ANOREXIA NERVOSA: A MENTE QUE DESMENTE



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ANOREXIA NERVOSA: A MENTE QUE DESMENTE Juliana Ribeiro Arantes Psicóloga Contacto da autora: juarantes@hotmail.com RESUMO A palavra anorexia origina-se do grego e significa perda de apetite, embora a verdade seja que as pacientes anoréxicas são vorazes. É um transtorno alimentar caracterizado pelo medo extremo de engordar, pela inanição auto-infligida com o propósito de evitar gordura, e amenorréia. Palavras-chave: Anorexia, sociedade, beleza, saúde, doença A anorexia gera debilidade física e mental, pois se cria um padrão de beleza incomum, que acomete sérias complicações prejudiciais ao bem-estar e atualmente, sabe-se melhor sobre esta doença do que há alguns anos, fazendo com que o assunto que era irrelevante até então se tornasse de grande importância nas técnicas terapêuticas. Acredita-se que a ocorrência da anorexia ocorre devido a um grande medo de se tornar gorda, além disso a anoréxica cria um poder de renegar ajuda, tendo para si a doença como um padrão normal e é incapaz de acreditar naquilo que é visível, inaceitando a sua própria realidade. Para Busse (2004, p. 15-16), a anorexia nervosa começa com uma restrição dietética progressiva e a eliminação de alimentos as pacientes passam a se mostrar insatisfeitas com seu próprio corpo e não conseguem manter peso corporal na faixa normal mínima -, atingindo o limite extremo as recusa em alimentar-se. Tudo isso converte pavorosamente de que o tratamento a faça engordar, por isso a anoréxica constrói uma barreira com o seu próprio eu, tornando-se aversiva a críticas, pois nela reside um obscuro e imprevisível acesso que é infligido por ela mesma, sendo complicado chegar a uma coerência, precisando-se de muita cautela para se alcançar um consenso entre paciente e Juliana Ribeiro Arantes 1

especialista, porque ocorre uma distorção da imagem corporal e a paciente impõe um baixo limiar de peso a si própria. Conforme Appolinário e Claudino (apud BUSSE, 2004, p. 16) diante do medo de engordar, as pacientes passam a viver exclusivamente em função da dieta, da comida, do peso e da forma corporal, restringindo seu campo de interesses e solando-se gradativamente. O padrão alimentar vai se tornando cada vez mais secreto e muitas vezes até assumindo características ritualizadas e bizarras. [...] movem-se em nosso meio as engrenagens da grande roda das modas e vogas, alienando de si mesmos e tornando infelizes todos aqueles que, sem os recursos necessários, tentam em vão corrigir o desenho dos seus corpos ou disfarçar certas particularidades físicas que não estejam em consonância com os padrões estipulados, acessíveis apenas às elites econômicas. À medida que se camuflam as diferenças físicas, enaltece-se um tipo de beleza irreal, genérica, anônima, despojada de raízes, seiva e vida própria, Viertler (apud BUSSE, 2004, p. 27). Os aspectos clínicos são facilmente reconhecidos e se encontram em maior número em garotas adolescentes e mulheres jovens, mas garotos adolescentes e homens jovens podem ser afetados mais raramente, o peso corporal é mantido em pelo menos 15% abaixo do esperado, tanto perdido ou nunca alcançado. Embora as causas fundamentais da anorexia nervosa permaneçam imprecisas, há evidência crescente de que a interação sociocultural e fatores biológicos contribuem para sua causação, assim como mecanismos psicológicos menos específicos e uma vulnerabilidade de personalidade. Para a Organização Mundial da Saúde (1993, p. 173) a anorexia nervosa é um transtorno caracterizado por deliberada perda de peso induzida e/ou mantida, resulta em alterações endócrinas e metabólicas e perturbações de função corporal secundárias. No entanto, a anoréxica não se dá conta do que acontece, pois para ela a sua alimentação é adequada não percebendo que paulatinamente perde peso pela a abstenção de alimentos que engordam e procuram ampliar possibilidades como vômitos auto-induzidos, purgação auto-induzida, exercício excessivo, uso de anorexígeneos e diuréticos associando-os para que consigam almejar a ilusão de seu tão sonhado padrão de beleza. são: De acordo com American Psychiatric Association (2002, p. 560) os critérios diagnósticos A. Recusa a manter o peso corporal em um nível igual ou acima do mínimo normal adequado à idade e á altura (p. ex., perda de peso levando à manutenção do peso Juliana Ribeiro Arantes 2

