Disfunção têmporo-mandibular. Aspectos clínicos de interesse do cefaliatra



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ARTIGO ORIGINAL Disfunção têmporo-mandibular. Aspectos clínicos de interesse do cefaliatra Temporomandibular disfunction. Clinical features that interest physicians Marco Aurelio Domingues Bruno Cirurgião-dentista; Especialista em Disfunção Têmporo-Mandibular e Dor Orofacial; Especialista em Periodontia; Membro da Sociedade Brasileira de Cefaléia; Ambulatório de Cefaléias Crônicas do Instituto de Neurologia Deolindo Couto da UFRJ INTRODUÇÃO Disfunção têmporo-mandibular (DTM) é um termo coletivo usado para descrever uma série de problemas clínicos que envolvem os músculos da mastigação, as articulações têmporo-mandibulares e estruturas associadas, ou ambos. 1 Freqüentemente se encontram em clínicas de cefaléias pacientes com dor facial persistente ou recorrente. Uma vez que se tenha eliminado a possibilidade de tais dores serem cefaléias primárias, problemas otológicos ou sinusais, deve-se considerar a possibilidade de disfunção têmporo-mandibular particularmente se a dor acompanhar os movimentos mandibulares e houver limitação dos movimentos mandibulares. Esse artigo faz uma revisão das características clínicas das disfunções têmporo-mandibulares e detalha alguns fatores que podem ser reconhecidos pelos cefaliatras a fim de que se possa encaminhar o paciente para um exame mais detalhado de um especialista em disfunção têmporo-mandibular e dor orofacial. EPIDEMIOLOGIA Embora recentemente tenham sido sugeridos métodos para a padronização dos exames e diagnóstico em DTM a fim de que se possam avaliar e comparar os resultados de diferentes estudos com maior fidelidade, 2 o que se percebe na literatura é uma falta de padrões de definição, de métodos de investigação e de apresentação dos resultados. Esses fatores podem justificar a grande variação de prevalências de sinais e sintomas de DTM encontrada em diferentes estudos. Provavelmente isso significa que as variações encontradas nos diferentes estudos não são devido a variações entre as diferentes populações estudadas, mas sim variações de metodologia e de leitura de resultados. Cerca de 70% da população geral tem pelo menos um sinal de DTM. Porém, apenas uma em quatro pessoas com sinais são conhecedoras destes, e o reportam como um sintoma. 3-8 Das pessoas que apresentam um ou mais sinais de disfunção têmporo-mandibular, somente 5% procuram tratamento. 3,4,6,7 A maioria dos que procuram tratamento são mulheres em uma proporção de pelo menos 1:4. 3,5,6,9 Embora as disfunções têmporo-mandibulares possam ocorrer em qualquer idade, os pacientes se apresentam mais comumente na fase adulta jovem, entre os 20 e 40 anos. 3,4,8 TIPOS DE DISFUNÇÃO Na recente revisão da Classificação das Cefaléias realizada pela Sociedade Internacional de Cefaléias (IHS), as disfunções têmporo-mandibulares encontram-se no item 11.7. 11 Na literatura da área odontológica, geralmente as disfunções têmporo-mandibulares são subdivididas em disfunções das articulações têmporo-mandibulares propriamente ditas e disfunções dos músculos da mastigação (ou em ambos simultaneamente). Dentro desses dois grupos existem vários subitens, sendo que os mais freqüentemente encontrados para o grupo de dor muscular são a síndrome miofascial e a mialgia localizada nos músculos da mastigação. Já para o grupo articular, a maior freqüência é de deslocamentos do disco da articulação com redução e sem redução, e as disfunções inflamatórias incluindo as capsulites, as sinovites e as osteoartrites (Quadro 1). 14 Migrâneas cefaléias, v.7, n.1, p.14-18, jan./fev./mar. 2004

