A IMPOSTERGÁVEL EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS



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Transcrição:

A IMPOSTERGÁVEL EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS Alexander Neves Lopes 1 Fernando Ferrari Duch 2 Rayanna Martins Brito 3 Renato Luiz de Jesus 4 Resumo: Este trabalho apresenta uma visão geral acerca dos direitos sociais e sua efetivação no ordenamento jurídico pátrio hodierno. Notadamente diante do atual cenário politico e econômico pelo qual passa o país, onde verifica-se toda sorte de direitos sociais sendo vilipendiados, faz-se mister recordar alguns comandos constitucionais. Assim, analisando os dispositivos da Lei Magna, o trabalho traz o entendimento da torrente dos doutrinadores pátrios pertinente ao conteúdo, inclusive destacando modernas teses como a reserva do possível, piso mínimo vital, proibição do retrocesso. Palavras-chave: direitos sociais, piso vital mínimo, reserva do possível, vedação de retrocesso social. Abstract: This paper presents an overview about social rights and its implementation in today's paternal law. Especially given the current political and economic environment in which pass the country, where there is all sorts of social rights being vilified, it is mister recall some constitutional provisions. Thus, analyzing the devices of Magna Law, the work brings understanding the torrent of patriotic scholars to relevant content, including highlighting modern theories such as booking possible, minimum living floor, kick ban. Keywords: social rights, minimum living floor, booking possible, sealing social regression. 1 Bacharel e Mestre em Direito; Professor e Coordenador do NPJ (Núcleo de Prática Jurídica) da Faculdade Peruíbe do Grupo Unisepe. 2 Graduado em Pedagogia e Mestre em Semiótica, Tecnologias da Informação e Educação; Professor da Faculdade Peruíbe do Grupo Unisepe 3 Bacharel e Mestre em Direito; Professor da Faculdade Peruibe do Grupo Unisepe 4 Bacharel e Mestre em Direito; Professor da Faculdade Peruíbe do Grupo Unisepe, Professor Licenciado da Faculdade de Direito Zumbi dos Palmares 185

INTRODUÇÃO Seguindo a tendência universal de reconhecimento dos Direitos Sociais como Direitos Humanos, que se iniciou em 1948 com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e, posteriormente, com o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 elevou os Direitos Sociais ao plano de direitos fundamentais, inserindo-os no Título II, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, em seu artigo 6º, que assim dispõe: "São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. A discussão pertinente a efetivação desses direitos sociais é tema que importa à toda a sociedade brasileira e, embora sem a pretensão de esgotar o assunto, em seguida lança-se alguns argumentos para auxiliar nesta perquirição. IMPLEMENTAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS No que tange à regra insculpida no artigo 5º, 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil, Ingo Wolfang Sarlet entende que todas as normas relativas a direitos fundamentais são dotadas de um mínimo de eficácia, podendo se afirmar que aos poderes públicos incumbem a tarefa e o dever de extrair das normas que consagram tais direitos, a maior eficácia possível, outorgando-lhes, nesse sentido, efeitos reforçados relativamente às demais normas constitucionais, tendo em vista o conteúdo do próprio 1º do artigo 5º. Assim, há um plus nas normas definidoras dos direitos fundamentais quando comparadas às demais normas constitucionais. Isso não significa que mesmo dentre os direitos fundamentais não possam existir distinções quanto à graduação da aplicabilidade e eficácia, dependendo da forma de positivação, do objeto, e da função que cada preceito desempenha. O 1º do artigo 5º da Constituição representa uma espécie de mandado de otimização (no sentido da doutrina de Robert Alexy), que impõe a maximização (portanto, otimização) da eficácia de todos os direitos fundamentais. 5 5 SARLET,op. cit., p. 259-261, apud WWW.escola.agu.gov.br/revista/Ano_V_novembro_2005/rosalia-eficacia.pdf. 186

