X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador BA, 7 a 9 de Julho de 2010

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Transcrição:

PERCEPÇÃO ESTEREOGNÓSTICA, IMAGENS MENTAIS E O DESENHO DE FIGURAS TRIDIMENSIONAIS Marlene Lima de Oliveira Carvalho Universidade Federal de Ouro Preto UFOP marlene.lima@oi.com.br Resumo: O presente trabalho trata de um dos aspectos investigados em nossa pesquisa de mestrado, cujo objetivo é verificar quais são as contribuições de uma sequência de atividades envolvendo o uso de materiais manuseáveis e recursos informáticos para a produção, leitura e interpretação de desenhos de corpos geométricos tridimensionais (3D) realizados por alunos do Ensino Médio.O aspecto aqui abordado trata da utilização de atividades de percepção estereognóstica (PIAGET; INHELDER, 1993) para se verificar a elaboração de imagens mentais de figuras 3D entre alunos do Ensino Médio de uma escola pública da região metropolitana de Belo Horizonte. Para tal, utilizamos a avaliação de desenhos típicos dos estágios de desenvolvimento representacional, segundo os critérios de Mitchelmore (1980). Palavras-chave: Percepção estereognóstica; Imagens mentais; Desenhos de corpos geométricos tridimensionais. 1. INTRODUÇÃO A partir da revisão da literatura e de nossas observações em sala de aula quanto à dificuldade dos alunos do Ensino Médio no aprendizado da Geometria Espacial, delineamos a hipótese de que parte dessa dificuldade se deve à inabilidade para a visualização das representações gráficas dos objetos 3D. Segundo Dreyfus (1991, apud GUTIÉRREZ, 1996, p.17), [...] o raciocínio visual na matemática é importante por si próprio e, portanto, nós precisamos desenvolver e dar total status às atividades matemáticas puramente visuais. Segundo Gutiérrez (1996), a visualização é integrada por quatro elementos principais: imagens mentais, representações externas, processos de visualização e habilidades de visualização. Para o autor, a imagem mental é qualquer tipo de representação cognitiva de um conceito ou propriedade matemáticos por meio de elementos visuais ou espaciais (p.9) e Anais do 1

concorda com Yakimanskaya (1991, apud GUTIÉRREZ, 1996, p.6), ao considerar que as imagens são as unidades básicas operativas do raciocínio espacial. Uma representação externa pertinente à visualização é qualquer tipo de representação verbal ou gráfica de conceitos ou propriedades, incluindo figuras, desenhos, diagramas, etc. que contribuem para criar ou transformar imagens mentais e construir o raciocínio visual (GUTIÉRREZ, 1996, p.9 e 10). Um processo de visualização é uma ação mental ou física onde as imagens mentais estão envolvidas (IBID, p.10). Existem dois processos realizados na visualização: a "interpretação visual de informações" para criar imagens mentais e a "interpretação de imagens mentais" para gerar informações. Estabelecendo uma relação entre os quatro principais elementos que integram a visualização, o diagrama da Figura 1 resume os passos a serem seguidos quando se utiliza a visualização para resolver uma tarefa. Figura 1. Principais elementos de visualização integrados à solução de uma tarefa matemática (GUTIÉRREZ, 1996, p. 11). Segundo Pais (1996), a generalidade e a abstração dos conceitos geométricos são construídas gradativamente, num processo dialético entre a influência do mundo físico e a reflexão intelectual sobre esse mundo. Objeto, desenho, imagem mental e conceito são elementos que se complementam e, concomitantemente, intervêm no processo de ensino e aprendizagem da Geometria. O exercício de observação, descrição, representação e análise das formas geométricas favorece a formação das imagens mentais que fundamentam o Anais do 2

