LEI 10.693/03: UM MECANISMO DE DESCONSTRUÇÃO DA REPRESENTAÇÃO DO NEGRO ETERNO-ESCRAVO NA HISTORIA



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Transcrição:

LEI 10.693/03: UM MECANISMO DE DESCONSTRUÇÃO DA REPRESENTAÇÃO DO NEGRO ETERNO-ESCRAVO NA HISTORIA Sandra Mara D`Avila Sandri FIMES-Faculdades Integradas de Mineiros sandramarasandri@hotmail.com Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender; e, se podem a prender a odiar, podem ser ensinadas a amar Nelson Mandela A lei 10.639/03 estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das relações étnico-raciais e para o ensino de História e cultura afro-brasileira. A criação dessa lei leva à seguinte reflexão: porque um país com metade da população afro-descendente (49,5%, IBGE, 2006) necessita de uma lei para que sua cultura exista como realidade de estudo e reconhecimento? Que representações foram criadas e se cristalizaram em quinhentos anos de História, que expropriou esse grupo de uma ancestralidade e o destituiu de sua própria história e de sua própria identidade? Que hoje, encabeçam as listas dos piores resultados em IDH (índice de Desenvolvimento humano). Criar uma lei nova não corrige a realidade criada por representações sociais de exclusão, é necessário primeiro a compreensão dos mecanismos, inclusive teóricos, que produziram tais representações, para desmistificá-las.

Para PESAVENTO (2005, P.39): As representações construídas sobre o mundo não só se colocam no lugar deste mundo, como fazem com que os homens percebam a realidade e pautem a sua existência,são matrizes geradoras de condutas e práticas sociais, dotadas de força integradoras e coesiva, bem como explicativa do real. Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das representações que constroem sobre a realidade [...] A representação não é uma cópia do real, sua imagem perfeita, espécie de reflexo, mas uma construção feita a partir dele. A partir desse conceito é possível compreender por que a representação que a sociedade brasileira produziu de si mesma, nos últimos séculos, delegou ao grupo negro um papel de exclusão. Exclusão alimentada por uma representação de eterna ligação do negro com seu passado escravo e todo tipo de indignidade que essa situação poderia agregar ao elemento negro. Tal situação é fruto de uma sociedade onde as representações sociais foram criadas a partir da concepção histórica branca e européia. Porém, a análise do conceito de representação para questionar a realidade de exclusão do negro na sociedade não responde toda a questão, é necessário buscar os interesses e os olhares que foram colocados sobre o passado e a criaram de uma forma em que o negro só aparece na história desse país como um ex-escravo, situação perpetuada nas imagens e textos dos livros didáticos, nas pinturas, na literatura, e nas diversas artes cênicas, por exemplo. Onde a própria África só existe a partir do Mercantilismo moderno. Negando uma ancestralidade, uma originalidade, enfim, uma história e uma identidade própria, que não se resume à escravidão.

A África, já existia antes da invenção do Brasil. Os negros possuem muito mais do que os braços fortes e os escravos que construíram o Brasil. Que interesses renegaram estas realidades na representação que o Brasil produziu de si? A questão parece passar por outro viés, o viés do Poder. Neste caso, tendo as representações como verossimilhanças e não de veracidades, envolvendo processos de percepção, identificação, reconhecimento, classificação, legitimação e exclusão. A força da representação se dá pela sua capacidade de mobilização, produção de reconhecimento e legitimidade social. Fato acontecido na história do Brasil que delegou aos negros um papel de eterno-escravo, e não-sujeito de sua própria história, ou ainda, um sub-cidadão, comprovado pelas estatísticas que demonstram sua má qualidade de vida. Segundo o IBGE, 63,9% dos que ganham até dois salários mínimos são negros, 65% das pessoas que integram os 10% mais pobres são negras ou pardas, no Ensino Médio a população negra corresponde à 28% dos matriculados, e no Ensino Superior são negros 3,8%, sendo a população negra do país cerca de 49% dos brasileiros. Para Bourdieu (apud PESAVENTO, 2005) o real é um campo de forças para definir o que é o real, onde as representações apresentam múltiplas configurações, e pode-se dizer que o mundo é construído de forma contraditória e variada, pelos diferentes grupos sociais. Aquele que tem o poder simbólico de dizer e fazer crer sobre o mundo tem o controle da vida social e expressa a supremacia conquistada em uma relação histórica de forças, impondo sua maneira de ver o mundo, de estabelecer classificações e divisões, de propor valores e normas, que orientam o gosto e a percepção, que definem limites e autorizam os comportamentos e os papéis sociais. Esta foi a forma como a partir de uma criação de representação de mundo, criou-se no Brasil uma representação de poder, de domínio branco. O que pode ser comprovada pela

