AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA DA PRODUÇÃO DE ALGODÃO EM DOIS SISTEMAS DE ROTAÇÃO DE CULTURAS. Embrapa Meio Ambiente Nº 13409

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Transcrição:

AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA DA PRODUÇÃO DE ALGODÃO EM DOIS SISTEMAS DE ROTAÇÃO DE CULTURAS Michelle Tereza Scachetti¹ a ; Marília Ieda da Silveira Folegatti Matsuura 1b ; Ana Cristina Guimarães Donke¹ c ; Letícia De Santi Barrantes¹ c 1 Embrapa Meio Ambiente Nº 13409 RESUMO - Os nanomateriais, por suas propriedades físico-químicas únicas, podem estabelecer interações imprevistas com substâncias naturalmente presentes nos componentes ambientais, fazendo-se indispensável a avaliação dos seus potenciais impactos ambientais. O objetivo deste trabalho foi avaliar a contribuição da fase agrícola da produção de algodão - matéria-prima para obtenção de nanomateriais no desempenho ambiental desta tecnologia. Consideraram-se dois sistemas de produção de algodão por plantio direto: em rotação com o milheto e em rotação com soja e capim Mombaça. O método adotado foi a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV). Para ambos os sistemas, a fase mais impactante foi a produção agrícola de algodão, de modo que para o sistema em rotação com o milheto, maiores efeitos foram encontrados nas categorias de impacto de mudanças climáticas; ecotoxicidade aquática e terrestre; e toxicidade humana. Para o sistema em rotação com soja e capim, os impactos ambientais mais relevantes foram eutrofização de água doce e mudanças climáticas. Notou-se ainda que a soja, pelo fato de ser uma cultura beneficiada pelas bactérias fixadoras de nitrogênio, diminui o aporte de fertilizantes nitrogenados, reduzindo os impactos ambientais decorrentes da sua produção. Palavras-chaves: Avaliação do Ciclo de Vida, Inventário do Ciclo de Vida, impacto ambiental, rotação de culturas. a Bolsista CNPq: Graduação em Gestão e Análise Ambiental, michelle.tscachetti@gmail.com, b Orientador, c Colaborador 1

ABSTRACT- Nanomaterials, with their unique physicochemical properties, may provide unforeseen interactions with substances naturally present in environmental compartments, which makes the assessment of their potential environmental impacts indispensable. The aim of this study was to evaluate the contribution of the agricultural phase of cotton production as the raw material for the production of nanomaterials, in the environmental performance of this technology, using the Life Cycle Assessment (LCA) method. Two no tillage production systems were considered: in rotation with millet and in rotation with soybeans and Mombaça grass. For both systems, the most impactful phase was the agricultural production of cotton. For the system in rotation with millet, larger effects were found concerning the global climate change; aquatic and terrestrial ecotoxicity; and human toxicity. For the rotation system with soybeans and grass, the most significant environmental impacts were freshwater eutrophication and global climate change. It was also noted that the rotation with soybean crop, benefited by the nitrogen-fixing bacterias, decreased the demand for nitrogen fertilizer, reducing the environmental impacts of its production. Key-words: Life Cycle Assessment, Life Cycle Inventory, environmental impact, crop rotation. 1 INTRODUÇÃO No cenário mundial, o Brasil se destaca como o quinto maior produtor de algodão, tendo produzido mais de 1,8 milhão de toneladas na safra recorde de 2011/12 (ABRAPA 2013). A cotonicultura brasileira tem crescido vertiginosamente, devido à modernização da produção e às condições ambientais favoráveis do país. Na safra 2011/2012, a área cultivada se ampliou em 550,5 mil hectares, significando um aumento de 65,9%. O cultivo atual ocupa 1,38 milhão de hectares, contra os 835,7 mil hectares plantados em 2009/2010. Esta importante expansão em área gera impactos de várias naturezas. As emissões de gases de efeito estufa (GEE) derivadas da Mudança de Uso de Terra (MUT) são particularmente importantes, assim como merecem atenção os impactos de alcance regional. A quantidade de subprodutos obtidos na cadeia produtiva do algodão é, por consequência, vultosa. Dentre estes subprodutos, destaca-se o línter de algodão, que corresponde a 10% da massa do caroço (ARAÚJO et al., 2013). Este subproduto é constituído por fibras curtas e contém mais de 90% de celulose. A obtenção de nanopartículas de celulose a partir do línter de algodão - estudada no âmbito do projeto Nanotecnologia Aplicada ao Agronegócio (AgroNano2), desenvolvido pela Embrapa - tem se mostrado uma tecnologia promissora. Em recente trabalho, Figueirêdo et al. (2013) 2