pensamento geométrico. Educadores matemáticos consideram que as representações mentais e representações externas, isto é, não mentais, têm de interagir para alcançar um melhor entendimento e para resolver problemas (GUTIÉRREZ, 1996). Segundo Yakimanskaya (1991, apud GUTIÉRREZ, 1996, p.6), imagem mental é uma representação interna criada a partir da percepção sensorial das relações espaciais, e isso pode ser expresso em uma variedade de formas verbais ou gráficas, incluindo gráficos, imagens, desenhos, linhas, etc. Pais (1996), em consonância com Gutiérrez (1996), considera que, para os interesses do ensino de Geometria, são os objetos e os desenhos que podem principalmente estimular a formação de boas imagens, isto é, a partir deles é que se processa a interpretação visual das informações para a formação das imagens mentais. Outro referencial que trazemos para essa pesquisa, quando buscamos aprofundar nossos conhecimentos sobre a influência do uso de materiais manuseáveis e recursos informáticos na formação da imagem mental, baseou-se em um estudo intitulado A intuição das formas (Percepção estereognóstica), descrito por Piaget e Inhelder (1993). Denomina-se percepção estereognóstica, em neurologia e em psicologia experimental, o reconhecimento tátil (relativo a objetos invisíveis) dos objetos sólidos. A denominação, tornada corrente, é, todavia defeituosa, porque tais percepções ultrapassam muito as fronteiras do perceptivo puro e supõem, em geral, a tradução das percepções táteis e dos movimentos em imagens mentais. (PIAGET; INHELDER, 1993, p.19) A experiência realizada pelos autores consistiu em apresentar a crianças de 2 a 7 anos de idade um determinado número de objetos, que consistem em objetos familiares (uma bala, tesoura, etc.) e em cartões de formas geométricas (um quadrado, um círculo, etc.). As crianças, então, deveriam tocar e apalpar tais objetos sem vê-los e depois nomeálos, desenhá-los e reconhecê-los dentre diversos desenhos preparados, à escolha. Segundo Piaget e Inhelder (1993), a partir de sete a oito anos, a criança já faz a correlação entre as formas e a coordenação das ações, mas ainda apresenta dificuldade em desenhar as figuras que requerem agrupar muitos elementos, como os ângulos e os lados paralelos. Tal experiência constitui-se em traduzir a percepção tátil do objeto invisível em uma imagem de caráter visual, que no caso da nossa pesquisa é um desenho. Por isso, o estudo desses fatos pode servir tanto para analisar o mecanismo da percepção tátil quanto a Anais do 3

construção das representações. Em nosso trabalho, focaremos nossa atenção nas construções das representações planas de objetos 3D. Mitchelmore (1980) descreve um sistema de classificação dos desenhos de determinadas figuras do espaço, produzidos em testes individuais com alunos jamaicanos e americanos, os quais trabalham com desenhos de prisma retangular, cilindro, pirâmide de base quadrada, cubo e prisma triangular. O investigador propõe a existência de quatro estágios de desenhos representativos de imagens em profundidade: Estágio 1 Esquemático plano. A figura 3D é representada por uma de suas faces desenhada ortogonalmente. Não se percebe profundidade alguma nas representações. Estágio 2 Esquemático espacial. Várias faces das figuras são representadas ortogonalmente no desenho e, às vezes, as faces ocultas são incluídas. As representações continuam não dando a sensação de profundidade. Estágio 3 Pré-realista. Os desenhos mostram tentativas de representar os corpos 3D de uma maneira realista e dotá-los de profundidade, ainda que sem consegui-lo plenamente. Este estágio está dividido em dois sub-estágios, cuja diferença está na perfeição dos desenhos quanto à sua tridimensionalidade. Estágio 4 Realista. Arestas paralelas no espaço são representadas por linhas quase paralelas no papel. Os desenhos são bastante corretos e seguem, ainda que seja aproximadamente, regras de desenhos em perspectiva. Anais do 4

