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O mutualismo promove desacoplamento entre caracteres morfológicos? Renan Parmigiani, Maria Gabriela Kiss, Neliton Ricardo Freitas Lara & Karina Campos Tisovec Dufner RESUMO: Estruturas morfológicas em organismos podem estar diferentemente correlacionadas, formando módulos mais ou menos integrados. Interações ecológicas, como o mutualismo, são processos capazes de exercer pressões seletivas e promover a evolução da modularidade morfológica. Neste trabalho, investigamos como a intensidade do mutualismo influencia a modularidade morfológica de duas espécies mirmecófitas. Esperamos que quanto mais forte o mutualismo da planta com formigas, maior será a modularidade morfológica. Calculamos as médias das correlações entre caracteres morfológicos para Cecropia pachystachya e C. glaziovi, espécies com menor e maior mutualismo com formigas, respectivamente. Quantificamos essas correlações em dois grupos de caracteres: um relacionado ao mutualismo e outro não relacionado. As diferenças das médias das correlações dentro e entre esses grupos foram semelhantes nas duas espécies, indicando que uma maior intensidade do mutualismo não promove maior modularidade morfológica. Contudo, a espessura do prostoma, relacionada ao tamanho da colônia de formigas, esteve desacoplada dos outros caracteres em C. glaziovi, o que pode estar associado ao mutualismo. PALAVRAS CHAVE: Azteca, embaúba, integração morfológica, mirmecófitas, teoria da modularidade. INTRODUÇÃO A teoria da modularidade aplicada aos sistemas biológicos considera um organismo como um sistema que pode ser dividido em diferentes elementos, de modo que cada um destes elementos pode estar mais ou menos correlacionado com os outros (Pigliucci, 2003; Klingerberg, 2008). Quando os elementos, ou caracteres, de todo o organismo variam conjuntamente sob pressões evolutivas, ocorre um processo global de mudanças. Já no caso em que um grupo de caracteres varia de forma desassociada do resto dos caracteres do corpo, configurando módulos, o processo é tido como local. Portanto, dentro dos módulos as correlações entre os elementos são mais fortes do que as correlações entre os elementos de módulos diferentes (Klingerberg, 2008). A modularidade permite que seleção atue apenas sobre determinadas características, sem que outras estruturas ou funções sejam alteradas (Wagner, 1996). Dizemos que há coevolução quando a interação entre espécies gera pressões seletivas recíprocas. De forma geral, a pressão seletiva de uma espécie na evolução de outra depende da força da interação entre elas (Ricklefs, 2010). No caso de mutualismos, a força da interação pode variar ao longo do tempo ecológico e evolutivo, resultando em diferentes intensidades de pressões seletivas na coevolução das espécies envolvidas. Portanto, as espécies envolvidas podem se tornar cada vez mais dependentes uma da outra (Begon et al., 2006). Segundo Berg (1960), plantas que são polinizadas por animais sofreram uma pressão seletiva que favorece o desacoplamento das partes vegetativa e reprodutiva em diferentes módulos. Esse desacoplamento permite que estruturas da flor sofram alterações em resposta aos polinizadores, com pouca interferência nas estruturas vegetativas. De fato, estudos mostram que interações fortes com um determinado polinizador geram modularidade nas plantas. No entanto, existe uma grande lacuna de outros trabalhos que explorem como outros tipos de mutualismo influenciam a modularidade das espécies envolvidas. O objetivo deste trabalho foi investigar como a intensidade do mutualismo pode influenciar a modularidade morfológica de duas espécies mirmecófitas. Dado que a intensidade do mutualismo está positivamente relacionada à força de seleção sobre estruturas morfológicas diretamente relacionadas à interação inter-específica, e que há uma pressão seletiva que favorece a separação em módulos de estruturas envolvidas em interações, temos como 1

hipótese que quanto mais forte o mutualismo defensivo entre formigas e plantas, maior será a modularidade morfológica entre estruturas vegetais envolvidas e não envolvidas no mutualismo. MATERIAL & MÉTODOS Sistema de estudo As embaúbas são árvores do gênero Cecropia (Urticaceae) que possuem uma associação mutualista com formigas do gênero Azteca. As formigas defendem a planta contra o ataque de herbívoros e lianas (Janzen, 1969; Mello, 2012), ao passo que utilizam locais para nidificação dentro do colmo (i.e., internó) e se alimentam de estruturas ricas em glicogênio, lipídeos e proteínas, chamadas corpúsculos müllerianos. Os corpúsculos são produzidos em regiões específicas da planta, chamadas triquílias (Janzen, 