AVALIAÇÃO DAS PROPRIEDADES MECÂNICAS DE MATERIAIS COMPÓSITOS COM MATRIZ DE POLIETILENO DE ALTA DENSIDADE UTILIZANDO COMO CARGA A CELULOSE OBTIDA A PARTIR DA CASCA DE ARROZ M. W. Bosenbecker 1, G. M. Cholant 2, S. R. C. Croche 2, J. Marini 3, A. D. de Oliveira 1 1 Programa de Pós Graduação em Ciência e Engenharia de Materiais PPGCEM/UFPEL; 2 Centro de Desenvolvimento Tecnológico - Engenharia de Materiais CDTEC/UFPEL; 3 Departamento de Engenharia de Materiais, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP Autor correspondente e-mail: amandaoliveira82@gmail.com Rua Gomes Carneiro, 01 - CEP: 96010-900 Pelotas RS Brasil RESUMO Neste trabalho, foi proposto o desenvolvimento de um compósito utilizando como matriz polimérica o polietileno de alta densidade (PEAD) e como reforço foi utilizada a celulose obtida a partir da casca de arroz. Os compósitos obtidos foram preparados nas proporções de 5, 10 e 15% em massa de celulose, utilizando-se para isto uma extrusora de rosca simples. A celulose obtida foi caracterizada por difração de raios-x (DRX) e espectroscopia no infravermelho com transformada de Fourier (FTIR), já os materiais compósitos foram caracterizados por ensaios de resistência mecânica sob tração. Os resultados de DRX mostraram um aumento da cristalinidade da celulose após sucessivos tratamentos químicos. Por meio da análise de FTIR, foi possível observar a remoção de constituintes não celulósicos. Um aumento bastante significativo no módulo de elasticidade dos compósitos foi verificado para a composição com 5% de carga. Palavras-chave: celulose, polietileno de alta densidade, casca de arroz, compósitos. INTRODUÇÃO Com o crescimento da consciência ambiental e desenvolvimento sustentável, compósitos constituídos por materiais poliméricos derivados de fontes naturais renováveis têm se tornado uma alternativa promissora, devido ao baixo custo da matéria-prima, sua biodegradabilidade e também para minimizar o impacto ambiental de polímeros convencionais (1,2). 1963
Além destes materiais, compósitos de matriz polimérica sintética com diversos tipos de cargas, em particular os reforçados por fibras vegetais, têm recebido atenção devido ao seu teor de celulose, que é um dos principais componentes das paredes celulares das plantas (2,3). Os compósitos poliméricos reforçados por fibras vegetais têm sido alvo de grande interesse acadêmico e industrial por substituírem, geralmente com vantagens econômicas e de densidade, os compósitos poliméricos convencionais que utilizam fibras sintéticas. Esses compósitos são menos agressivos e tóxicos, pois o reforço utilizado é proveniente de fonte renovável. Por estes motivos, materiais compósitos poliméricos reforçados com cargas de origem natural, principalmente aqueles provenientes de resíduos agroindustriais têm sido amplamente utilizados (4,5). A casca de arroz (CA) é um resíduo agroindustrial produzido em grandes quantidades no Rio Grande do Sul (6). Estas cascas possuem baixo valor comercial, pois a sílica e as fibras contidas não possuem valor nutritivo e por isso não são usadas na alimentação humana ou animal. Há alguns anos, quase todo esse material era descartado em lavouras e fundo de rios, ocasionando sérios impactos ambientais. A casca de arroz é o subproduto mais volumoso, contendo cerca de vinte por cento do peso do grão, as quais podem ser aproveitadas de diversas maneiras, como utilização em combustível, transformação em carvão ativo, como leito de filtração e na construção civil. Mais recentemente este material tem sido empregado também como reforço em materiais compósitos poliméricos (7,8). A CA pode ser considerada como uma das fontes mais abundantes de celulose a partir de resíduos agroindustriais. No entanto, não há relatos sobre a utilização da celulose obtida a partir da CA em matriz de PEAD (principalmente em pesquisas realizadas no Brasil) para a preparação de compósitos pelo processo de mistura no estado fundido [9]. Portanto, o objetivo deste trabalho é avaliar o uso de celulose derivada da casca de arroz na preparação de materiais compósitos pelo método de mistura no estado fundido, contribuindo com a reutilização deste resíduo agroindustrial e para promover uma melhoria nas propriedades finais do PEAD. 1964