Figura 2. Desenhos típicos dos estágios de desenvolvimento representacional (adaptado de MITCHELMORE, 1980, p. 84 e 88). 2. ASPECTOS METODOLÓGICOS DO ESTUDO O propósito de nossa pesquisa é construir, implementar e analisar uma proposta de ensino de Geometria Espacial para alunos do Ensino Médio. Tal proposta tem como foco o desenvolvimento das habilidades de alunos do Ensino Médio para desenhar e interpretar desenhos de corpos geométricos espaciais. Assim, a atividade de percepção estereognóstica ou percepção tátil, aqui apresentada, foi proposta com o objetivo de verificar o nível de desenvolvimento das imagens mentais dos sólidos geométricos que os alunos apresentavam e verificar o estágio de desenvolvimento representacional (MITCHELMORE, 1980) em que os alunos se encontravam. A atividade foi repetida duas vezes, uma no início e outra no final do curso. A primeira foi a atividade 4 do experimento e a segunda, a atividade 16. O objetivo em repetir essa atividade era verificar a evolução das imagens mentais das figuras 3D, construídas após a realização da sequência de atividades propostas durante o curso. Tínhamos, também, o objetivo de observar a evolução, ou não, dos alunos no tocante aos estágios de desenvolvimento representacional. Anais do 5

A questão que se coloca é: a sequência de atividades, envolvendo o uso de materiais manuseáveis e recursos informáticos, propostas durante todo o experimento desenvolvido na pesquisa de campo, contribui para a formação de boas imagens mentais de corpos geométricos 3D? A ESCOLA E OS SUJEITOS PARTICIPANTES DA PESQUISA A escola participante do estudo situa-se na região metropolitana de Belo Horizonte. O Ensino Médio funciona no horário noturno, com três turmas de 1º ano, três turmas de 2º ano e três turmas de 3º ano. Para constituição do grupo de sujeitos participantes da pesquisa, foi feito um convite, com formato de curso, a alunos do 3º ano, cujas idades variavam entre 16 e 18 anos. O curso aconteceu no turno da manhã, com 13 alunos participantes. Os encontros aconteceram às terças e quintas feiras, de 08:30 às 10:30, num total de doze encontros. A ATIVIDADE: INTUIÇÃO DAS FORMAS PERCEPÇÃO ESTEREOGNÓSTICA Desenvolvemos a atividade de percepção tátil, inspiradas no estudo de Piaget e Inhelder (1993), intitulado A intuição das formas (Percepção estereognóstica), adaptando-a ao nosso contexto, de alunos com 16 a 18 anos, utilizando sólidos geométricos (cubo, paralelepípedo, prisma triangular regular, pirâmide de base quadrada e cilindro). Os objetos submetidos à exploração tátil foram os mesmos utilizados por Mitchelmore (1980) em suas pesquisas. Cada aluno, individualmente, foi convidado a tocar, sem ver, cinco sólidos geométricos (cubo, paralelepípedo, prisma triangular, pirâmide de base quadrada e cilindro), um de cada vez. Para isso confeccionamos caixas com orifícios através dos quais as mãos podem ser introduzidas, sem que os objetos contidos em seu interior sejam vistos. Depois de explorar apenas com o tato os sólidos apresentados, o aluno deveria fazer o desenho representativo de cada um deles. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS Apresentamos os resultados de Túlio, um dos casos escolhidos para aprofundamento das análises das 16 atividades desenvolvidas ao longo de toda a pesquisa. Anais do 6