PISO VITAL MÍNIMO Alguns autores, como RICARDO LOBO TORRES 6 e ANA PAULA DE BARCELLOS 7, pretendem que o mínimo existencial também chamado de mínimo vital, conteúdo mínimo, núcleo essencial, substância mínima dos direitos fundamentais deva ser considerado como o critério apto a responder à questão sobre a possibilidade de realização em juízo de um direito fundamental prestacional 8. Outros, contudo, como DANIEL SARMENTO entendem que nem sempre é possível garantir sequer o mínimo vital, citando como exemplo o salário mínimo brasileiro, que certamente não é garantido em seu núcleo essencial (e possivelmente não poderia sê-lo, dados os efeitos perversos que uma provável espiral inflacionária geraria na economia, corroendo imediatamente seu valor) 9. O conceito de mínimo existencial merece alguns esclarecimentos. Trata-se de conceito emprestado, como tantos outros, da dogmática constitucional alemã, basicamente em razão da não positivação de direitos sociais, econômicos e fundamentais pelo texto constitucional de Bonn. Como nos noticia ANDREAS KRELL: (...)a Corte Constitucional alemã extraiu o direito a um mínimo de existência do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1, I, da Lei Fundamental) e do direito à vida e à integridade física, mediante interpretação sistemática junto ao princípio do Estado Social (art. 20, I, da LF). Assim, a Corte determinou um aumento expressivo do valor da ajuda social (Sozialhilfe), valor mínimo que o Estado está obrigado a pagar a cidadãos carentes. Nessa linha, a sua jurisprudência aceita a existência de um verdadeiro Direito Fundamental a um mínimo vital. (2002:61) SANDOVAL ALVES DA SILVA, em sua dissertação de Mestrado, descreve o duplo aspecto do mínimo existencial: 6 Para LOBO TORRES, O mínimo existencial exibe as características básicas dos direitos da liberdade: é pré-constitucional, posto que inerente à pessoa humana; constitui direito público subjetivo do cidadão, não sendo outorgado pela ordem jurídica, mas condicionando-a; tem validade erga omnes, aproximandose do conceito e das conseqüências do estado de necessidade; (...) é dotado de historicidade, variando de acordo com o contexto social. (pp. 32-33). Mais adiante, afirma ele: o mínimo existencial, na qualidade de direito subjetivo, é oponível à administração, gerando para esta a obrigação de entregar a prestação de serviço público independentemente do pagamento de qualquer tributo ou contraprestação financeira, haja ou não lei ou regulamento. A violação do direito, por ação ou omissão, justifica, como veremos adiante, o controle jurisdicional. (1989: 46) 7 Afirma ela: Ao mínimo existencial se reconhece a modalidade de eficácia jurídica positiva ou simétrica isto é, as prestações que compõem o mínimo existencial poderão ser exigidas judicialmente de forma direta. (2002:305). 8 No mesmo sentido, MARCOS GOMEZ PUENTE cita decisão do Tribunal Constitucional espanhol: este principio general [el de aplicabilidad imediata] no tendrá más excepciones que aquellos casos em que así lo imponga la propia Constitución o que la naturaleza misma de la norma impida considerarla inmediatamente aplicable. (1997:58). 9 A proteção judicial dos direitos sociais in: Seminário: Implementação Jurisdicional de Políticas Públicas, realizado pela Escola Superior do Ministério Público Federal do Paraná, Curitiba, 28 e 29 de junho de 2006. 187

1) proteção negativa contra a incidência tributária sobre os direitos sociais mínimos de todas as pessoas; e 2) proteção positiva representada pela entrega de prestações estatais materiais aos menos favorecidos. Já os direitos sociais máximos devem ser exercidos a partir do processo democrático, por meio da cidadania reivindicatória e da prática orçamentária. O mesmo autor chama a atenção para o fato de que o mínimo existencial não é uma categoria universal, variando de lugar para lugar e até dentro do mesmo país (2007:184). Podemos definir o mínimo existencial nas palavras de Ricardo Lobo Torres, como um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas 10. Diz o Professor Celso Antonio Pacheco Fiorillo, que para começar a respeitar a dignidade da pessoa humana, tem-se de assegurar concretamente os direitos sociais previstos no art. 6º da Carta Magna, que por sua vez esta atrelado ao caput do art. 225. RESERVA DO POSSÍVEL A expressão reserva do possível é utilizada largamente na doutrina para identificar o fenômeno da limitação de recursos frente à necessidade de aplicação dos mesmos para concreção dos direitos sociais. 11 Assim a reserva do possível é visualizada especialmente na seara das possibilidades financeiras do poder público. O princípio da reserva do possível deve ser entendido como um limite fático e jurídico que poderá ser oposto pelo Estado à realização de direito fundamental, mormente aqueles que possuam cunho prestacional. Portanto, a reserva do possível é matéria de defesa processual que o Estado poderá se valer. Não basta a mera alegação. Terá o Estado o ônus de provar a impossibilidade de atendimento das prestações demandadas. A construção teórica da reserva do possível é oriunda da Alemanha, no início dos anos de 1970. Com base na reserva do possível, a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria condicionada à capacidade financeira do Estado, sendo que os Direitos Fundamentais dependem de prestações financeiras dispostas pelos cofres públicos. A partir desta noção, o Tribunal Constitucional da Alemanha desenvolveu várias jurisprudências com o entendimento de 10 11 BARCELLOS, Ana Paula de. Educação, Constituição, Democracia e Recursos Públicos. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, v. 12, Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2003. p. 47. 188

