Pernambuco falando para o mundo

Transcrição

1 Pernambuco falando para o mundo Pernambuco falando para o mundo: esse slogan, que a partir de 1948 enchia os pernambucanos de orgulho enquanto servia de mofa para muitos, exprimia uma verdade, sim. As potentes ondas curtas da Rádio Jornal do Commercio, emanadas dos transmissores de Casa Forte no exato local onde existe hoje o Hipercenter Bompreço, atravessavam os oceanos. Tanto, que eram comuns, vindas de outros países, cartas acusando a clara recepção do sinal da emissora pernambucana. A ela, juntaram-se, depois, as difusoras de Caruaru, Garanhuns, Limoeiro e Pesqueira, e a Radiopress, agência de notícias, formando, para os padrões da época, um grande grupo radiofônico. Dr. Francisco Pessoa de Queiroz, foi um realizador. Francisco Pessoa de Queiroz ou F. Pessoa de Queiroz, como preferia ser chamado, foi um homem que soube traçar o seu destino, e o fez em linhas retas. Nascido de uma família modesta, conquanto de sobrenomes ilustres, veio à luz em Umbuzeiro, uma pequena cidade paraibana próxima à fronteira de Pernambuco. Seus pais, pequenos agricultores e pecuaristas, temendo não poder lhe dar educação adequada, logo o mandaram 1 / 5

2 para a casa dos seus padrinhos, no Recife, e aqui o menino soube modificar o curso da própria vida. Em 1911 formou-se em Direito, e em 1912 especializou-se em Direito Internacional Público na Universidade de Paris, após o que, admitido no Ministério das Relações Exteriores, integrou o corpo diplomático brasileiro em Londres e em Buenos Aires. O salto era enorme para aquele menino umbuzeirense, mas ele queria mais. Muito mais. E teria. No Rio de Janeiro, então capital da República, foi secretário particular do senador paraibano Epitácio Pessoa, seu tio, eleito presidente brasileiro em 1919, e de quem F. Pessoa de Queiroz foi assessor especial e secretário particular, tendo desempenhado diversas missões diplomáticas mundo afora. Àquela altura da vida, entretanto, no ímpeto dos seus vinte e oito anos de idade F. Pessoa de Queiroz estava fascinado pela política. Então, deixou a diplomacia de lado, voltou para o Recife e, com o apoio das principais empresas pernambucanas e dos irmãos José e João Pessoa de Queiroz, empresários de renome, lançou-se candidato a deputado federal e experimentou a primeira decepção da política: as autoridades governamentais Manoel Borba era o governador obrigaram-no a retirá-la. O sonho, contudo, não morrera. Estava apenas adiado, já que sonhos podem ser vésperas de realidades. Lucrava a diplomacia, ao ter de volta o ilustre diplomata que, aliás, participaria da Conferência de Paz realizada em Versalhes, em O sonho da política, como se verá, estava apenas adiado. 2 / 5

3 Em 1920, José Bezerra, o então governador de Pernambuco, incluiu na chapa oficial o nome de F. Pessoa de Queiroz, que viria a ser eleito deputado federal em quatro legislaturas sucessivas. Pode haver dúvida quanto ao desempenho do parlamentar? Em 1921, o ano de sua primeira eleição, F. Pessoa de Queiroz assumiu a direção do Jornal do Commercio do Recife, fundado por seus irmãos em 1919, e que teve sua primeira edição em 3 de abril daquele ano. A influência do matutino crescia cada vez mais, e os irmãos Pessoa de Queiroz eram protagonistas no cenário político de então. E durante a campanha presidencial de 1929 mais exerceram esse papel, fazendo franca oposição à chapa formada por Getúlio Vargas e João Pessoa, dirigindo ataques frontais à política do líder paraibano, o que desaguou em incontornáveis desavenças. Há quem especule, até, que o assassinato do presidente do estado da Paraíba, no Recife, na tarde de 26 de julho de 1930, teria mais relação com a cena política do que com a alcova de Anayde Beiriz. Os projéteis que fulminaram João Pessoa ricochetiaram em F. Pessoa de Queiroz. A morte de João Pessoa precipitou a Revolução de Por ela foi cassado o diploma de deputado, e veio a deportação para a França, onde ficou até Para sobreviver, F. Pessoa de Queiroz trabalhou como controlador de uma empresa de táxis, enquanto sua esposa, Dona Leontine Jouvin, ou Dona Lotinha, como viria a ser conhecida em Pernambuco, passou a ser manicure. Eram dias muitos difíceis. Em 1932, de volta ao Brasil, F. Pessoa de Queiroz se deparava com a espinhosa missão de restaurar os bens da família, praticamente destruídos pelos mais exaltados revolucionários. Afastou-se da política, fez-se neutro, mas independente, e ressuscitou o Jornal do Commercio. 3 / 5

4 E o fez em grande estilo, instalando-o luxuosamente, contratando jornalistas e intelectuais de renome. Surgiu um novo jornal, que, pela qualidade gráfica e editorial, esteve anos a fio entre os melhores periódicos do país. A fascinação pela política, contudo, mantinha-se vigorosa, levando-o a disputar, em 1958, mais uma eleição, na qual conquistou uma cadeira de senador. Destacou-se, defendeu brilhantemente os interesses de Pernambuco, e, ao cabo dos oito anos de mandato, já aos 76 anos de idade e com as primeiras manifestações de uma saúde declinante, foi abandonando as atividades empresariais. Antes, porém, em 1960, inaugurou a TV Jornal do Commercio, uma empresa com magníficas instalações e equipamentos da afamada marca Marconi, o que então havia de mais avançado em todo planeta. A abertura e o encerramento das transmissões traziam no vídeo o busto de um índio, e no áudio a protofonia de O Guarani, de Carlos Gomes, estão, até hoje, na memória de muitos cinquentões. Ademais, a imagem do Canal 2, com cerca de 500 quilômetros de alcance, chegava a atingir alguns pontos de Natal, João Pessoa, Maceió e Aracaju, levando, lado a lado com as atrações nacionais e internacionais, toda a criatividade local, notadamente na dramaturgia, nos shows e na música, mantendo três grandes orquestras, regidas pelos renomados maestros Benny Wolkoff, Clóvis Pereira e Guedes Peixoto. No dia 7 de dezembro de 1980, após noventa anos de lutas, Dr. F. Pessoa de Queiroz, diplomata, político, jornalista e empresário, esse paraibano que não se limitou a viver em Pernambuco, mas, sim, viveu Pernambuco, se foi. Deixou uma obra que em mãos de terceiros definhou, mas que, felizmente, hoje reerguida pelo empresário João Carlos Paes Mendonça, é testemunho de que Pernambuco pode mesmo falar para o mundo. Falar para dizer que é no exemplo de um F. Pessoa de Queiroz que se robustece a memória dos pernambucanos. 4 / 5

5 *Marcelo Alcoforado é publicitário e jornalista marceloalcoforado@speedmais.com.br 5 / 5