Neoplasia intraepitelial cervical: envolvimento das margens de ressecção, após excisão eletrocirúrgica com alça, e recidiva da doença



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Transcrição:

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA Fundada em 18 de fevereiro de 1808 Monografia Neoplasia intraepitelial cervical: envolvimento das margens de ressecção, após excisão eletrocirúrgica com alça, e recidiva da doença Cissa Ferreira Lopes Araújo Salvador (Bahia) Agosto, 2013

II Ficha catalográfica (elaborada pela Bibl. SONIA ABREU, da Bibliotheca Gonçalo Moniz: Memória da Saúde Brasileira/SIBI-UFBA/FMB-UFBA) A663 Araújo, Cissa Ferreira Lopes Neoplasia intraepitelial cervical: envolvimento das margens de ressecção, após excisão eletrocirúrgica com alça, e recidiva da doença / Cissa Ferreira Lopes Araújo. Salvador: CFL, Araújo, 2013. viii, 42p. il Monografia de Conclusão do Curso de Medicina, Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia Professor orientador: Nilma Antas Neves Palavras-chaves: 1. Neoplasia Intraepitelial Cervical; 2. Conização; 3. Recidiva. CDU: 616-006.6

III UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA Fundada em 18 de fevereiro de 1808 Monografia Neoplasia intraepitelial cervical: envolvimento das margens de ressecção, após excisão eletrocirúrgica com alça, e recidiva da doença Cissa Ferreira Lopes Araújo Professor orientador: Nilma Antas Neves Monografia de Conclusão do Componente Curricular MED-B60/2013.1, como prérequisito obrigatório e parcial para conclusão do curso médico da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia, apresentada ao Colegiado do Curso de Graduação em Medicina. Salvador (Bahia) Agosto, 2013

IV

O homem nasceu para aprender... aprender tanto quanto a vida lhe permita. (Guimarães Rosa) V

Aos Meus Pais, Ivanilton Araújo e Iracilda Ferreira Lopes Araújo, e aos meus irmãos, Ivana Ferreira Lopes Araújo e Ivan Ferreira Lopes Araújo VI

VII EQUIPE Cissa Ferreira Lopes Araújo, Faculdade de Medicina da Bahia/UFBA. Endereço eletrônico: cissa.flaraujo@gmail.com; Telefone para contato: (71)9158-4145; e Nilma Antas Neves, Faculdade de Medicina da Bahia/UFBA; INSTITUIÇÕES PARTICIPANTES UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Faculdade de Medicina da Bahia (FMB) FONTES DE FINANCIAMENTO 1. Recursos Próprios

VIII AGRADECIMENTOS À minha Professora Orientadora, Doutora Nilma Antas Neves, pela dedicação e pelas orientações acadêmicas, de grande importância para a execução deste trabalho e para o meu futuro profissional. Meus especiais agradecimentos pela constante atenção e disponibilidade. À coordenação do Núcleo de Formação Científica da Faculdade de Medicina da Bahia, na pessoa do Professor José Tavares-Neto, pela imensurável dedicação e pelo esforço em prol da elaboração de monografias de conclusão de curso de melhor qualidade. A Allison Ramon Araújo de Santana, pela revisão criteriosa deste trabalho, pelo auxílio com as ferramentas informatizadas e pelo companheirismo.

1 ÍNDICE ÍNDICE DE FLUXOGRAMAS, FIGURA E QUADROS... 2 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS... 3 I. RESUMO... 4 II. OBJETIVO... 5 III. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA... 6 III.1. Câncer de Colo Uterino.... 6 III.1.1. Histórico da prevenção do câncer de colo de útero no Brasil... 7 III.2. Papilomavirus humano (HPV)... 9 III.3. Neoplasia Intraepitelial Cervical (NIC)... 10 III.3.1.Classificação... 11 III.3.2. Diagnóstico... 12 III.3.3. Tratamento... 13 III.3.4. Doença Residual e Recidiva... 19 IV. METODOLOGIA... 22 V. RESULTADOS... 24 VI. DISCUSSÃO... 30 VII. CONCLUSÕES... 38 VIII. SUMMARY... 39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 40

2 ÍNDICE DE FLUXOGRAMAS, FIGURA E QUADROS FLUXOGRAMAS FLUXOGRAMA I. Recomendações de condutas para mulheres com diagnóstico citopatológico de LSIL.... 14 FLUXOGRAMA II. Recomendações de condutas para mulheres com diagnóstico citopatológico de HSIL.... 16 FLUXOGRAMA 1. Seleção dos artigos pesquisados.... 24 FIGURA FIGURA I. Margem endocervical comprometida por lesão intraepitelial de alto grau em peça de conização.... 18 QUADROS QUADRO 1. Número da Amostra e Idade das Participantes, por autor e ano... 25 QUADRO 2. Tempo médio de seguimento e definição de doença residual/recorrente, por autor e ano... 26 QUADRO 3. Proporção dos graus de NIC entre as pacientes incluídas e envolvimento das margens do cone, por autor e ano... 27 QUADRO 4. Doença residual e/ou recidiva de NIC, por autor e ano... 29

