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Transcrição:

ENTREVISTA: OLAVO SETÚBAL A Abertura parou Para o presidente do PP paulista, estamos a um passo do confronto que poderá esmagar os partidos de oposição. As preocupações do engenheiro Olavo Setúbal com o quadro nacional podem ser resumidas numa frase: A economia vai bem, mas a política vai mal. Há um ano a situação era exatamente a oposta. E Setúbal é um anfíbio que pode fazer essa contabilidade com conhecimento de causa: alia sua condição de empresário vitorioso com o Banco Itaú e a Duratex ao papel de presidente da seção paulista do Partido Popular (PP). Como empresário reconhece, apesar de algumas restrições, que o desempenho da economia está nos limites do possível, com a inflação caindo para os dois dígitos e as contas do comércio exterior fechando bem. Como político, enxerga um panorama sombrio e vislumbra o fantasma do confronto. Setúbal não tem medo do confronto, mas desconfia de que, se ele realmente vier, as oposições serão inevitavelmente esmagadas. Caso o sistema partidário recue para o bipartidarismo, Setúbal entende que sua militância política não terá mais sentido irá para casa tratar de informática, o assunto que mais o atrai depois da política. O ex-prefeito de São Paulo está convencido de que só haverá democracia no Brasil quando os partidos assumirem sua condição de representantes de partes da sociedade, e não de toda a sociedade. Ele recorda que, antes do pacote de novembro, o PP podia ocupar o centro e funcionar como algodão entre cristais no caso, o PDS e o PMDB. Com a vinculação total do voto nas eleições de 1982 e a proibição das coligações, seu partido sofreu um golpe de morte. É a crise do projeto de transferência do poder no Brasil que Setúbal debate nesta entrevista a VEJA: O oposição esta sem opções Veja - Por que o senhor é contra a incorporação do PP pelo PMDB? Setúbal - O PP é uma proposta estabilizadora para a política brasileira, na medida em que quer ser um partido de centro, reformista, com uma visão moldada nas democracias ocidentais, nos aspectos político e econômico. A incorporação ao PMDB, naturalmente, extingue essa proposta original do PP. Veja O senhor confirma a promessa de deixar a vida pública, caso a incorporação seja consumada? Setúbal É certo que conduzirei os destinos do partido no meu Estado até o último instante. A decisão que tomarei após o fim do PP será tomada após o fim Fo PP. Veja Bem, mas o senhor já declarou que, extinto o PP, deixa de ter compromisso com a política partidária e vai cuidar do Banco Itaú e de informática. Mudou de ideia? 1

Setúbal Realmente, eu fiz todas essas afirmativas. Posteriormente, meus companheiros, meus amigos da área política, insistiram muito para que eu adiasse minha decisão até que a incorporação se consumasse. Na visão deles, o panorama político vai sofrer profundas alterações, e não seria oportuno tomar decisões prévias. Resolvi atendê-los. Veja Por que não existe casamento possível entre PP e o PMDB? Setúbal O objetivo de um partido político é assumir o poder. Eu não vejo como o PP, incorporado ao PMDB,possa participar de um governo nacional. Além disso, as tendências e os programas do PMDB são totalmente diferentes dos nossos. Veja Esse é o único motivo? Setúbal A incorporação traria de volta o bipartidarismo e,com ele, uma situação plebiscitária, que entendo ser extremamente inconveniente para a democratização do país. O plebiscito levaria a uma votação a favor ou contra o governo, sem uma alternativa que é atualmente o espaço do PP. O PMDB não é uma alternativa de governo. Veja Por quê? Setúbal O PMB é uma frente de tendência. Portanto, no dia seguinte ao de sua posse no governo, teríamos uma tensão interna dentro do PMDB que seria muito grave para o país. A partir daí não haveria tensão apenas dentro do PMDB como partido, mas também dentro do governo gerido por essa frente. Além do mais, o PMDB não foi capaz até agora como, talvez, os demais partidos de oposição de apresentar um programa econômico alternativo que se possa aplicar ao país. Dizer simplesmente que vivemos um modelo concentrador de renda, exportador e dominado pelo capitalismo financeiro internacional não resolverá o problema do Brasil. Veja Por que as oposições não montam um modelo alternativo? Setúbal Parece-me que as oposições têm sido atraídas mais pela crítica dos defeitos do modelo econômico vigente do que pela elaboração de opções. Com isso, expressam o sentimento de frustração da população prejudicada pelos defeitos do atual modelo, mas não fazem uma proposta objetiva para substituí-lo. Por quê? A razão fundamental está em que não se pode fazer um modelo para atender a todos ricos, pobres, estudantes, professores. Não se pode atender a todos os segmentos da sociedade ao mesmo tempo. O Terceiro Mundo é ruim Veja As oposições estão mentindo quando formulam programas nebulosos, que pretendem atender a todos? Setúbal Sem pretender sofismar, prefiro observar que não estão dizendo toda a verdade. Afinal, dentro da névoa dos atuais programas das oposições,pode sair qualquer coisa no futuro. Isso se aplica a toda a oposição, até ao PT, que declara que o 2