que a prestação reclamada deve corresponder àquilo que indivíduo pode, razoavelmente, exigir as sociedade. (SARLET; FIGUEREDO, 2007a). possível'. O Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de se manifestar acerca da 'reserva do referida Corte Com efeito, na ADPF 45 MC/DF, o Relator Min. Celso de Melo, afirmando que a (...) não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais que se identificam, enquanto direitos de segunda geração, com as liberdades positivas, reais ou concretas (...) -, sob pena de o Poder Público, por violação positiva ou negativa da Constituição, comprometer de modo inaceitável, a integridade da própria ordem constitucional. Não deixa de enfatizar o tema pertinente à 'reserva do possível', (...)notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. Assim é que menciona que os condicionamentos impostos, pela cláusula da 'reserva do possível', ao processo de concretização dos direitos de segunda geração de implantação sempre onerosa (...)traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. Assim, a intervenção do Judiciário na seara dos direitos sociais não resta impossibilitada, devendo o julgador, entretanto, observar a razoabilidade da pretensão e a existência de disponibilidade financeira estatal. Acrescenta-se, a título de exemplo, decisão do Presidente do TRF/4ª Região na Suspensão de Segurança nº 20050401000213-1/PR, requerida em face de liminar concedida em mandado de segurança em que o impetrante postulava liberação de valores para realização de cirurgia nos Estados Unidos da América. A suspensão foi deferida tendo em vista grave lesão à saúde e à economia públicas ao privilegiar-se uma situação particular. Nas palavras do Desembargador: O Estado, ao liberar vultosa soma (U$ 275.000 duzentos e setenta e cinco mil dólares) para atender a uma situação isolada, prejudicaria as demais políticas públicas voltadas à saúde, como a de combate ao câncer, à Aids, ao diabetes mellitus, à hipertensão arterial, dentre tantas outras, tendo em vista a evidente escassez dos recursos orçamentários para 189

tal fim. Em outras palavras, centenas de brasileiros se veriam privados de tratamento porque a verba foi direcionada a apenas um. Saliente se que há notícias de que o custo de uma cirurgia de intestino realizada no Brasil custa aproximadamente U$ 41.379, ou seja, aproximadamente U$ 260.000,00 (duzentos e sessenta mil dólares) menos do que a de uma realizada na América do Norte. Assim, considerando que os recursos orçamentários são limitados, não há como deixar de considerar procedente o argumento da União, segundo o qual o cumprimento da liminar causaria grave ofensa à economia e saúde públicas. Decisão semelhante se verifica na Suspensão de Tutela Antecipada nº 59, STJ, DJU 02/02/2004, na qual o Rel. Min. Nilson Naves, ressaltando a política pública de distribuição de medicamentos, entendeu que: A matéria posta em debate é de grande relevância, pois, se, por um lado, está o órgão ministerial defendendo o acesso universal a todas as formas de tratamento recomendadas pela sociedade médica, por outro está a União a defender sua política pública de distribuição de medicamentos, a qual segue procedimentos próprios estabelecidos em lei. Na hipótese, consoante os elementos acostados aos autos, parece-me que assiste razão à requerente, na medida em que afirma que a decisão impugnada tem potencial para causar lesão à ordem e à saúde públicas. Com efeito, o Juízo de 1º grau, ao impor tal obrigação em sede de tutela antecipada fornecimento de medicamento a qualquer pessoa, independentemente da listagem oficial da RENAME, incursionou por seara exclusiva da Administração, afetando, em conseqüência, a saúde pública, visto que, como afirmado acima, a escolha dos medicamentos a serem adotados na Política Nacional de Medicamentos segue procedimentos baseados em critérios técnico-científicos. Destarte, na defesa de direito social há que se levar em conta as políticas públicas, a escassez de recursos, e, inclusive, o princípio da isonomia, a fim de não privilegiar determinado indivíduo, prejudicando, ainda que indiretamente, outras pessoas que igualmente dependem dos recursos públicos para satisfação de seus direitos, igualmente relevantes. A VEDAÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL O tratamento da proibição de retrocesso social encontra-se mais desenvolvido em países como Alemanha, Itália e Portugal. Entre estes, releva destacar Portugal, mormente com suporte nas lições de Canotilho, para quem os direitos sociais apresentam uma dimensão subjetiva, decorrente da sua consagração como verdadeiros direitos fundamentais e da radicação subjetiva das prestações, instituições e garantias necessárias à concretização dos direitos reconhecidos na Constituição, isto é, dos chamados direitos derivados a prestações, justificando a sindicabilidade judicial da manutenção de seu nível de realização, restando qualquer tentativa de retrocesso social. Assumem, pois, a condição de verdadeiros direitos de defesa contra as medidas de natureza retrocessiva, cujo objetivo seria a sua destruição ou redução. 190