corporal abaixo de 85% do esperado; ou incapacidade de atingir o peso esperado durante o período de crescimento, levando a um peso corporal menor que 85% esperado). B. Medo intenso de ganhar peso ou de engordar, mesmo estando com peso abaixo do normal. C. Perturbação no modo de vivenciar o peso ou a forma do corpo, influência indevida do peso ou da forma do corpo sobre a auto-avaliação, ou negação do baixo peso corporal atual. D. Nas mulheres pós-menarca, amenorréia, isto é, ausência de pelo menos três ciclos menstruais consecutivos. (Considera-se que uma mulher tem amenorréia se seus períodos ocorrem apenas após a administração de hormônio, p. ex., estrógeno). Os psicólogos descobriram que a anorexia nervosa pode ser fruto do medo que algumas mulheres têm de enfrentar o cotidiano porque são retraídas. Além disso, há carreiras que exigem um padrão de magreza e então, muitas mulheres se submetem à anorexia nervosa com o intuito de obterem êxito na profissão. É importante destacar que a anoréxica geralmente tem pouco controle sobre a própria vida e por isso, se irrita facilmente. E também, tem a necessidade de agradar a todos e é capaz de cuidar mais dos outros do que de si própria. Cita-se a morte injusta da cantora Karen Carpenter do conjunto Carpenters, que teve sua voz insubstituível calada pela anorexia em 1983, após uma luta de sete anos contra esta enfermidade cruel. Este ícone da música pop partiu deste mundo aos 33 anos de idade, no auge da carreira por causa de um súbito ataque cardíaco decorrente da anorexia nervosa. Ela era uma mulher bem educada e que conquistou fama e riqueza e nem o esforço de seu irmão e companheiro de trabalho foi suficiente para salvá-la, afinal quando ela buscou tratamento, seu organismo já estava muito castigado. Nunes (2006, p. 148) ressalta que por ser fenômenos clínicos multiprofissionais envolvendo aspectos biológicos, emocionais, familiares, culturais e sociais, a anorexia nervosa para ser eficazmente tratada, necessita de uma abordagem multidisciplinar. A formação de uma equipe multidisciplinar é de vital importância para o bom desenvolvimento do tratamento. Geralmente fazem parte da equipe o médico psiquiatra, o endocrinologista, o nutricionista, o psicólogo e o terapeuta familiar. A vítima de anorexia nervosa inimiga indomável pode morrer lentamente se o mal que a domina não for controlado. É possível perceber que uma mulher não se alimenta de forma adequada através de certos sintomas físicos e psicológicos. A inanição pode ser revelada através de sintomas físicos como a pele fria e que às vezes tem tonalidade azulada, além de apresentar pressão arterial anormalmente baixa, também sofre de Juliana Ribeiro Arantes 3

constipação intensa acompanhada de dor abdominal. Existem problemas com a deglutição e há indigestão depois de pouco alimento consumido. Ainda existe a sensação de cansaço, anemia, insônia e anormalidades hormonais, com destaque para a amenorréia, é comum encontrar no quadro clínico dessas doentes, sintomas como o fato de preferirem comer sozinhas e em horários incomuns. Também, fazem muitas dietas, abusam da ginástica e usam roupas muito folgadas a fim de esconderem o corpo magérrimo. Spignesi (1992, p. 19) enfatiza que observando essa moça cadavérica, os médicos fazem relatórios sobre seus ossos