A FORMAÇÃO CONTINUADA E COLETIVA NA UNIDADE ESCOLAR: UMA NOVA POSSIBILIDADE DE REFLEXÃO SOBRE A TEMÁTICA DA HOMOSSEXUALIDADE

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Transcrição:

A FORMAÇÃO CONTINUADA E COLETIVA NA UNIDADE ESCOLAR: UMA NOVA POSSIBILIDADE DE REFLEXÃO SOBRE A TEMÁTICA DA HOMOSSEXUALIDADE PATRICIA MAGRI GRANUZZIO Núcleo de Estudos e Pesquisas: Formação de Professores Doutoranda Orientadora: Prof(a) Dr(a) Roseli Pacheco Schnetzler Introdução Durante os anos de docência, de pesquisa e na função de coordenadora pude participar de palestras, seminários e cursos diversos sobre a função do professor e do coordenador diante da complexidade contemporânea. Todas essas atividades levaram a uma maior reflexão sobre os desafios na construção dos significados da função desses profissionais diante da formação continuada e sobre a influência recíproca na relação diante das subjetividades. Como pesquisadora pude ver melhor, pelo olhar do aluno, a invisibilidade a que muitos são submetidos juntamente com seus problemas e angústias; como professora e como coordenadora que fui, pude perceber que somos responsabilizados por muitos, a respeito dos problemas do sistema educacional brasileiro que superam nosso campo de atuação, mas também, que muitas vezes nos silenciamos diante das carências e dos anseios dos alunos e deixamos de refletir no coletivo por uma vida melhor e uma escola de qualidade. Embora haja uma relação recíproca entre o docente e o coordenador pedagógico na construção de suas funções enquanto educadores, cada qual, com suas especificidades, essa reciprocidade nem sempre é contemplada no projeto político-pedagógico implantado pela escola. Essa ausência se fez notar quando a questão da formação continuada dos docentes e a função dos gestores diante de atos preconceituosos e violentos entre alunos foram abordados em minha pesquisa para o mestrado (GRANÚZZIO, 2007), entretanto, não foi possível aprofundá-la naquele momento. A questão da formação continuada dos profissionais da educação está contemplada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, prevê que, para atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e as características de cada fase do desenvolvimento do educando, a formação poderá dar-se inclusive mediante a formação em serviço. Desse modo, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo estabeleceu que o HTPC (Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo) seria um momento de reflexão sobre os problemas pedagógicos e de formação continuada para os professores. HTPC é um tempo previsto na carga horária dos professores da educação básica; semanalmente, por cerca de duas horas, grupos de professores se reúnem, de acordo com o período de trabalho (manhã, tarde e noite), objetivando promover a formação continuada por meio da troca de experiências, leituras e debates sobre o fazer pedagógico. Segundo o estado do conhecimento realizado por Marli André (2002), a política educacional brasileira entende a profissionalização dos docentes como produtividade e eficiência medidas pelos resultados alcançados nos exames nacionais e/ou estaduais de monitoramento. Ela contrapõe a essa visão, a que chama de pseudoprofissionalização, trabalhos que vêem a formação continuada como sendo a formação em serviço que rejeitem, dentre outros itens, a idéia de treinamentos, cursos intensivos, a desarticulação entre teoria e prática e, principalmente, a descontextualização de modalidades ou técnicas do projeto político-pedagógico da escola (ANDRÉ, 2002, p. 313). Esse estado do conhecimento revela que dentre os aspectos silenciados nas produções acadêmicas estão a formação política e a formação do professor para trabalhar com crianças e jovens em situação de risco. Abordagem teórico-metodológica A pesquisa investiga como a formação continuada coletiva pode contribuir para a constituição de novos conhecimentos, práticas e quebra de velhos paradigmas em relação à homossexualidade e de que forma esses novos conhecimentos e discussões podem

