NEURO RM FETAL: AVALIAÇÃO DE 15 CASOS Thiago Junqueira 1 ; Nelson Fortes Ferreira 2 ; Lázaro Faria do Amaral 2 ; Renato Adam Mendonça 2 ; Sérgio Santos Lima 3 MED IMAGEM - REAL E BENEMÉRITA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE BENEFICÊNCIA SP (1) Médico estagiário do setor de Ressonância Magnética da MED IMAGEM (2) Médico Neuroradiologista da MED IMAGEM (3) Chefe do serviço da MED IMAGEM INTRODUÇÃO: A Ultrassonografia (US) é considerada o principal método de imagem na avaliação de rotina do sistema nervoso central (SNC) fetal. A Ressonância Magnética Fetal (RMF) serve hoje como segundo método para confirmar, corrigir ou complementar os achados do US. Antes do advento de seqüências rápidas para aquisição de imagens, a RMF era limitada devido ao longo tempo de exame e necessidade de sedação materna. Estudos experimentais não evidenciaram efeitos colaterais no embrião/feto quando o exame foi realizado após a 21ª semana de gestação8 ou alterações no débito cardíaco fetal ou no fluxo da artéria umbilical nos estudos entre a 13ª e 40ª semanas de gestação9. Além do mais, a RMF é realizada geralmente após a 18ª-20ª semanas de amenorréia, porque até esta data o US tem-se mostrado suficiente no diagnóstico e conduta das anormalidades do SNC 2. A US ainda apresenta restrições na avaliação do SNC fetal devido a uma série de fatores, entre eles os artefatos de reverberação dos ossos cranianos e a baixa sensibilidade na detecção de malformações corticais e destrutivas do cérebro e cerebelo. Entre outros fatores que dificultam a avaliação ultrassonográfica estão a obesidade, o oligodrâmnio, os gases intestinais, a posição cefálica fetal, a dependência do examinador e o pequeno campo de visão. Ao contrário, a RMF não sofre tais restrições e muitas vezes é facilitada por elas, como nos casos em que o oligodrâmnio diminui a movimentação fetal. A RMF écapaz de demonstrar alterações do desenvolvimento e anormalidades fetais com melhores detalhes da anatomia fetal. Em resumo, a RMF vem tendo um importante papel como método complementar quando os achados por US são duvidosos, quando são definidos, mas o diagnóstico é incerto, quando as anormalidades não são vistas ao US ou necessitam de confirmação. MATERIAL E MÉTODOS: Foram realizados 15 exames de pacientes com idade gestacional acima de 15 semanas, em aparelhos GE SIGNA (G.E. Medical Systems) com magneto de 1,5 T. As pacientes foram estudadas em posição supina, "feet-first", com bobina torso "array", sem sedação materna, sendo apenas solicitado que as mães se alimentassem antes do exame. Foram realizadas sequências multiplanares UltraFast T2 Single-Shot Fast Spin Echo (SSFSE), que combina tempos curtos de aquisição (400ms/corte), boa razão sinal-ruído e excelente resolução espacial e de contraste. O tempo curto para aquisição das imagens elimina a maioria dos artefatos de movimento. Em apenas um dos casos foi obtida sequência Fast Gradient-Echo para melhor demonstração de hemorragia. A seqüência ponderada em T1 não foi realizada em nenhum dos nossos casos devido ao seu maior tempo de aquisição, tornando esta seqüência mais susceptível aos artefatos de movimento fetal. 1