DISFUNÇÃO TÊMPORO-MANDIBULAR. ASPECTOS CLÍNICOS DE INTERESSE DO CEFALIATRA ETIOLOGIA Quadro 1 Disfunções têmporo-mandibulares mais freqüentes (os códigos são os sugeridos pela Academia Americana de Dor Orofacial) (1) Disfunções dos músculos mastigadores Disfunções das articulações têmporo-mandibulares A etiologia das disfunções têmporo-mandibulares é complexa e ainda em grande parte mal compreendida. Nenhum fator etiológico específico tem sido encontrado e, portanto, a teoria multifatorial parece ser a verdade. Uma vez que estamos lidando com uma desordem multifatorial, é muito difícil em uma pesquisa se isolar um fator específico que possa ser testado e, com isso, avaliar a sua real importância no aparecimento das DTMs. São freqüentemente citados como principais causas os traumas tanto agudos como crônicos. Exemplo de um trauma agudo seria uma batida forte na região mentoniana ou no rosto, após uma queda ou durante a prática de algum esporte em que haja contacto corporal intempestivo (futebol, basquetebol, boxe, etc). Um trauma crônico representa qualquer tipo de sobrecarga atuando nas articulações e/ou músculos mastigadores com baixa intensidade e durante longo tempo, como por exemplo os hábitos viciosos de apertar e/ou ranger os dentes (bruxismo), roer unhas, posições desfavoráveis de dormir (de bruços com a mão embaixo do travesseiro forçando a mandibula), etc. Fatores emocionais como o estresse agem na iniciação, na manutenção, ou na exacerbação dos sintomas. 3 A forma como os dentes inferiores ocluem com os superiores (oclusão dentária) também pode participar na etiologia das disfunções têmporo-mandibulares, mas baseado em revisões bem controladas (metaanálise) dos estudos existentes, atualmente se entende um pouco melhor o real papel da oclusão na etiologia das DTM. No passado, qualquer tipo de oclusão que se desviasse do padrão estereotipado de oclusão ideal apresentado em livros de texto era considerado como um fator etiológico para as DTMs. Com o passar do tempo, verificou-se que poucos pacientes com má-oclusão desenvolveriam sinais e/ou sintomas de DTM. 8 Atualmente se considera que embora a oclusão dentária possa não ser clinicamente relevante, existem algumas características de má-oclusão que podem realmente predispor o paciente a sinais e sintomas de DTM. 12,13 São eles: 1. Mordida aberta anterior esquelética: Quando as arcadas dentárias se encontram ocluídas (fechadas), normalmente os dentes anteriores superiores sobrepassam os } } inferiores aproximadamente 2 a 5 mm (Figura 1). Se quando as arcadas dentárias se encontrarem fechadas, apenas os dentes posteriores fizerem contato entre si, ou seja os dentes anteriores de canino a canino não se tocarem, isso caracteriza o que é chamado de mordida aberta anterior e esse é considerado um fator predisponente para DTM (Figura 2). 2. Transpasse horizontal maior que 7 mm: Com as arcadas dentárias ocluídas a distância horizontal (vista com o paciente de perfil) entre o bordo do dente incisivo supe- Dor miofascial (11.8.1) Mialgia localizada nos músculos mastigadores (11.8.4) Deslocamento do disco com redução (11.7.2.1) Deslocamento do disco sem redução (11.7.2.2) Disfunções inflamatórias (11.7.4) Fig. 1 Oclusão normal: com os dentes superiores anteriores sobrepassando levemente os inferiores Fig. 2 Mordida aberta anterior: com as arcadas dentárias inferior e superior ocluídas os dentes anteriores não se contactam Migrâneas cefaléias, v.7, n.1, p.14-18, jan./fev./mar. 2004 15

