MÍDIA, POLÍTICA E PROPAGANDA



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Transcrição:

MÍDIA, POLÍTICA E PROPAGANDA David Antonio de Castro Netto 1 RESUMO Este artigo tem como objetivo fazer uma releitura da pesquisa em andamento, para isso utilizaremos do prisma da nova história política e os novos campos metodológicos que surgem a partir da incorporação de novas áreas do saber, como a ciência política e antropologia. Dentre estes novos campos, daremos uma atenção especial para as relações entre mídia e as pesquisas históricas. Nossa pesquisa tem como objetivo entender se e como as propagandas vinculadas na televisão nos anos de 1969 até 1974, influenciaram a sociedade brasileira de maneira a tangenciá-la em favor dos governos militares, utilizando como motor principal o milagre brasileiro e o clima de extremo otimismo que reinava no país naquele momento. Palavras Chave: Mídia Propaganda Ditadura INTRODUÇÃO Este pequeno artigo tem como pretensão estabelecer algumas relações entre o Estado e os poderes que giram em torno de sua órbita, fazer uma breve análise sobre a nova história política e, por fim, fazer um estudo de caso sobre a propaganda durante os anos de 1969-1974. René Remond, traz a para o seio da história política, agora conhecida como Nova História Política, as novas relações que compõem o arcabouço de responsabilidades do Estado, sobretudo pós 1930. Tendo em vista essas novas manifestações do Estado na sociedade, trataremos, neste texto, de alguns aspectos relevantes, que tornam o estudo das relações de poder dentro de um Estado organizado mais interessantes e profundas. Após uma breve discussão sobre a reorganização da história política, abordaremos um tema mais específico de seu leque, a mídia, as relações que podem ser feitas entre esta e o Estado e de que forma ela pode usufruir do poder. Por fim, concluiremos com uma aproximação entre o aporte teórico e um exemplo prático, no caso do nosso texto, faremos uma breve reflexão sobre a atuação da mídia durante os anos de 1969-1974. 1 Universidade Estadual de Maringá Mestrando do programa de pós-graduação

186 NOVOS FOCOS DE PODER Após as inovações teórico-metodológicas lançadas na historiografia pelos Annales, a história política passou por um período de refluxo, e foi, gradualmente, sendo colocada à margem da análise histórica, já que era vista sempre como uma história factual e ligada somente às elites. Esse processo foi sendo aos poucos revisto por historiadores respeitados que revigoraram a História Política com reflexões importantes sobre as novas manifestações da mesma, e do Estado, dentro do mundo contemporâneo. Com substancial importância de historiadores como René Remond e Jacques Julliard, a história política foi ganhando um novo aspecto e novos objetos de análise. Podemos citar como mola propulsora para tal revitalização, os novos caminhos que o Estado assumiu sobretudo após a criação do welfare state e as suas conseqüências. Essas novas atribuições do Estado nos fazem repensar sobre as suas relações para com a sociedade e as manifestações de poder que dentro dele são gestadas, para citarmos algumas: a opinião pública, as eleições e a mídia. Embora o impacto dos Anales, num primeiro momento, tivesse marginalizado os estudos que seguiam o prisma da história política, num segundo momento, fomentaram um processo de autocrítica, e não somente os novos temas foram incorporados, mas antigos temas foram revistos. Esse processo de autocrítica desmistificou alguns conceitos, como o do Estado neutro, hoje é sabido que o Estado é comandado por uma classe, e foi além, trouxe para os historiadores do político uma nova gama de assuntos que podem, e devem, ser alvo de seus estudos. Ainda dentro desse processo, a Nova História Política trouxe outras disciplinas em seu auxilio, como a sociologia, antropologia, a psicologia e as ciências políticas, e junto com elas um novo arcabouço de metodologias de trabalho. Em suma, as novas manifestações do político em função de novas exigências da sociedade para com o Estado, sejam essas manifestações atuando diretamente sobre o Estado, como os movimentos sociais, ou de forma mais indireta, como a mídia. REMOND (1996), ainda nos mostra uma evolução do pensamento em relação ao Estado, passando pela exaltação do soberano e de suas realizações, ou a pura glorificação da monarquia, até o momento das revoluções, onde o foco de estudo é deslocado, do soberano, para o Estado organizado e deste para as lutas de emancipação, passando pelas revoluções políticas, democracias, lutas partidárias e confrontos de ideologias políticas.

