Sinfonia Fittipaldi para Violino e Orquestra

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Transcrição:

Sinfonia Fittipaldi para Violino e Orquestra Do ponto de vista musical, as pessoas podem dar à própria vida a descontração de um samba, o romantismo de um bolero ou a dramaticidade de um tango argentino. Há também os que optam por uma ópera bufa, e os que preferem uma música mais profunda. Uma sinfonia, por exemplo, como fez o maestro Vicente Fittipaldi. Ouça-se, pois, ou melhor, leia-se a Sinfonia Fittipaldi. Ouverture Os primeiros acordes se ouviram no dia 23 de maio de 1900, quando Vicente Mário Fittipaldi nasceu. Foi um dia de festa. A felicidade preencheu o coração dos pais. Quem poderia imaginar que aquele menino vindo à luz tão longe, iluminaria a cultura musical pernambucana? Primeiro movimento 1 / 5

A criança logo demonstrou sua atração pela música, ao buscar reproduzir algumas canções em uma tosca flauta de haste de folha de mamoeiro. Reproduzia notas, sim, e foi por isso que um amigo da família, professor de violino, descobriu seu talento, logo o transformando em aluno. Com pouco tempo de aprendizado, Vicente Fittipaldi passou a se apresentar em público e a ser considerado um menino prodígio. Segundo movimento Ao completar treze anos de idade, Vicente Fittipaldi foi para a Itália. No Real Conservatório de Nápoles, concluiu, em 30 de novembro de 1919, o curso de violinista, e logo em seguida, iniciou sua vida de concertista, apresentando-se em diversas cidades da Europa e do Brasil. Terceiro movimento Foi como violinista, que em 1928 veio ao Recife para apresentar-se em dois concertos. Fez sucesso, e ficou à espera de um navio para prosseguir em sua vida errante de concertista. Ficou a ver navios. Navios que não chegavam, e ele, para sobreviver, aceitou alguns alunos de violino. Ele, que ainda criança havia sido aluno daquele instrumento, agora era professor. Era a história se repetindo, não como farsa ou tragédia, mas como uma suave melodia. 2 / 5

O temperamento afável de Vicente Fittipaldi logo lhe trouxe muitas amizades que, aliadas ao amor à primeira vista que sentira pelo Recife, foram adiando sua partida e por fim, o fizeram ficar definitivamente na cidade. Para isso, contudo, muito mais do que a beleza das nossas praias concorreu o amor por uma pernambucana chamada Maria de Lourdes Coutinho Corrêa de Oliveira, aluna de canto do Conservatório, quinze nos mais jovem de que ele. Casou-se e com ela teve dois filhos que lhe deram seis netos e seis bisnetos. Enquanto isso, ele dava ao Recife contribuições inestimáveis. Foi um dos fundadores do Conservatório Pernambucano de Música, foi professor de música do Instituto de Educação de Pernambuco e do Ginásio Pernambucano, e foi muito mais. Foi idealizador, fundador e primeiro regente da Sociedade dos Amigos da Orquestra Sinfônica do Recife, que regeu por quarenta anos, desde a primeira apresentação do grupo, acontecida em 30 de julho de 1930, no Teatro Santa Isabel. Naquela época, aliás, o grupo era conhecido como Orquestra Sinfônica da Sociedade de Concertos Populares, mas, como perguntaria Shakespeare na voz de Julieta, O que há em um nome? O que chamamos rosa com outro nome não teria igual perfume? O importante, pois, é que estava criada uma das melhores orquestras sinfônicas do Nordeste, e aquela que seria a mais antiga do gênero, ainda em atividade no Brasil. Os sucessos se acumularam, e em 1941 foi vinculada ao estado, mudando o nome para Orquestra Sinfônica de Pernambuco. Em 1949, porém, passou ao município, rebatizada como Orquestra Sinfônica do Recife. Firmava-se, cada vez mais, o grupo que, muitas vezes, fizera Vicente Fittipaldi usar seu próprio dinheiro para fazer frente aos seus custos de manutenção. O maestro, no entanto, fazia ainda mais, e o que fazia está presente na memória de muitos músicos. Por exemplo, trouxe solistas famosos para se apresentarem no Recife, como os virtuoses Arthur Rubinstein e Vladimir Horowitz, afamados músicos do século passado. Ademais, foi dele a ideia de organizar concursos para a revelação de novos talentos, como Jovens Solistas da Orquestra Sinfônica e Concertos para a Juventude, dos quais despontaram grandes vocações, como o maestro Cussy de Almeida. Vicente Fittipaldi, aquele menino nascido no Rio Grande do Sul, muito fez pela cultura musical pernambucana, tanto que as apresentações da Orquestra Sinfônica do Recife aconteciam e até 3 / 5

hoje acontecem com plateia tomada, demonstrando, com a clareza de uma nota cristalina, que a música erudita é aceita pela população, e pode e deve ser oferecida para todos. Quarto movimento Ao longo da vida, o maestro Vicente Fittipaldi regeu muitas e importantes orquestras, além da Orquestra Sinfônica do Recife. Conduziu com sua batuta segura as orquestras de Câmara de João Pessoa, de Câmara de Natal, Armorial do Recife, Sinfônica da Universidade Federal da Bahia, Sinfônica da Paraíba, Sinfônica de Porto Alegre, Sinfônica Brasileira do Rio de Janeiro, Sinfônica da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Sinfônica Municipal de São Paulo e a Filarmônica de Praga. É muita qualificação, concorda? Com toda a razão, a vida trouxe a Vicente Fittipaldi muitas e merecidas glórias. Foi professor catedrático por concurso do Instituto de Educação de Pernambuco, Cidadão do Recife, Cidadão de Pernambuco, Doutor Honoris Causa da Universidade Federal de Pernambuco, Regente Fundador da Orquestra Sinfônica do Recife e recebeu as medalhas do Mérito da Fundação Joaquim Nabuco e do Mérito da Ordem dos Músicos do Brasil, esta pelo seu legado no ensino e apreciação da música clássica no estado Finale 4 / 5

Chega um momento, porém, em que, partitura chegando ao fim, o encerramento é incontornável. Aposentado de sua orquestra, como fazia questão de considerá-la, o maestro, talvez para fugir das lembranças, foi para o Rio de Janeiro, onde viveu nove anos. Amava, contudo, a cidade que o adotara desde sua chegada, em 1925, e que ele, por livre escolha, decidira ser a sua cidade. Assim, sentindo aproximar-se a eternidade, voltou ao Recife, onde, surpreendendo seus médicos, reverteu uma amnésia julgada definitiva, e voltou a reger. Vicente Fittipaldi viveu plenamente. Além de reger, pintava, e o fazia com maestria. Além de reger e pintar, também pescava, e já septuagenário enfrentava o mar em uma jangada de PVC, em busca de cavalas, dourados e beijupirás. Com uma mão segurava a linha, com a outra regia uma orquestra imaginária. Era também dançarino e, certa vez, dançando um samba no Clube Internacional, foi interpelado por uma conhecida que lhe perguntou: O senhor dançando um samba? Ele, respondendo de imediato: Você queria que eu dançasse a Quinta Sinfonia de Beethoven? A batuta de Vicente Fittipaldi marcou o último compasso da sua vida no dia 13 de fevereiro de 1985. Nosso aplauso permanece. *Marcelo Alcoforado é publicitário e jornalista marceloalcoforado@speedmais.com.br 5 / 5