possibilitar a constituição de um educador comprometido com o reconhecimento e a constituição dos sujeitos homossexuais. O campo empírico da pesquisa se desenvolve por meio de observações assistemáticas, conversas, questionários com questões abertas e fechadas, entrevistas individuais e coletivas, atividades pedagógicas, sessões de estudos com os professores. A análise dos dados colhidos será feita com base nas idéias filosóficas de Foucault sobre discurso, saber e poder e, nas idéias de Bakhtin sobre a linguagem, pensar sobre a homofobia 1 e homossexualidade tentando compreender o caráter dialógico e dialético das relações entre os sujeitos que se encontram na escola, sem perder a dimensão mais ampla do meio sócio-histórico e cultural que é de extrema importância para analisar o discurso realizado tanto por professores e gestores quanto por alunos, pois, na linguagem, no diálogo, na interação, o sujeito e o outro estão sempre presentes se constituindo. Bakhtin (1979) discutiu a ideologia por meio da linguagem. Para ele, a linguagem possui sempre uma função ideológica. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial (BAKHTIN, 1979, p. 81). Desse modo, a linguagem não é algo neutro, não é simples representação, ela é a prática social e auxilia a entender o processo histórico. Para Bakhtin, o discurso em si não existe, ele é interação. A enunciação, ou seja, o produto da fala, não pode ser considerada como produção individual no sentido estrito do termo; não pode ser explicada a partir das condições psicofisiológicas do sujeito falante, pois é de natureza social (Bakhtin, 1979, p. 95). Assim, a linguagem não é algo compartilhado sem conflito, é um espaço contraditório e, de disputas. Enfatizando o caráter sempre partilhado de qualquer enunciação, Bakhtin (1981, 1992) nos diz que uma palavra sempre se dirige a alguém, é sempre uma ponte entre interlocutores. Como podemos conceber e interpretar essa palavra enunciada pelos professores diante de casos de homofobia e invisibilidade estudantil? Como essas palavras afetam os interlocutores, os alunos que vitimizam outros alunos e alunos que são alvos dessa vitimização? A homofobia pode ser manifestada desde em colocar apelidos, cometer agressões físicas, ameaças, ofensas verbais ou expressões e gestos que geram mal estar às vítimas da agressão até atitudes de indiferença, isolamento, difamação e sofrimentos diversos. Para Bakhtin (1981), a linguagem [...] assenta-se no contraste eu/outro. Assim, os eus, os homens necessitam de um estímulo da alteridade do mundo social a fim de sustentar sua capacidade de resposta. Isso implica que nossa relação com o mundo é essencialmente comunicativa, que a natureza dos seres humanos é essencialmente dialógica. E o diálogo constrói-se com base nos princípios de cooperação, que está na raiz da paz. Só há paz se houver cooperação daqueles que estão envolvidos. É o Referencial Teórico Interpessoal. A violência verbal contra estudantes muitas vezes tem relação com o corpo, atingindo aqueles que não se enquadram no modelo corporal tido como bonito e saudável. Foucault (1977) ressalta que a centralidade do corpo tem sido usada para a construção de sujeitos úteis e dóceis. Em um primeiro momento, a possibilidade de aproximação teórica entre Bakhtin e Foucault pode parecer complexa, visto que diferem em algumas concepções sobre o sujeito e sua liberdade diante do mundo, mas o que nos interessa aqui é o fato de que, tanto um quanto outro, concebe discurso e poder em íntima relação. De acordo com Crestani e Jacinski (2002), A perspectiva de Foucault em juntar discurso e poder não está fora do pensamento de Bakhtin, que fala na tensão entre as forças centrípetas e centrífugas, no discurso de autoridade, no conflito de vozes sociais, relações tensas em que o poder circula em rede. Por isso, assim como Bakhtin, Foucault não vai determinar um lugar para sempre para o poder, uma realidade que possua uma natureza, uma essência, algo unitário e global; antes, poderemos pensá-lo como forças díspares, heterogêneas, visto que circula, em constante 1 Caracteriza o medo, desprezo ou repulsa às relações afetivas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo, um ódio generalizado por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais que alguns indivíduos sentem.