MARCO AURELIO DOMINGUES BRUNO Fig. 3 Modelos de gesso das arcadas dentárias evidenciando a extensa distância entre os dentes anteriores superiores e inferiores (transpasse horizontal) rior e a face externa do incisivo inferior normalmente situa-se por volta de 2 mm. Quando essa distância se apresentar maior que 7 mm, isto se constitui em um fator contribuinte importante para o desenvolvimento das DTMs (Figura 3). Clinicamente são pacientes que apresentam os incisivos superiores com excessiva projeção e inclinação para anterior (Figura 4). 3. Diferença de relação cêntrica para máxima intercuspidação habitual maior que 4 mm: A posição na qual os componentes articulares da ATM (côndilo, disco articular e fossa mandibular) encontram-se em uma situação mais favorável para o desempenho das funções com o mínimo de sobrecarga possível é considerada uma posição ortopedicamente estável. essa posição é conhecida como relação central, ou relação cêntrica. Essa é uma terminologia que faz referência às estruturas articulares, independente da posição ou mesmo da existência dos dentes. A posição na qual as arcadas dentárias encontram-se ocluídas (fechadas) da maneira habitual, ou seja, a boca é fechada e os dentes se contactam (ocluem), é conhecida como máxima intercuspidação habitual, ou posição intercuspídea, ou ainda oclusão cêntrica. Essa é uma terminologia que faz referência às relações dos dentes superiores com os dentes inferiores, independente da posição que os componentes articulares da ATM possam ter. Existe uma diferença entre essas duas posições que habitualmente varia em torno de 2 mm. Ou seja, se os componentes articulares estiverem em uma relação ortopedicamente estável, os dentes habitualmente não se encaixariam. Inversamente, para que os dentes ocluam em sua posição usual (posição normal de fechamento individual) seria necessário que toda a mandíbula se movimentasse algo em torno de 2 mm e com isso os côndilos deixariam a sua posição ortopedicamente mais estável dentro da fossa mandibular. Usualmente, na população essa diferença entre as duas posições não é grande. Quando essa diferença aumenta para 4 mm, esse passa a ser um fator contribuinte para o aparecimento das DTMs, e, conforme esse Fig. 4 Aspecto clínico de paciente com transpasse horizontal exagerado Fig. 5a e 5b Aspectos clínico da mordida cruzada posterior unilateral 16 Migrâneas cefaléias, v.7, n.1, p.14-18, jan./fev./mar. 2004

DISFUNÇÃO TÊMPORO-MANDIBULAR. ASPECTOS CLÍNICOS DE INTERESSE DO CEFALIATRA valor vai aumentando, o risco de aparecimento de DTM aumenta ainda mais. 4. Mordida cruzada posterior: Com as arcadas ocluídas, usualmente todos os dentes superiores sobrepassam os inferiores. Quando essa relação se inverte, ou seja, os inferiores sobrepassam os superiores, isso caracteriza o que é conhecido como Mordida Cruzada. Quando isso ocorre no segmento posterior da arcada, mesmo que em um só lado, ou seja, se tem uma mordida cruzada unilateral, isso também é considerado um fator contribuinte para a DTM. 5. Cinco ou mais dentes posteriores ausentes: A medida que vão sendo extraídos os dentes posteriores e, eventualmente, não vão sendo repostos proteticamente, podese aumentar a instabilidade da mandíbula devido à falta de contatos dentários suficientes. Quanto maior o número de dentes ausentes, maior poderá ser a instabilidade mandibular e verificou-se que a partir da falta de cinco dentes posteriores estaremos diante de um fator predisponente. CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Um dado sempre a ser considerado é a grande flutuação dos sinais e sintomas de DTMs com o tempo. São freqüentes os períodos de exacerbação e remissão de sintomas, e isto deve ser considerado na indicação do tipo de tratamento, considerando-se que esses sintomas podem ser muitas vezes auto-limitantes. Os três pontos cardinais das disfunções têmporo-mandibulares são dor orofacial, ruídos articulares e restrição da função mandibular. 