HERANÇA DA RESISTÊNCIA DO ALGODOEIRO À MURCHA DE Verticillium (*) Reginaldo Roberto Lüders (IAC / rrluders@iac.sp.gov.br ), Rafael Galbieri (Mestrando PG/IAC, bolsista FAPESP), Milton Geraldo Fuzatto (IAC), Edivaldo Cia (IAC). RESUMO O controle genético da resistência do algodoeiro à murcha de Verticillium foi estudado por meio de delineamento específico para a análise de médias e variâncias. O caráter mostrou-se de alta herdabilidade e devido, predominantemente, a efeitos aditivos dos genes. Conforme o método de avaliação da doença e o procedimento adotado para o cálculo, de um a três genes, estariam envolvidos na determinação da resistência. Embora os resultados tenham sido bastante parecidos, nos três métodos utilizados para a avaliação da doença, um provável mecanismo de tolerância, observado principalmente no progenitor resistente, aponta para a possibilidade de que inconsistências possam ocorrer em estudos da resistência a essa doença, no caso de avaliação com base nos sintomas externos nas folhas. Palavras-chave: algodoeiro, resistência a doenças, Verticillium. INTRODUÇÃO Devido ao seu elevado potencial de dano, a murcha causada por Verticillium dahliae Kleb encontra-se entre as principais doenças que afetam o algodoeiro (CIA e SALGADO, 2005). De ocorrência em praticamente todas as regiões produtoras de algodão no mundo, é conhecida no Brasil desde 1926 (SILVEIRA, 1965). Embora práticas culturais, como a rotação de culturas, possam auxiliar no seu controle, este é praticamente inviável sem emprego, nas lavouras, de cultivares resistentes. Genótipos com tal característica e trabalhos de melhoramento genéticos para resistência a essa doença são bastante conhecidos, tanto no exterior (BASSETT, 1974; BELL, 1999) como no Brasil (BALMER et al., 1969; CIA et al., 1970, 1975; GRIDI-PAPP et al., 1994). Todavia, são escassos e, não raro, contraditórios (MERT et al., 2005; WILHELM et al., 1974) os trabalhos que tratam do mecanismo genético da resistência à doença. Considerando a possibilidade de que ela venha a constituir problema também na cotonicultura brasileira, o presente trabalho visou elucidar aspectos referentes à herança da resistência a esse patógeno. MATERIAL E MÉTODOS Nos anos de 2005 e 2006 foram realizados no Instituto Agronômico (IAC) diversos experimentos referentes a essa doença, incluindo a avaliação do comportamento de genótipos de algodoeiro, em face de sua ocorrência (GALBIERI et al., 2006ab) Dentre os genótipos estudados, verificou-se que a cultivar DELTAOPAL e a linhagem IAC 02-2190 mostraram-se, respectivamente, como o mais resistente e o mais suscetível deles. Esses genótipos foram, então, utilizados em um esquema de hibridação, visando ao estudo genético de médias e variância. As seis populações obtidas (Parentais, F1, F2 e os retrocruzamentos) foram estudados em experimento realizado em casa de
vegetação, em 2006, delineado em blocos ao acaso, com três repetições. O plantio foi efetuado em vasos com capacidade de 5 L, cada um contendo quatro plantas de cada população. A inoculação foi realizada pelo método deeping (WILLES, 1952), trinta dias após a emergência das plantas, quando estas apresentavam de três a quatro folhas verdadeiras. A avaliação foi realizada no nível de plantas, 65 dias após a inoculação, mediante três diferentes métodos: a) considerando os sintomas externos, segundo a proporção, nas plantas, das folhas que os apresentavam; b) pelos sintomas internos, de acordo com a presença e intensidade de vasos escurecidos - devido à presença do fungo - avaliados mediante corte horizontal na base do caule; e c) também pelos sintomas internos, segundo a altura atingida no caule pelos vasos escurecidos. Dessa forma, cada planta foi avaliada pelos três métodos, atribuindo-se, a cada um deles, notas de 1 a 5, crescentes com a intensidade dos respectivos sintomas. Para análises estatísticas as notas foram transformados em x, e no estudo da natureza e magnitude dos efeitos genéticos envolvidos foi empregado o método de Mather e Jinks (1977). RESULTADOS E DISCUSSÃO Na Tabela 1 encontram-se as médias e variâncias populacionais e um resumo da análise de variância convencional. Os resultados desta última revelam, para os três