Avaliação da Voz e do Comportamento Vocal em Crianças com Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade Palavras chaves: Transtorno de falta de atenção com hiperatividade; distúrbios da voz em criança; voz. O comportamento vocal desviante é típico na infância e é o principal agente causador de disfonia infantil. Ele é uma forma de interação, agressão, liderança e de se tornar aceita por um grupo, sendo resultante da interação de fatores anatômicos, fisiológicos, sociais, emocionais ou ambientais 1. O entendimento de fatores desencadeadores e mantenedores do comportamento vocal é fundamental para melhorar o tratamento deste distúrbio. A avaliação da associação entre o TDAH e a disfonia na população infantil poderá explicar fatores comportamentais associados aos hábitos vocais maléficos ao padrão fonatório destas crianças, além de auxiliar o tratamento fonoaudiológico para um enfoque terapêutico mais adequado e possibilitará um tratamento multidisciplinar, aumentando, conseqüentemente, a eficácia da reabilitação. A hipótese dessa pesquisa é que as crianças portadoras do TDAH apresentam disfonia e comportamentos vocais abusivos. O objetivo foi avaliar a voz e o comportamento vocal de crianças com Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH). Foram investigadas 25 crianças com TDAH, com média etária de 8,6 ±1,1 anos, sendo 72% do gênero masculino, procedentes do Ambulatório de Déficit de Atenção do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Neste estudo cego, composto por 4 fonoaudiólogos, onde 1 foi excluída por baixa concordância intra-observador (<76,9%), o grupo controle foi composto por 25 escolares pareados por gênero, idade e padrão sócio-econômico. Para mensurar a presença e ausência de alteração vocal no parâmetro G da escala GRBAS, foi utilizada a escala analógica visual de 10 cm, sendo que a marcação da impressão transmitida pela voz maior que 3,55 cm significando disfonia 2. Foi considerado válido o diagnóstico da presença ou ausência de disfonia quando houve concordância mínima de dois dos três avaliadores selecionados. Além disso, foi realizada a graduação do desvio vocal pelas médias das marcações dos três avaliadores na escala analógica visual, de acordo com os parâmetros citados na literatura 2. A emissão utilizada para o julgamento perceptivo-auditiva da voz foi a vogal /a/ prolongada (vogal mais aberta) e amostra de fala automática (contagem de um a 10 e dias da semana). A análise acústica (média da freqüência fundamental (MFo), quociente de perturbação do freqüência (PPQ%), o quociente médio de perturbação de amplitude (APQ%) e proporção harmônico-ruído (PHR db) foi realizada pelo
programa MULTI-SPEECH MODEL 3700 da KAY ELEMETRICS. Os cuidadores e pacientes responderam o questionário de comportamento vocal e a anamnese. O diagnóstico do TDAH foi baseado no DSM-IV. Encontramos a presença de disfonia em 28% das crianças com TDAH e 12% nas crianças sem TDAH, sendo a diferença entre os grupos não significativa. Os resultados mostram que nas crianças com e sem TDAH, a disfonia foi mais prevalente nos meninos, porém a diferença entre os sexos não foi significativa (Tabela 1). Crianças que apresentam TDAH possuem comportamentos vocais abusivos de gritar e imitar sons e vozes estranhas, com diferença estatística das crianças sem o distúrbio. O mesmo não pode ser afirmado para os comportamentos de falar rápido e rir alto. Não encontramos na literatura dados para comparar com estes resultados. Encontramos desvio vocal mais grave nas crianças com TDAH, como pode ser observado na tabela 2, porém a diferença entre os grupos não obteve significância estatística. Desta forma, esses resultados não corroboram com outro estudo 3 ao afirmar que crianças com TDAH são mais disfônicas. Os resultados de maior ocorrência de disfonia em crianças com TDAH mostram uma tendência de associação entre estes dois distúrbios. Para refutar ou confirmar essa associação faz-se necessário estudo com maior número de crianças. Como pode ser observado na Tabela 3, o valor da MFo do grupo de estudo foi próxima ao valor encontrado na análise de crianças com TDAH subtipo combinado 3 e à média dos falantes do português de São Paulo de 8 a 12 anos 4, e o valor da MFo do grupo de crianças sem o distúrbio foi mais próximo ao encontrado na análise de crianças sem alteração vocal 5. O quociente de perturbação da freqüência (PPQ%) foi menor no grupo controle, Os valores encontrados de APQ% e de PHR db foram maiores no grupo com TDAH, confirmando o maior comprometimento vocal neste grupo (Tabela 3). As crianças disfônicas são caracterizadas na literatura, dentre outros, por comportamentos semelhantes aos do TDAH, como: impulsivas, hiperativas, agitadas, distraídas, enérgicas, inquietas (6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17). Autores 18 apontam que esses comportamentos podem ser sintomas que permanecem por curtos períodos (dois a três meses) e que se iniciam claramente após um desencadeante psicossocial, como por exemplo, a separação dos pais ou apenas sintoma de uma situação familiar caótica ou de um sistema de ensino inadequado. A maioria dos sintomas de TDAH é manifestado ocasionalmente por todas as crianças 19. De acordo com os resultados encontrados nesta pesquisa, não se pode afirmar que há relação entre TDAH e disfonia infantil. Porém, é importante avaliar os comportamentos vocais da criança disfônica dentro do seu quadro de comportamentos globais, com o intuído de melhorar o tratamento e o prognóstico da reabilitação vocal. Esta pesquisa trouxe,
provavelmente, contribuições para a compreensão da correlação entre disfonia e TDAH. No entanto, investigações futuras se fazem necessárias para confirmar e complementar os dados descritos. Concluímos que: a) ter TDAH não é um fator de risco para a disfonia infantil; b) não houve diferença entre os desvios vocais de crianças com e sem TDAH; c) o grito e a emissão de sons e vozes estranhas caracterizam o comportamento vocal abusivo de meninos com TDAH; d) os parâmetros de média de freqüência fundamental, PPQ, APQ e PHR da análise acústica vocal das crianças foram iguais; e) o gênero não foi um fator de risco para a disfonia, em crianças com TDAH. Tabela 1 - Comparação da freqüência de disfonia segundo gênero nos pacientes com TDAH (n=25) e sem TDAH (n=25). Grupo Masculino Feminino TDAH disfônico 5 2 Não TDAH disfônico 2 1 אּ 2 fisher= 0,70; p>0,05 Tabela 2 - Comparação entre as freqüências do desvio vocal de variabilidade normal, leve a moderado, moderado a intenso e intenso nas crianças com TDAH (n=25) e sem TDAH (n=25). Desvio vocal Com TDAH Sem TDAH Variabilidade Normal 18 22 Leve a Moderado 3 2 Moderado a Intenso 3 1 Intenso 1 0 p>0,05 Tabela 3 - Comparação entre médias dos parâmetros da análise acústica dos grupos com TDAH (n=25) e sem TDAH (n=25). Parâmetro Com TDAH Sem TDAH M dp M dp T student p x MFo 237,94Hz 38,88 248,86 26,73 0,29 >0,05 xx PPQ% 1,239 1,239 0,538 0,312 0,027 >0,05 xxx APQ% 6,154 4,10 2,378 1,21 0,0006 >0,05 xxxx PHR db 0,272 0 0,125 0,01 0,019 >0,05
x MFo Freqüência Fundamental Média; xx PPQ%- Quociente de Perturbação de Freqüência em porcentagem; xxx APQ%- Quociente Médio de Perturbação de Amplitude; xxxx PHR Proporção Harmônico Ruído. Referências Bibliográficas 1. HERSAN, R. C. G. P. Avaliação de Voz em Crianças. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 1991; 3 (1): 3-9. 2. YAMASAKI, R.; LEÃO, S.; PADOVANI, M.; MADAZIO, G.; AZEVEDO, R.; BEHLAU, M. Correspondência entre escala analógico-visual e a escala numérica na avaliação perceptivo-auditiva de vozes. In: Anais 16º congresso brasileiro de fonoaudiologia; 2008; Campos do Jordão. 3. HAMDAN, A.-L.; DEEB, R.; SIBAI, A.; RAMEH, C.; RIFAI, H.; FAYYAD, J. Vocal Characteristics in Children With Attention Deficit Hyperactivity Disorder. Journal of Voice. 2007; v. -, n. - (In press). 4. BEHLAU, M. Considerações sobre a análise acústica em laboratórios computadorizados de voz. In: ARAÚJO, R.; PRACOWNIK, A.; SOARES, L. S. D. Fonoaudiologia Atual. Rio de Janeiro: Revinter; 1997. p. 93-115. 5. NICOLLAS, R.; GARREL, R.; OUAKNINE, M.; GIOVANNI, A.; NAZARIAN, B.; TRIGLIA, J- M. Normal voice in children between 6 and 12 years of age: database and nonlinear analysis. Journal of Voice. 2007; v.-, n.- (In press). 6. WILSON, F.; LAMB, M. Comparison of personality characteristics of children with and without vocal nodules based on Rorschach Protocol Interpretation. Acta Symbol. 1974; 43 55. 7. DEJONCKERE, P. Pathogenesis of voice disorders in childhood. Otorhinolaryngol Bel. 1984; 38(3), 307-314. 8. BEHLAU, M.; GONÇALVES, M. I. R. Considerações sobre a disfonia infantil. In: FERREIRA, L. P. (org.). Trabalhando a voz. São Paulo: Summus Editorial; 1987. p. 101-102. 9. GREEN G. Psycho-Behavioral Characteristics of Children with Nodules: WPBIC Ratings. Journal of Speech and Hearing Disorders. 1989; 54, 306-312. 10. WILSON, D. K. Problemas de voz em crianças. 3rd ed. São Paulo: Manole LTDA; 1993. 11. FREITAS, M. R.; WECK, L. L. M.; PONTES, P. A. L. Disfonia na infância. Rev. Brasileira de Otorrinolaringologia. 2000; 66 (3), 257-265. 12. ROY, N.; BLESS, D. M.; HEISEY, D. Personality and voice disorders: a multitritmultidisorder analysis. Journal of voice. 2000; 14 (4), 521-548. 13. MELO, E. C. M.; MATTIOLI, F. M.; BRASIL, O. C. O.; BEHLAU, M.; PITALUGA, A. C. A.; MELO, D. M. Disfonia infantil: aspectos epidemiológicos. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2001; 67 (6), 804-7.
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