3 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS AGUS: Atypical Glandular Cells of Undetermined Significance ASCCP: American Society for Colposcopy and Cervical Pathology ASCUS: Atypical Squamous Cells of Undetermined Significance CAF: Cirurgia de Alta Frequência CAPES: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CO: Colpocitologia Oncótica EZT: Exérese da Zona de Transição FEBRASGO: Federação das Associações de Ginecologia e Obstetrícia HPV: Papilomavírus Humano HSIL: High Grade Squamous Intraepithelial Lesion INCA: Instituto Nacional do Câncer JEC: Junção Escamocolunar LEEP: Loop Electrosurgical Excision Procedure LIEAG: Lesão Intraepitelial de Alto Grau LIEBG: Lesão Intraepitelial de Baixo Grau LSIL: Low Grade Squamous Intraepithelial Lesion MEDLINE: Medical Literature Analysis and Retrieval System Online MS: Ministério da Saúde NIC: Neoplasia Intraepitelial Cervical OMS: Organização Mundial de Saúde PAISM: Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher PNAO: Política Nacional de Atenção Oncológica PRO-ONCO: Programa de Oncologia SISCOLO: Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero SUS: Sistema Único de Saúde VPN / UFBA: Virtual Private Network / Universidade Federal da Bahia

4 I. RESUMO NEOPLASIA INTRAEPITELIAL CERVICAL: ENVOLVIMENTO DAS MARGENS DE RESSECÇÃO, APÓS EXCISÃO ELETROCIRÚRGICA COM ALÇA, E RECIDIVA DA DOENÇA. Introdução: O Câncer de colo de útero (câncer cervical) é a terceira neoplasia mais comum entre as mulheres no mundo, e tem como lesão precursora a neoplasia intraepitelial cervical (NIC), cujo tratamento pode ser realizado através de excisão eletrocirúrgica da lesão, também chamada de LEEP (Loop Electrosurgical Excision Procedure). Tal método tem sido o procedimento de escolha na prática ginecológica, pois é seguro, eficaz e pode ser feito em nível ambulatorial, removendo a lesão e disponibilizando material para avaliação histopatológica, fundamental para a detecção de doença residual ou recorrente em estágios precoces. Quando a excisão da lesão é incompleta, diz-se que há envolvimento das margens de ressecção, e existem relatos de que, quando as margens são comprometidas, há um risco maior de recidiva da doença. Objetivo: Buscar, na literatura, evidências de que o comprometimento das margens de ressecção, após excisão eletrocirúrgica com alça, influencia no risco de recidivas ou lesão residual da NIC. Metodologia: Revisão sistemática da literatura, utilizando a base de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE ). Resultados: Foram encontrados 77 artigos, sendo 12 deles selecionados para este estudo. Seis destes demonstraram forte associação entre o comprometimento das margens cirúrgicas e recidiva de NIC. Apenas um estudo indicou que o status da margem após o LEEP não interfere nas chances de doença residual / recorrente. Os demais trabalhos encontraram a associação em questão, mas sem valor estatístico significante. Discussão: O comprometimento das margens de ressecção é apontado, por diversos autores, como um importante preditor de recidiva da doença, embora outros fatores também possam influenciar no desfecho de cada paciente. Pode ocorrer recidiva da lesão tanto após excisão incompleta, quanto após excisão completa da NIC. Contudo, como relatado por muitos autores, a recorrência é mais prevalente em mulheres com excisão incompleta, independentemente do método de tratamento empregado. Conclusões: A presença de NIC nas margens cirúrgicas após o LEEP está, na maioria dos estudos, associada à recidiva da doença. Pacientes com margens excisionais positivas são, significativamente, mais susceptíveis à doença residual ou recorrente, em comparação àquelas com margens livres. Palavras-chave: 1. Neoplasia Intraepitelial Cervical; 2. Conização; 3. Recidiva.

5 II. OBJETIVO Buscar, na literatura, evidências de que o comprometimento das margens de ressecção após excisão eletrocirúrgica com alça influencia no risco de recidivas ou lesão residual da Neoplasia Intraepitelial Cervical.

