Captura acidental de toninha (Pontoporia blainvillei) na costa norte do Espírito Santo, Brasil.



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Transcrição:

Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 29:81-86. Agosto de 2012 81 Captura acidental de toninha (Pontoporia blainvillei) na costa norte do Espírito Santo, Brasil. Flavia C. Frizzera 1, Carolina Tosi 1, Hudson T. Pinheiro 1,2 & Milton C.C. Marcondes 3 RESUMO. A captura acidental de Pontoporia blainvillei por atividades pesqueiras constitui uma das principais ameaças a espécie. No estado do Espírito Santo existem poucos registros de captura acidental quando comparado à região Sul do Brasil. Este levantamento, conduzido na foz do Rio Doce, costa norte do Espírito Santo, apresenta evidências de captura da toninha, Pontoporia blainvillei, uma das espécies de cetáceos mais ameaçados de extinção. Durante 15 dias de monitoramento embarcado, no verão de 2006, foram registradas quatro capturas acidentais. Estudos base sobre a estrutura populacional e distribuição espacial são necessários para a elaboração de medidas de manejo e conservação da P. blainvillei no Espírito Santo. Palavras Chave: conservação, espécie ameaçada, toninha. ABSTRACT. Accidental catch of franciscana or toninha (Pontoporia blainvillei) in the north coast of Espírito Santo, Brazil. Accidental catches by fishing activity is one of the main threats for this species. In the Espírito Santo state there are few records of accidental captures when compared to southern regions of Brazil. This research was conducted at the Doce River mouth, at Espírito Santo s north coast, and shows evidences of by-catches for the franciscana, Pontoporia blainvillei, one of the most threatened cetacean species. In summer 2006, during 15 days of monitoring on board, four incidental catches were recorded. Systematic studies about population structure are needed for the development of measures for management and conservation of the species in the Espírito Santo state. Key words: franciscana, conservation, threatened species. 1 Associação Ambiental Voz da Natureza, Rua Coronal Schwab Filho, nº104/501, 29050-780, Vitória/ES, Brasil (Autor de correspondência: Flavia C. Frizzera - flaviacarnelli@hotmail.com). 2 Departamento de Oceanografia e Ecologia, Universidade Federal do Espírito Santo, Av. Fernando Ferrari, nº514, 29075-910, Vitória/ES, Brasil. 3 Instituto Baleia Jubarte, Rua do Barão do Rio Branco, nº 26, 45900-000, Caravelas/BA, Brasil. Recebido: 26 nov 2010 - Aceito: 26 out 2011

82 Frizzera et al.: Captura acidental de toninha no ES, Brasil A exploração dos recursos marinhos tem colaborado para um evidente declínio de algumas populações de golfinhos, toninhas e grandes baleias. A captura acidental vem sendo uma das maiores causas da mortalidade não natural de cetáceos em todo mundo (Fruet et al., 2005). Entre todos os métodos de pesca empregados mundialmente, as pescarias desenvolvidas com redes de emalhar têm apresentado as maiores taxas de captura de cetáceos (Cordeiro, 2008). No Brasil, esta atividade pesqueira tem ameaçado populações de Tursiops truncatus, Pontoporia blainvillei e Sotalia guianensis em toda sua área de distribuição (Fruet et al., 2005). Pontoporia blainvillei, conhecida no Brasil como toninha, é um dos menores cetáceos do mundo. Endêmico das águas do Atlântico Sudoeste, seu limite de ocorrência norte encontra-se no litoral norte do estado do Espírito Santo (18 25 S-30 42 W), sudeste do Brasil, e limite sul no Golfo de San Matias (42 35 S-64 48 W), Argentina (Moreira & Siciliano, 1991; Crespo et al., 1998). Entretanto, devido à existência de dois hiatos ao longo da área de ocorrência da toninha, sua distribuição não é contínua. Estudos de mtdna e microssatélites apontam três unidades populacionais geneticamente distintas (Ott, 2002). As possíveis causas do isolamento das populações são relacionadas às características dos habitats de vida da espécie, como temperatura, profundidade e transparência da água (Siciliano et al., 2002), que não são constantes ao longo da costa sudoeste do Atlântico. A toninha apresenta hábitos costeiros, geralmente associados a desembocaduras de rios e estuários (Siciliano, 2002), sendo altamente suscetível a diversos impactos resultantes de atividades humanas. Recentemente, interações de P. blainvillei com pescarias de rede de emalhar vêm sendo reportadas em diferentes locais (Corcuera, 1994; Bertozzi & Zerbini, 2002; Ott et al., 2002; Rosas et al.; 2002; Netto & Di Beneditto, 2008), sendo este um dos principais motivos desta espécie ser o cetáceo mais ameaçado de todo Atlântico Sul Ocidental, estando classificada como espécie ameaçada de extinção (IBAMA, 2001; IUCN, 2010). Estudos de longo prazo apontam que os maiores níveis de capturas acidentais de P. blainvillei ocorrem nos litorais do sul do Brasil, Uruguai e Argentina (Secchi et al., 2004). Alguns estudos recentes apresentam poucos registros de captura acidental de toninha na costa do estado do Espírito Santo quando comparados a estudos realizados na região Sul do Brasil (Netto & Di Beneditto, 2008). Contudo, a carência de monitoramentos sistemáticos no litoral do ES pode estar mascarando o impacto de atividades pesqueiras nas regiões do limite norte de ocorrência da toninha. No presente trabalho, apontamos a ocorrência de captura acidental de Pontoporia blainvillei na região da foz do Rio Doce e a possível ameaça à sobrevivência da espécie.

Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 29. 2012 83 Esta pesquisa foi realizada na foz do Rio Doce (Figura 1), considerado um dos maiores rios da região sudeste do Brasil possuindo uma significativa extensão territorial. O trabalho teve como objetivo registrar a ocorrência de pequenos cetáceos nesta região. No período de 10 de janeiro a 10 de fevereiro de 2006 foram realizados 15 embarques na frota pesqueira local de rede de emalhar, sendo amostrada a região costeira (< 1 milha náutica) entre a lagoa do Monsarás (19 33 S-39 46 W) e a Reserva Biológica de Comboios (19 40 S-39 52 W). A frota pesqueira local era composta por 10 embarcações, que possuíam entre 5,5 e 8,5 metros de comprimento, pescando com uma média de 20 redes por embarcação. Os embarques tiveram duração média de duas horas, alternando entre os períodos matutino e vespertino. Um total de 24hs de esforço amostral foi realizado na área de estudo. Neste período foram avistados 131 indivíduos da espécie S. guianensis, sendo 27 filhotes, entretanto, nenhum indivíduo da espécie P. blainvillei foi observado. Durante o período de desenvolvimento do trabalho foram registrados quatro espécimes de P. blainvillei (Figura 2) e quatro espécimes de S. guianensis capturados acidentalmente pelas pescarias locais de rede de emalhar. Levando em consideração a quantidade de redes por embarcação (20), o número de em- Figura 1. Mapa da costa central do Espírito Santo, Brasil, evidenciando a área de estudo na região da foz do Rio Doce.

84 Frizzera et al.: Captura acidental de toninha no ES, Brasil barcações (10) e os dias efetivos de pesca (25), a CPUE (captura por unidade de esforço) de pequenos cetáceos na foz do Rio Doce foi de 1,6 indivíduos/1.000 redes armadas, o que equivale a um animal capturado a pouco mais de três dias de esforço de pesca pela frota local. A maioria dos espécimes recolhidos foi destinada a um instituto de pesquisa local (Instituto Orca). Os registros de capturas acidentais de P. blainvillei apresentadas neste trabalho e as avistagens de grupos da espécie relatadas por Moreno et al. (2003) indicam que a região da foz do Rio Doce pode ser uma importante área de uso pela espécie. Siciliano et al. (2006) apontam que uma atenção especial, por parte de cientistas e tomadores de decisão, deve ser dada às populações de toninha que habitam a região norte do sudeste brasileiro, considerada uma das quatro áreas de manejo para a toninha (FMA I - Secchi et al., 2003). Considerando certas características do ciclo de vida dos cetáceos, como natalidade e idade de primeira reprodução, a alta taxa de captura acidental pode levar as populações ao colapso (Geraci & Lounsbury, 1993). Devido à alta suscetibilidade de captura (Bastida & Rodrigues, 2003) e severo risco de extinção (IUCN, 2010), a toninha sofre possível risco de desaparecer sem que antes se conheça informações de Figura 2. Pontoporia blainvillei capturada acidentalmente na região da foz do Rio Doce, Espírito Santo, Brasil (Foto: HT Pinheiro).

Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 29. 2012 85 sua biologia. Assim, o controle dos impactos gerados pela pesca é necessário para a manutenção da população de toninha nesta região. Visto a carência de dados biológicos sobre a toninha na FMA I, é urgente que se iniciem estudos os quais levantem informações sobre sua estrutura populacional, e assim, colaborando para a avaliação do impacto das capturas acidentais oferecendo base para a conservação da espécie no Espírito Santo. Agradecimentos Gostaríamos de agradecer a Danielle Vasconcelos e Érica Assunção pelo apoio nas atividades de campo e João Batista Teixeira pelo suporte técnico. Agradecemos ao Eduardo Pignaton, Projeto Tamar, Instituto Orca e aos pescadores de Regência em especial Sr. Noilton, Zé do Sabino e Bito pela colaboração com os embarques. As considerações dos dois revisores proporcionaram grande contribuição ao trabalho. Referências BASTIDA, R. & RODRÍGUEZ, D. 2003. Mamíferos Marinos de la Patagonia y Antártida. 1 edição. Vazquez Mazzini, Buenos Aires, 366 p. BERTOZZI, C. & ZERBINI, A.N. 2002. Incidental mortality of franciscana, Pontoporia blainvillei, in the artisanal fishery of Praia Grande, São Paulo State, Brazil. Lajam, 1: 153-160. CORCUERA, J. 1994. Mortality of Pontoporia blainvillei in Northern Buenos Aires Province: the threat of small fishing camps. Reports of the International Whaling Commission (special issue), 15: 291-294. CORDEIRO, A.P. 2008. Análise das interações de cetáceos e a pescaria de emalhar da frota industrial de Santa Catarina. Dissertação de Mestrado, Universidade do Vale do Itajaí. CRESPO, E.A., HARRIS, G. & GONZÁLEZ, R. 1998. Group size and distributional range of the franciscana, Pontoporia blainvillei. Mar Mam Sci, 14: 845-849. FRUET, P., SECCHI, E.R. & SICILIANO, S. 2005. How many dolphins are left? The Journal of the Marine Biological Association of the United Kingdom. Global Marine Environment, 2: 2-3. GERACI, J.R. & LOUNSBURY, V.J. 1993. Marine Mammals Ashore. A Field Guide for Strandings. Gavelston, Texas, 309 p. IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio a Ambiente e dos Recursos Naturais reno-

86 Frizzera et al.: Captura acidental de toninha no ES, Brasil váveis). 2001. Mamíferos Aquáticos do Brasil: Plano de Ação Versão 2. Ministério do Meio Ambiente, IBAMA, Brasília. IUCN. 2010. The IUCN Red List of threatened species. <http://www.iucnredlist. org/technical-documents/spatial-data> (Acessado em: 20 nov. 2010). MOREIRA, L.M. & SICILIANO, S. 1991. Northward extension range for Pontoporia blainvillei. Ninth Biennial Conference on the Biology of Marine Mammals, 5-9 December 1991, Chicago, Illinois, abstract 48. MORENO, I.B., MARTINS, C.C.A., ANDRIOLO, A. & ENGEL, M. 2003. Sightings of fransiscana dolphins (Pontoporia blainvillei) off Espírito Santo, Brazil. Lajam 2(2):131-132. NETTO, F.R. & DI BENEDITTO, A.P.M. 2008. Interactions between fisheries and cetaceans in Espírito Santo State coast, southeastern Brazil. Revista Brasileira de Zoociências, 10(1): 55-63. OTT, P.H., SECCHI, E.R., MORENO, I.B., DANILEWICZ, D., CRESPO, E.A., BORDINO, P., RAMOS, R., DI BENEDITTO, A.P., BERTOZZI, C., BASTIDA, R., ZANELATTO, R., PEREZ, J.E. & KINAS, P.G. 2002. Report of the Working Group on Fishery Interactions. Special Issue on the Biology and Conservation of franciscana. Lajam,1(1): 55-64. OTT, P.H. 2002. Diversidade genética e estrutura populacional de duas espécies de cetáceos do Atlântico Sul Ocidental: Pontoporia blainvillei e Eubalaena australis. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. ROSAS, F.C.W., MONTEIRO FILHO, E.L.A. & OLIVEIRA, M.R. 2002. Incidental catches of franciscana (Pontoporia blainvillei) on the southern coast of São Paulo State and the coast of Paraná State, Brazil. Lajam, 1(1): 161-168. SECCHI, E.R, DANILEWICZ, D., & OTT, P.H. 2003. Applying the phylogeographic concept to identify franciscana dolphin stocks: implications to meet management objectives. Journal of Cetacean Research and Management, 5(1): 61-68. SECCHI, E.R., KINAS, P.G. & MUELBERT, M. 2004. Incidental catches of Franciscana in coastal gillnet fisheries in the Franciscana management area III: period 1999-2000. Lajam, 3(1): 61-68. SICILIANO, S. 2002. A toninha, Pontoporia blainvillei, nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, costa sudeste do Brasil: caracterização dos habitats e fatores de isolamento de populações. Boletim do Museu Nacional, Série Zoologia, 476:1-15. SICILIANO, S., MORENO, I.B., DEMARI, E., SILVA, E. & ALVES, V.C. 2006. Baleias, botos e golfinhos na Bacia de Campos. Série guias de campo: Fauna Marinha da Bacia de Campos. Rio de Janeiro, 99 p.