seu socialismo terá definição nas bases, dentro da dinâmica do processo socioeconômico. Isso é impróprio porque, levado às últimas consequências,poderíamos chegar à situação cubana. Fidel Castro assumiu o poder sem definir o seu programa e, no primeiro discurso, revelou que sempre fora comunista, mas não podia confessar antes, senão jamais chegaria ao poder. Em suma, a indefinição é uma fraude. Veja Mas o PT não é um partido ostensivamente anticomunista? Setúbal Não, não entro nesse mérito. Eu creio que os partidos devem explicitar com clareza o programa que desejam à parte ou às partes da sociedade que querem representar. Veja O PP é suficientemente claro nesse particular? Setúbal Acho que o PP ainda não formalizou com clareza a sua proposta. Eu tenho procurado, em termos pessoais, dar maior clareza ao programa, principalmente no campo econômico, quando digo que a livre iniciativa na forma praticada pelas democracias ocidentais deve ser o nosso objetivo. Ou seja,não se trata de fazer uma aliança com o Terceiro Mundo, mas de introduzir o Brasil no Primeiro Mundo. Essa é uma posição bastante nítida. Veja O senhor está convencido de que ficar no Terceiro Mundo é ruim? Setúbal- É uma coisa ruim. Está claro que o Primeiro Mundo, é melhor. Ainda há pouco tempo, numa conferência, o economista Celso Furtado mostrou que essa é a grande opção para o Brasil: ou caminhamos para o Primeiro Mundo ou ficamos no Terceiro, que é onde estamos e que não é bom. Veja Mas até que ponto a visão que o senhor dá do PP é a do partido, e não apenas a sua e de mais algumas poucas lideranças? Setúbal Quem primeiro colocou essa questão foi o professor Mangabeira Unger, que, num artigo de jornal, procurou minimizar as diferenças entre o PP e o PMDB. Mas não acho que pensam como eu só mais um ou dois líderes do PP. Veja A opção pelo Primeiro Mundo é o que distingue o PP do resto das oposições? Setúbal Não apenas isso: os outros partidos oposicionistas têm profundas raízes no pensamento terceiro-mundista. É o pensamento de que o bem estar da sociedade só poderá ser alcançado dentro de uma perspectiva socialista, fora do modelo desenvolvido pelo sistema capitalista. Eu penso exatamente o contrário. Veja O que mais distingue o PP dos outros partidos? Setúbal Sem dúvida, o objetivo do PDS e do PP é o mesmo: chegar ao Primeiro Mundo. Mas nós procuramos fazer desse objetivo uma proposta articulada, enquanto o PDS vai avançando meio ao acaso. O PDS tem raízes profundas na evolução política do país e está mais com o futuro do Brasil. Ele é herdeiro da tradição governista brasileira, do PSD, essa vertente centralizadora que sempre houve em nossa história, enquanto o PP procura mobilizar as nossas raízes liberais. 3