6 III. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA III.1. Câncer de Colo Uterino Com cerca de 530 mil novos casos por ano no mundo, o câncer do colo do útero (câncer cervical) é o terceiro tipo de câncer mais comum na população feminina, sendo responsável por 275 mil óbitos por ano. (1) No Brasil, em 2012, contabilizou-se aproximadamente 17.540 casos novos, com risco estimado de 17 ocorrências a cada 100 mil mulheres. (1) Considera-se a infecção persistente por tipos específicos do Papilomavírus humano (HPV) um fator necessário, em 99% dos casos, para o desenvolvimento da carcinogênese cervical. Entretanto, nem todas as mulheres infectadas com o HPV desenvolvem câncer. Outros fatores de risco podem atuar associados a esta infecção, aumentando o papel indutor de carcinogênese do HPV. São eles: tabagismo, início precoce da atividade sexual, multiplicidade de parceiros sexuais, deficiências nutricionais e estado de imunossupressão. (2) Na maior parte dos casos, a evolução do câncer de colo de útero é lenta, incluindo fases pré-clinicas (pré-invasivas) em que há grandes chances de detecção e cura. Para a detecção precoce dessa doença no Brasil, a principal estratégia adotada é a realização periódica da citologia cérvico-vaginal oncótica, também denominada colpocitologia oncótica (CO), procedimento conhecido popularmente como exame de Papanicolaou. (3) Há evidências de que programas bem desenvolvidos de prevenção do câncer cervical, que incluem detecção precoce e tratamento adequado das lesões pré-invasivas, reduzem a incidência e a mortalidade dessa patologia. (4) Isto vem sendo alcançado através de exames preventivos de colpocitologia oncótica. Em pacientes com resultados alterados, segue-se com

7 colposcopia associada à biópsia dirigida. Estabelecido o diagnóstico, o tratamento das lesões é feito, preferencialmente, por conização (com bisturi frio ou através de excisão eletrocirúrgica com alça). (5) III.1.1. Histórico da Prevenção do Câncer de Colo de Útero no Brasil O Controle do câncer de colo uterino no Brasil começou a partir de 1940, através de iniciativas de profissionais que trouxeram a citologia e a colposcopia para o país. (6) No ano de 1956, o então presidente Juscelino Kubitschek fomentou, com o intuito de atender aos casos de câncer de aparelho genital feminino e mama, a construção do Centro de Pesquisas Luiza Gomes de Lemos (hoje integrado ao INCA Instituto Nacional de Câncer), no Rio de Janeiro. (6) Entre os anos de 1972 e 1975, o Ministério da Saúde (MS), através da Divisão Nacional de Câncer, delineou o Programa Nacional de Controle do Câncer, cujo objetivo era combater o câncer de modo geral, com destaque ao rastreamento das neoplasias do colo uterino. (6) A implantação do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM), em 1984, previa a disponibilização, pelos serviços básicos de saúde às mulheres, atividades de prevenção do câncer de colo de útero. Apesar da baixa cobertura do programa, sua principal contribuição foi a introdução e o estímulo da coleta do material para o exame citopatológico, tornando-o procedimento de rotina durante a consulta ginecológica. (6) Após a criação e regulamentação do SUS (Sistema Único de Saúde), em 1988 e 1990, respectivamente, o Ministério da Saúde passou a coordenar a política de saúde no país. O

8 INCA adquiriu a responsabilidade pelo desenvolvimento da política nacional do câncer, incorporando o Programa de Oncologia (PRO-ONCO), que havia sido criado em 1986. (6) Por conta da alta mortalidade devido ao câncer cervical uterino, o INCA elaborou um projeto denominado Viva-Mulher, voltado para mulheres incluídas na faixa-etária de 35 a 49 anos. Foram criados, assim, protocolos para a padronização da coleta de material e das condutas. A cirurgia de alta frequência foi introduzida para tratar as lesões pré-invasoras. Tratava-se inicialmente de um projeto-piloto cuja ação era restrita. Depois, foi ampliada sob a forma do Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero Viva Mulher. Foram desenvolvidas estratégias para estruturação da rede assistencial e implantação de um sistema de informações para monitoramento das ações e captação de mulheres. (6) Em 1998, o MS instituiu o Programa Nacional de Combate ao Câncer do Colo do Útero, cuja coordenação foi transferida para o INCA em 1999, ano em que se aplicou o Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero (SISCOLO), para monitorar e gerenciar ações. (6) Já em 2002, a qualificação da atenção primária e a ampliação de centros de referência proporcionaram a mobilização de mulheres que nunca haviam sido submetidas ao exame preventivo, ou daquelas cujo tempo posterior ao último exame superava os três anos. (6) A Política Nacional de Atenção Oncológica (PNAO), lançada em 2005, priorizou o controle dos cânceres do colo do útero e de mama. A importância da detecção precoce foi enfatizada pelo Pacto pela Saúde em 2006. (6) O SISCOLO registrou, no ano de 2009, cerca de 11 milhões de exames citopatológicos no Brasil, mas, apesar dos avanços na atenção primária e no SUS, a redução da mortalidade por câncer de colo de útero ainda é um desafio no âmbito nacional. (6)