quase inexpressiva participação política deste grupo étnico nas instituições de poder. Grupo este que, segundo dados da PNAD (Pesquisa Nacional de Amostras de Domicilio), de 2006 do IBGE, compreende um contingente populacional de 49,5% que se auto-identificaram como negros. Nunca houve uma situação legal de impedimento político ao negro depois de sua abolição no Brasil, mas a exclusão se fez de forma sutil, alimentado pelo mito da democracia racial, tal como pode ser justificado na obra de Bourdieu: O Poder Simbólico (p. 165): A intenção política só se constitui na relação com um estado do jogo político e, mais precisamente do universo das técnicas de ação e de expressão que ele oferece em dado momento.[...] a passagem do implícito ao explicito, da impressão subjetiva à expressão objetiva, à manifestação pública num discurso ou num ato público constitui por si um ato de instituição e representa por isso uma forma de oficialização, de legitimação: não é por acaso. A historiografia brasileira carregou mitos raciais vindos da escravidão que deram à elite, combustível ideológico capaz de justificar a peneira econômica, social, racial e cultural, a qual estão submetidos os diversos grupos étnicos no Brasil. O que provocou uma ausência de representações dos grupos étnicos nas várias representações da sociedade. E impediu a formação de uma sociedade mais pluralista e igualitária (SILVA, 2007), A dificuldade de criação de suas próprias representações do mundo, originou problemas de questões identitárias nos afro-descendentes Stuart Hall (2006) afirma que a Identidade não é uma realidade inata, pois é formada e moldada no decorrer do tempo, sendo, portanto, um discurso envolvendo poder e dominação. Torna-se assim, representações que as sociedades fazem de si mesmas, implantadas por meio

da linguagem e da simbologia como produto da marcação da diferença e da exclusão e não signo da unidade idêntica. A comprovação de que esta unidade idêntica nunca existiu comprova-se pela observação de que dentro dos Estados-nação os outros (diferentes culturais e étnicos) sempre foram subjugados cultural ou violentamente. Assim, a nação, base da identidade nacional, hoje em crise, e assim como a própria identidade de forma generalista é uma criação. A nação é uma comunidade simbólica criada para explicar seu poder e conseguir um sentimento de cooperação e lealdade, baseando-se para isso nas tradições do passado ou na criação de tradições que não existiram, mas que lhe são coniventes serem acreditadas e cultivadas. Para os afro-descendentes a identidade reservada à eles pelas representações sociais e políticas é a do eterno-escravo, desconsiderando-o na contemporaneidade, e não de um grupo étnico com raízes culturais na África. Com seus hábitos, religião e traços culturais específicos, e que pelo hibridismo próprio de toda cultura, preservam muito deste mundo e influenciam a realidade cultural brasileira que estão inseridos, sem o reconhecimento oficial e legítimo desta influência na realidade que ainda está calcada na ótica branca de visão de mundo. A comprovação desta realidade se faz pelas formas de desqualificação que é imposto ao negro, como; apelidos depreciativos, brincadeiras, piadas de mau gosto sugerindo incapacidade, preguiça e incompetência, ridicularizando seus traços físicos, a textura de seus cabelos, e estereotipando sua religião de raiz africana. Os preconceitos justificam a desigualdade social, calcadas na crença de que, se os negros não atingem os mesmos patamares que os não negros, é por incompetência ou desinteresse. Desconsiderando as desigualdades seculares que a estrutura social hierárquica impôs, escondidas nas representações sociais difundidas pelas elites.

