TECNOLOGIA ALTERNATIVA PARA A



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1. Observa a figura 1, onde estão representados exemplos de recursos naturais.

Transcrição:

TECNOLOGIA ALTERNATIVA PARA A PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL DE CAMARÕES MARINHOS EM PEQUENA ESCALA 1 Julio V. Lombardi 1 Biólogo, Doutor, Pesquisador Científico, Instituto de Pesca - APTA, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Recursos Hídricos. lombardi@pesca.sp.gov.br RESUMO O presente estudo foi realizado em recente projeto desenvolvido pelo Instituto de Pesca APTA / SAA -SP, sendo os objetivos centrados na geração de tecnologia alternativa para a promoção da criação de camarões marinhos, dentro dos moldes de sustentabilidade. Verificou-se que a utilização de gaiolas flutuantes, instaladas diretamente no mar, pode ser uma técnica bastante interessante para implementação de pequenos empreendimentos de carcinicultura no Litoral Paulista. Esta técnica dispensa a ocupação de solos e, conseqüentemente, evita a destruição de manguezais e/ou a compra de grandes extensões de terras, que geralmente são escassas ou mesmo bastante valorizadas devido à ocupação imobiliária na costa litorânea. A utilização de uma espécie nativa de camarão-rosa (Farfantepenaues paulensis) foi incluída neste estudo, para garantir a segurança ecológica da atividade. Ao mesmo tempo, técnicas alternativas de manejo alimentar foram testadas com o intuito de minimizar a poluição do ambiente, muitas vezes gerada pelo uso de ração no manejo alimentar. Neste contexto, procurou-se testar um alimento de fácil obtenção na região, integrando outra atividade já desenvolvida com sucesso pelos produtores locais. Assim, o fornecimento da carne do mexilhão Perna perna demonstrou ser uma excelente alternativa para alimentação dos camarões, oferecendo condições de redução do custo operacional, redução da poluição ambiental e adequação à inserção do produto final nos conceitos de produção orgânica. Concluiu-se que o emprego desta tecnologia de criação de camarões marinhos pode oferecer condições para o desenvolvimento da atividade de forma sustentável, em vários aspectos, sejam eles ambiental, social ou econômico. Palavras-chave: camarões, gaiolas flutuantes, mexilhões, sustentabilidade. 42

INTRODUÇÃO A criação de camarões marinhos, atividade tecnicamente conhecida como carcinicultura marinha, tem se expandido rapidamente por todo o mundo, especialmente em áreas tropicais. As instalações do sistema tradicional de criação de camarões incluem a construção de viveiros, através de escavações feitas diretamente no solo. Este procedimento gera o aspecto negativo mais criticado pelos ambientalistas, que condenam a prática da carcinicultura, devido à ocupação e, muitas vezes, à destruição de áreas estuarinas ligadas ao ecossistema manguezal, cuja importância ecológica já é bem conhecida, podendo-se destacar, principalmente, a sua atuação como berçário natural para espécies aquáticas marinhas e dulcícolas. Conseqüentemente, a expansão da atividade sofre algumas limitações. Além disso, a alta valorização de terras na costa litorânea, gerada pela ocupação imobiliária, tem se constituído outro fator limitante à instalação de grandes empreendimentos de carcinicultura, especialmente no Litoral Paulista. Técnicas alternativas de cultivo podem se constituir em importante estratégia para o desenvolvimento sustentado da aqüicultura em geral. Beveridge (1996) aponta os sistemas de tanques-rede e gaiolas como excelentes alternativas para a criação de organismos aquáticos, principalmente para a criação de peixes, dispensando a ocupação de solos. Recentemente, nota-se um alto grau de interesse da comunidade científica em adaptar esta técnica para a sua utilização na carcinicultura. No Brasil, as principais pesquisas realizadas com manejo de camarões em gaiolas foram relatadas por Wasielesky-Jr et al. (1999) e Lombardi et al. (2006), demonstrando fortes indicativos para a utilização desta técnica em escala comercial. A mitilicultura (cultivo de mexilhões) é uma atividade bastante difundida nas regiões sul e sudeste do Brasil, particularmente nos Estados de Santa Catarina e São Paulo, localidades igualmente propícias para a criação de camarões em gaiolas flutuantes. Segundo Marques et al. (1998), a carne do mexilhão Perna perna constitui uma fonte protéica de alto valor nutritivo. Desta forma, este organismo poderia ser utilizado na alimentação de camarões, uma vez que o custo operacional observado para a produção de mexilhões seria, supostamente, inferior ao custo observado para a aquisição de ração comercial. A agregação de valores, bem como a diferenciação da categoria de produção, são fatores que podem viabilizar economicamente os pequenos empreendimentos dentro dos diversos segmentos do agronegócio. A agricultura orgânica é um bom exemplo disso e vem se destacando como uma excelente forma de adaptação, facilitando aos pequenos produtores rurais a colocação de seus produtos no mercado. As técnicas de produção orgânica são perfeitamente extensíveis ao âmbito da aqüicultura e podem igualmente servir ao propósito de inclusão de pequenos empreendedores na disputa pela melhor adequação de seus produtos. Neste contexto, a equipe de pesquisadores da A P T A / I n s t i t u t o d e P e s c a / S A A - S P g e r o u, recentemente, uma tecnologia alternativa para a criação de camarões marinhos de forma a promover a atividade, em pequena escala, dentro dos moldes de sustentabilidade, oferecendo, ainda, a possibilidade de agregação de valor ao produto final, por vias de inclusão do mesmo nos conceitos de produção orgânica. DISCUSSÃO Estrutura básica para a criação de camarões em gaiolas Por uma questão de sustentabilidade ecológica, o estudo global foi realizado com a espécie nativa camarão-rosa (Farfantepenaeus paulensis - figura 1), cujo detalhamento científico das técnicas de manejo encontra-se descrito em Lombardi et al. (2008). Em linhas gerais, a tecnologia gerada revelou a alta viabilidade do uso de gaiolas flutuantes na criação deste camarão (figura 2), permitindo a utilização de áreas descomprometidas com a ocupação de solo. Além disso, a possibilidade de realização em pequena escala, integrada com outras atividades já realizadas por maricultores (figuras 3 e 4), pode gerar um estímulo de acesso aos pequenos produtores e aos pescadores artesanais, o que sinaliza para uma boa alternativa de melhoria da baixa condição socioeconômica das populações caiçaras, que geralmente vivem da exploração dos escassos recursos naturais da pesca artesanal. A tecnologia gerada permite a criação de camarões em três fases distintas, que totalizam, no máximo, seis meses de duração: fase 1 - aclimatação (15 dias), fase 2 - berçário (45 dias) e fase 3 - recria (100 a 120 dias). O sistema assegura uma produtividade média anual ao redor de 2,5 kg de camarões para cada metro quadrado de área ocupada por gaiolas. 43