9 III.2. Papilomavirus humano (HPV) Transmitido sexualmente, o Papilomavirus humano (HPV) é a causa da mais prevalente patologia infecciosa do trato genital feminino entre as mulheres em idade reprodutiva com vida sexual ativa. (7) A prevalência do Papilomavirus humano na população é alta. Estima-se que 5 a 20% das mulheres sexualmente ativas apresentem positividade em testes moleculares de detecção. A incidência aumenta entre os que possuem parceiros múltiplos, entre os tabagistas e entre os imunodeprimidos. (3) Pertencente à família Papillomaviridae, o vírus é epiteliotrópico e possui diversos subtipos diferentes, dos quais uma significativa parte é dotada de potencial oncogênico (7). A infecção persistente pelo HPV é o principal fator de risco para o desenvolvimento do câncer de colo uterino e suas lesões precursoras. Esse vírus tem um importante papel na displasia das células cervicais e na sua consequente transformação em células neoplásicas. (3) A maioria das infecções pelo microorganismo em questão é assintomática, podendo regredir espontaneamente sem ser percebida. Os tipos de manifestações no colo uterino são diversos. Na forma latente, não há lesão clínica e o diagnóstico é apenas molecular. Em casos de infecção subclínica, as lesões não são vistas a olho nu e se sugere o diagnóstico pela colpocitologia, colposcopia ou histologia. Já na forma clínica, há uma lesão macroscópica, representada pelo condiloma acuminado. (3) Cerca de 40 tipos são encontrados comumente no trato genital. Destes, são considerados oncogênicos (ou de alto risco) os tipos 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59, 68, 73 e 82, por sua associação a lesões intraepiteliais cervicais de alto grau ou câncer. Os HPVs 16 e 18 são os mais prevalentes e mais relacionados à lesão cervical persistente e progressiva. (8)

10 As mulheres com infecção persistente por HPV do tipo 16 têm aproximadamente 5% de risco de desenvolverem, em 3 anos, lesão cervical de alto grau, e esse risco aumenta para 20% em 10 anos. (6) III.3. Neoplasia Intraepitelial Cervical (NIC) Diagnosticada principalmente após os 20 anos de idade, a Neoplasia Intraepitelial Cervical (NIC) é a lesão precursora do câncer cervical. Sua incidência é maior em mulheres entre 45 e 49 anos. (8) Grande parte dos carcinomas de colo de útero se inicia em uma região denominada zona de transformação, que é delimitada pelas mucosas glandular e escamosa. Nesse local, pode haver alteração de células imaturas que sofrem metaplasia devido à infecção pelo HPV. O primeiro estágio é justamente a lesão intraepitelial cervical, no qual as células neoplásicas ainda não transpuseram a membrana basal (nesse caso, são pré-malignas, porque ainda não possuem potencial metastático). Nesse momento, há possibilidade de regressão, persistência ou progressão para câncer invasivo. (8) O câncer invasor do colo uterino evolui, então, a partir da NIC (lesão precursora), que é curável na quase totalidade dos casos. Nem sempre uma NIC progride para um processo invasivo. Muitas dessas lesões podem regredir espontaneamente, mas a probabilidade de progressão justifica o tratamento. É dever do profissional de saúde considerar todas as lesões precursoras como significativas e tratá-las como tal. (6)

11 III.3.1. Classificação Levando-se em consideração a análise histopatológica do epitélio estratificado do colo do útero, a NIC I (displasia leve) corresponde à alteração celular que acomete as camadas mais basais deste epitélio (lesão confinada ao terço inferior). A maioria das pacientes com esse nível de lesão desenvolve regressão espontânea entre 12 a 24 meses. Na NIC II, ocorre alteração que afeta os dois terços inferiores da espessura do epitélio, preservando as camadas mais superficiais (displasia moderada). A NIC III (também denominada displasia acentuada ou carcinoma in situ) consiste na presença do desarranjo em mais de dois terços do epitélio sem, contudo, invasão do tecido conjuntivo subjacente. (2) O Sistema de Bethesda (1988, revisado em 1991 e 2001) consiste numa terminologia para laudo citológico e classifica as lesões precursoras do Câncer de Colo de Útero em Lesão Intraepitelial Escamosa de Baixo Grau (LIEBG ou LSIL Low Grade Squamous Intraepithelial Lesion), para lesões previamente classificadas como atipia coilocítica ou viral (HPV) e/ou NIC I, e em Lesão Intraepitelial Escamosa de Alto Grau (LIEAG ou HSIL High Grade Squamous Intraepithelial Lesion), compreendendo NIC II ou NIC III. (2) Vale salientar que a denominação NIC é um termo histológico. Na citologia, as designações utilizadas são: Lesão intraepitelial de baixo grau ou LIEBG, para as displasias leves (NIC I) e Lesão intraepitelial de alto grau ou LIEAG, para as displasias moderadas e graves (NIC II ou III). Geralmente, o tratamento da lesão é feito após análise histológica.