A realidade tem revelado que ao ingressar na escola a criança negra percebe suas referências ancestrais sempre como complementares à economia e a sociedade de outros povos. Tal forma de tratar a realidade social negra ajuda a manter a hostilidade aos negros em uma sociedade livre e democrática, o que influencia na auto-percepção e reação de alunos brancos e negros sobre a realidade, onde a criança negra experimenta situações de desvantagem em relação à outras crianças (SILVA, 2007) A reconstrução das representações sociais que possam desmontar mitos e criar uma sociedade que tenha como identidade uma pluralidade cultural numa sociedade multietnica, onde a diferença será valorizada, sem exaltar a desigualdade, pois, diferença é um conceito cultural e desigualdade é um conceito ético. Homens e mulheres, brancos e negros, brasileiros e estrangeiros, são diferentes, jamais desiguais (SILVA, 2007, p.8). A construção da sociedade democrática e pluralista tem como campo privilegiado de ação o ambiente educacional: a Escola. A escola deve ser reconhecida como um espaço discursivo, onde a identidade discente é construída e reconstruída de maneira histórica, cultural e continuamente, preconizado um projeto de competência pedagógica baseado na Constituição cultural (DADESKY, apud SILVA, 2007) A Escola é um ambiente privilegiado, para a reconstrução das representações sociais mais justas e humanitárias, por ser cenário de vivências múltiplas, percepção da realidade, experiências de vivência com o outro, percepção do outro, e ambiente de produção de conhecimento. Sendo um espaço de valorização cultural de todos os grupos, tendo como matéria-prima das análises as diversas experiências humanas, vistas em sua especificidade e

não comparada com referências de culturas consideradas padrões, como se fez até então com a imposição do padrão branco-europeu. Mas, somente a Lei federal 10.639/03, mesmo com sua obrigatoriedade não será capaz de dotar a escola de sua capacidade de transformação das representações de mundo que envolva novos olhares sobre a realidade social, especialmente a negra: "Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro- Brasileira. 1 o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. 2 o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. "Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra."( portal.mec.gov.br) O caminho para uma nova leitura social, passa por um comprometimento da instituição escolar na busca de seu engajamento na desmontagem de mitos e preconceitos. Essa ação deve pautar pelo caminho do conhecimento. Estudar a África, por exemplo, até então vista com desinteresse e desinformação, propicia sua desmistificação, sua compreensão como realidade rica em cultura, filosofias, religiosidades e diversidades.

As práticas educativas da religião de matriz africana, por exemplo, são uma sobrevivência e atualização do modelo educativo africano trazido para o Brasil durante a escravidão. Por meio das práticas desenvolvidas nos terreiros são aprendidos valores morais, religiosos, éticos e regras de conduta da sociedade na qual se insere. Através da exploração mítica da realidade, do respeito aos mais velhos e ancestrais, da importância da mãe e do valor da palavra e das tradições, cria-se um espaço formador de identidades e de circulação de saberes culturais. (OLIVEIRA,SANTOS, 2007,p.8) As imagens até então apresentadas como elementos de perpetuação da associação negroescravo, em livros didáticos e meios de comunicação, pode serem relidas pelo aspecto crítico e associadas a outras como a realidade do negro ser-integral, homem-cidadão.. Não se trata de mudar o discurso da escola, mas mudar sua prática. É uma reforma educacional concreta, com envolvimento afetivo, por parte dos docentes, ao acreditarem que as mudanças passam pela sua ação consciente, o que implicará inevitavelmente em sua preparação e atualização constante. Pois, já foi constatado que os professores desconhecem a importância da historia da África e da cultura de origem negra nas disciplinas que ministram, bem como sua contribuição na construção de nossa historia política social, e econômica e cultural brasileira (OLIVEIRA,SANTOS 2006). O professor é uma peça fundamental no processo de desconstrução de mitos e estereótipos, pois assim, como até hoje, foram transmissores de uma historiografia que tratou com naturalidade as relações sociais e da condição do negro dentro da história do Brasil. E também abordou de forma viciada a cultura negra de forma limitada restringindo-a ao passado, não percebendo sua permanência no presente e suas heranças cotidianas, tratando-a de forma artificial e estranha, por geralmente, total falta de conhecimento da mesma.