1969). Para avaliar como o mutualismo pode influenciar a modularidade em plantas mirmecófitas, trabalhamos com duas espécies: a embaúba vermelha Cecropia glaziovi e a embaúba branca C. pachystachya. A intensidade da interação mutualista varia entre essas duas espécies, sendo mais fraca em C. pachystachya, quando comparada a C. glaziovi (Fadil, 2013; Acero et al., 2016). A variação no mutualismo pode ajudar a entender como as características da planta que estariam mais diretamente relacionadas à interação (e.g., triquílias) poderiam ser menos correlacionadas com outras partes da planta que não estariam relacionadas à interação com formigas (e.g., folhas). A diminuição da correlação entre estruturas associadas e não associadas ao mutualismo indicaria um desacoplamento entre estas estruturas e a formação de módulos mais ou menos independentes dentro da planta. desta folha, da bráctea, da triquília (estrutura na base do pecíolo da folha onde são produzidos corpos mullerianos que atraem formigas), do colmo (região entrenós do caule a partir da qual saía a folha amostrada) e do prostoma (separação entre colmos ou nó do caule) (Figura 1a-e). As medidas dos comprimentos da folha, do pecíolo e da bráctea constituíram o grupo de caracteres somáticos não relacionados ao mutualismo (S) (Figura 1a, b). As medidas do maior e do menor comprimento da triquília (usados para calcular sua área, que utilizamos como indicativa da produção dos corpúsculos müllerianos) (Figura 1c), do diâmetro interno e da altura do colmo (usados para calcular a superfície interna da parede do colmo disponível para abrigar as formigas) (Figura 1a, d), e da espessura do prostoma inferior do colmo analisado (Figura 1e) constituíram o grupo de caracteres relacionados ao mutualismo (M). Coleta de dados Fizemos uma busca por indivíduos de C. glaziovi e C. pachystachya em bordas de fragmentos de mata alta de restinga no bairro do Guaraú (-24 22,396, -047 01,150 ), município de Peruíbe, São Paulo. Realizamos a identificação das espécies usando a coloração das brácteas que recobrem a gema apical dos indivíduos: em C. pachystachya as brácteas são brancas e, C. glaziovi as brácteas são vermelhas. Coletamos as porções mais apicais (últimas cinco folhas e uma das brácteas) dos ramos centrais de 13 indivíduos de C. pachystachya e 11 indivíduos de C. glaziovi. Para cada indivíduo tomamos medidas da folha mais apical do ramo central (folha totalmente aberta que estava com a triquília ativa), do pecíolo Figura 1. Medidas tomadas dos ramos de embaúba: (a) da bráctea e altura do colmo, (b) comprimento do pecíolo e da folha, (c) comprimento menor e maior da triquília, (d) diâmetro interno do colmo e (e) espessura do prostoma. As barras amarelas indicam medidas que fazem parte do grupo de caracteres somáticos não relacionados ao mutualismo (S) e as barras vermelhas indicam medidas que fazem parte do grupo de caracteres relacionados ao mutualismo (M). Análise dos dados Calculamos as correlações entre os logaritmos das medidas para linearizar as relações entre elas. Para cada uma das espécies de Cecropia, calculamos correlações dos caracteres dentro de 2

cada grupo de caracteres morfológicos (S e M) e correlações dos caracteres entre os grupos (Anexo 1). Consideramos apenas o módulo das correlações uma vez que a magnitude destas correlações mostra o quanto os caracteres são correlacionados entre si, não importando a direção da correlação. Calculamos então a média das correlações dentro dos grupos (considerando todas as correlações dentro dos grupos S e M) e a média entre grupos. Em seguida, calculamos a diferença entre essas médias para cada espécie, o que chamamos de índice de modularidade. Uma maior diferença entre médias significa um maior desacoplamento entre os caracteres de um grupo e de outro e, portanto, um maior índice de modularidade entre os grupos. Esperávamos que o índice de modularidade fosse maior para C. glaziovi do que para C. pachystachya como consequência do mutualismo mais intenso na primeira espécie. para as correlações dos caracteres entre os grupos, ou seja, correlações entre comprimentos da bráctea, da folha e do pecíolo com a área da triquília, espessura do prostoma e superfície interna do colmo, nota-se que, em C. glaziovi, estes valores possuem menor variância dentro de cada caráter e as correlações de S com a espessura do prostoma são bem mais baixas do que as outras. Tabela 1. Médias e desvios padrão dos caracteres dos grupos não relacionados ao mutualismo (S) e relacionados ao mutualismo (M). Realizamos um teste de significância no qual permutamos 10.000 vezes os valores de correlações entre as espécies, mas mantivemos essas correlações estruturadas