000,0 2.500,0 DQO efluente (mg/l) 2.000,0 1.500,0 1.000,0 500,0 d = 1,15 d = 1,30 d = 1,50 d = 1,67 0 10 20 30 40 50 Tempo (dias) Figura 6 DQO efluente, para alimentação diária com água, durante a segunda campanha de ensaios. Observandose os resultados obtidos, notase visivelmente uma tendência inicial de altos valores de DQO para o efluente coletado, seguida de um decréscimo acentuado, e uma tendência a estabilização, verificandose ainda, que ao se analisar a carga efluente notase que parte da matéria orgânica ficou retida no solo, não sendo solubilizada com a percolação da água. Notase ainda que a coluna com densidade de 1,67 apresentou um comportamento diferente das demais, devido ao pequeno volume percolado, em função de sua maior compactação, acarretando na maior suscetibilidade a colmatação. CONCLUSÕES A partir dos resultados obtidos, observase grande potencial de aplicação desta alternativa para a remoção de DQO do chorume considerado, apresentando remoções sistemáticas de DQO acima de 90%, antes que se observasse a saturação do solo com a matéria orgânica, a qual ocorreu com a aplicação de cerca de 300 litros de chorume por quilo de solo, obtendose a remoção de 0,59 g.dqo/kg.soloseco. Este parâmetro, porém não pode ser considerado unicamente para o projeto do sistema ou para o gerenciamento do chorume. Obtevese remoção média de aproximadamente 60% de Sólidos Totais, o que acarretou em resultados significativos de redução de Cor e Turbidez. Observase também que a intermitência na alimentação, para os valores estudados, não influenciou significativamente a resposta do sistema. Foi observado que a taxa de aplicação hidráulica não influencia significativamente nos resultados obtidos, uma vez que a saturação do solo ocorreu em função do volume aplicado, independentemente do tempo em que este foi introduzido. Porém, verificouse que a compactação do solo tem influência direta nos resultados, uma vez que em solos com densidade maior a velocidade de escoamento é mais baixa, obtendose melhores resultados em termos de eficiência. Por outro lado, a colmatação é mais rápida, prejudicando a percolação do efluente e comprometendo o sistema. Concluise, portanto, que o principal mecanismo de remoção neste sistema, é a ação física do solo na retenção de material particulado, respondendo assim por grande parcela da eficiência observada. ABES Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 5
O solo, depois de utilizado no sistema como elemento filtrante do chorume, quando submetido a percolação com água, simulandose o seu uso na cobertura do aterro, reteve parcialmente os contaminantes, observandose que, parte destes são facilmente solubilizados, gerando inicialmente um efluente com alta carga orgânica. Apesar da capacidade limitada das colunas, deve ser lembrado que a proposição está embasada na rotatividade do solo a ser empregado no tratamento do chorume, sob condições controladas de compactação. Do ponto de vista prático sugerese a utilização de baias similares a leitos de secagem. Posteriormente o solo saturado de matéria orgânica pode ser utilizado na cobertura diária dos resíduos no aterro sanitário, cuja demanda de terra é bastante significativa. Observouse também que esta solução isolada pode não ser suficiente para assegurar o tratamento eficiente de todo o chorume gerado, podendose também, associar processos biológicos convencionais de menor porte, que resultariam e um custo global bastante atraente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. CALÇAS, D. A. N. Q. P. Atenuação da Carga Orgânica do Chorume de Aterro Sanitário em Solos Arenosos Compactados. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Engenharia de Bauru. UNESP SP. 2001. 2. HAMADA, J., CASTILHO FILHO, G.S., FARIA, S., CINTRA, F.H., Aplicabilidade de processos físico e físicoquímico no tratamento do chorume de aterros sanitários VI SIMPÓSIO LUSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, Vitória, Brasil, 2002. 3. HAMADA, J., CALÇAS, D.A.N.Q.P., GIACHETI, H.L., Influência da Compactação de um solo Arenoso na Infiltração e Retenção de Carga Orgânica de Chorume. REVISTA ENGENHERIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, VOL. 9 N 3 Jul./Set. ABES Rio de Janeiro RJ, 2004. 4. IWAI, C. K. Tratamento de chorume através da percolação em solos empregados como material de cobertura de aterros para resíduos sólidos urbanos. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Engenharia de Bauru. UNESP SP. 2005 ABES Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 6