compararam o impacto ambiental de cristais de celulose obtidos a partir de quatro fibras vegetais línter, pluma de algodão, coco verde e bagaço de cana-de-açúcar. O melhor desempenho ambiental foi observado quando a pluma e o línter de algodão foram usados. Devido à grande quantidade de agroquímicos requerida pelo cultivo algodão, a fase agrícola de produção do algodão merece especial atenção, entendendo-se que a avaliação de impactos ambientais deve considerar o completo ciclo de vida do produto ou tecnologia. Hoje, no Brasil, o algodão é cultivado predominantemente em sistema de plantio direto e com rotação de culturas. Tem sido praticada a integração do algodão com a cultura do milheto, com a de milho e forrageira (Sistema Santa Fé) e com a de soja e forrageira. A rotação de culturas consiste em alternar, anualmente, espécies vegetais, em uma mesma área agrícola. As espécies escolhidas devem possuir, ao mesmo tempo, finalidade comercial e de recuperação do solo. As vantagens da rotação de culturas são inúmeras. Além de proporcionar a produção diversificada de alimentos e outros produtos agrícolas, se conduzida de modo adequado e por um período suficientemente longo, essa prática melhora as características físicas, químicas e biológicas do solo; auxilia no controle de plantas daninhas, doenças e pragas; repõe matéria orgânica; protege o solo da ação dos agentes climáticos; e favorece a adoção do sistema de plantio direto, outra prática conservacionista (EMBRAPA SOJA, 2003). O objetivo do presente trabalho foi avaliar os impactos ambientais potenciais dos sistemas de produção de algodão em rotação com a cultura do milheto e em rotação com soja e capim, pela abordagem da Avaliação de Ciclo de Vida (ACV). A produção de algodão é observada como uma etapa do ciclo de vida das nanoestruturas de celulose. Tal análise permite o norteamento e adequação aos requisitos ambientais desta nova tecnologia, ainda em desenvolvimento. 2 MATERIAL E MÉTODOS A metodologia deste trabalho baseou-se nos requisitos técnicos da norma ABNT NBR ISO 14044 (ABNT 2009). Na presente avaliação, foi considerada a produção de algodão por dois sistemas de cultivo: em rotação com o milheto (Penissetum glaucum) e em rotação com soja (Glycine max L. Merril) e capim (Panicum maximum, cultivar Mombaça), como etapa componente do ciclo de vida das nanoestruturas de celulose (produto final obtido a partir do línter de algodão). Para tanto, foram estabelecidos os seguintes escopos: 2.1 Escopo para plantio direto do algodão, em rotação com o milheto a) Sistema de produto: produção agrícola de algodão em rotação com o milheto. 3

b) Função: produzir algodão. O milheto é cultivado como espécie formadora de palha, correspondendo, portanto, a um fluxo de produto em closed looping. c) Fluxo de referência: 1t de algodão, correspondente à produção de 25 ha. d) Fronteiras do sistema de produto: são abrangidos os subsistemas de algodão, milheto, insumos agrícolas, diesel e energia elétrica. e) Método de Avaliação de Impactos do Ciclo de Vida (AICV): ReCiPe Midpoint H, World. f) Requisitos de qualidade de dados: cobertura temporal, 2010/2012; cobertura geográfica, Cerrado brasileiro; cobertura tecnológica, sistema de produção com plantio direto, em rotação com milheto; fonte dos dados, para os processos agrícolas, primária; para os demais processos, secundária (literatura técnica e científica, consulta a especialistas e base de dados Ecoinvent ). Considerando que a cultura do algodão tem se expandido no Brasil e que isto pode ocasionar a ocupação de áreas ainda não exploradas pela agricultura, este estudo avaliou dois possíveis cenários: o primeiro considerou a substituição da mata nativa (de Cerrado) pelo cultivo de algodão (pior cenário); o segundo considerou a substituição de outro cultivo anual pelo de algodão (melhor cenário). 2.2 Escopo para produção de algodão, em rotação com soja e capim a) Sistema de produto: produção integrada: soja, capim e algodão. b) Função: produzir algodão e soja. O capim é cultivado como espécie formadora de palha; não é colhido ou pastejado, correspondendo, portanto, a um fluxo de produto em closed looping. c) Fluxo de referência: 3513 kg algodão e 3115 kg soja (correspondentes à produção de 1 ha, em um ciclo completo do sistema de produção). d) Fronteiras do sistema de produto: são abrangidos os subsistemas de produção de soja; capim; algodão; insumos agrícolas; diesel; e energia elétrica. As emissões decorrentes do uso de pesticidas nos processos agrícolas não foram contabilizadas. e) Método de Avaliação de Impactos do Ciclo de Vida (AICV): CML 2 Baseline 2000 v2.05 / World 1990. f) Requisitos de qualidade de dados: cobertura temporal, 2010/2012; cobertura geográfica, Cerrado brasileiro; cobertura tecnológica, sistema de produção de algodão, adotando-se as práticas de plantio direto e rotação com soja e capim; fonte dos dados, para os processos 4

