ENTRE OVOS E MEDOS: PERFORMANCE E BUFONARIA DEMONSTRAÇÃO PRÁTICA André Rodrigues André Rodrigues Doutorado Linha de Pesquisa PFE Orientadora Profª Drª Tatiana Motta Lima Pesquisador, professor, performer, ator e palhaço. Doutorando em Artes Cênicas pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas - PPGAC/ UNIRIO. Mestre em Artes Cênicas pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas - PPGAC/UNIRIO. É Professor na área de Artes da Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro - FAETEC. É bacharel em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), graduado em Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). XVII Colóquio do PPGAC/UNIRIO 2017 p. 143-147 143
ENTRE OVOS E MEDOS: PERFORMANCE E BUFONARIA DEMONSTRAÇÃO PRÁTICA André Rodrigues Profª Drª Tatiana Motta Lima Orientadora Minha tese de doutoramento investiga as relações entre bufonaria, política e performatividade a partir da análise de espetáculos teatrais e ações artísticas desenvolvidas pelo bufão franco-italiano Leo Bassi. Criando experiências cênicas provocadoras, baseadas na zombaria de valores e instituições, Bassi tem se destacado nas últimas décadas como um dos mais instigantes artistas da cena mundial, dando passagem em seus trabalhos às potências contestadoras e subversivas da comicidade. O presente estudo se constitui como desdobramento das reflexões produzidas no curso de Mestrado realizado por este pesquisador junto ao PPGAC/UNIRIO, entre os anos de 2011 e 2013, e que resultou na escrita da dissertação Palhaço e Transgressão: percursos, atravessamentos e reflexões. A tese dá continuidade às investigações acerca das práticas artísticas de Bassi, ampliando sobremaneira nosso campo de diálogo e experiência. Nesse sentido, o contrato performativo Entre ovos e medos foi desenvolvido por este pesquisador como exercício de encontro e contágio entre as investigações da minha tese de doutoramento e a práxis de Leo Bassi. A partir da observação das experiências artísticas singulares de Bassi, e inspirado por elas, deparamo-nos com algumas questões disparadoras, como: do que estamos tratando ao falar de bufonaria na contemporaneidade? O que Bassi entende como o trabalho de um bufão? Como a bufonaria pode privilegiar a criação de um fenômeno cênico desestabilizador e/ou político? Que relações podemos estabelecer entre a bufonaria desenvolvida por Bassi e uma cena de caráter performativo? Como desenvolve Elizabeth Lopes (2001), os XVII Colóquio do PPGAC/UNIRIO 2017 p. 143-147 144
bufões configuravam uma espécie de espelho invertido da sociedade, destacando os vícios e defeitos das relações sociais. Lecoq (2010), por sua vez, destaca que estas figuras cômicas e, ao mesmo tempo, ácidas, tratavam da dimensão social das relações humanas, para denunciar seus absurdos. Bufões falam do poder e sua hierarquia, invertendo através do rebaixamento estes valores. Abrindo mão das deformidades corpóreas comumente associadas aos bufões, Leo Bassi busca potencializar a lógica de marginalidade e provocação associada à bufonaria, travestindo-se de homem sério, vestindo terno e gravata e adotando atos sóbrios, para se aproximar e ampliar as críticas e denúncias sobre o poder e seus representantes, a partir do interior de suas estruturas, presentificando a deformação dos ordenamentos sociais. Ainda segundo Lopes (2001), a bufonaria transcende características histriônicas e a excepcionalidade física para presentificar o ser humano em sua complexidade e amoralidade. Assim, a criação de um contrato performativo segue a estratégia de apropriação de um dos mecanismos mais utilizados pelos ordenamentos jurídicos como forma de produzir um conjunto de regras absurdas e, ao mesmo tempo, provocar o espectador em sua autonomia e escolhas. Aqui a performance visa transitar pela capacidade política da arte apontada por Rancière (2012) como mecanismo capaz de embaralhar lugares e funções criando fenômenos intersubjetivos desestabilizadores. Partindo da definição de corpo criada por Espinosa, e defendida por Deleuze (2002) segundo a qual um corpo é definido por duas perspectivas concomitantes: como relações de velocidades diferentes entre as partículas que o compõem, em dinâmicas de repouso e movimento, acelerações e lentidões (não é definido um corpo por sua forma, órgãos ou funções); e, em outro viés, é definido por seu poder de afetar e ser afetado, pelos afetos de que o corpo é capaz, o Programa Performativo Entre ovos e medos objetiva investigar que mudanças de velocidades e afetos podem ser geradas no corpo do espectador através de uma ação de provocação, mesmo que a provocação seja uma proposição muito simples como a possibilidade de o participante ser atingido por dois ovos crus. XVII Colóquio do PPGAC/UNIRIO 2017 p. 143-147 145
Eleonora Fabião (2011) desenvolve o conceito de programa performativo como motor de experimentação, ativador de experiência capaz de afetar e criar corpos tanto para aqueles que realizam a ação como para os que a recebem seja como espectadores, participantes ou até coautores compondo camadas de experienciação que fazem girar noções como aprendizagem por tentativa e risco. Este programa performativo consiste na leitura de um contrato cuja aceitação de seu conjunto de regras implica ao participante a condição de poder ser alvo de um ato de rebaixamento, a quebra de dois ovos crus, caso deseje acompanhar a performance até o seu final. Além da possibilidade de ser vítima da sujeira ao sabor da decisão do performer, este contrato coloca o participante diante de diversas outras provocações que põem em jogo a sua autonomia, as suas escolhas enquanto espectador e o que as move, criando coletivamente uma enunciação verbal de voltagem performativa, gerador de experimentação psicofísica. Esta ação foi desenvolvida em 2014 e tem sido realizada em eventos como Corpo, Política e Performatividade, em julho de 2015, na cidade de Porto Alegre/RS, Esforços #2 mostra de performances, maio de 2016, na cidade do Rio de Janeiro e no IX Congresso da Abrace (Uberlândia, 2016). Seu compartilhamento tem se mostrado como fundamental à discussão disparada pela tese, presentificando questões e instabilidades na investigação de um fenômeno cênico capaz de criar corpo e mover artista-pesquisador e seus participantes. Assim, diante do risco do embotamento cotidiano dos sentidos e dos jogos de poder que atravessam nossas relações, a experiência cênico-performativa de Entre ovos e medos demonstra cada vez mais a contundência e os curtos-circuitos que a bufonaria pode privilegiar. XVII Colóquio do PPGAC/UNIRIO 2017 p. 143-147 146
REFERÊNCIAS: DELEUZE, Gilles. Espinosa - Filosofia prática. São Paulo: Escuta, 2002. FABIÃO, Eleonora. Performance e Teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea. In: ARAÚJO et. al. (ORG). Próximo Ato: Teatro de Grupo. São Paulo: Itaú Cultural, 2011. LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: Uma Pedagogia da Criação Teatral. São Paulo: SENAC, 2010. LOPES, Elizabeth Silva. Ainda é Tempo de Bufões. São Paulo: Tese - Doutorado, USP, 2001. RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012. XVII Colóquio do PPGAC/UNIRIO 2017 p. 143-147 147