MATERIAIS E MÉTODOS Materiais O polímero utilizado neste trabalho foi o polietileno de alta densidade (PEAD), conhecido comercialmente como PEAD IG58, fornecido pela Petroquímica Braskem S/A. A casca de arroz (CA) utilizada foi doada pela empresa Cerealista Polisul, localizada na cidade de Pelotas-RS, Brasil. Métodos Obtenção da Celulose a partir da Casca de Arroz A obtenção das fibras de celulose a partir da casca de arroz envolveu duas etapas: tratamento alcalino e branqueamento. O tratamento alcalino foi realizado com o objetivo de remover a hemicelulose e lignina da casca. Para isto, a casca na forma de um pó fino foi colocada em uma solução de ácido acético e ácido nítrico, esta solução foi deixada em banho-maria durante 4 horas. No término da reação, a solução foi filtrada e o material sólido obtido foi lavado várias vezes até atingir um ph neutro. Após tratamento alcalino, o processo de branqueamento foi realizado com adição da casca em solução de hipoclorito de sódio durante 24 horas. O material resultante foi filtrado e também lavado com água destilada. Em seguida, foi seco em estufa a 60 C, por 24 horas. Preparação dos Compósitos PEAD/Celulose Os compósitos foram obtidos pelo método de mistura no estado fundido, com o auxílio de uma extrusora de rosca simples com temperaturas de 180, 180 e 190 C, nas zonas 1, 2 e 3, respectivamente. Os materiais compósitos foram preparados com 5, 10 e 15% em massa de celulose e logo após as composições obtidas foram conformadas através de moldagem por compressão, a 200 C, utilizando uma prensa hidráulica modelo MA098/A, da Marconi Equipamentos para Laboratórios. Foi utilizado um ciclo de pré-aquecimento (2 minutos)/prensagem (3 toneladas por 2 minutos)/alívio/prensagem (5 toneladas por 2 minutos), com posterior resfriamento forçado em água a temperatura ambiente, obtendo-se placas com comprimento de 1965
10 mm, largura de 10 mm e espessura de 3,2 mm. A partir das placas obtidas foram estampados corpos de prova para o ensaio de tração. Caracterização da Casca de Arroz e da Celulose A análise de espectroscopia no infravermelho com transformada de Fourier (FTIR) foi realizada a partir de um espectrofotômetro da Perkin Elmer, modelo Spectrum 1000. Cada espectro obtido, entre 400 e 4000 cm -1, corresponde à média de 10 varreduras, a uma resolução de 4 cm -1. As análises de difração de raios-x (DRX) foram realizadas utilizando-se um difratômetro Rigaku, modelo Ultima IV, com radiação de CuKα (θ = 1,542 Å), operando a 40KV e 40mA. A varredura foi realizada na faixa de 2θ entre 10º e 40º, a uma taxa de 1º/min. O índice de cristalinidade (IC) após sucessivos tratamentos químicos foi obtido pelo método de Segal (10) usando a Equação A: I c = I(002) I(am) I(002) 100% Eq.(A) Onde I002 é o valor de intensidade do pico próximo a 2θ = 22, o que representa a cristalinidade do material enquanto Iam é a intensidade do pico de difração que representa o material amorfo em 2θ ~ 18 (10). Caracterização dos Compósitos PEAD/Celulose O ensaio de resistência mecânica sob tração uniaxial foi realizado segundo a norma ASTM D638, utilizando uma máquina universal Instron E 3000 com velocidade de tração de 5 mm/min em condições de temperatura ambiente. RESULTADOS E DISCUSSÃO Espectroscopia no Infravermelho com Transformada de Fourier (FTIR) A Figura 1 apresenta os espectros da casca de arroz natural, assim como da celulose obtida após tratamento alcalino e processo de branqueamento. 1966
Figura 1 Espectros de FTIR obtidos para a casca de arroz, casca de arroz após tratamento alcalino e para a celulose obtida. Os espectros apresentaram bandas características dos principais componentes funcionais de fibras lignocelulósicas (celulose, hemicelulose e lignina). Estes componentes apresenta principalmente alcanos, grupos funcionais aromáticos e outros grupos funcionais como éster, cetona, e álcool em suas estruturas (11). Uma característica importante que pode ser observada nos espectros de FTIR, é que todos apresentaram duas regiões principais de absorbância. O primeiro em altos números de onda corresponde ao intervalo 2700-3500 cm -1 e o segundo em menores números de onda, na faixa de 800 a 1800 cm -1, aproximadamente. A faixa de absorção, dependendo da amostra, localizado de 3330 a 3360 cm -1 é devido a alongamento de grupos -OH e valores próximos de 2900 cm -1 está relacionado às vibrações de estiramento C H. A banda ao redor de 1640 cm -1 corresponde ao alongamento de ligações de hidrogênio e dobramento dos grupos hidroxilo (OH) ligados à estrutura de celulose (12,13). As bandas observadas em aproximadamente 1030 cm -1 em ambos espectros correspondem a ligações de estiramento C-O e vibrações de C-H da celulose, que refletem o aumento da intensidade dos espectros de acordo com o aumento no grau de cristalinidade obtido com a análise de DRX (14). 1967