16,17 A dor da disfunção têmporo-mandibular É a queixa mais comum e também a mais difícil de ser avaliada. Usualmente a dor é de leve a moderada. São dores somáticas, profundas, do tipo músculo-esquelética e obedecem características importantes que servem de diagnóstico diferencial para outras dores faciais. A dor é iniciada ou exacerbada pela função. Ou seja, a mastigação, o falar, o cantar iniciam a dor ou a aumentam, caso ela já esteja presente. A dor responde à palpação da musculatura ou da articulação de uma maneira proporcional ao grau de força aplicada. O simples toque da região dolorida não pode provocar dor exagerada como é o caso das dores neuropáticas (alodinia). Em caso de dúvida na localização ou na origem da dor, se forem usadas infiltrações anestésicas nos músculos ou articulações doloridas, a dor cessa ou diminui acentuadamente dentro de poucos minutos. Ruídos nas articulações têmporo-mandibulares Os ruídos articulares normalmente se apresentam na forma de estalos (clicks) ou creptação. Os estalos articulares na maioria das vezes são o resultado de deslocamento do disco articular. O disco assume uma posição anteriorizada e quando se tenta movimentar a mandíbula, o côndilo não consegue se movimentar livremente e o bordo posterior do disco interfere com esse movimento. No momento em que o côndilo consegue ultrapassar a resistência criada pelo bordo posterior do disco, é produzido um estalo. Isto caracteriza o que é conhecido como deslocamento do disco com redução. Ocasionalmente o côndilo articular não consegue ultrapassar o bordo posterior do disco. Nessa situação, o disco se transforma em uma barreira mecânica impedindo a translação normal do côndilo, e com isso há limitação da abertura da boca e desvio dessa abertura para o lado em que ocorreu o deslocamento do disco. Com o passar do tempo, a amplitude de abertura da boca gradualmente vai aumentando. Isto é conhecido como deslocamento do disco sem redução. A creptação lembra a sensação de se ter areia entre as superfícies articulares quando se coloca os dedos indicador ou médio sobre a superfície lateral da ATM e orientase ao paciente que faça movimentos de abertura e fechamento. Nesse caso, o que ocorre é a ausência de superfícies articulares lisas e cobertas por uma fibrocartilagem íntegra. Com isso, obtém-se um ruído semelhante ao de duas superfícies rugosas se atritando durante um movimento. Embora sejam condições freqüentes, os deslocamentos de disco com redução (estalos) são muito mais prevalentes do que os deslocamentos sem redução e as creptações. Tanto os deslocamentos de disco como as creptações não são sinônimos de necessidade de tratamento. Uma avaliação criteriosa deve selecionar os casos em que haja indicação para tratamento. A literatura suporta a conduta de que somente os casos acompanhados de dor ou com evidências de progressão do estado do distúrbio articular necessitam de tratamento. Restrição da função mandibular A restrição da função mandibular abrange uma limitação na amplitude dos movimentos mandibulares que pode ser tanto na abertura da boca como nos movimentos laterais e protrusivo (ou uma combinação deles). Os valores médios para abertura da boca na população normal se situam entre 45 e 55 mm. 18,19 Similarmente à dor, a limitação dos movimentos mandibulares pode causar uma grande ansiedade nos pacientes. Estes podem relatar tanto uma sensação geral de apertamento na face, o que provavelmente é uma disfunção muscular, ou a sensação de que a mandíbula subitamente travou, o que freqüentemente está relacionado com problemas de deslocamento do disco da articulação têmporo-mandibular. CONCLUSÕES 1. Os sinais e sintomas de disfunção têmporo-mandibular são altamente prevalentes na população em geral, Migrâneas cefaléias, v.7, n.1, p.14-18, jan./fev./mar. 2004 17