transformação. Não é um objeto natural, uma coisa; é uma prática social e, como tal, constituído historicamente. Um discurso. (...) Para ambos, os usuários desses discursos não os utilizam de modo neutro, mas seguindo certas regras sociais que disciplinam, organizam e padronizam esse uso. O outro que escuta oferece resistência a esses discursos, procurando sempre discipliná-lo e enquadrá-lo. Desse modo, o contexto discursivo dos falantes é um campo de batalha em que o limite e o alvo é sempre o outro a quem se pode exaltar, criticar, vigiar, etc...mas não ignorar. A imagem que têm dos falantes é de processo e de luta e não de usuários passivos, de um sistema fechado, artificialmente estável. Ao pensarmos que para Foucault poder é um modo de ação que visa estabelecer as ações do outro, isso pode nos remeter para o entendimento de dialogismo em Bakhtin. O conceito de dialogismo permeia toda a obra de Bakhtin. Para ele, o dialogismo é o princípio constitutivo da linguagem, toda a linguagem está impregnada de relações dialógicas, polifônicas, ou seja, de várias vozes sociais. A concepção dialógica da linguagem contém a idéia de relatividade da autoria individual e, conseqüentemente, do caráter coletivo e social na produção de discursos, idéias e textos. Segundo Bakhtin (1981), o próprio ser humano é resultado de interações sociais, sua experiência de vida se tece, entrecruza-se e interpenetra com os outros. Nas reuniões e em conversas com os participantes da pesquisa, percebi a necessidade de abordar alguns conceitos (sexualidade, gênero, homossexualidade, homofobia) que se fizeram importantes para esclarecer a abordagem de diversas indagações e dúvidas que surgiram e, por sua vez, constituíram referências teóricas que direcionaram o olhar para os medos, incertezas e a formação continuada dos professores sobre temas não abordados e discutidos na formação inicial. Alguns desses conceitos já haviam sidos discutidos no grupo com a mediação da ONG e com a leitura de alguns textos, mas pude perceber ser necessário retomar algumas definições. Como nos lembra Jane Felipe (2006), os conceitos nos escapam, as tentativas de categorização dos comportamentos são uma produção no campo da linguagem, e estas parecem insuficientes para explicar a complexidade dos comportamentos e sentimentos aos quais estamos sujeitos. Para Stuart Hall (2005), os conceitos devem ser historicizados para possibilitar a percepção de como eles são construídos dentro de uma prática discursiva que se envolve nas relações assimétricas de poder. O objetivo aqui é apresentar, ainda que de modo sucinto, alguns pontos que podem auxiliar a pensar a problemática que a ausência do conhecimento desses conceitos, as internalizações histórico-culturais, por parte dos professores, têm causado nas relações professor-aluno-conhecimento e a produção da invisibilidade em relação aos alunos homossexuais no Brasil. O local da pesquisa Em 2007 uma supervisora de ensino foi designada como responsável pela inserção e acompanhamento de uma ONG que devia desenvolver um projeto de formação continuada junto a professores de escolas públicas, o projeto é o Vivendo a Diversidade e naquele período tinha parceria com o Ministério da Educação (MEC). A supervisora entrou em contato com três escolas da cidade, e solicitou que recebessem os integrantes da ONG para apresentação do projeto e, se aprovado pela equipe gestora, que pudesse ser apresentado para os professores, pois envolvia atividades de formação em HTPC, a escola pesquisada foi uma dessas escolas escolhidas, enfatizando maior número de alunos matriculados. As atividades desenvolvidas pela ONG em 2009 foram marcadas por interrupções e retomadas devido mudanças das políticas educacionais da Secretaria Estadual. O trabalho da ONG (do qual a pesquisadora participou de cinco encontros) se direcionou para a sensibilização e formação nos encontros junto aos professores de ensino fundamental e médio, além das oficinas com os alunos. A escola Estadual N se localiza em uma cidade do interior de São Paulo, em uma região periférica, próxima a bairros rurais. A escola conta hoje com (1.100) alunos distribuídos em Ensino Fundamental (Ciclo II) e Ensino Médio, distribuídos em três períodos. O quadro gestor é