A) Atividade 4 Usando os critérios de Mitchelmore (1980) para avaliação de desenhos típicos dos estágios de desenvolvimento representacional, verificamos que os desenhos de Túlio se enquadram em diferentes estágios. (a) (b) (c) (d) (e) Figura 3. Desenhos produzidos por Túlio - Atividade 4. As representações planas do paralelepípedo (Figura 3-a) e do cubo (Figura 3-b) feitas por Túlio inserem-se no Estágio 3A, que corresponde ao Estágio Pré-Realista. Os desenhos mostram tentativas de representar os corpos 3D de uma maneira realista e dotálos de profundidade, mas não o consegue plenamente. Nas gravações são registradas tentativas de melhorar o desenho. Por mais de uma vez, ao representar o paralelepípedo, Túlio apaga o desenho, principalmente na região destacada na Figura 3-a, mas acaba repetindo o mesmo desenho. Acreditamos que ele não tenha encontrado uma maneira de demonstrar a profundidade da figura. O paralelepípedo e o cubo foram os sólidos aos que Túlio menos tempo se ateve fazendo a exploração. Acreditamos que esse comportamento se deve ao fato de que vários objetos do dia a dia tenham essas formas, ou em outras palavras, as imagens desses objetos já estão mais bem estruturadas em sua mente. O desenho do cilindro se enquadra no Estágio 2 Esquemático Espacial. As faces do cilindro são representadas ortogonalmente e a base, que seria uma face oculta, é incluída no desenho. A representação ainda não consegue dar sensação de profundidade. Durante sua exploração tátil, Túlio passa a ponta do dedo, repetidas vezes, nas bordas circulares das bases e em seu desenho (Figura 3-c) fica transparecida a preocupação em explicitar essas bases. A pirâmide de base quadrada é desenhada no Estágio 1, que corresponde ao Estágio Esquemático Plano. A figura tridimensional foi representada por uma de suas faces Anais do 7

desenhada ortogonalmente. Não se percebe profundidade alguma na representação. Ao apalpar a pirâmide, Túlio faz uma exploração mais cuidadosa das faces laterais. Apenas uma vez ele passa as mãos na base, mas não se detém nessa exploração. Por outro lado, ele passa as mãos, diversas vezes, sobre as bordas dos triângulos laterais, como a lhes reconhecer a forma. Em determinado momento, coloca seus dedos indicadores sobre faces opostas da pirâmide, como a lhes comparar as medidas. Ao fazer a representação plana do sólido geométrico, Túlio não consegue conferir-lhe profundidade, apaga o desenho várias vezes, mas acaba repetindo o mesmo traçado e comenta: Eu sei que é mais ou menos assim, mas tem quatro lados. Seu desenho (Figura 3-d) acaba refletindo o foco de sua atenção: os triângulos das faces laterais. A representação do prisma triangular (Figura 3-e) está em um nível intermediário entre os Estágios 2 e 3 - Esquemático-Espacial e Pré-Realista. Percebemos que os dois triângulos das bases aparecem na representação, sendo que um deles corresponde a uma face oculta e não deveria ser incluído no desenho. Entretanto, o desenho também apresenta a tentativa de mostrar a profundidade, uma vez que os triângulos das bases não são representados ortogonalmente. Para desenhar o prisma, Túlio manteve, durante quase todo o tempo, a mão esquerda dentro da caixa, tocando e explorando todas as faces do objeto, enquanto, com a mão direita, ia fazendo o desenho. O procedimento adotado para os outros quatro objetos foi diferente: em um primeiro momento Túlio fazia a exploração tátil e depois desenhava. B) Atividade 16 Assim como na atividade 4, continuaremos usando os critérios de Mitchelmore (1980) para avaliação de desenhos típicos dos estágios de desenvolvimento representacional. Anais do 8

(a) (b) (c) Figura 4. Desenhos produzidos por de Túlio - Atividade 16. A representação plana do paralelepípedo feita por Túlio (Figura 4-a) enquadra-se no Estágio 4, que corresponde ao Estágio Realista. As arestas paralelas no espaço são representadas por linhas quase paralelas no papel. As arestas não visíveis são explicitadas por linhas tracejadas e a base é representada através de um paralelogramo, conferindo ao desenho um atributo de profundidade. O desenho foi apagado e refeito algumas vezes, mas o registro definitivo é bastante correto e segue, ainda que seja aproximadamente, regras de desenhos em perspectiva. Percebemos que a exploração tátil desse objeto foi bastante rápida. O desenho da pirâmide de base quadrangular regular também se enquadra no Estágio Realista. Túlio representa a base através de um retângulo de lados praticamente iguais. As arestas visíveis são representadas por linhas contínuas e as arestas invisíveis, por linhas tracejadas. O desenho é produzido com características de representações feitas com a técnica de perspectiva. Inicialmente, Túlio faz o desenho da base com todas as linhas tracejadas. Como professora-pesquisadora, intervimos para questionar qual o significado das linhas tracejadas no desenho de uma figura 3D. Ao recebermos a resposta que servem para indicar as arestas invisíveis, pedimos, então, que ele voltasse a explorar o objeto e repensasse seu desenho. Túlio deixa, então, como desenho definitivo aquele apresentado na Figura 4-b. A representação do prisma triangular enquadra-se em um nível intermediário entre os Estágios 3 e 4 - Pré-Realista e Realista. Podemos verificar que as arestas da base triangular localizada do lado direito do desenho, não mantêm o paralelismo com relação às arestas da outra base. Além disso, as arestas não visíveis da porção direita do desenho, não são corretamente traçadas. Túlio percebe as falhas. Apaga diversas vezes essa parte do desenho, volta a colocar as mãos dentro da caixa e explora o prisma novamente, mas acaba Anais do 9