Difração de Raios-X (DRX) Os difratogramas de raios-x das amostras obtidas estão apresentados na Figura 2, no qual podemos observar a presença de três picos característicos de celulose tipo I em aproximadamente 16, 22 e 34 correspondentes aos planos (101), (002) e (040), respectivamente (15). Figura 2 Difratograma de raios-x das amostras obtidas. Na Tabela 1, estão apresentados os resultados para cristalinidade obtidos a partir do método de Segal (10). Pode-se notar o aumento da cristalinidade para a celulose em relação às outras amostras, cujo valor encontrado foi de 64,12%, este resultado justifica-se pela remoção parcial de constituintes não celulósicos (16). Tabela 01 Índice cristalinidade (% Ic) calculado através do método de Segal. Amostras Casca de Arroz Tratamento Branqueamento Natural Alcalino (Celulose) % Cr 47,80 58,65 64,12 Ensaio de Resistência Mecânica sob Tração Uniaxial A Figura 3 apresenta os resultados de módulo de elasticidade obtidos para o PEAD puro e para os compósitos com 5, 10 e 15% em massa de celulose. 1968
Figura 3 Valores do módulo elástico obtidos através do ensaio de resistência à tração para os materiais estudados. Os resultados indicaram que o módulo de elasticidade dos compósitos apresentaram distintos comportamentos quando comparados aos valores obtidos PEAD, verifica-se também que existem diferenças entre as propriedades dos compósitos produzidos com diferentes concentrações de carga. O desempenho mecânico dos compósitos foram melhores em relação ao PEAD puro, sendo que o aumento mais pronunciado foi observado para o compósito preparado com 5% de celulose. Isto pode ser explicado devido à forte interação entre a matriz e a carga, que faz da celulose um bom agente de reforço para o PEAD (17). Através dos resultados foi possível verificar também que os compósitoscom 10 e 15% de celulose apresentaram uma ligeira redução no módulo de elasticidade quando comparados ao resultado obtido para a composição PEAD + 5% de celulose devido à aglomeração das fibras e ao elevado número de fibras nos compósitos (18). CONCLUSÃO A metodologia empregada para obtenção de celulose foi eficiente. As análises de FTIR e DRX revelaram uma redução de componentes não celulósicos e aumento da cristalinidade após sucessivos tratamentos químicos. Os resultados obtidos através dos ensaios de resistência à tração mostraram que a celulose promoveu 1969
uma melhoria do módulo elástico para os compósitos em relação à matriz, sendo que o melhor valor encontrado foi para a composição com 5% de carga. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Petroquímica Braskem pela doação do polietileno de alta densidade e a Cerealista Polisul pela doação da casca de arroz. REFERÊNCIAS 1. HUANG, L. et al. Sustainable Use of Coffee Husks For Reinforcing Polyethylene Composites. Journal of Polymers and the Environment, v. 26, n. 1, p. 48-58, 2016. 2. TIBOLLA, H; PELISSARI, F.M; MENEGALLI, C.M. Cellulose nanofibers produced from banana peel by chemical and enzymatic treatment. Food Science and Technology, v. 59, n. 2, p. 1311-1318, 2014. 3. LAVOINE, N. et al. Microfibrillated cellulose - Its barrier properties and applications in cellulosic materials: a review. Carbohydrate Polymers, v. 90, n. 2, p. 735-764, 2012. 4. LIGOWSKI, E; SANTOS, B.C; FUGIWARA, S.T. Materiais compósitos a base de fibras da cana-de-açúcar e polímeros reciclados obtidos através da técnica de extrusão. Polímeros, v. 25, p. 70-75, 2015. 5. YANG H.S et al. Water Absorption behavior and mechanical properties of lignocellulosic filler polyolefin biocomposites, Composites Structures, v. 72, p. 429-437, 2006. 6. RS é o maior produtor de arroz do país, aponta IBGE Brasil 247. Disponível em: <https://www.brasil247.com/.../rs-é-o-maior-produtor-de-arroz-do-país-aponta- IBGE> Acesso em 08 jul. 2018. 7. ROSA, S.M.L. et al. Chlorine-free extraction of cellulose from rice husk and whisker isolation. Carbohydrate Polymers, v. 87, p.1131 1138, 2012. 8. JOHAR, N; AHMAD, I; DUFRESNE, A. Extraction, preparation and characterization of cellulose fibres and nanocrystals from rice husk. Industrial Crops and Products, v. 37, p. 93 99, 2012. 1970
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