12 III.3.2. Diagnóstico Segundo a Organização Mundial de Saúde, a realização periódica do exame citopatológico (CO), nas mulheres com vida sexual ativa, é a estratégia mais utilizada para o rastreamento e diagnóstico do câncer do colo do útero. O nível de cobertura da população alvo (25 a 64 anos) é importante preditor na redução da incidência e da mortalidade por tal neoplasia. Países cuja cobertura do exame a cada três anos é superior a 50% apresentam taxas inferiores a três mortes por 100 mil mulheres por ano e, para aqueles com cobertura superior a 70%, a taxa de mortalidade é inferior a duas mortes a cada 100 mil mulheres por ano (6) As lesões pré-neoplásicas são normalmente assintomáticas. Raramente, a NIC de alto grau pode cursar com sangramento de contato e pós coito, devido a alterações vasculares do epitélio. Na maioria das vezes, as alterações induzidas pelo HPV são subclínicas, vistas através da colposcopia. (2) O diagnóstico é sugerido pela citologia (com técnica de Papanicolaou, que apresenta boa sensibilidade e alta especificidade), a qual aponta a presença de células alteradas (sugestivas de lesão epitelial), e precisa ser confirmado pela colposcopia (que indica o local da alteração tecidual) e biópsia dirigida pela colposcopia (que, através de estudo histopatológico, fornecerá o diagnóstico definitivo). Esses três exames constituem o diagnóstico morfológico da lesão. (2) O exame citopatológico não é capaz de detectar o HPV, tampouco o seu tipo, porém, pode diagnosticar uma infecção HPV-induzida através do efeito citopático viral, a coilocitose, que é considerada patognomônica. Em situações como esta, o exame traz o resultado de efeito citopático compatível com HPV, e é recomendável a repetição da colpocitologia oncótica após 6 meses. (9)

13 Os termos ASCUS (atipias de significado indeterminado em células escamosas) e AGUS (atipias de significado indeterminado em células glandulares) foram introduzidos, em 1993, na nomenclatura citopatológica nacional e correspondem aos casos em que há alterações que merecem uma melhor investigação e acompanhamento, mas não foi estabelecido o diagnóstico de NIC. Nestas situações, recomenda-se a repetição do exame de Papanicolaou, colposcopia ou teste de DNA -HPV após 6 meses. (9) Espera-se que haja regressão espontânea das lesões: ASCUS, AGUS, LIEBG e efeito citopático compatível com HPV, em cerca de 80% dos casos. Caso haja persistência dessa lesão, a mulher deve ser encaminhada para a colposcopia, que é a visualização do colo uterino através do colposcópio. Tal procedimento é utilizado para avaliação dos epitélios do trato genital inferior e, se houver necessidade, orientar biópsias e CAF - Cirurgia de Alta Frequência (LEEP). (9) Quando as alterações celulares são mais intensas e as células atípicas invadem o tecido conjuntivo adjacente ao epitélio estratificado do colo uterino, o resultado que consta no exame citopatológico é o de carcinoma escamoso invasivo ou adenocarcinoma invasivo. O grau de invasão, cujo conhecimento é necessário para o estabelecimento da terapêutica, é determinado pela histopatologia. (9) III.3.3. Tratamento A maioria dos casos de lesão intraepitelial de baixo grau regride espontaneamente, principalmente em mulheres jovens (4). Segundo recomendações do Instituto Nacional de Câncer (6), diante de casos de LSIL, deve-se repetir o exame citopatológico em 6 meses na unidade de atenção primária e, caso existam, tratar processos infecciosos ou atrofia. Se a