RESULTADOS: A maioria dos casos examinados tiveram como indicação achados anormais ao US. As malformações do SNC representaram 60% dos achados (9 casos), sendo demonstrado dilatações ventriculares em 40% (6 casos), sendo 3 por estenose aquedutal, 2 por malformação de Chiari II e 1 associado a meningomielocele. Os demais casos estudados foram 2 processos expansivos cervicais (13,3%) e 1 hemorragia parenquimatosa em gestação gemelar (6,7%). DISCUSSÃO: Todos os tipos celulares do SNC têm sua origem a partir da matriz germinativa, que até a 30a semana gestacional encontra-se ao redor das paredes ventriculares. Da 20a. à 25a. semana de gestação o cérebro ainda é agírico, com os sulcos e fissuras largos e pouco desenvolvidos (Figs. 1 A e B). Fig.1.A) Plano sagital T2 na extremidade lateral do hemisfério cerebral, evidenciando padrão agirico normal do feto na 22ª semana de gestação, não devendo este ser confunfido com disgenesia cortical. B) Exame de controle na 30ª semana evidenciando desenvolvimento normal da sulcação. O corpo caloso costuma ser visto a partir da 20a. Semana, porém devido às suas pequenas dimensões uma boa avaliação da linha média costuma ser mais confiável de sua presença (Figs. 2 A e B). Fig.2 A, B) Agenesia de corpo caloso. Planos coronal e axial evidenciando clássico aspecto de não eversão do giro do cíngulo, não cruzamento das fibras longitudinais de Probst e o aspecto de colpocefalia dos ventrículos laterais. 2
As alterações de sinal no parênquima cerebral são observadas da 20ª à 28ª semana. A hipercelularidade do córtex, camada intermediária (representando a migração dos neuroblastos) e área periventricular são demonstradas com alto sinal nas sequências ponderadas em T1 e baixo sinal em T2. As camadas de substância branca externa e internamente à camada intermediária apresentam hiposinal em T1 e hipersinal em T2 devido à maior quantidade de água intracelular (Figura 3 A e B). Fig.3 A,B) Planos axial e coronal em feto de 16 semanas, evidenciando a hipointensidade de sinal periventricular, compatível com matriz germinativa e migração de neuroblastos. (Seta e cabeça de seta respectivamente). VENTRICULOMEGALIAS: a dilatação ventricular é considerada uma das condições clínicas mais comuns, sendo em 60% dos casos devida a malformações, tumores e lesões destrutivas, e em 40% sem uma causa aparente 2. Girard e col. 1,2,3 encontraram a dilatação ventricular como anormalidade mais freqüênte (40%). A venticulomegalia é definida como um aumento do tamanho dos átrios ventriculares maior que 10 mm, sendo classificado como LEVE quando medir entre 10-15 mm, MODERADA se maior que 15mm com córtex residual maior que 2mm de diâmetro,e SEVERA se o córtex residual for menor que 2 mm de diâmetro10. Na nossa casuística os 6 casos estudados com ventriculomegalia tiveram como causas a estenose aquedutal (3 casos, sendo 2 ventriculomegalias severas e 1 moderada), malformação de Chiari II (2 casos sendo 1 severa e a outra com leve / moderada) e meningomielocele com ventriculomegalia leve. (Figuras 4 e 5) 3
Fig. 4.A-) Ventriculomegalia moderada, diagnosticada intra-útero. B-) Exame pós nascimento confirmando o achado intra-útero. C-) Plano sagital evidenciando o aspecto normal do 4º ventrículo e o achado sugestivo de estenose de aqueduto. D-) Exame pós nascimento mostrando a estenose do aqueduto (seta). Figs. 5 A,B-) Padrão clássico de hidrocefalia severa, mostrando dilatação dos átrios e corpos ventriculares maior que 15mm e parênquima adjacente menor que 2mm. C-) 4º ventriculo com dimensões normais e aspecto sugestivo de estenose do aqueduto mesencefálico. MALFORMAÇÕES: as malformações congênitas do SNC estão entre as alterações mais comuns encontradas (31% segundo Girard e col.1,2,3) sendo os defeitos do tubo neural as anomalias mais freqüentes tanto na literatura como em nossa casuística. Na maioria dos casos de defeito do tubo neural, como as anencefalias, iniencefalias, grande parte da meningomieloceles e malformações de Chiari tipo III, a RMF não é necessária uma vez que o US é suficiente. Porém a Ressonância Magnética tem ajudado a demonstrar as alterações cerebrais associadas e a avaliar o tecido herniado 4