187 Uma crítica bem construída ao estruturalismo, que passa a valorizar muito as estruturas de longo prazo e abandona as conjunturas, parecendo se esquecer de que quem faz a história é o homem. Este breve contexto é nossa porta de entrada para um dos objetivos do nosso texto, o estudo de uma das novas manifestações de poder dentro do Estado: a mídia. A MÍDIA Tendo em vista esse breve sumário sobre as novas manifestações da história política, abordaremos agora um de seus temas específicos, a mídia. Segundo JEANNENEY (Apud, REMOND, 1996), esse aspecto da nova historia política não anda sendo devidamente explorados pelos historiadores desse campo, o autor cita alguns problemas, dois principais, a desorganização dos arquivos e a multiplicidade dos objetos. Essa grande desorganização dos arquivos mostra-se, talvez, como um paradoxo, já que a massa de jornais poderia produzir arquivos grandiosos, entretanto, pouco ainda se sabe sobre a organização do jornal e sua relação com as fontes geradoras de sua renda. Com os audiovisuais, a situação não é menos crítica, o historiador acaba tornando-se refém dos arquivos dos grandes conglomerados, que por sua vez, não facilitam o acesso a tais fontes, uma ressalva nesse ponto é necessária, em meio a grande dispersão de arquivos podemos encontrar bons materiais para o estudo, sobretudo, em arquivos públicos ou de dirigentes que organizaram sua vida pública. Embora tratar da acessibilidade a novas fontes não seja o objetivo central desse artigo, podemos apontar ma saída para àqueles que pretendem trabalhar com esse tipo de mídia: gostaríamos de salientar a massa documental que está disponível, via internet, pelo sítio Youtube (HTTP://www.youtube.com), o destaco sitio abarca uma vasta quantidade de material sobre os mais variados assuntos. A pergunta que queremos colocar para reflexão é a seguinte: que tipo de influencias a mídia exerce sobre o Estado e de que forma este exerce sua pressão sobre a mídia? Esta pergunta é assaz pertinente, pois pode nos levar a entender uma das ramificações das manifestações de poder, que começa na mídia e se estende até a opinião pública, como será discutido logo a seguir. Devemos ter em mente que a mídia, como um todo, pode gerar argumentações para fortalecer uma opinião corrente, e, no longo prazo, moldar comportamentos e opiniões da sociedade, como é o caso das propagandas, sejam elas políticas ou comerciais. Dentro desse pensamento, podemos tentar entender as formas de pressão que a mídia exerce dentro de um contexto eleitoral por exemplo, como através de rádio e televisão (só

188 para citar dois exemplos) os políticos moldam sua gesticulação, sua maneira de se vestir e até sua postura frente às câmeras, no caso rádio, sua linguagem, sua entonação e o tipo do discurso. Podemos pensar de que maneira a mídia pode exercer um poder sobre o Estado a ponto de fazer ruir suas bases de apoio, isso se torna mais cognoscível quando pensamos que o Estado não é neutro e é gerido por uma classe que defende seus interesses específicos. Tal classe, ou classes, que exercem pressão sobre o Estado, podem, e fazem, uso dos meios de comunicação para estender os seus interesses a todos da nação, fazendo parecer uma opinião classista se tornar homogênea. Como nos diz JEANNENEY (Apud, REMOND, 1996, p. 218), Cada vez que seus apoios se retraem, todo governo tende a incriminar os meios de comunicação, que não explicariam convenientemente sua ação.. Existe uma relação direta entre o Estado e a mídia, esta necessita do Estado como aliado, e aquele necessita que a imagem construída pela mídia seja favorável. Essa imagem positiva do Estado deve ser vista sobre dois aspectos importantes, o primeiro, quem é o produtor de tal imagem e, segundo, como o produto final passa a ser disseminado pela sociedade. O primeiro ponto passa por estudo do tipo de socialização que esse jornalistas tem e de como suas carreiras são geridas, é necessário a realização de um estudo que atente para o microssomo das redações de jornais e das agências de noticias, e, em seguida, analisarmos como essas agências se relacionam, para mapear de que maneira a notícia é produzida. O segundo, o produto final, existe um processo de formação, difusão e até mesmo de extinção da informação e como tal informação, circula entre as empresas e como estas se relacionam, por várias vezes, se repetindo deve ser entendido como parte do processo. Concordamos, novamente, com JEANNENEY (Apud, REMOND, 1996: p. 225):...no interior desses estabelecimentos, porque na vida cotidiana de um jornal, de uma rádio, de uma televisão, se reflete constantemente a vida política do país. Com todas as deformações que se queira, vê-se aí resumido, reunido, com relevos acentuados, o jogo que é jogado no mundo político. Tendo essas reflexões em mente, voltaremos agora para uma exposição mais prática, trataremos de verificar, como a mídia contribuiu para a construção de um clima favorável para que fosse criado um consenso em torno do projeto dos militares, através das propagandas comerciais.