Veja O PP também não é herdeiro do passado político brasileiro, um descendente da UDN? Setúbal Um das raízes do PP é sem dúvida a UDN. Mas o PDS é que representa as forças que tradicionalmente governam o Brasil, a partir das oligarquias locais. Assim, o PP quer chegar ao Primeiro Mundo trilhando um caminho liberal, enquanto a visão das oligarquias locais do PDS é menor, não vai sequer além da América Latina. Falta rigor com os números Veja O senhor admite que sua descrição do PP como partido que quer levar o Brasil para o Primeiro Mundo é semelhante à formulada pelos militares na Escola Superior de Guerra, com a tese do Brasil Grande Potência? Setúbal A proposta do PP não está no mesmo conceito do Brasil Grande Potência, mas no conceito de Grande Nação, que é mais amplo. Nossa ideia é de que a Nação precisa se estruturar num processo político dentro da visão ocidental. Isso não importa nas mesmas prioridades que o atual governo adota. Por exemplo, a preferência do governo é pelo desenvolvimento econômico e não pelo desenvolvimento político e social. Basta olhar o país. As instituições econômicas só crescem. As instituições políticas ou diminuem ou estacionam. O poder de organismos econômicos do governo, como as empresas estatais, ou dos mecanismos reguladores da economia, são sempre maiores. O poder do PDS é sempre menor. Veja Recentemente, o presidente do PMDB, Ulysses Guimarães, disse que as pessoas que ganham até dez salários mínimos pagam 30% de imposto de renda. Ora, quem ganha isso é isento. Pode-se levar a sério oposições que cometem tais equívocos? Setúbal Um dos grandes defeitos do debate político brasileiro é o uso indevido dos números. O Brasil está habituado ao impacto da frase e não à discussão econômica dentro de um embasamento rigoroso. É comum o uso de dados até verdadeiros, nesses debates, mas inteiramente fora de contexto e,portanto, incompreensíveis. Veja Por exemplo? Setúbal Tome-se a questão da Previdência Social. Tanto o governo como as oposições citam diversos desmandos e irregularidades cometidos pelo INAMPS, como se a solução desses desvios resolvesse o problema. Agora. Descobre-se que todas as irregularidades que o ministro Jair Soares conseguiu apurar e resolver somam pouco mais de 200 milhões de cruzeiros. O orçamento da previdência é de 1,3 trilhão de cruzeiros. Logo, as irregularidades são insignificantes e o problema central é outro. Essas coisas desviam a atenção do essencial. É só ver o balanço da previdência: 75% da despesa são consumidos pelo pagamento aos aposentados. Não há dinheiro para tanto. A questão é essa, o resto é perfumaria. Veja Por que isso acontece? 4

Setúbal Não é estranho que aconteça. A França socialista enfrenta, agora, esse mesmo problema. A diferença é que lá eles já sabem o que estão discutindo. O debate brasileiro não é claro, tanto da parte do governo como da parte das oposições. Aliás, o governo nem mesmo sabe qual é o número de déficit. Os números dos ministros Delfim Netto e Jair Soares nunca chegaram ao denominador comum. Não se faz nada de graça Veja Por que o senhor defende a ideia de que o PP deveria ser um partido pequeno ou medido, mas coerente, em vez de ser um grande saco de gatos? Setúbal Só se consolidará a democracia no Brasil quando tivermos capacidade de exercer o poder com eficiência. Foi a incapacidade de serem eficientes que levou os governos da República Velha e do regime de 1946 a ruírem. A eficiência no uso do poder, a meu ver, está ligada a um mínimo de homogeneidade no partido que estiver no governo. Veja Qual é o objetivo do pacote eleitoral de novembro, que determina a vinculação de todas as eleições do próximo ano? Setúbal Ele foi editado com um claro objetivo: fazer o governo assumir o controle do seu partido e do processo político em andamento, mantendo a sua maioria no Congresso. Com isso, dispensa negociações de seu projeto com as oposições. Ora, dentro do pluripartidarismo a maioria absoluta não faz sentido. Ela força a existência do bipartidarismo, gera a ditadura da maioria. Veja O pacote veio porque o governo não quis fazer alianças com as oposições ou porque as oposições não quiseram fazer as alianças com o governo? Setúbal A aliança pressupõe uma partilha do poder. Em política não se faz nada de graça, os gestos impensados ou gratuitos são coisa de amadores. Assim, há um erro do governo ao pressupor que poderia haver acordos e apoios sem participação no poder. Isso não existe. Na política brasileira de hoje, este é o ponto fundamental: a lógica do pluripartidarismo está na formação de alianças governamentais, que só se concretizam com alguma participação no poder. Veja Ao reassumir o controle do seu partido, o governo deixou o PP sem espaço para sobreviver? Setúbal Embora o pacote não tivesse por objetivo eliminar o PP, na prática deu-lhe um golpe mortal. O PP se propunha a ocupar o centro, e o centro só pode existir se não houver maioria absoluta com ela, o partido majoritário ocupa esse espaço. Não sobra nada. Veja Que complicações isso vai gerar? 5