agrícolas, primária; para os demais processos, secundária (literatura técnica e científica, consulta a especialistas e base de dados Ecoinvent). 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 Resultados da ACV do sistema de produção de algodão, em rotação com o milheto O inventário do processo de produção de algodão, exclusivamente na fase agrícola, compreendeu 214 aspectos ambientais. Incluiu o consumo de sementes, calcário, seis tipos de fertilizantes, 43 tipos de pesticidas, além do óleo diesel para as operações agrícolas (Tabela 1). Ao todo foram estimados 171 fluxos de saída de substâncias do sistema produtivo para os compartimentos ambientais, a maior parte derivada do uso de pesticidas. Tabela 1. Inventário da produção de 1 t de algodão: entradas Saídas conhecidas para a tecnosfera Produção de algodão, kg 1.00E+03 Recursos da natureza Ocupação, ha 2.78E-01 Transformação de, ha 2.78E-01* ou 0** Transformação para, ha 2.78E-01* ou 0** Recursos da tecnosfera Sementes, kg 8.67E+00 Calcário e gesso, kg 5.88E+02 Ureia, kg 3.93E+01 Superfosfato triplo, kg 8.13E+01 Cloreto de potássio, kg 5.99E-02 Sulfato de zinco, kg 2.78E+00 Borax, kg 5.05E+00 Sulfato de amônio, kg 5.56E+01 Inseticidas (24 produtos), kg 8.84E+00 Fungicidas (5 produtos), kg 6.75E-01 Glifosato, kg 1.00E+00 Diuron 500 SC, kg 1.50E+00 Outros herbicidas (6 produtos), kg 2.42E+00 Reguladores de crescimento (4 produtos), kg 1.12E+02 Óleo Diesel, kg 4.67E+01 Cenários com (*) e sem (**) MUT. Observou-se que as categorias de impacto mais expressivas foram ecotoxicidade terrestre e de água doce. Este resultado também foi encontrado em recente estudo de Silva et al. (2012). O consumo elevado de fertilizantes e pesticidas resultou em impactos relacionados à toxicidade humana, devido principalmente à presença de metais pesados nos produtos, e à ecotoxicidade terrestre e aquática, causados em especial pelos pesticidas do grupo piretróides. A produção agrícola foi, de fato, o principal processo contribuinte para os dois primeiros impactos, respondendo por 95,8% e 99,3%, respectivamente. Para a ecotoxicidade aquática, além da produção de algodão, também contribuíram os processos de produção de reguladores de crescimento, 5

inseticidas e herbicidas, cujas substâncias mais impactantes também foram os compostos piretróides. O processo de produção de algodão, juntamente com os processos de produção de alguns dos seus insumos, como os fertilizantes fosfatados e os reguladores de crescimento, geram contaminantes responsáveis pelo impacto de eutrofização aquática. Os inventários do algodão produzido nos dois diferentes cenários de MUT variaram, evidentemente, quanto à área de vegetação natural alterada e quanto às emissões de GEE. No cenário no qual a vegetação nativa foi substituída por algodão, foram alterados 0,286 m 2 de área e emitidos 78,9 t de CO 2 -eq para cada tonelada de algodão produzida, cerca de 20 vezes mais do que no cenário de sucessão de culturas anuais (4,01 t de CO 2 -eq/t de algodão). A produção de algodão, propriamente, foi o processo que mais contribuiu para o impacto de Mudanças Climáticas. O CO 2 emitido em função da MUT, quando esta ocorreu (no pior cenário), e o óxido nitroso (N 2 O) foram os principais GEE emitidos. 3.2 Resultados da ACV do sistema de produção de algodão, em rotação com soja e capim Os inventários dos processos de produção de soja, capim e algodão foram elaborados, considerando-se os recursos consumidos e os produtos gerados em 1 ha de área, em um ciclo completo do sistema de produção integrado. No inventário do capim, apenas os recursos consumidos foram contabilizados, já que a biomassa produzida permanece no sistema. Os impactos ambientais mais relevantes foram mudanças climáticas globais, acidificação e eutrofização. Para todas estas categorias, o processo de produção de algodão foi um importante causador de impactos. Para a primeira, o processo de produção de algodão respondeu por 78,6% do impacto, sendo seu principal contribuinte o dióxido de carbono emitido pela combustão do diesel consumido nas operações agrícolas e, com menor importância, pelo emitido em função do uso de calcário (FIGURA 1). Para a acidificação e eutrofização, a produção de soja foi o processo mais impactante, correspondendo, respectivamente, a 54,3% e 50,8% do total destes impactos, causados principalmente pela emissão de óxidos de nitrogênio (NOx). O processo de produção de capim foi, dentre os processos agrícolas componentes do sistema integrado de produção, aquele com menor potencial de causar impactos ambientais. 6

