AUTOPERCEPÇÃO DE SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA GLOBAL DE USUÁRIOS DE UM AMBULATÓRIO DE FONOAUDIOLOGIA Palavras-chave: Qualidade de vida, Processo saúde-doença, Fonoterapia Introdução De acordo com a OMS, qualidade de vida é a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações ¹. Com a definição do mesmo organismo, em 1947, que diz que saúde é o estado de completo bem-estar físico, psíquico e social e não meramente ausência de doença ou enfermidade, saúde deixou de ser simplesmente ausência de doenças e tornou-se um conceito amplo e multidimensional, que pode se modificar de acordo com as perspectivas de vida e com os papéis sociais e relaciona-se a um estado de bem-estar. Portanto, a avaliação do estado de saúde deve ser baseada no conceito de saúde, considerando-se, inclusive, os determinantes da saúde. Supõe-se que sujeitos que se percebem como seres saudáveis avaliarão sua qualidade de vida positivamente. Sendo ambos os conceitos, de saúde e de qualidade de vida, tão complexos e multidimensionais, e reconhecendo-se o peso que a saúde tem sobre a qualidade de vida dos indivíduos, o presente trabalho tem como objetivos: 1. Avaliar a qualidade de vida global dos indivíduos adultos em atendimento fonoaudiológico, por meio do WHOQOL-Abreviado; 2. Investigar a autopercepção e o conceito de saúde desses indivíduos; 3. Relacionar os escores por domínio e das questões genéricas com fatores socioeconômicos e demográficos e com a autopercepção de saúde dos sujeitos. Métodos Trata-se de um estudo transversal, com amostra de conveniência, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG (ETIC 517/06). Foram critérios de inclusão: ser paciente do Ambulatório de Fonoaudiologia do HC-UFMG; estar em tratamento fonoaudiológico há, no mínimo, 30 dias; ter, no mínimo, 18 anos; ter condições neurológicas/cognitivas para compreender as questões; concordar em assinar o TCLE. A amostra da pesquisa foi composta por 97 sujeitos. Para cumprir os propósitos da pesquisa foram aplicados dois questionários: 1. Instrumento de investigação sobre a percepção de saúde, elaborado pelas pesquisadoras, continha questões fechadas sobre: dados de socioeconômicos; percepção do problema fonoaudiológico como problema de saúde, percepção como saudável ou não, auto-avaliação da saúde etc. Havia também duas questões abertas pesquisando a concepção do indivíduo sobre saúde.
2. WHOQOL-Abreviado, que avalia os domínios físico, psicológico, social e meio ambiente. Esse instrumento foi validado no Brasil por pesquisadores da UFRGS 2. Foi realizada análise descritiva da distribuição de freqüência de todas as variáveis categóricas e análise das medidas de tendência central e de dispersão das variáveis contínuas. Foi realizada, ainda, análise para verificar associação entre as variáveis de exposição em estudo e os eventos, utilizando os testes Qui-quadrado e Exato de Fisher. Foi considerado nível de significância de 5%. Para as questões abertas, optamos por utilizar a análise de conteúdo dos discursos, metodologia de análise de textos que parte de uma perspectiva quantitativa, analisando-se numericamente a freqüência de ocorrência de determinados termos, construções ou referências. Resultados e discussão Observamos que a alteração fonoaudiológica é considerada problema de saúde para 80,4%. Talvez isso se deva à percepção de que, se uma dificuldade necessita de tratamento, configura-se em um problema de saúde. Não foi encontrado estudo semelhante na literatura. Quanto à autopercepção de saúde, 77,3% se consideram saudáveis e 53,6% avaliaram sua saúde como boa ou muito boa. Em relação à avaliação da qualidade de vida pelo WHOQOL-Abreviado, observamos que o domínio que apresentou maior escore médio foi o social, seguido pelo psicológico, físico e meio ambiente (tabela 1). Encontramos na literatura estudos com populações diversas que obtiveram resultados semelhantes 3 e resultados distintos 4. TABELA 1 MEDIDAS ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS DOS ESCORES DOS DOMÍNIOS DO WHOQOL- ABREVIADO Desvio Domínio Mínimo Máximo Média Mediana Padrão Físico 14,29 78,57 55,4921 57,1429 13,16088 Psicológico 16,67 83,33 60,7646 62,5000 13,74562 Social 0,00 100,00 69,3299 75,0000 21,29850 Meio Ambiente 21,88 84,38 53,7908 56,2500 15,02327 Os escores do WHOQOL-Abreviado foram comparados com as demais variáveis do estudo, cabendo destacar (tabela 2): a. Quanto à variável escolaridade, observamos relação estatisticamente significante entre os domínios físico, psicológico e meio ambiente (quanto maior a escolaridade, maior a qualidade de vida nesses domínios). Encontramos na literatura estudos concordantes 5 e discordantes do nosso 4.