quanto aos grupos a que pertenciam. Isso significa que como as correlações são calculadas entre caracteres dentro de um grupo, ou entre caracteres de grupos diferentes, optamos por não permutar as correlações entre essas duas categorias, ou seja, um valor de correlação calculado entre dois caracteres de um mesmo grupo não poderia ser permutado de forma a pertencer a uma correlação entre caracteres de grupos diferentes no cenário nulo. Consideramos o índice de modularidade observado significativo se a proporção de permutações que gerassem um valor de estatística de interesse igual ou maior foi menos de 5% do total de permutações. Correlação 1.0 0.8 0.6 0.4 0.2 0.0 Dentro Entre Dentro Entre C. glaziovi C. pachystachya RESULTADOS Todas as médias e desvios padrão em S foram maiores para C. glaziovi se comparados aos valores de C. pachystachya. Em M, apenas os valores da espessura do prostoma foram menores para C. glaziovi e, ao comparar os valores da superfície interna do colmo, fica evidente que o colmo da C. glaziovi é maior e a divisão entre os colmos é mais fina (Tabela 1). A média das correlações entre os caracteres do mesmo grupo para C. glaziovi foi maior do que a média das correlações entre os diferentes grupos (i.e., S e M) (Figura 2). Embora o índice de modularidade de C. glaziovi não tenha sido significativamente maior se comparado ao de C. pachystachya (p = 0,06), a distribuição das correlações entre S e M foi bastante distinta para as duas espécies. Avaliando apenas os resultados Figura 2. Valores absolutos das correlações entre as medidas dos caracteres não relacionados e relacionados ao mutualismo com as formigas para Cecropia glaziovi e C. pachystachya. São apresentadas correlações tanto dentro dos grupos de caracteres somáticos não relacionados ao mutualismo (S) e relacionados ao mutualismo (M) (pontos pretos), como entre os caracteres de S e M (pontos coloridos) para ambas as espécies. Pontos vermelhos: correlações entre área da triquília e caracteres de S. Pontos Azuis: correlações entre a espessura do prostoma e caracteres de S. Pontos verdes: correlações entre superfície interna do colmo e caracteres de S. As linhas representam as médias das correlações em cada grupo de cada espécie. DISCUSSÃO Neste trabalho, investigamos como a intensidade do mutualismo defensivo e entre formigas e plantas influencia a modularidade morfológica entre 3

caracteres associados e caracteres não associados a essa interação ecológica nas plantas. Comparando espécies mirmecófitas com diferentes intensidades de interação mutualística com formigas, obtivemos que não houve desacoplamento entre as estruturas em ambas as espécies, de modo a não configurar modularidade e indicando que a intensidade da interação com formigas não influencia a modularidade morfológica nestas espécies. Quando analisamos os padrões em cada espécie, as correlações entre as medidas de cada grupo e entre esses grupos para C. pachystachya não diferiram, não havendo assim evidência de modularidade. Por outro lado, em C. glaziovi, as correlações dentro de cada grupo de caracteres foram maiores do que entre os grupos, ainda que insuficiente para diferenciar as duas espécies. Em C. glaziovi, as baixas correlações entre a espessura do prostoma e os caracteres somáticos podem indicar um desacoplamento entre este carácter e corpo geral da planta como consequência do mutualismo. Nas espécies do gênero Cecropia as formigas utilizam o interior dos colmos do caule para o estabelecimento das colônias (Acero et al., 2016). Conforme o aumento do número de indivíduos das colônias, as formigas perfuram os prostomas (Beattie, 1985), permitindo a colonização de um novo colmo. Sendo assim, a menor espessura do prostoma favorece o crescimento da colônia de formigas, uma vez que o gasto energético na perfuração será menor em C. glaziovi. Como a intensidade do mutualismo é maior conforme o aumento do tamanho das colônias das formigas (Rocha & Bergallo, 1992) e a espessura dos prostomas permite esse aumento, o fator mais determinante do mutualismo entre as espécies de Azteca em C. glaziovi parece ser a espessura dos prostomas. Ao considerarmos medidas referentes à estrutura do colmo e da triquília, esperávamos que a pressão seletiva imposta pela colônia de formigas atuasse de forma mais global pelo fato de interagir com estruturas de diversos órgãos da planta. Entretanto, o desacoplamento encontrado apenas para a espessura do prostoma indica que o mutualismo entre C. glaziovi e formigas pode ter gerado uma pressão seletiva por meio de um processo mais local, pois obtivemos evidência de desacoplamento em apenas uma estrutura. Mesmo que a triquília esteja associada