189 UM BRASIL NA TV Muito mais que um puro exercício de arbitrariedade a escolha da propaganda televisiva como objeto de estudo se faz por alguns motivos: de maneira geral, a propaganda teve na televisão um impulso gigantesco, de certa maneira, ela foi o meio escolhido para se propagarem as idéias do Brasil grande e moderno que os militares tanto queriam que nós acreditássemos. Este período escolhido não foi também de todo arbitrário, neste momento também começam a aparecer no país agências de publicidade, de início estrangeiras como McCann Erikson e a J. W. Thompson, o começo de uma grande profissionalização dos publicitários brasileiros e a formação das agências que hoje são de grande destaque internacional, podemos citar: Washington Olivetto e Nizan Guanáes, outro dado importante é levantado por CAPARELLI (1982:65) em 1973, 1,3% do PIB era representado pelas propagandas. ROCHA (1985), mostra de que maneira a propaganda faz com que um produto impessoal e igual a todos os outros de sua linha de produção, ao adentrar no mundo do consumo, se torna único, pessoal, extremamente necessário, com perfil e nome próprio. Para o autor, esta é uma das funções básicas da propaganda, alienar sobre o modo de produção e suas implicações. Ainda, a propaganda exerce uma função quase mítica, onde geralmente, existe uma pequena história, com um grande desfecho onde o produto é a chave para a solução dos problemas do consumidor. Segundo Jean-Noël Jeanney (apud, REMOND, 1996) a opinião pública é de fundamental importância na manutenção e continuidade do governo estabelecido, desta maneira, as propagandas podem ser vistas como meios para atingir essa meta, ou seja, de certa forma, as propagandas comerciais com fins unicamente de venda de produtos, podem ter atuado indiretamente para o fortalecimento do sistema e da opinião pública. No Brasil, com o advento do milagre econômico, novo produtos inundavam o mercado, artigos antes tidos como de luxo, agora eram populares e através desse processo de separação trabalho consumo, o destaque nunca recaía sobre as formas adotadas pelos economistas brasileiros. Acreditamos que as agências de propaganda foram influenciadas pelo General Otávio Costa, quando era responsável pela AERP. Segundo LIMA (1997) este acreditava que as propagandas deveriam ser calmas, que criassem um clima de paz na nação e que os problemas tidos com os contestadores do regime poderiam ser resolvidos de maneira tranqüila, perseguição ou censura.