deixando o desenho como apresentado na Figura 4-c. Entretanto, percebemos mostra a tentativa de expressar maior realismo na representação e o desenho segue, ainda que aproximadamente, regras de desenhos em perspectiva. Para efeito de comparação entre os desenhos produzidos por Túlio, na atividade 4 e na atividade 16, apresentamos o quadro a seguir (Figura 5), explicitando os desenhos e os respectivos estágios de desenvolvimento representacional (MITCHELMORE, 1980). Estágios de desenvolvimento pelos critérios de Mitchelmore (1980) Atividade 4 Atividade 16 Paralelepípedo Estágio 3A Estágio 4 Pirâmide quadrangular regular Estágio 1 Estágio 4 Prisma triangular regular Estágio intermediário entre 2 e 3 Estágio intermediário entre 3 e 4 Figura 5. Quadro comparativo das atividades 4 e 16 Percepção estereognóstica. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS De modo geral, a exploração tátil dos três objetos utilizados na atividade 16, foi mais rápida que na questão 4. Inferimos que na atividade 4, executada logo no início do Anais do 10

experimento, o processo era praticamente de transferência para o papel daquilo que se percebia com as mãos, através do desenho. Por isso as explorações foram mais minuciosas e demoradas, ocorrendo quase que simultaneamente à produção dos desenhos. Na atividade 16, a exploração foi praticamente de reconhecimento do objeto e funcionou como um dispositivo de acesso às representações internalizadas. Acreditamos que a diferença na forma da exploração tátil dos objetos esteja diretamente relacionada às imagens mentais que Túlio trazia em cada momento distinto. Observando o quadro apresentado na Figura 5, percebemos a evolução dos estágios de desenvolvimento representacional de figuras espaciais. Concluímos, pois, que a sequência de atividades, envolvendo o uso de materiais manuseáveis e recursos informáticos, propostas durante todo o experimento, tenham contribuído para a formação das imagens mentais dos corpos geométricos 3D. Inferimos essa conclusão pela evolução dos desenhos produzidos por Túlio. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GUTIÉRREZ, A. Visualization in 3-Dimensional Geometry: In Search of a Framework. in PUIG, L. e GUTIÉRREZ, A.(eds). Proceedings of the 20 th PME Conference. Spain: University of Valence, July, v.1, p.3-19, 1996. Disponível em: <http://www.uv.es/angel.gutierrez/textos.html>. Acesso em: 11/03/2009 MITCHELMORE, M.C. Prediction of developmental stages in the representation of regular space figures. Journal for Research in Mathematics Education, p. 83-93, 1980. Disponível em <http://www.uv.es/angel.gutierrez/archivos1/doctorado/ipmg5.pdf. Acesso em: 11/03/2009. PAIS, L. C. Intuição, experiência e teoria geométrica. Zetetiké. n.6, v.4, Campinas, p. 65-74, 1996. PIAGET, J; INHELDER, B. A representação do espaço na criança. Tradução Bernardina Machado de Albuquerque. Artes Médicas. Porto Alegre, 1993. Anais do 11