protuberantes, a pela rachada, seca e escamosa, os cabelos e unhas quebradiços e sem vida e os dentes moles. Suas extremidades são azuladas e frias, a temperatura do corpo cai muito e a menstruação cessa completamente. Sua pele fica cada vez mais pálida, com tons acinzentados e sem elasticidade. Desde os anos de 1880, o fraco batimento cardíaco e a redução geral da taxa do metabolismo basal têm parecido aos médicos estar em agudo contraste com sua hiperatividade, seus contínuos e compulsivos comportamentos repetitivos. Para eles também tem sido surpreendente sua indiferença á proximidade da morte; na verdade, sua complacência e regozijo em relação a ela. Muitos pais vêem as filhas como meninas perfeitas, que são modelos a serem seguidos e estes pais podem ter o costume de tomarem as decisões mais importantes por elas, não permitindo que suas filhas aprendam a expressar seus próprios desejos. Assim, estas filhas podem usar o fato de não se alimentarem, como o único modo de terem controle sobre qualquer aspecto de suas vidas. As anoréxicas mesmo obcecadas em estarem sempre magras e aterrorizadas com a idéia de ficarem gordas, ao mesmo tempo, se preocupam com os alimentos, o comer e o cozinhar. É provável que discutam este assunto com a exclusão dos demais e talvez sejam grandes consumidoras de livros de receita até realizarem todas as compras da família, além de prepararem todas as refeições. Todavia, se recusam a participar delas. Evidencia-se que as pacientes anoréticas são espertas e determinadas e por serem assim, inventaram inúmeras maneiras de rejeitarem calorias e ainda não se vêem como doentes. A maioria não aceita auxílio dos familiares, amigos íntimos, companheiros e nem de especialistas. Além de tudo, em geral, ainda vivem a fase da juventude e moram na casa dos pais, o que provoca transtornos para a família. Minuchin (1982) revela que a psicoterapia familiar sistêmica parte da premissa de que aquilo que ocorre com um indivíduo da família atinge todos os demais direta ou indiretamente. Reciprocamente, o que acontece à família influencia o indivíduo. As pessoas que apresentam os quadros clínicos mais graves de anorexia nervosa podem chegar a um estágio final deprimente, constatando-se que podem morrer de causas relacionadas à Juliana Ribeiro Arantes 4

doença até mesmo 24 anos depois do tratamento e isto significa que os infortúnios que culminaram na doença nunca foram resolvidos de modo satisfatório. É perceptível a presença de empecilhos que prejudicam a eficácia do tratamento como depressão ou bulimia em pacientes que também sofrem de anorexia nervosa. Acima de qualquer decisão, primeiro é preciso que se restaure o equilíbrio nutricional para na seqüência dar continuidade ao tratamento. Apenas com a hospitalização o sucesso do tratamento é garantido, pois em alguns casos a paciente necessita de um tubo que é ligado diretamente por um vaso sangüíneo pelo qual se dará a reabilitação da paciente. De acordo com Tannenhaus (1994, p. 88) o tratamento consiste em permitir que a pessoa descubra os diferentes talentos e suas características individuais que constroem a sua identidade. Em casos específicos a convivência familiar pode ou não trazer declínios para o auxílio do tratamento, por isso é necessário que se interaja de maneira conveniente dentro dos limites da paciente para que ocorra o aprimoramento do tratamento. Em contrapartida, as anoréticas se submetem a procurar caminhos obscuros não conseguindo estabelecer o limite entre o que é necessário e o que é inútil, fazendo que com essa supervalorização e pressão comercial muito forte as obrigue a seguir um padrão de beleza, tornando as brasileiras vice-campeãs na categoria de insatisfação com a própria imagem, perdendo apenas para as japonesas, o Mito de Narciso vem a tona e demonstra até onde pode ir a fraqueza humana, que morre por admirar a sua