14 citologia de repetição for negativa em dois exames consecutivos, a paciente retorna ao rastreamento trienal na unidade básica de saúde. Caso haja qualquer citologia subseqüente positiva, deve-se encaminhar à unidade de referência para colposcopia. (6) As condutas recomendadas para as pacientes que apresentam laudo citopatológico de LSIL estão representadas no FLUXOGRAMA I. FLUXOGRAMA I: Recomendações de condutas para mulheres com diagnóstico citopatológico de LSIL Fonte: Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer de Colo de Útero (BRASIL, INCA; 2011) (6) LSIL: Low Grade Squamous Intraepithelial Lesion; NIC: Neoplasia Intraepitelial Cervical

15 Já em se tratando de NIC de alto grau, se não for tratada, são altas as chances de progressão para câncer invasivo. Desta forma, o tratamento apropriado das lesões de alto grau é imprescindível. (4) As pacientes que apresentarem, na unidade de atenção primária, citologia sugestiva de lesão de alto grau, deverão ser encaminhadas à Unidade de Referência Secundária para que seja realizada uma colposcopia. Sendo esta satisfatória, com alterações sugestivas de lesão de alto grau, restritas ao colo uterino, e sendo a lesão totalmente visualizada, não se estendendo por mais de um centímetro no canal, a conduta recomendada é denominada ver e tratar (diagnóstico e tratamento excisional em uma única visita, com exérese ambulatorial apenas da zona de transformação, sob anestesia local e visão colposcópica). Este método é considerado viável e tem boa aceitabilidade, reduzindo custos e perdas de seguimento e diminuindo o tempo entre a captação das mulheres e o tratamento. A desvantagem é a quantidade de tratamentos desnecessários. Em situações nas quais tal abordagem não for possível, devido a processo inflamatório ou outras contraindicações temporárias (sob o risco de haver sangramento excessivo e infecção pós-operatória), deve-se corrigi-las e realizar em seguida a exérese. (6) As condutas preconizadas para pacientes com lesão de alto grau estão resumidas no FLUXOGRAMA II. A terapêutica adequada depende de diversos fatores, como: grau histológico da lesão e sua extensão, envolvimento endocervical, concomitância com outras patologias ou com gestação, idade da paciente e seu desejo reprodutivo (2) Existem, então, diversos métodos para o tratamento da NIC. O procedimento escolhido pode variar de acordo com o grau da lesão e com a experiência do ginecologista. (6)

16 FLUXOGRAMA II: Recomendações de condutas para mulheres com diagnóstico citopatológico de HSIL Fonte: Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer de Colo de Útero (BRASIL, INCA; 2011) (6) HSIL: High Grade Squamous Intraepithelial Lesion NIC: Neoplasia Intraepitelial Cervical; JEC: Junção escamocolunar; EZT: Exérese da zona de transformação. Quando não é possível realizar o método veja e trate, ou quando se deseja abordar doença do canal endocervical, o procedimento excisional de preferência é a conização, que

17 consiste na remoção parcial do colo uterino (resultando em peça cirúrgica em formato de cone) e pode ser feita de diversas formas, a depender dos recursos e da experiência do profissional. A conização clássica, com bisturi convencional, é realizada em centro cirúrgico (com anestesia de bloqueio e maior custo), fazendo-se incisão circular na ectocérvice, sob visão colposcópica, e aprofundando-se esta incisão em direção ao canal. Já a conização com alça (eletrocirúrgica) possui os benefícios de menor sangramento, uso de anestesia local e ausência de necessidade de internação (pode ser feito ambulatorialmente). Tal método não é utilizado em lesões invasivas. A conização a laser possui eficácia semelhante à tradicional (clássica ou a frio), principalmente quando as lesões são pequenas, porém, é pouco utilizada, por ser tecnicamente mais difícil e pelo alto custo do aparelho. (6) A Conização por Cirurgia de Alta Frequência (CAF), também chamada de LEEP (Loop Electrosurgical Excision Procedure), consiste em excisão eletrocirúrgica com alça e é o procedimento de conização de escolha na prática ginecológica, devido à sua alta eficácia e ao baixo risco de complicações cirúrgicas. (4) O LEEP pode ser realizado ambulatorialmente, sob observação colposcópica, com anestesia local, sendo bem tolerado pelas pacientes. O método utiliza um gerador para cirurgia de alta frequência, acoplado a um aspirador de vapores com filtro biológico, e conta com bloqueio anestésico. (5) O procedimento é feito com o uso de um bisturi elétrico de alta frequência para a retirada da lesão.tal aparelho corta e, simultaneamente, realiza a hemostasia da área cirúrgica, sem que haja danos ao tecido removido. Além de remover a lesão (promovendo controle local da doença, com mínima mutilação) através da técnica de conização, o procedimento disponibiliza material para avaliação histológica, que é importante para a detecção de doença residual ou recorrente em estágios precoces. (9) A extensão da doença e o comprometimento das margens do cone são avaliados pelo exame anatomopatológico da peça operatória (a qual também é chamada de cone, segmento, fatia ou