190 Algumas propagandas ilustram este pensamento, citaremos aqui três exemplos que elucidam bem o que foi descrito acima: A propaganda da Volkswagen Brasília, de 1970, a do automóvel Volkswagen Fusca de 1970 e a propaganda do FORD Galaxie de 1970. A propaganda da Volkswagen Brasília mostra um clima de paz, tranqüilidade, e também de acomodação. A propaganda é baseada na poesia Quadrilha de Carlos Drumond de Andrade. Várias de pessoas apaixonadas umas pelas outras, todas de classe média, mas que não agiam no sentido de se encontrarem, todas estavam satisfeitas somente pelo fato de estarem andando em seus automóveis. O narrador da propaganda acrescenta à cena: Margarida que amava Beto, que amava Lú, que amava Danilo. Danilo amava Mila, que amava Rodi, que amava Elisa, que amava Giba. Giba amava Tânia, que amava Cláudio, que amava Denise, que amava Eduardo, que amava Maria. Maria amava Dudu, que amava Priscila, que também amava Dudu. E cada um vive feliz a sua maneira. Encerrando a propaganda com a frase Brasília, o carro que todos amam. É importante notar que no comercial as pessoas se viam, se encontravam, mas não manifestavam o sentimento, ou mesmo, a disposição para a ação no sentido de mudar a situação. O elo entre os apaixonados era representado pelo automóvel, de certa maneira, as pessoas se sentiram mais próximas umas das outras, tendo em comum o carro em destaque. Acreditamos que essa era uma das idéias, que algumas propagandas criavam na população, a de acomodação, pelo fato de estarem podendo consumir. Outra propaganda que se mostra muito interessante para o nosso contexto é do automóvel Fusca de 1970. A propaganda começa com uma grande seqüência de imagens da planície amazônica, aparecendo os rios e a densa mata, com uma clareira aberta e uma música imponente, quando a música pára de tocar, o narrador diz: Esta é a Transamazônica, a obra da conquista definitiva de uma das regiões mais ricas do mundo. Sem descanso, homens e máquinas lutam contra a selva, contra o clima, para dar ao Brasil a sua maior obra rodoviária, mas o esforço e a vitória serão recompensados, dentro de pouco tempo por aqui rodarão confortavelmente quaisquer veículos com toda segurança. Agora, porém, nenhum carro, somente tratores e motos-niveladoras se aventuram nessas condições de terreno e neste inferno. Em meio a estas frases, as imagens da destruição da mata pelos citados tratores, a reorganização da paisagem, ganhando uma aparência do que seria uma estrada vão se sobrepondo até que o tom da música muda para um nível mais romântico e agradável, ao

191 fundo surge o automóvel Fusca rodando por terrenos inóspitos e recém construídos, mostrando que a modernização já estava chegando. Esta propaganda também exerce uma função dupla, ou seja, mostra aos telespectadores, através de imagens fortes e de uma série de elogios, o futuro grandioso que a construção da rodovia trará para o Brasil. O apego à modernidade, tão necessário para o projeto de desenvolvimento dos militares, a exaltação da grandiosidade da região, como nos diz o narrador:... a conquista de uma das áreas mais ricas do planeta..., exibe a necessidade e a importância do investimento que estava sendo realizado. Nosso último exemplo é também ligado aos automóveis, o Ford Galaxie, com uma propaganda intitulada O som do silêncio. A propaganda mostra uma família passeando em seu carro novo, o pai dirige e a mãe cuida atenciosamente da filha que dorme no banco de trás. Entretanto, paira um silêncio no ambiente durante praticamente toda a propaganda até chegarem a um ponto onde um barulho começa a despertar o interesse dos ocupantes do veículo. Os vidros são abertos e a criança acorda assustada com o barulho de uma banda, o narrador então diz: O Galaxie é mais silencioso porque é mais bem construído, e você mesmo pode sentir isso. O Galaxie é o seu refugio de silêncio e conforto nesse mundo tão agitado. Podemos inferir nessa propaganda um incentivo para que as pessoas não se preocupem, ou não devessem se preocupar com as coisas que ocorrem fora da órbita de seus relacionamentos, de suas casas, enfim, das coisas que se passam no mundo fora de seu lar. A viabilidade dessa situação de tranqüilidade em meio a um processo agressivo, integra um sentido irreal da propaganda, a tranqüilidade dentro do automóvel, ou ainda, dentro dos novos padrões de consumo, pode ser vista como um refúgio em meio aos acontecimentos reais da sociedade naquele momento. Com estes exemplos, podemos dizer que existe um dualismo, onde as pessoas que assistem a propaganda, vivendo sobre a época mais obscura do país, em contrapartida, assistem a propagandas como as mostradas nesse ensaio, onde a paz, a tranqüilidade, a modernidade e o crescimento da nação reinam absolutas, sempre viabilizadas por um produto. CONCLUSÃO Gostaríamos de destacar a importância das novas concepções de poder dentro do Estado e de como tais poderes influenciam ou são influenciados por eles.