própria imagem, saber até onde vai o pensar inconseqüente dessas pessoas que negligenciam e sonegam as informações, escondendo os riscos que estão correndo e tratando o próprio corpo com descaso incompreensível. A declaração seguinte é típica de uma mulher anoréxica de 20 anos de idade: Quando é que poderei sair dessa caixa? Arrasto meu corpo de um lado para outro como se fosse um enorme objeto estranho. Tenho muito medo de câncer, de guerra, da escola e do que as pessoas acham. Agora estou tão transtornada que a minha cabeça está a ponto de explodir. Estou tão assustada de ficar imensa e de o mundo acabar e eu não estar em lugar nenhum. Não estou aqui e certamente não estou lá. O que estou fazendo? Fico o tempo todo arrumando padrões para mim mesma e simplesmente não consigo. Não consigo fazer nada. NADA. NADA. Feia, nojenta, vaca gorda! (WOODMAN, 2002, p. 37). De acordo com Freud (apud BUSSE, 2004, p. 122) uma parte da auto-estima é primária o resíduo do narcisismo infantil; outra parte decorre da onipotência que é corroborada pela experiência (a realização do ideal do ego), enquanto uma terceira parte provém da satisfação da libido objetal. Juliana Ribeiro Arantes 5

Num mundo marcado pela efemeridade das imagens, o corpo deve se submeter a adequações e transformações constantes, não sem sacrifícios, sobretudo em determinadas profissões, em especial os do mundo da moda, da televisão e do cinema. Enquanto a cultura não assimilar outros modelos estéticos, a maioria continuará vulnerável às armadilhas da vaidade. Entramos num novo século, no qual a beleza sintética e préfabricada, segundo cânones econômicos difundidos pela mídia, definem o que é harmonia, regularidade e estética. Quem sabe quantos anos se passarão até que todos uniformizados segundo um modelo preestabelecido, poderão tentar ser felizes ao atingir um modelo de aparência ideal, do ponto de vista estético e, sobretudo, econômico. Dessa maneira parafraseando o cineasta, poderíamos dizer que se Deus criou a mulher quem sabe um novo dr. Frankenstein será o responsável pelo nosso futuro ideal de beleza. Só quem viver verá (BUSSE, 2004, p. 11-12). Com o nível de exigência da sociedade atual, em que a beleza é fundamental, forma-se um cenário problemático havendo a superação de uma sociedade hipócrita, que reflete o Mito de Narciso e que priva-se de comer e beber para não se tornar condenável perante a mesma. Para Spignesi (1992, p. 31) os psicólogos modernos entendem o amor da anoréxica pelo reflexo da imagem corporal como negação ou condenação dos instintos corporais naturais. Seu trabalho visa educá-la, dirigindo seu enfoque para seus próprios sinais e emoções corporais, [...]para a anoréxica, o corpo não é o corpo literal, vital, vegetativo de nossos instintos biológicos. Seu corpo também reflete a psique; as imagens saciam sua fome, tanto ou mais do que o alimento literal. Está na hora, afirma ela, do corpo recorrer à psique para alimentar-se. Garner e Garfinkel (apud BUSSE, 2004, p. 20) apontam a hipótese de que a anorexia nervosa é uma forma extrema e patológica de insatisfação com a imagem do corpo, em uma sociedade que valoriza a magreza feminina, e que, portanto, pode ser compreendida somente no contexto de certos valores culturais. Busse (2004, p. 21) ressalta que a cultura determina certos comportamentos e hábitos alimentares, assim como as representações sobre o corpo e os padrões estéticos que o tornam socialmente aceito, e nesse movimento imprime sua marca nos indivíduos, ao mesmo tempo em que define sua possível integração ou seu estigma social. Acabam cometendo, com isso, a infâmia pecaminosa, ferem o corpo real procurando possuir o corpo que julgam ser o ideal, homens e mulheres que querem perder peso a qualquer custo se mortificam ao preferir, assim como Narciso, por admirar sua imagem num lago. Pelo o fato de o paciente com anorexia nervosa não se considerar doente, o que o leva a não procurar, por si mesmo, um tratamento, a terapia familiar tem um lugar importante no seu Juliana Ribeiro Arantes 6