ou colaborar anatomicamente para o planejamento cirúrgico. Na nossa casuística foram realizados 4 exames por este defeito, sendo 1 Iniencefalia (Figura 6), 1 meningomielocele isolada com hidrocefalia leve (Figura 7), e 2 malformações de Chiari tipo II, sendo uma com diastematomielia e ventriculomegalia leve de um lado e moderada do outro (Figura 8), e o outro caso com hidrossiringomielia e hidrocefalia severa. (Figura 9) Figs. 6-) Iniencefalia. Notar a boa correlação entre os achados da RMF (B) e o aspecto macroscópico do feto (A). Encefelocele parieto-occipital em C (seta) e o lábio leporino em D (cabeça de seta). 5
Figs. 7-) Mielomeningocele lombar. Notar a integridade do canal raquiano no feto normal em A (seta) comparado ao feto com mielomeningocele em B (cabeça de seta). Figs. 8-) Malformação de Chiari II. A-) Notar a mielomeningocele lombar (seta), associado (B) a alargamento do forame magno e herniação da amigdala e vérmis cerebelar. C-) Mesmo feto evidenciando diastematomielia (cabeças de seta). Figs. 9-) Malformação de Chiari II. A-) Mielomeningocele associada a importante deformidade cifótica lombar e (B) a cavidade hidrossiringomiélica (seta). Figs. 10-) Malformação de Dandy-Walker. Aspecto clássico da elevação do tentório, alargamento cístico do 4º ventrículo, hipoplasia do vérmis e hemisférios cerebelares. 6
Figs. 11-) Holoprosencefalia alobar. Fusão dos tálamos, ventrículo único, fusão dos hemisférios cerebrais que são restritos à porção anterior do crânio ( cérebro em panqueca ). Figs. 12-) Hemimegaencefalia unilateral. Aumento hamartomatoso do hemisfério cerebral direito em relação ao lado contralateral. Figs. 13-) Gestação gemelar evidenciando no feto A, sequela de hemorragia (seta), caracterizada como hipointensidade de sinal na profundidade do hemisfério cerebral esquerdo, compatível com hemorragia de matriz germinal grau IV. 7
Figs. 14. (A) Volumosa massa cervical anterior, diagnosticado após o nascimento como teratoma maduro. (B) Massa cervical posterior diagnosticado como linfangioma. A US tem boa acurácia em demonstrar formas severas de malformação de Dandy- Walker, consistindo de cisto na fossa posterior combinado a hidrocefalia e agenesia vermiana. (Figura 10). A RMF tem ajudado a demonstrar malformações supratentoriais associadas, bem como avaliar a posição do tentório, uma vez que nesta afecção encontra-se em posição elevada, ao contrário das malformações de Chiari em que a fossa posterior é pequena e o tentório é baixo. Com relação às holoprosencefalias a ultrassonografia tem-se mostrado eficaz no diagnóstico das formas alobar e semi-lobar, sendo a RMF utilizada nos casos de diagnóstico tardio ou para excluir outras malformações que cursam com grandes dilatações, demonstrando assim o ventrículo único e as ausências do corpo caloso e da fissura inter-hemisférica. Em nossa instituição foram realizados 2 exames de holoprosencefalia do tipo alobar. (Figura 11). Os distúrbios da histogênese podem ser classificados em 3 tipos. O pré-migratório compreende as displasias