Para dotar a Escola e o professor de condições para uma práxis em sua ação docente, é necessário cursos de capacitação aos docentes, para muni-los de subsídios teóricos e práticos que os auxiliem a tirar a lei 10.639/03 do papel e torná-la realidade em sala de aula. Pois o texto da lei não é garantia de sua efetiva realização. A escola deve proporcionar um caminho que leve à racionalidade das relações sociais e étnicas, a partir do conhecimento científico e registros culturais diferenciados. Torna-se necessário, rever e recriar o material didático e assumir responsabilidades com a mudança. Pois não se trata de referir-se ao negro em seus conteúdos, mas identificá-lo como mais um protagonista da história e não um ator coadjuvante de um cenário histórico. Deve-se superar a visão negativa do africano e seus descendentes construídos pelos racistas no Brasil, ressaltar positivamente a participação do negro na historia do Brasil, possibilitar a permanência bem sucedida da população negra na escola, e combater a desigualdade e racismo no ambiente escolar. Educar cidadãos atuantes no seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de construir uma nação democrática. Onde cada educando vivenciará um ambiente que busca compreender os valores e lutas dos excluídos, sendo sensível ao sofrimento causado por tantas formas de desqualificação. Não se trata de mudar o foco etnocêntrico marcadamente de raiz europeu por um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira. Incluindo também as contribuições culturais dos povos indígenas e descentes de asiáticos, além das raízes africanas e européias. Sem que nenhum grupo étnico seja obrigado a negar a si mesmo, ao grupo étnico a que pertence e adotar costumes, idéias e comportamentos que lhe são adversos. Na busca da reeducação das relações étnico-raciais no Brasil, é necessário mexer em muitas feridas escondidas como o racismo velado e a consciência de que o sucesso de poucos

se deve à desigualdades imposta aos outros, ao resolver estes dilemas, o Brasil terá uma nova identidade. REFERÊNCIAS 1. BOURDIEU, Pierre, O Poder Simbólico. Edifel, 1994 2. DIEHL, Astor Antonio. Cultura Historiográfica: Memória, Identidade e Representação, Bauru, São Paulo, EDUSC, 2002. 3. HARTOG, François, O Espelho de Heródoto: ensaio sobre a representação do outro/ François Hartog: tradução de Jacyntho Lins Brandão. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999. 4. GINZBURG, Carlo, Olhos de madeira:nove reflexões sobre a distância; tradução de Eduardo Brandão- São Paulo, companhia das Letras, 2001. 5. OLIVA, Anderson Ribeiro. A História da África nos Bancos Escolares: Representações e imprecisões na literatura didática. Estudos afro-asiáticos, rio de janeiros, v, 25, n. 3, p.421-461, 3002. 6. PESAVENTO, Sandra Jatahy, História e História Cultural, 2ª. Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. 7. ROSANVALLON, Pierre.Por uma Historia Conceitual do político.revista Brasileira de história-órgão da associação nacional de história. São Paulo, ANPUH/contexto.vol.15.no. 30 1995. 8. SANTOS, Kleber Rodrigues, OLIVEIRA, Vaneide Dias de. Educação e Movimentos Sociais: Reflexões acerca da lei 10.639/03, do Movimento Negro e da Educação Popular. Disponível em http://www.ensinodehistoria.com.br/producao.htm, acessado em 10/05/08.

9. SILVA, Lucia H.O. História Afro-brasileira e África nas Escolas. In: ANDEI, Elena; FERNANDES (org). Caderno Uniafro 2. Londrina; Eduel, 2007, v.2, p.8-17.