192 Concordaremos com REMOND (1996), quando nos mostra que algo pode não ser, à primeira vista, como emanação do político, mas passa a ser quando se faz uso dessa maneira, no nosso caso, a mídia passou a desempenhar um papel extremamente político em um destacado período da vida política brasileira. Um fator que dificulta e amplia o estudo sobre o político é justamente a dificuldade de se mapeá-lo, o político pode recolher-se em determinados momentos, e, em outros, expandirse até a interferência na vida particular das pessoas, como no caso dos regimes totalitários. Ainda podemos grifar que no momento em que a sociedade clama por um braço mais atuante do Estado, como gerir políticas de saúde, educação ou saneamento básico, o Estado expande trazendo para-si novos campos de atração. Após a solidificação do golpe, a propaganda não foi abandonada, mas sim profissionalizada. A agência do governo, AERP, canalizou o otimismo da população, representado mais agudamente nos anos do milagre brasileiro para criar campanhas que mantivessem a população unida em volta do projeto dos militares. Todas essas proposições giram em torno do processo de legitimação que se tornou necessário buscar a todo tempo, criar um consenso em torno do que estava acontecendo no Brasil. Era necessário justificar não exclusivamente o uso do Estado por um governo que tinha chegado até lá por fins não democráticos, mas também a perseguição dos ditos terroristas e de todos aqueles fossem tidos como perigosos aos ideais do regime. Mais uma observação pode ser reafirmada: a falta de um retorno da sociedade, impedido pelo AI-5, forneceu munição para as críticas contra as campanhas governamentais. Na ausência de um contraponto, a agência predominava. Comungamos com CARVALHO (2003), quando nos diz dessa intensa oscilação que ocorre no período destacado, na mesma medida que a ditadura perseguia as liberdades e os direitos civis, ela aumentava os amortecedores sociais, como o FGTS e o Funrural, buscando a criação e manutenção de legitimidade. Entendemos que uma das formas de atingir esse consenso era também através das propagandas. Essas propagandas não precisavam ser necessariamente oficiais, demonstramos exemplos de como a ditadura utilizava mecanismos que, a primeira vista, não eram controlados por ela, mas que no fim ela colhia os dividendos na forma de manipulação da opinião pública e de consenso social. Assim, a propaganda comercial, mesmo não partindo diretamente do governo, ajudou na criação de um falso sentimento de harmonia e prosperidade na sociedade. A classe

193 hegemônica fez uso dela para ajudar a conter forças sociais que na realidade rumavam para um confronto direto. Através dessas propagandas, criava-se à idéia de que o país caminhava a passos largos para o primeiro mundo. O processo de separação entre trabalho e consumo exercido pela publicidade ocultava as lutas que eram travadas por detrás dos produtos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru: Edusc, 2005. BRASIL, Jurema. História da Publicidade. Faculdade Cásper Líbero. Disponível em < http://www.facasper.com.br/pp/site/historia/index.php> Acesso em: 10 mar. 2008. CAPARELLI, Sérgio. Televisão e capitalismo no Brasil. Porto Alegre: L&PM, 1982. CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: O longo caminho. 4ª Ed, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003. CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (org). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. 5ª Ed, Rio de Janeiro: Campus, 1997. DIAS, Reginaldo. Sob o signo da Revolução Brasileira: A experiência da Ação Popular no Paraná. Maringá, EDUEM, 2003. DOMENACH, J. M. Propaganda Política. 1ª Ed, São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1955. FICO, Carlos. Reinventando o otimismo: Ditadura, propaganda e imaginação social no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997. HAMBURGUER, Ester. Diluindo fronteiras: a televisão e as novelas no cotidiano. In: NOVAIS, F; SCHWARCZ, Lilia. História da vida privada no Brasil, vol. 4. São Paulo: Companhias das Letras, 1998. P. 439-488. HOBSBAWM, Eric. Sobre história. Companhia das Letras, São Paulo, 1997. LIMA, Odair de Abreu. A tentação do consenso: O trabalho da AERP e o uso dos meios de comunicação como fontes de legitimação dos governos militares (1964-1974). 1997. 180 f. Dissertação (Mestrado História Social), PUC-Campinas, Campinas, 1997. NOVAIS, Fernando. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna. In: NOVAIS, F; SCHWARCZ, Lilia. História da vida privada no Brasil, vol. 4. São Paulo: Companhias das Letras, 1998. P. 559-659. RÉMOND, René. Por uma história política. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996. ROCHA, Everardo P. Guimarães. Magia e capitalismo: Um estudo antropológico da publicidade. São Paulo, Brasiliense, 1985.

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