Figura 1. Camarão-rosa (Farfantepenaeus paulensis) Figura 4. Cordas utilizadas para fixação de mexilhões nas operações de mitilicultura. Apesar das dificuldades encontradas nas tentativas de comparações entre o sistema de produção em gaiolas e o sistema tradicional de produção, é possível afirmar que a produtividade em gaiolas chega a superar, em até dez vezes, aquela observada em viveiros escavados em solo natural. Considerações sobre a técnica de manejo alimentar alternativo Figura 2. Aspecto geral das gaiolas flutuantes desenvolvidas para a criação de camarões marinhos Figura 3. Empreendimento de mitilicultura (cultivo de mexilhões) instalado no Litoral Norte Paulista O estudo incluiu a comparação da performance da criação de camarões alimentados basicamente com duas dietas distintas: dieta tradicional = ração comercial peletizada e dieta alternativa=carne de mexilhão processada (pré-cozida). No preparo da dieta alternativa, os mexilhões passaram por um tratamento de pré-cozimento a fim de facilitar a sua retirada da concha. Este processo foi selecionado em testes anteriores, que permitiram a constatação de que o pré-cozimento promove uma melhor aglutinação da carne dos mexilhões, o que colabora para evitar as perdas por fragmentação, que inevitavelmente ocorreriam com maior intensidade, caso o alimento fosse fornecido na forma in natura. Uma bandeja de alimentação também foi desenvolvida para implementar esta técnica, permitindo o melhor aproveitamento do alimento oferecido aos camarões, evitando perdas e minimizando a poluição ambiental. As análises da composição centesimal realizadas nos alimentos-teste (carne de mexilhão e ração comercial) revelaram que, do ponto de vista nutricional, a ração comercial é superior à carne do mexilhão, especialmente no teor de proteína bruta: 34% e 19%, respectivamente. 44