b. Quanto à renda, houve relação estatisticamente significante com o domínio meio ambiente (quanto maior a renda, maior a qualidade de vida nesse domínio), o que não corrobora com a literatura 4. c. Em relação à percepção como saudável, observamos que os sujeitos que se consideram saudáveis apresentam melhor escore nos domínios físico, psicológico e meio ambiente. Não encontramos na literatura nenhum estudo que realizou essa associação. TABELA 2 APRESENTAÇÃO DOS VALORES DE P REFERENTES ÀS ASSOCIAÇÕES ENTRE ESCORES POR DOMÍNIO DO WHOQOL-ABREVIADO E ESCOLARIDADE, RENDA E PERCEPÇÃO COMO SAUDÁVEL Domínio Meio Físico Psicológico Social Ambiente Variáveis Escolaridade 0,02 0,05 0,62 0,01 Renda 0,32 0,11 0,54 0,009 Percepção como saudável 0,02 0,001 0,21 0,001 As variáveis sexo, idade, escolaridade e renda foram comparadas com a auto-avaliação da saúde e com a presença de co-morbidades (tabela 3), sendo que: a. Houve relação estatisticamente significante entre escolaridade e renda e auto-avaliação da saúde, corroborando com a literatura 5 ; b. Houve relação estatisticamente significante entre idade, escolaridade e renda com a presença de co-morbidades, corroborando com documento da OPAS 6. TABELA 3 APRESENTAÇÃO DOS VALORES DE P REFERENTES ÀS ASSOCIAÇÕES ENTRE AUTO- AVALIAÇÃO DA SAÚDE E PRESENÇA DE CO-MORBIDADES COM SEXO, IDADE, ESCOLARIDADE E RENDA Auto-avaliação de Co-morbidades saúde Sexo 0,15 0,07 Idade 0,788 0,02 Escolaridade 0,006 0,001 Renda 0,001 0,039 Em relação à análise qualitativa, a categorização das respostas para as duas questões abertas estão apresentadas nos quadros 1 e 2. QUADRO 1 DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS DOS SUJEITOS À QUESTÃO: NA SUA OPINIÃO, O QUE É SAÚDE? CATEGORIAS SUBCATEGORIAS N Discurso voltado à concepção de saúde do indivíduo Ausência de doença 19 Biopsicossocial 30 Qualidade de vida 28 Discurso voltado ao grau de importância da saúde na vida do indivíduo 10
Não foi possível categorizar Não respondeu 9 1 QUADRO 2 DISTRIBUIÇÃO DAS RESPOSTAS DOS SUJEITOS À QUESTÃO: NA SUA OPINIÃO, O QUE É PRECISO PARA TER SAÚDE? CATEGORIAS N SUBCATEGORIAS N Condições de vida e de trabalho 9 Renda 4 Trabalho 4 Ambiente físico 1 Fatores psicossociais 22 Pertencer a uma comunidade 6 Rede familiar/social de apoio 5 Paz/tranqüilidade 11 Atividades físicas 26 Comportamentos individuais 56 Alimentação 40 Álcool/fumo 9 Estilo de vida/comportamento 15 Sono 15 Assistência à saúde 27 Espiritualidade Qualidade de vida Não foi possível categorizar Não respondeu Tratamento/acompanhamento 21 Não sentir dor/não ter doença 5 9 6 6 2 A maioria dos sujeitos incluiu vários eixos em suas respostas, atribuindo, portanto, vários fatores determinantes da saúde, concordando com autores 7 que afirmam que a saúde é determinada e condicionada por vários fatores sociais e econômicos, culturais, físicos e ao estilo de vida. Verificamos, em relação à análise das questões abertas, que para a maioria da população estudada saúde é entendida de maneira multidimensional e que os problemas e necessidades de saúde extrapolam as questões biologicistas, na medida em que incluem fatores psicossociais, espirituais e socioeconômicos, como incorporação de hábitos saudáveis e qualidade de vida e trabalho. Outro dado relevante foi a preocupação de que a garantia de acesso aos serviços, ou seja, a assistência à saúde é considerada fator importante para se ter saúde.
Conclusão Os sujeitos que avaliaram a sua saúde como saudável apresentaram também melhor qualidade de vida. Por outro lado, a baixa escolaridade interferiu na qualidade de vida e na própria percepção do sujeito como pessoa saudável. Observou-se a presença do conceito de saúde ligado à ausência de doença e o conceito das necessidades em saúde, aos determinantes sociais da saúde. Acreditamos que o WHOQOL-Abreviado seja um instrumento útil na prática clínica, pois permite avaliar o nível de satisfação do paciente, bem como a necessidade de maiores cuidados, possibilitando maior conhecimento do paciente e de suas necessidades, uma vez que permite observar qual é a área da qualidade de vida do paciente que está mais afetada, proporcionando ao clínico a compreensão de possíveis interferências desses domínios sobre o sucesso terapêutico. Referências: 1. The WHOQOL Group. What quality of life? World Health Forum 1996;17:354-6. 2. Fleck MPA, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G, Santos L, et al. Aplicação da versão em português do instrumento de avaliação da qualidade de vida WHOQOL-bref. Rev Saúde Pública 2000;34(2):178-83. 3.Penteado RZ, Pereira IMTB. Qualidade e vida e saúde vocal de professores. Rev Saúde Pública 2007; 41(2):236-43 4. Pereira RJ, Cotta RMM, Franceschini SCC, Ribeiro RCL, Sampaio RF, Priore SE, et al. Contribuição dos domínios físico, social, psicológico e ambiental para a qualidade de vida global de idosos. Rev Psiquiatr RS 2006(1);28:27-38. 5. Rodrigues RN, Alves LC. Determinantes da autopercepção de saúde entre idosos do Município de São Paulo, Brasil. Rev Panam Salud Publica 2005;17(5-6):333-341. 6. Organização Pan-Americana de Saúde-Doenças crônico-degenerativas e obesidade: estratégia mundial sobre alimentação saudável, atividade física e saúde. 2003; Brasília: OPAS. 7. Buss PM. Promoção da saúde e qualidade de vida. Cien e Saúde Coletiva 2000;51:163-77.