No Brasil, o desbravamento do princípio sob estudo é atribuído a José Afonso da Silva, para quem as normas constitucionais definidoras de direitos sociais seriam normas de eficácia limitada e ligadas ao princípio programático, que, inobstante tenham caráter vinculativo e imperativo, exigem a intervenção legislativa infraconstitucional para a sua concretização, vinculam os órgãos estatais e demandam uma proibição de retroceder na concretização desses direitos. Logo, o autor reconhece indiretamente a existência do princípio da proibição de retrocesso social. A proibição de retrocesso social possui indubitável natureza principiológica, haja vista exibir um elemento finalístico, traduzido na garantia do nível de concretização dos direitos fundamentais sociais e a permanente imposição constitucional de desenvolvimento dessa concretização. Por isso, nega-se a sua caracterização como simples modalidade de eficácia jurídica das normas que envolvem direitos fundamentais. O princípio possui conteúdos positivo e negativo. O conteúdo positivo encontra-se no dever de o legislador manter-se no propósito de ampliar, progressivamente e de acordo com as condições fáticas e jurídicas (incluindo as orçamentárias), o grau de concretização dos direitos fundamentais sociais. Não se trata de mera manutenção do status quo, mas de imposição da obrigação de avanço social. O conteúdo negativo - subjacente a qualquer princípio - que, no caso, prevalece sobre o positivo, refere-se à imposição ao legislador de, ao elaborar os atos normativos, respeitar a nãosupressão ou a não-redução, pelo menos de modo desproporcional ou irrazoável, do grau de densidade normativa que os direitos fundamentais sociais já tenham alcançado por meio da legislação infraconstitucional, isto é, por meio da legislação concretizadora dos direitos fundamentais sociais insertos na Constituição. Afirma-se, com efeito, que o princípio da proibição de retrocesso social é um princípio constitucional, com caráter retrospectivo, na medida em que tem por escopo a preservação de um estado de coisas já conquistado contra a sua restrição ou supressão arbitrárias. O conteúdo do princípio da proibição de retrocesso social está centrado na possibilidade de reconhecimento do grau de vinculação do legislador aos ditames constitucionais relativos aos direitos sociais, significando que, como já afiançado anteriormente, uma vez alcançado determinado grau de concretização de uma norma constitucional definidora de direito social - aquela que descreve uma conduta, omissiva ou comissiva, a ser seguida pelo Estado e por particulares -, fica o legislador proibido de suprimir ou reduzir essa concretização sem a criação de mecanismo equivalente ou substituto. 191

CONCLUSÃO O Brasil, ainda carece de cabal implementação do direitos sociais, genericamente referidos no artigo 6.º da Constituição Federal mas, presentes em toda a Constituição, em especial em seus artigos 7.º e 193 a 230. Percebe-se que direitos sociais são direitos coletivos e não direitos individuais, embora algumas vezes possam ocupar as duas posições. Nos termos do artigo 6.º da Constituição Federal, são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. Desta sorte, não obstante a possibilidade de se invocar a reserva do possível não se pode deixar a coletividade privada do piso mínimo existencial conquistado, muitas vezes, por intermédio de lutas sociais. Esse entendimento ovaciona à vedação do retrocesso social. 192

BIBLIOGRAFIA BARCELLOS, Ana Paula de. Educação, Constituição, Democracia e Recursos Públicos. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, v. 12, Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2003. p. 47. CRUZ, Guilherme Ferreira da. Princípios constitucionais das relações de consumo e dano moral: outra concepção, Prefácio Rizzatto Nunes; apresentação Cláudia Lima Marques. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de Direito do consumidor: com exercícios São Paulo: Saraiva, 2004. MARQUES, José Roberto (organizador). Sustentabilidade: e temas fundamentais de direito ambiental, Branca Martins da Cruz (ET AL)- Campinas, SP: Millennium Editora, 2009. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 8ª Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007. MENEZES, Joyceane Bezerra, A evolução dos direitos fundamentais: o direito do consumidor como um interesse difuso e a possibilidade de resgate da cooperação social.. internet: www.unifor.br/noticia/file/1534.pgf SARLET,op. cit., p. 259-261, apud WWW.escola.agu.gov.br/revista/Ano_V_novembro_2005/rosalia-eficacia.pdf. TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 177, pp.29-49, jul./set. 1989. 193