métodos de avaliação, um experimento com boa precisão e dados consistentes, a julgar pelo coeficiente de variação e pela correlação intra-classe. Ademais, os valores do teste F mostraram diferenças substanciais entre as populações, e o teste Tukey para a comparação das médias confirma as diferenças de resistência entre os parentais e também entre o progenitor suscetível e o retrocruzamento para o pai resistente. Também, nos três métodos, os contrastes Ya = 2RC1 P1 F1; Yb = 2RC2 P2 F1; e Yc = 4F2 2F1 P1 P2 não foram significativos, indicando ausência de efeitos epistáticos, como pressupõe o método de análise genética adotado. Na interpretação dos resultados, no estudo genético das médias, foi adotado o modelo aditivo/dominante simplificado, uma vez que seus parâmetros explicavam mais de 90 % dos resultados e as interações do modelo completo mostravam-se irrelevantes. Dessa forma, pela análise dos dados da Tabela 2 verifica-se que a resistência à doença deve-se, predominantemente, a efeitos aditivos dos genes, sendo os de dominância praticamente nulos. A análise genética das variâncias, embora tenha confirmado, em parte, os resultados obtidos com as médias, não apresentou a mesma coerência. Suscitam dúvidas, por exemplo, as variâncias do parental resistente (P1), no caso dos métodos b e c de avaliação (Tab. 1), uma vez que destoam bastante das variâncias de P2 e F1, quando esse parâmetro deve representar, nas três populações, apenas a variância ambiental. Em vista disso, esta última foi calculada apenas com base nas variâncias do parental suscetível e da população F1. Ainda assim, permanecem outros dados inexplicáveis como a variância aditiva maior que a genotípica no método b (Tab. 3) e, sobretudo, as estimativas do grau de dominância totalmente em desacordo com as médias de P1, P2 e F1 e com os valores desse mesmo parâmetro quando estimados com base nas médias. Vale lembrar que problemas semelhantes na análise genética de variâncias foram apontados por Warner (1952) e por Fuzatto et al. (2006), sugerindo, como no presente caso, cautela na interpretação dos resultados. De todo modo, a despeito das limitações apontadas, o estudo das variâncias confirmou a predominância dos efeitos aditivos no controle do caráter e revelou índices de herdabilidade bastante favoráveis para o melhoramento visando resistência a essa doença. Estimados pela freqüência da classe extrema na população F2 e, alternativamente, pela fórmula de Wright (VENCOVSKY e BARRIGA, 1992), estariam envolvidos, na expressão do caráter, de um a dois genes no primeiro caso e de dois a três, no segundo. Convém notar que o número estimado de genes diferiu, também, conforme o método de avaliação da doença. A propósito, verifica-se que as
notas médias, em todas as populações, foram mais baixas no caso de avaliação dos sintomas externos, e, considerando os dois progenitores, esse fato é mais acentuado no caso do resistente. Ademais, a correlação entre as notas dos dois métodos que compreendem sintomas internos foi de r = 0,78 e entre aquelas envolvendo sintomas internos qualquer deles e externos foi de apenas r = 0,50. Esses fatos podem estar indicando que um mecanismo de tolerância esteja envolvido na manifestação da doença, pelo menos para os parentais utilizados. CONCLUSÕES 1. A resistência à murcha de Verticillium é caráter de alta herdabilidade e devida, predominantemente, a efeitos aditivos de genes. 2. Conforme o método de avaliação da doença e o procedimento adotado para cálculo, de um a três genes podem estar envolvidos no controle da resistência. 3. Um provável mecanismo de tolerância, observado principalmente no progenitor resistente, indicou que inconsistências podem ocorrer no estudo da resistência ao patógeno, no caso de avaliação com base nos sintomas externos nas folhas. (*) Trabalho realizado com apoio financeiro da FAPESP e do FIALGO. CONTRIBUIÇÃO PRÁTICA E CIENTÍFICA DO TRABALHO A murcha de Verticillium é uma das doenças mais sérias do algodoeiro e pode vir a constituir problema na cotonicultura brasileira. O trabalho esclarece os fundamentos para melhoramento genético visando à obtenção de cultivares resistentes, único meio prático para controle da doença nas culturas comerciais.