MARCO AURELIO DOMINGUES BRUNO embora o número de casos que realmente necessite de tratamento seja bem menor. Apresentam quadro clínico de dor leve à moderada, ruídos articulares e/ou restrição dos movimentos mandibulares. 2. Os casos de dor facial que não se enquadrem nos diagnósticos de cefaléias primárias, ou mesmo os que se enquadrem mas não respondem satisfatoriamente ao tratamento, e apresentem alguns dos fatores contribuintes etiológicos ou características clínicas descritas, devem ser investigados. 3. As características que podem ser facilmente identificadas pelo cefaliatra são a mordida aberta anterior, a mordida cruzada posterior, a ausência de cinco ou mais dentes sem a sua reposição protética, os estalos e creptações da articulação têmporo-mandibular e a restrição dos movimentos mandibulares. 13. McNamara JA, Seligman D, Okeson JP. Occlusion, orthodontic treatment, and temporomandibular disorders: a review. J Orofacial Pain 1995;9:73-90. 14. Posselt U. Studies in the mobility of the human mandible. Acta Odontol Scand 1952;10 (suppl). 15. Rieder C. The prevalence and magnitude of mandibular displacement in a survey population. J Prosthet Den 1978;39: 324-329. 16. Bell WE. Clinical management of temporomandibular disorders. Chicago: Yearbook Medical Publishers, 1982. 17. Solberg WK. Temporomandibular disorders: background and the clinical problems. Br Dent J 1986;160:157-161. 18. Agerberg G. Maximal mandibular movement in young men and women. Swed Dent J 1974;67:81-100. 19. Hansson TL, Minor CAC, Taylor DLW. Physical therapy in craniomandibular disorders. Illinois. Quintesssence Books. 1992. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Okeson JP. Orofacial pain. Guidelines for assessment, diagnosis, and management. The American Academy of Orofacial Pain. Quintessence. Chicago. 1996. 2. Dworkin SF, LeResche L. Research diagnostic criteria for temporomandibular disorders: review, criteria, examinations and specifications, critique. J Craniomand Disord 1992;6:301-355 3. Salonen L, Hellden L. Prevalence of sings and symptoms of dysfunction in the masticatory system: an epidemiological study in an adult Swedish population. J Craniomandibular Disord Facial Oral Pain 1990;4:241-50. 4. Hannson T, Nilner M. A study of occurrence of symptoms of diseases of the temporomandibular joint, masticatory musculature, and related structures. J Oral Rehabil 1975;2:313-24. 5. Pullinger A, Seligman DA, Solberg W. Temporomandibular joint disorders. Part 1: Functional status, dentomorphologic features and sex differences in a non patient population. J Prosthet Dent 1988;59:228-35. 6. Dworkin SF, Huggins KH, LeResche LR, Von Korff M, Howard J, Truelove E et al. Epidemiology of signs and symptoms in temporomandibular disorders. I. Clinical signs in cases and controls. J Am Dent Assoc 1990;120:273-81. 7. Schiffman E, Fricton JR, Haley D, Shapiro BL. The prevalence and treatment needs of subjects with temporomandibular disorders. J Am Dent Assoc 1989;120:295-304. 8. Greene CS, Marbach JJ. Epidemiologic studies of mandibular dysfunction: a critical review. J Prosthet Dent 1982;48:184-190. 9. De Kanter RJ et al. Prevalence in the Dutch adult population and a meta-analysis of sings and symptoms of temporomandibular disorder. J Dent Res 1993;72:1.509-1.518. 10. Levitt SR, McKinney MVV. Validating the TMJ scale in a national sample of 10.000 patients: demographic and epidemiologic characteristics. J Orofac Pain 1994;8:25-35. 11. The International Classification of Headache Disorders, 2nd Ed. Cephalalgia 2004;24(suppl 1):118. 12. Seligman DA, Pullinger AG. The role of functional occlusal relationships in temporomandibular disorders: a review. J Craniomandib Disord Facial Oral Pain 1991;5:265-279. Endereço para correspondência Dr. Marco Aurelio Domingues Bruno Rua Visconde de Pirajá, 414/1106 Ipanema 22410-002 Rio de Janeiro-RJ Telefone: (21)2287-1505 Telefone/Fax: (21) 2247-1502 e-mail: mabruno@openlink.com.br 18 Migrâneas cefaléias, v.7, n.1, p.14-18, jan./fev./mar. 2004