composto por 1 Diretora, 1 Vice-Diretora e 2 Coordenadores Pedagógicos e, o corpo docente é formado por (60) professores entre efetivos e não efetivos (ACTs). A pesquisa A pesquisa envolve dois momentos, no primeiro momento, a pesquisadora fez contato e se apresentou para os participantes da pesquisa, coordenadora geral da oficina pedagógica da Diretoria de Ensino, coordenador geral da ONG, equipe gestora da escola e grupo de professores. A partir destes primeiros contatos e com o consentimento para participar do processo de formação, iniciou-se: as observações assistemáticas; conversas; sessão de estudos desenvolvidos pela ONG; reuniões coordenadas pela pesquisadora. No segundo momento, foi possível acompanhar: o desenvolvimento das oficinas de sexualidade desenvolvidas pela ONG junto aos alunos da escola; realizar entrevistas coletivas com a equipe gestora e grupo de professores; com o coordenador geral da ONG, com o coordenador do projeto Vivendo a Diversidade ; com a coordenadora geral da oficina pedagógica da Diretoria de Ensino e; aplicar questionários para a equipe gestora e para os oito (08) professores (sujeitos da pesquisa), esses continham questões abertas e fechadas. Sujeitos da pesquisa A equipe gestora composta como sujeito da pesquisa (uma (01) diretora, uma (01) vicediretora, uma (01) coordenadora do ensino fundamental, (01) um coordenador do ensino médio), participaram de diversos momentos de conversas, e responderam ao questionário, porém, apenas a diretora e a coordenadora pedagógica do ensino fundamental participaram das entrevistas coletivas e de todo o processo da pesquisa desenvolvida dentro da escola. Os professores pesquisados participavam do grupo um (01), pois esse era o maior grupo, composto por vinte (20) professores, dos quais oito (08) foram pesquisados, devido lecionarem nos dois níveis de ensino. No grupo de professores, além das observações feitas pela pesquisadora, durante todo o período de estudo, foi elaborada duas (02) reuniões, uma (01) para discutir conceitos importantes para entender a diversidade sexual e uma (01) outra para apresentar falas de alunos e ex-alunos auto-declarados homossexuais, sobre suas vivências na escola. Foram feitas entrevistas coletivas ao grupo de vinte (20) professores do HTPC e, somente depois, aplicados questionários com questões abertas e fechadas aos oito (08) professores participantes da pesquisa. A ONG tem um (01) coordenador geral e um (01) coordenador do projeto, os quais são sujeitos da pesquisa. Aos coordenadores, além de conversas, acompanhamento das reuniões de formação feitas junto aos professores, foram realizadas entrevistas. A oficina pedagógica da Diretoria de Ensino tem uma (01) coordenadora geral, que é responsável pelos projetos desenvolvidos junto às escolas nas diversas áreas do conhecimento. As conversas com a coordenadora da oficina e sua participação na pesquisa foram primordiais, pois a mesma havia sido coordenadora pedagógica da escola pesquisada no período de 2007, quando a ONG iniciou suas atividade na escola, além da conversas, também foi realizada entrevista com a mesma. As observações assistemáticas proporcionaram a pesquisadora um maior contato com os alunos, que não são objeto principal da pesquisa, mas que também passaram a fazer parte dos dados, pois além das observações dos espaços comuns da escola, onde os encontrei por diversas vezes, também acompanhei a oficina de sexualidade que a ONG desenvolveu junto aos alunos do ensino fundamental. Análises preliminares Os dados aqui apresentados são iniciais e estão sendo analisados pautados na dialética do referencial histórico-cultural. Alguns dados da pesquisa têm revelado que a presença do docente nas reuniões do HTPC não tem se apresentando para todos como um fator diferenciador relevante a ponto de resultar em um maior amadurecimento pedagógico e

político. Esse dado pode revelar que os professores não se sentem contemplados na escolha do tema apontado, não refletiram com criticidade a existência dessa problemática na escola, não criando compromisso e pertença ao tema. O diferencial, por vezes, está no próprio processo de formação e constituição da subjetividade do docente e na relação em que este estabelece com o coordenador na busca de entender a sua função enquanto profissional. Esta relação demarca uma hierarquia, na qual nem sempre o coordenador pedagógico está preparado, ele, às vezes não tem formação para coordenar a formação do grupo. Nesta perspectiva, pode-se perceber que alguns professores não tomam a formação em contexto como sua responsabilidade compartilhada com o coordenador e com o coletivo interno e externo, além de não refletir com uma criticidade que abarque as causas sociais, políticas e culturais nas quais se inserem este coletivo. Por outro lado, o tema revela ser polêmico, pois, abrange construções sociais (religiosas...) que promovem conflitos