Tabela 1. Notas médias, variâncias e resultados da análise estatística convencional, obtidos em experimentos para estudo da herança da resistência do algodoeiro à murcha de Verticillium. Médias (2) Variâncias (3) Geração N (1) Métodos (4) Métodos (4) a b c a b c P1 35 1,28 1,97 2,03 0,041 0,114 0,125 P2 40 2,88 3,40 3,60 0,043 0,046 0,018 F1 26 2,14 2,52 2,73 0,026 0,026 0,021 F2 142 1,77 2,53 2,70 0,108 0,127 0,146 RC1 37 1,38 2,42 2,56 0,061 0,078 0,072 RC2 77 1,82 3,34 3,46 0,099 0,070 0,100 "F" 47,1** 16,1** 19,1** C.V. 4,40 4,50 3,90 ri 0,94 0,85 0,94 Tukey 5 % 0,53 0,64 0,58 (1) Número de plantas avaliadas em cada geração. (2) Notas de 1 a 5, não transformadas. (3) Variâncias com as notas transformadas em x. (4) a = sintomas externos nas folhas; b = intensidade dos vasos escurecidos; c = altura atingida no caule pelos vasos escurecidos. Tabela 2. Parâmetro genéticos obtidos na análise genética de médias efetuadas em experimento para estudo da herança da resistência do algodoeiro à murcha de Verticillium. Método a (2) Método b (2) Método c (2) Parâmetros (1) Estimativa "t" Estimativa "t" Estimativa "t" m 1,3607 53,17** 1,6106 53,25** 1,6572 57,78** a 0,2880 11,36** 0,2169 7,42** 0,1883 6,76** d -0,0020 0,04-0,0306 0,49 0,0037 0,06 (1) m = média dos homozigotos de todos os genes; a = efeitos aditivos; d = efeitos de dominância. (2) Métodos: a = sintomas externos nas folhas; b = intensidade dos vasos escurecidos; c = altura atingida no caule pelos vasos escurecidos.
Tabela 3. Parâmetros genéticos da população F2, obtidos na análise genética de variâncias efetuada em experimento para estudo da herança da resistência do algodoeiro à murcha de Verticillium. Parâmetros Estimativas Método a (1) Método b (1) Método c (1) Variância fenotípica 0,1084 0,1270 0,1464 Variância ambiental 0,0340 0,0362 0,0194 Variância genotípica 0,0744 0,0908 0,1270 Variância aditiva 0,0565 0,1057 0,1205 Variância de dominância 0,0179-0,0149 0,0050 Heradabilidade ampla 0,69 0,71 0,87 Heradabilidade restrita 0,52 0,83 0,82 G.M.D. (base em variâncias) 0,796 0,531 0,288 G.M.D. (base em médias) 0,075-0,147-0,108 Nº de genes (2) 2,1 1,3 1,1 Nº de genes (3) 3,2 2,9 2,6 (1) Métodos: a = sintomas externos nas folhas; b = intensidade dos vasos escurecidos; c = altura atingida nos caules pelos vasos escurecidos. (2) Cálculo realizado com base na freqüência da classe extrema na população F2. (3) Cálculo pela fórmula de Wright. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BALMER, E.; CIA, E.; SALGADO, C.L. Estudo da resistência a Verticillium albo-atrum Reinke & Berth em variedades paulistas de algodoeiro. Bragantia, Campinas, v. 28, p. 39-46, 1969. BASSETT, D.M. Resistance of cotton cultivars to Verticillium wilt and its relation to yield. Crop Science, v. 14, p. 864-867, 1974. BELL, A.A. Diseases of cotton. In: SMITH, C.W. ; COTHREN, J.T. (Eds.). Cotton: origin, history, tecnology and production. New York: John Wiley, 1999. p. 553-593 CIA, E. ; SALGADO, C. L. Doenças do algodoeiro (Gossypium spp.). In: KIMATI, H.; AMORIM, L.; REZENDE, J.A.M.; BERGAMIN FILHO, A.; CAMARGO, L.E. A. (Eds.). Manual de fitopatologia: doenças das plantas cultivadas. 4. ed. São Paulo: Agronômica Ceres,, 2005. v.2, p. 41-52 CIA, E.; FERRAZ, C.A.M.; GRIDI-PAPP, I.L.; SILVA., N.M.; SOAVE, J.; PARADELA FILHO, O.; RIBEIRO, I.J. A.; SABINO, N.P. Avaliação da resistência de variedades paulistas de algodoeiro à murcha de Verticillium. Summa Phytopathologica, v. 1, n. 2, p. 132-140, 1975. CIA, E.; FERRAZ, C.A.M.; SILVA, N.M.; FUZATTO, M.G. Comportamento de variedades paulista de algodoeiro em solo infestado pelo fungo causador da murcha verticilar. Bragantia, v. 29, p. 73-79, 1970. FUZATTO, M.G.; LUDERS, R.R.; CIA, E.; ALMEIDA, W.P.; GALBIERI, R. Inheritance of resistance to reddish wilting in cotton. Crop Breeding and Applied Biotechnology, v.6, n. 3, 2007. GALBIERI, R.; CIA, E.; LÜDERS, R.R.; FUZATTO, M.G.; ITO, M.F. Resistência de cultivares de algodoeiro a isolados de Verticillium dahliae. Summa Phytopathologica, v. 32, p. 9, 2006a. GALBIERI, R.; CIA, E.; FUZATTO, M.G.; LÜDERS, R.R.; KONDO, J.I. Resistência de cultivares de
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