tratamento clínico. A participação da família garante ou, pelo menos, favorece a continuidade do tratamento. Nesse espaço são discutidas as questões relativas não só à doença e às relações familiares, mas também ao próprio tratamento. As famílias costumam chegar a terapia familiar com muito mais desconfiança do que desejo de cooperação e procuram manter o foco do seu relato no caso clínico do paciente. É por meio da coesão, segurança e flexibilidade da equipe multidisciplinar que a família pode agir de forma coesa, segura e flexível, levando adiante o tratamento e dispensando os cuidados necessários ao paciente. Para Nunes (2006, p. 150) é importante que o terapeuta familiar não só de espaço para a expressão desses sentimentos, mas também forneça informações a respeito da doença e do estado do paciente. Ter informações deixa a família mais segura, e o fato de saber que não é responsável por determinados comportamentos do paciente faz com que sentimentos de culpa sejam minorados. É importante deixar claro que para a família o fato de estar sendo atendida não significa ser ela a fonte ou a origem da doença do paciente; isso ocorre porque, na realidade, pensamos que ela tem recursos a serem explorados para ajudar a promover saídas mais saudáveis, tanto para o paciente quanto para a família como um todo. A mesma autora acima citada (2006, p. 151) enfatiza que o exame da história familiar prévia, abrangendo mais de uma geração, é de especial importância para se detectar esses possíveis focos de conflitos e de dificuldades, permitindo ao terapeuta a escolha de caminhos mais adequados para dar continuidade ao processo terapêutico. Muitas vezes, aspectos não são resolvidos da vida dos pais impedem que eles tenham um maior leque de recursos para lidar com sua família atual. Ainda para Nunes (2006, p. 153) os principais momentos que permeiam todo o processo da terapia familiar são fornecimento de informações, busca de cooperação da família, ativação de recursos do sistema terapêutico, asseguramento de vínculos e recortes. Os norteadores das intervenções são etapa do ciclo vital e contexto socioeconômico-cultural da família, repertório de recursos desenvolvidos para resolver impasses ao longo da vida, tentativas anteriores de lidar com aquele problema específico, alianças e colisões intrafamiliares, flexibilidade das relações e adequação da circulação de informação no sistema terapêutico. A relação estabelecida entre cada família e cada terapeuta familiar dentro de contextos específicos é que vai nortear o uso dos diversos recursos disponíveis. Sendo que a terapia familiar sistêmica é um instrumento importante na recuperação dos pacientes acometidos de anorexia nervosa, exercendo também um papel importante como suporte, espaço de resolução de problemas e de crescimento para suas famílias e para a própria equipe interdisciplinar envolvida no atendimento do caso. Juliana Ribeiro Arantes 7

REFERÊNCIAS AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais. 4 ed rev. (DSM-IV-TR). Porto Alegre: Artmed, 2002. BUSSE, Salvador de Rosis. Anorexia, bulimia, e obesidade. Baueri, São Paulo: Manole, 2004. NUNES, Maria Angélica [et al.] Transtornos Alimentares e Obesidade. 2. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID 10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. SPIGNESI, Angelyn. Mulheres famintas: uma psicologia da anorexia nervosa. São Paulo: Summus, 1992. TANNENHAUS, Norra. Distúrbios Alimentares: como tratar e evitar. Rio de Janeiro: Ediouro, 1994. WOODMAN, Marion. O vício da perfeição: compreendendo a relação entre distúrbios alimentares e desenvolvimento psíquico. São Paulo: Summus, 2002. Juliana Ribeiro Arantes 8