e confrontos junto ao tema. Os docentes e gestores acreditam que as famílias dos alunos são desestruturadas, não conversam sobre os problemas que crianças, jovens e adolescentes enfrentam no cotidiano escolar. Além disso, têm uma visão, de certo modo, estereotipada em relação às famílias e seus valores morais, religiosos e políticos. A generalização de que as famílias não acompanham a vida escolar dos filhos é comumente encontrada nas conversas entre os professores, já a discussão e reflexão sobre o papel de muitas das atividades escolares na vida daqueles não merece a mesma atenção. Faz-se necessário ressaltar que, por vezes, professores e gestores relatam não ter domínio do assunto e nem segurança para tratar de questões tão sérias, alegam ter medo de tratar de questões sobre a sexualidade. Recorrem a questões religiosas e familiares, alegam que muitos alunos são evangélicos e as famílias sempre os acham puros, não devendo ouvir sobre sexualidade. Esses professores acham que algumas famílias acreditam que abrir esta discussão na escola é o mesmo que incentivá-los à prática sexual e não à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. Em uma primeira análise do material de campo, é possível perceber as ambigüidades e/ou contradições encontradas nos discursos dos entrevistados nesta pesquisa, discursos que, por vezes, confrontam-se com os discursos oficiais e até mesmo com o material utilizado em salas de aula. O que tem ocorrido na prática da escola é a re/afirmação da heterossexualidade compulsória, ou seja, como se as sexualidades e gêneros girassem em torno de um modelo único que fosse a base para julgamentos e aceitações, a reprodução dos papéis masculinos e femininos em toda e qualquer relação, reafirmando a negação da multiplicidade de gênero e outros modos de elaboração relacionados à homossexualidade. Há uma re/afirmação do discurso cultural hegemônico, baseado em estruturas binárias que se apresentam como a linguagem da racionalidade universal, todavia, já se pode olhar, como positividade, que a discussão se faz presente no âmbito escolar, mesmo travada sobre conflitos e confrontos histórico-cultural. Possíveis contribuições Cabe à escola, além de transmitir conteúdos diretamente relacionados às diversas disciplinas do currículo, propiciar experiências e trocas interpessoais para que os conteúdos culturais permitam à criança e ao adolescente atingir capacidades de conhecer, aceitar e atuar no mundo social. A relação da criança e dos jovens com o meio sempre é uma relação trans/formadora. Os intercâmbios sociais devem ser considerados como a chave para a socialização entre os diferentes, pois a socialização nesse sentido pode vir a garantir que crianças e jovens passem a considerar diferentes pontos de vista e se tornem mais ativos socialmente, evitando reproduzir a discriminação e o preconceito. Foi possível perceber que a reflexão e discussão dos sujeitos da pesquisa promoveram alterações iniciais nos sentidos produzidos por alguns professores e pela equipe gestora sobre a homossexualidade.

Referências Bibliográficas ANDRÉ, Marli. (Org.) Formação de professores no Brasil (1990-1998). Brasília: MEC/Inep/Comped, 2002. (Série Estado do Conhecimento) BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1979/81.. Gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. BRASIL. MEC. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96. Brasília, 1996. CRESTANI, Célia Regina; JACINSKI, Edson. Aproximações teóricas entre as perspectivas foucaultianas e do Círculo de Bakhtin para os estudos da linguagem. Revista de Letras 5. Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná - Departamento Acadêmico de Comunicação e Expressão, 2002. FELIPE, Jane. Afinal, quem é mesmo pedófilo?. Cad. Pagu, Campinas, n. 26, jun. 2006. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0104-83332006000100009&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 26 ago. 2010. doi: 10.1590/S0104-83332006000100009. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis, Vozes, 1977.. História da sexualidade vol. I, II e III. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988. GRANUZZIO, Patrícia Magri. Entre visibilidades e invisibilidades: sentidos produzidos sobre as relações vividas na escola por homossexuais. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação), Faculdade de Educação, Universidade Metodista de Piracicaba. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomás Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. 103 p. Título original: The question of cultural identity.