18 fragmento). (10) A FIGURA I mostra uma lâmina de análise histológica de peça cirúrgica após LEEP onde há acometimento das margens cirúrgicas. FIGURA I: Margem endocervical comprometida por lesão intraepitelial de alto grau em peça de conização Fonte: Lima et al., 2006 (11) Reserva-se a conização clássica (bisturi frio ou convencional) para casos especiais, tais como: suspeita de neoplasia microinvasora ou adenocarcinoma in situ, distúrbios de coagulação sanguínea, gestantes, climatéricas com indicação de estudo intra-cavitário, persistência de lesão de alto grau após o LEEP e em raros casos de anomalias cervicais ou vaginais que impossibilitem o método ambulatorial. Na ausência de outras indicações, como leiomiomas ou sangramentos anormais, a histerectomia não é necessária. No entanto, ela pode ser indicada para pacientes com doença recorrente, cuja cérvice encontra muito diminuída, em que a repetição da conização pode oferecer risco de lesões em bexiga e vagina. (2)

19 III.3.4. Doença residual e recidiva Considera-se doença residual aquela que é identificada no primeiro ano após a conização; e recidiva quando surge após esse período. (8) Independente do método utilizado para o tratamento das lesões intra-epiteliais cervicais, sempre há a possibilidade de recidiva. Prever a sua ocorrência durante o acompanhamento pós-operatório é de grande relevância. A detecção de possíveis fatores de risco de recidiva pode ajudar na escolha de um seguimento, condutas e intervenções mais intensivas. (11) O LEEP é considerado eficaz no diagnóstico e tratamento das lesões pré-neoplásicas, sem que haja prejuízo, comparado à conização clássica. Contudo, o seguimento pós LEEP revela índices de recidiva variando entre 5% e 64% (11) Estudos mostram que excisões incompletas podem estar associadas com risco aumentado de doença residual. Sete a 85% das pacientes com margens comprometidas apresentam posteriormente (durante o seguimento) lesão residual, recorrente ou invasiva. (10) Contudo, há também a possibilidade (embora menor) de recidiva quando as margens são livres. A recorrência após completa excisão da lesão pode ser devida a doença multifocal, imunossupressão, ocupação glandular, investigação cirúrgica inadequada ou persistência do HPV. (10) A idade avançada constitui outro fator de risco para doença residual ou recorrente. Estudos mostram que a incidência de lesão residual pode ser até 5 vezes maior em pacientes com mais de 50 anos de idade, comparada com aquelas com menos de 30 anos. (12) Segundo Felix et al. (13), 12 entre 19 mulheres submetidas à conização por cirurgia de alta frequência devido a NIC 2 ou 3, que mostravam doença na margem interna do cone, apresentaram doença residual na ocasião da avaliação endocervical histológica posterior. Entretanto, apesar de alguns autores considerarem as margens como principal determinante de

20 risco para recidiva (5), Hanau e Bibbo (14) verificaram que dois terços das recidivas ocorreram quando as margens estavam livres. Segundo Lima et al. (11), em estudo realizado em 2006, os fatores de risco significativamente associados à recidiva das lesões no colo uterino foram: soropositividade para HIV, ocupação glandular e margens cirúrgicas comprometidas. Estudo realizado no Brasil demonstrou que 60,7% das peças cirúrgicas provenientes de histerectomias realizadas após conização com margens comprometidas apresentavam lesão residual. (15) Todavia, margens livres não garantiram ausência de doença: 16,5% das mulheres sem acometimento marginal apresentaram lesão residual no acompanhamento citológico. (16) Não existe consenso a respeito da conduta que deve ser seguida diante de mulheres com NIC II ou III com margens comprometidas após a conização. Uma das opções é ampliar a ressecção cirúrgica (5). Outra alternativa é o seguimento com citologia e colposcopia (a princípio trimestrais e depois semestrais) durante dois anos. Havendo algum sinal histológico ou citológico compatível com neoplasia, nova conização (re-leep) pode ser realizada se houver condições para tal. Dessa forma, a ampliação cirúrgica pós-conização no tratamento da NIC não depende apenas do comprometimento das margens, mas também do seguimento e das peculiaridades de cada caso. (5) Segundo o INCA, podem ser empregados a citologia, a colposcopia ou o teste de DNA-HPV oncogênico no rastreio de lesões residuais, este último com alta sensibilidade. A recomendação é que, nos casos em que há margens livres de doença ou comprometidas com NIC I, o seguimento deve feito com exames citopatológicos semestrais por um ano. Após dois desses exames negativos, com intervalo de seis meses entre eles e assegurada a inexistência de lesão residual, manter seguimento citopatológico trienal. Já nos casos com margem comprometida por NIC II ou III, deve-se manter o seguimento com exame citopatológico