ao mutualismo, por ser o recurso atrativo disponibilizado pela planta às formigas (Acero et al., 2016), a pressão da interação mutualística sobre esta característica parece não ter sido forte o suficiente para que ela se desacoplasse do resto da planta e se tornasse, conjuntamente com a espessura do prostoma, um módulo independente. Um processo local em interações ecológicas foi descoberto por Berg (1960), que encontrou elevada modularidade de todas as estruturas da flor, estruturas estas que se mostraram altamente desacopladas das estruturas vegetativas. No estudo de Berg (1996), as características estudadas compõem as estruturas reprodutivas e assim podem ter respondido à pressão evolutiva mais rapidamente. Desse modo, diferentes interações ecológicas (e.g., mutualismo planta-formiga e polinização) podem ter resultados distintos nas plantas a depender da força da interação e se as estruturas envolvidas são reprodutivas ou não. Interações ecológicas, tal como o mutualismo, podem influenciar a modularidade entre os elementos de um organismo. Ao analisar como a modularidade se desenvolve em uma perspectiva evolutiva é preciso considerar a intensidade da pressão seletiva sobre diferentes estruturas, bem como o nível das estruturas morfológicas (i.e., local ou global). Nosso trabalho mostrou que a pressão da interação mutualística pode não ser suficiente para alterar processos globais, mas pode atuar em processos locais. AGRADECIMENTOS Agradecemos à Monique pela orientação deste trabalho e por trazer um tema interessante e muito desafiador; à Diana e ao Gustavo pelas sugestões e correções das versões preliminares e ao Billy e ao Paulo pelo caos da lousa que organizou nossas ideias. REFERÊNCIAS Acero, A.M.; L. Alissa; V.L. Biffi & R. Parmigiani. 2016. Proteção não é de graça: variação na quantidade de alimento oferecido para as formigas modula a proteção recebida em espécies de Cecropia (Urticaceae). Em: Livro do curso de campo Ecologia da Mata Atlântica (G.S. Requena; G. Machado; P.I.K.L. Prado & A.Z. Martini, eds.). Universidade de São Paulo, São Paulo. Begon, M.; C.R. Towsend & J.L. Harper. 2006. Ecology, from individuals to ecosystems. Blackwell Publishing, Oxford. Berg, R.L. 1960. The ecological significance of correlation Pleiades. Evolution, 14:171-180. Davidson, D.W.; R.B. Foster; R.R. Snelling & P.W. Lozada. 1991. Variable composition of some tropical ant-plant symbioses, pp. 154-162. Em: Plant-animal interactions: evolutionary ecology in tropical and temperate regions (P.W. Price; 4

T.M. Lewinsohn; G.W. Fernandes & W.W. Benson, eds.). Wiley-Interscience Publication, New York. Fadil, J.P.R. 2013. A agressividade das formigas influencia a ocorrência de lianas em sua planta hospedeira? Em: Livro do curso de campo Ecologia da Mata Atlântica (G. Machado; P.I.K.L. Prado & A.M.Z. Martini, eds.). Universidade de São Paulo, São Paulo. Janzen, D.H. 1969. Allelopathy by myrmecophytes: the ant Azteca as an allelopathic agent of Cecropia. Ecology, 50:147-153. Klingerberg, C.P. 2008. Morphological integration and developmental modularity. Annual Review of Ecology and Systematics, 39:115-132. Pigliucci, M. 2003. Phenotypic integration: studying the ecology and evolution of complex phenotypes. Ecology Letters, 6:265-272. Ricklefs, R.E. 2010. A economia da natureza. Guanabara Kooban, São Paulo. Rocha, C.F.D. & H.G. Bergallo. 1992. Bigger ant colonies reduce herbivory and herbivore residence time on leaves of an ant-plant: Azteca muelleri vs. Coelomera ruficornis on Cecropia pachystachya. Oecologia, 91:249-252. Wagner, G.P. 1996. Natural kinds and the evolution of modularity. American Zoologist, 36:36-43. Mello, T.J. 2012. Infestação por lianas e comportamento de poda por formigas em Cecropia (Urticaceae). Em: Livro do curso de campo Ecologia da Mata Atlântica (G. Machado; P.I.K.L. Prado & A.M.Z. Martini, eds.). Universidade de São Paulo, São Paulo. Anexo 1. Matriz das correlações de Pearson entre os logaritmos naturais das medidas dos caracteres dos grupos não relacionados ao mutualismo e relacionados ao mutualismo. O triângulo superior tem as correlações para Cecropia pachystachya e o inferior para Cecropia glaziovi. Caracteres da bráctea da folha do pecíolo Caracteres não relacionados ao mutualismo da bráctea da folha do pecíolo Caracteres relacionados ao mutualismo Área da triquília Espessura do prostoma Superfície interna do colmo 1 0,2 0,281 0,632 0,645 0,219 0,823 1 0,392 0,663 0,405 0,314 0,788 0,883 1 0,411 0,259 0,46 Área da triquília 0,648 0,733 0,654 1 0,714 0,253 Espessura do prostoma Superfície interna do colmo -0,157-0,103 0,048-0,337 1 0,489 0,509 0,471 0,469 0,697-0,311 1 Orientação: Monique Nouailhetas 5