Setúbal Estamos vivendo a grande dificuldade de um governo interessado em um instrumento para executar seu projeto sem qualquer aliança. O governo não quer negociar seu projeto. Veja Havia uma disposição do governo em partilhar o poder que hoje não existe mais? Setúbal Não sei se o governo tinha essa intenção, mas a nossa avaliação das intenções do governo era a de que ele queria partilhar o poder. Hoje, vejo que o objetivo político do governo é menos amplo do que imaginava há um ano. A abertura abre menos do que eu, pessoalmente, calculava. Veja O bipartidarismo leva ao confronto, e o senhor já disse que, embora não tema o confronto, prefere evitá-lo. Por quê? Setúbal O confronto é a ruptura no processo, é colocar em risco a evolução do projeto político do governo, a expectativa de que em alguma interseção ele possa ser aceito pelas oposições. No confronto, as partes colocam suas oposições como inegociáveis, e só o esmagamento de uma delas resolve o impasse. Veja E se vier o confronto? Setúbal Evidentemente a oposição perderá. O governo é mais poderoso e a oposição cometerá o maior erro possível se for ao confronto, pois levará o país a um retrocesso muito grave. Veja Qual é a possibilidade de que esse retrocesso aconteça? Setúbal Acho grande, caso o PP desapareça. O debate ficou nebuloso Veja Não lhe parece que o governo e o Congresso estão tratando de assuntos que interessam essencialmente aos políticos, como a reforma eleitoral, enquanto a população cuida de assuntos inteiramente diferentes, como custo de vida, emprego, salários? Setúbal No atual nível de suas prerrogativas o Parlamento não tem condições de discutir assuntos de interesse do povo, porque não tem poderes para influir nas decisões que afetam o cotidiano das pessoas. O grande tema de discussão nas democracias é o orçamento. De onde se tiram, onde se põem recursos. O parlamento é praticamente espectador na discussão orçamentária. O dia-a-dia do cidadão não é decidido no Congresso, tanto assim que os empresários só fazem lobby no Poder Executivo. Veja usando os seus próprios critérios de eficiência, o Congresso é hoje uma instituição de escassa utilidade? Setúbal O Parlamento tem uma influência muito pequena no dia-a-dia. Ele está discutindo o processo de votação, que pressupõe a eleição, que pressupõe a transferência de poder e aí, sim, o Parlamento poderia agir mais. Mas é certo que 6

isso fica muito remoto para o cotidiano das pessoas. A sociedade não se sente envolvida por esse debate longínquo, nebuloso. Veja Estamos, então, num círculo vicioso? Setúbal Precisamos saber qual é o grau de poder que o governo está disposto a transferir para a sociedade e em que ritmo. Sem, isso não há abertura. É claro que a anistia, a liberdade de imprensa, todos os avanços que vieram com a extinção do AI-5 tornaram nossa vida muito melhor. Mas, neste momento, a abertura parou. E parou no problema da participação no poder, que o governo não parece disposto a dividir. Crédito: Getúlio Bittencourt/Revista Veja/Editora Abril Fonte: Revista Veja, edição 694, 23 dez. 1981, p.3-4-6 7