Figura 1. Gráfico de caracterização dos impactos ambientais. 4 CONCLUSÃO A melhoria do desempenho ambiental da produção de algodão depende da racionalização do uso de agroquímicos, particularmente os pesticidas. Ainda que a susceptibilidade da cultura do algodão não permita o uso exclusivo de medidas alternativas para o controle de pragas, o controle químico deve ser otimizado, optando-se pelo uso de moléculas mais seletivas e seguras e associações com métodos biológicos. A Embrapa preconiza o Manejo Integrado de Pragas, que consiste na otimização das aplicações a partir de um monitoramento de insetos-praga, a fim de orientar o uso de pesticidas em quantidade e na época corretas. Para o sistema em rotação com o milheto, no que se refere ao impacto de Mudanças Climáticas decorrente das emissões geradas pelas MUT, apresenta-se o desafio de se buscar o equilíbrio entre o incremento da produtividade - que significa o aumento de produção sem ampliação de área -, e a redução do uso de insumos químicos. Considerando-se o sistema integrado (soja, capim e algodão), a Avaliação de Ciclo de Vida apontou algumas oportunidades de melhoria. O consumo de calcário, bem como o de fertilizantes, especialmente o fosfatado, foi bastante elevado. Este consumo, além de representar a mobilização de recursos naturais, traz como consequência emissões indesejáveis. Já o aporte de fertilizantes nitrogenados foi menor, devido à presença da soja - pela fixação biológica de nitrogênio - no sistema. 7

A otimização do aproveitamento de nutrientes é justamente um dos benefícios esperados da rotação de culturas. É possível que a permanência deste sistema por um maior período venha a reduzir esta dependência de aporte de insumos. As técnicas de plantio direto e rotação de culturas são preconizadas como conservacionistas. Os benefícios ambientais dos sistemas que adotam esta tecnologia devem ser confirmados pela sua comparação com sistemas convencionais e de monocultura, o que será objeto de estudo de futuros trabalhos. 5 AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao CNPq, Capes, Finep, Projeto MP1 Rede Agronano 2 Embrapa e Projeto Jatropt FP7 Comissão Europeia. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR ISO 14044: gestão ambiental - avaliação do ciclo de vida requisitos e orientações. Rio de Janeiro, 2009. Abrapa. O algodão no Brasil. Disponível em: <http://www.abrapa.com.br/estatisticas/paginas/algodao-no- Brasil.aspx> Acesso em: 10 abr 2013. Araújo, A. E. et al. Subprodutos do Algodão. Disponível em: <http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/fonteshtml/algodao/algodaoagriculturafamiliar/subprodutos.htm>. Acesso em 10 abr 2013. Donke, A.C.G.; Barrantes, L. S.; Scachetti, M. T.; Suassuna, N. D.; Figueirêdo, M. C. B.; Kulay, L. A.; Folegatti-Matsuura,M. I.S.Life cycle impact assessment of cotton production in the Brazilian Savanna. In: International Conference on Life Cycle Assessment - CILCA2013, 5., 2013, Mendoza. Proceedings Mendoza:UNT, 2013. P. 189-195. Embrapa Soja. 2003. Rotação de Culturas. Disponível em: <http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/fonteshtml/soja/sojacentralbrasil2003/rotacao.htm> Acesso em: 8 abr 2013. Figueirêdo, M. C. B.; Folegatti-Matsuura, M. I.S.; Souza Filho, M. S. M.; Braid, A. C. C. S.; Dias, A. F. Environmental impacts of cellulose nanowhiskers obtained from tropical vegetal fibers. In: International Conference on Natural Fibers, 1., 2013, Guimarães, Proceedings Guimarães. P. 159-160. Silva, T. L.; Barbosa, P. P.; Angelis Neto, G. Impactos ambientais da cadeia têxtil do algodão por meio da avaliação do ciclo de vida. In: Congresso Brasileiro em Gestão do Ciclo de Vida de Produtos e Serviços, 3., 2012, Maringá, Anais... Maringá: ABCV, UEM, 2012. p. 261-267. 8