Apesar disso, os camarões alimentados com a carne de mexilhão responderam de maneira mais positiva ao crescimento, superando aqueles alimentados exclusivamente com ração. Desta forma, o manejo alimentar alternativo pôde ser considerado como mais produtivo, resultando em maiores valores médios de produtividade: 2 2 2,89 kg/m ano contra 1,73 kg/m ano (manejo alimentar à base de ração comercial). As taxas de conversão alimentar aparente foram igualmente baixas para os dois tipos de alimento (ao redor de 3:1), o que é uma característica comum, geralmente observada no sistema de criação de camarões em gaiolas. No entanto, o item alimentação é o que mais contribui para o cálculo dos custos operacionais na produção de camarões e, também neste aspecto, o manejo alimentar alternativo demonstrou ser mais interessante, pois os cálculos do custo operacional revelaram valores de: 3,03 US$ por kg de camarão (produzido com alimento à base de mexilhões), contra 4,08 US$ por kg de camarão (produzido com alimento à base de ração comercial). A atividade de mitilicultura já está bastante difundida nas regiões mais propícias para a criação de camarões. Portanto, seria procedente que os mitilicultores utilizassem este recurso para integrar as duas atividades, ou seja, cultivar mexilhões, também com o propósito de subsidiar a criação de camarões. Para isto bastaria uma pequena ampliação do número de estruturas (cordas) destinadas à produção regular de mexilhões, reservando-se esta pequena parte para o manejo alimentar dos camarões. Este tipo de manejo pode reduzir substancialmente o custo de produção de camarões, tornando a tecnologia mais acessível aos pequenos empreendedores. Além disso, a instalação de cordas de mexilhões na periferia das gaiolas de criação de camarões pode contribuir para a depuração orgânica do ambiente, promovendo a sustentabilidade ambiental, uma vez que os mexilhões são organismos filtradores e podem absorver as partículas de restos de alimentos, que porventura sejam carreadas para fora das gaiolas de camarões. A administração de alimentos artificiais em sistemas de gaiolas ou tanques-rede vem sendo duramente criticada, devido à dificuldade no controle das sobras alimentares, o que pode gerar um aumento da carga orgânica ambiental. Neste sentido, o estudo contemplou a realização de um teste clássico de atratividade, em que foi constatada a preferência dos camarões pela carne do mexilhão (melhor percepção do alimento, melhor aproximação e apreensão do mesmo). Este aspecto nos leva a inferir que a utilização do mexilhão como alimento de camarões proporciona menor risco de gerar sobras alimentares, podendo contribuir substancialmente para a diminuição da exportação de matéria orgânica para o ambiente, conseqüentemente colaborando para a redução da poluição da água. Possibilidade de adequação do produto aos moldes de produção orgânica A agricultura orgânica vem ocupando um espaço cada vez mais crescente na produção de alimentos diferenciados, cujos conceitos podem perfeitamente ser estendidos à aqüicultura. A suspensão do uso de produtos químicos e industrializados no manejo de organismos aquáticos, especialmente a supressão do uso de alimento artificial (ração comercial), é um fator essencial para a adequação do produto final aos moldes da aqüicultura orgânica. No entanto, algumas particularidades do sistema orgânico de produção de alimentos demonstram que esta prática pode ser mais viável para empreendimentos que operam em escala reduzida de produção. Este aspecto reforça a possibilidade da utilização do manejo alimentar alternativo (carne de mexilhão) como boa estratégia para enquadrar o sistema de criação de camarões no conceito orgânico de produção. Vale lembrar que o baixo volume de produção, gerado nos sistemas baseados em escala familiar, pode ser economicamente compensado pelo alto valor alcançado na venda de um produto classificado pela sua origem de produção orgânica. Este estudo também incluiu algumas análises de parâmetros bioquímicos da musculatura dos camarões, que indicaram uma ligeira vantagem do valor nutricional do produto gerado através dos organismos alimentados com carne de mexilhão, revelada pelos melhores resultados nas composições de proteína, gorduras e sais minerais, conferidas à carne do camarão. Da mesma forma, um estudo sensorial, realizado com o público consumidor, demonstrou que a alimentação alternativa, à base de carne de mexilhão, conferiu ao camarão os melhores aspectos organolépticos relacionados a cor (aumentando a pigmentação da pele do camarão), odor (realçando o aroma agradável e característico do produto) e sabor (acentuando a sua palatabilidade). A figura 5 mostra um aspecto geral do produto final, de acordo com os diferentes tratamentos testados. 45

MARQUES, H.L.A.; PEREIRA, R.T.L.; CORREA, B.C. 1998. Seasonal variation in growth and yield of the brown mussel Perna perna (L.) cultured in Ubatuba, Brazil. Aquaculture 169: 263-273. WASIELESKY-JR, W.; POERSCH, L.H.; BIANCHINI, A. 1999. Comparação entre a sobrevivência e o crescimento do camarão rosa Farfantepenaeus paulensis cultivado em gaiolas e cercados. Nauplius (Rio Grande), 7: 173-177. Figura 5. Aspecto visual do produto final (camarões no formato de filé), após testes com manejo alimentar. A = camarões alimentados com ração comercial; B e C = camarões alimentados com mexilhões. CONCLUSÕES A tecnologia de criação de camarões em gaiolas flutuantes revelou-se uma boa opção para o desenvolvimento da atividade em pequena escala. O manejo alimentar à base de carne de mexilhão demonstrou ser uma alternativa bastante viável para substituir o uso de ração comercial. Esta técnica pode incrementar o retorno econômico, diferenciar e agregar valor ao produto (classificação de produto orgânico) e, ao mesmo tempo, enquadrar a atividade dentro dos moldes de sustentabilidade ambiental, social e econômica. REFERÊNCIAS BEVERIDGE, M.C.M. 1996. Cage Aquaculture. 2nd ed. Fishing New Books, Oxford LOMBARDI, J.V.; MARQUES, H.L.A.; PEREIRA, R.T.L.; BARRETO, O.J.S.; PAULA, E.J. 2006. Cage polyculture of the Pacific white shrimp Litopenaeus vannamei and the Philippines seaweed Kappaphycus alvarezii. Aquaculture, 258: 412-415. LOMBARDI, J.V.; MARQUES, H.L.A.; VIEGAS, E.M.M. 2008. Rearing Brazilian pink shrimp Farfantepenaeus paulensis in cages using alternative feeding management: A tentative approach for promoting sustainable aquaculture in offshore areas. In: Aquaculture Research Progress. Nakamura, T.K. (ed.). Nova Science Publishers Inc. NY-USA, in press 46