corticais focais como a displasia de Taylor e os túberes corticais da esclerose tuberosa, e as displasias corticais difusas como as hemimegaencefalias, que podem ser reconhecidas pelo aumento volumoso e unilateral do hemisfério cerebral, tendo sido um caso confirmado em nossa casuística pela RMF. (Figura 12). LESÕES DESTRUTIVAS: lesões clásticas consistem de hemorragias, gliose/necrose da substância branca, isquemia, atrofia e abscessos que podem estar superponíveis. As hemorragias são caracterizadas por hipersinal em T1 e hiposinal em T2 no parênquima, matriz germinal ou ventrículos, isolados ou combinados. (Figura 13). Hemorragias crônicas, geralmente da matriz germinal, costumam ser irregulares e com hiposinal em T2. TUMORES E MASSAS CERVICAIS: neoplasias são congênitas quando encontram-se presentes ao nascimento ou tem sua origem in utero. Teratomas e Gliomas, que representam 2/3 dos tumores congênitos do SNC, e as massas cervicais são encaminhados à RMF para melhor avaliação diagnóstica e estudo anatômico, contribuindo desta forma para uma adequada conduta terapêutica. Nossos casos incluem 2 massas cervicais cujos anátomo-patológicos demonstraram tratar-se de 1 Teratoma e 1 Linfangioma (Figuras 14). 8
CONCLUSÃO: O estudo fetal por ressonância magnética, principalmente do sistema nervoso central, vem demonstrando um papel importante no diagnóstico pré-natal de inúmeras condições. No entanto, a ultrassonografia ainda é, e deve continuar sendo, o método de escolha para o screening pré-natal; sendo a RMF realizada em pacientes e indicações selecionados, obtendo desta forma informações adicionais que comprovem ou refutem as anormalidades suspeitadas ao US. BIBLIOGRAFIA 1-) Girard, N.; Raybaud, C.; Gambarelli, D.: Pediatric NeuroImaging Fetal MR imaging. In: Demaerel(ed.): Recent Advances in Diagnostic Neuroradiology, Springer 2001, cap.23, pág. 373-398. 2-) Girard, N.; Raybaud, C.; Gambarelli, D.; Figarella-Branger, D.: Fetal Brain MR imaging. In: Barkovich, A. J.; Zimmerman, R.A. (eds.): Magnetic Ressonance Imaging Clinics of North America, Vol. 9, n1, February 2001, pag. 19-56. 3-) Girard, N. : Fetal MR imaging. In: Eur Radiol (2002) 12:1869-1871. 4-) Huisman, T.A.G.M.; Martin, E.; Kubick-Huch, R.; Marincek, B.: Fetal magnetic ressonance imaging of the brain: technical considerations and normal brain development. In: Eur Radiol (2002) 12: 1941-1951. 5-) Ertl-Wagner, B.; Lienemann, A. ; Strauss, A. ; Reiser, M.F. : Fetal magnetic ressonance imaging: indications, technique, anatomical considerations and a review of fetal abnormalities. In: Eur Rad (2002) 12:1931-1940. 6-) Huisman, T.A.G.M.; Wisser, J.; Martin, E.; Kubik-Huch, R.; Marincek, B.: Fetal magnetic ressonance imaging of the central nervous system. In: Eur Rad (2002) 12: 1952-1961. 7-) Huisman, T.A.G.M.; Wisser, J.; Kubik-Huch, R.; Marincek, B.; Gottstein-Aalame, N.; Debatin, J.F.; Seifert, B.; Ladd, M.E.; Stallmach, T. : Ultrafast MR Imaging of the Fetus. In: AJR:174, June 2000. 8-) Baker PN, Johnson DM, Harvey, PR, et al: A three year follow-up of children imaged in utero with echo-planar magnetic-resonance. Am J Obstet Gynecol 170: 32-33, 1994. 9-) Johnson IR, Symonds EM, Kean DM, et al: Imaging of the pregnant human uterus with nuclear magnetic resonance. Am J Obstet Gynecol 148: 1136, 1984. 10-) Levine,D.; Trop, I.; Mehta, T.S.; Barnes, P.D.: MR imaging appearence of fetal cerebral ventricular morphology. In: Radiology 2002; 223: 652-660. 9