21 semestral por dois anos. Após esse período, não havendo lesão residual, o seguimento será feito a cada 3 anos. Indica-se o re-leep (ou re-caf), quando nova citologia mostrar HSIL, ou quando se obtém resultado de NIC II/III em biópsia, ou ainda quando o seguimento adequado não é possível. (6) A indicação de re-leep não é consenso. Defensores de uma conduta expectante acreditam que, após a CAF, o próprio organismo da paciente se autodefende e a doença residual desaparece. (4) Em estudo realizado em 2006, Siriaree et al. observaram que a probabilidade de persistência/recorrência de NIC de alto grau foi muito alta nos primeiros seis meses depois do tratamento, diminuindo entre o sétimo e o vigésimo primeiro mês e aumentando novamente do vigésimo segundo ao vigésimo quarto mês. Tal resultado aponta para a necessidade de acompanhamento (seguimento) das pacientes por pelo menos dois anos. (4) Foi demonstrado que o teste para detecção de HPV ajuda a predizer a persistência ou recorrência da doença após o LEEP, mas esse exame não é disponível em todos os locais. (4) Como o LEEP é amplamente utilizado no tratamento da NIC, e a ocorrência de margens cirúrgicas comprometidas não é incomum, é importante buscar evidências a respeito da real associação entre o acometimento marginal e a recidiva da doença, já que tal conhecimento pode auxiliar na escolha das melhores condutas no seguimento das pacientes após a excisão, identificando as que necessitam de acompanhamento mais rigoroso ou mesmo de um segundo procedimento cirúrgico.

22 IV. METODOLOGIA Foi realizada revisão sistemática de publicações científicas em meio eletrônico utilizando a base de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE ), através do endereço eletrônico: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed. Realizou-se, também, busca ativa nas referências bibliográficas de alguns artigos encontrados. Para identificação de artigos no Pubmed, foi utilizada a seguinte estratégia de busca (no campo avançado): ((cervical intraepithelial neoplasia) OR (cervical intraepithelial neoplasm) OR (cervix dysplasia) OR (cervix neoplasms) OR (uterine carcinoma in situ) OR (uterine cervical dysplasia) OR (uterine cervical neoplasm) OR (squamous intraepithelial lesion) OR (cervix neoplasia) OR (CIN) OR (HSIL) OR (LSIL)) AND ((treatment) OR (therapy) OR (conization) OR (electrosurgical excision) OR (cervix uterine surgery) OR (LEEP) OR (LLETZ)) AND ((cone margin involvement) OR (conization margin status)) AND ((residual disease) OR (residual neoplasm) OR (residual neoplasia) OR (neoplasm recurrence) OR (recurrent disease) OR (residual CIN) OR (residual cervical intraepithelial neoplasia)). Em uma primeira etapa, foram lidos os títulos e resumos de cada artigo e foram selecionados os trabalhos originais que mantinham relação específica com o tema, sendo descartados aqueles que não foram relevantes para o assunto estudado, embora constassem nos resultados da busca. Foram excluídos os trabalhos escritos em idiomas diferentes do inglês, espanhol ou português, e também aqueles cujo texto que não estavam disponíveis na íntegra pelas bases de dados, mesmo quando solicitados via VPN/UFBA (Virtual Private Network ferramenta de acesso a periódicos e bases de dados do portal de periódico CAPES).

23 Em uma segunda fase, foram lidas as introduções e conclusões de cada artigo, selecionando-se somente as publicações que, de alguma forma, respondiam à pergunta principal do trabalho. A terceira e última etapa da busca foi a leitura integral dos artigos até então selecionados, avaliando sua relevância. Foram excluídos os estudos que não utilizaram LEEP como tratamento (único) das lesões e também os trabalhos em que as mulheres tinham lesões diferentes de NIC (como adenocarcinoma in situ ou carcinoma invasor). A busca foi realizada no período de novembro de 2012 a maio de 2013 e não se delimitou um período para as publicações.

24 V. RESULTADOS Foram obtidos 77 artigos através da estratégia de busca no MEDLINE, sendo12 eleitos para estudo, a partir dos critérios pré-estabelecidos. Dentre os artigos selecionados, sendo todos estudos observacionais longitudinais, sete eram retrospectivos e cinco, prospectivos. (FLUXOGRAMA 1). FLUXOGRAMA 1: Seleção dos artigos pesquisados A soma de todas as pacientes, incluídas nas amostras dos 12 estudos foi igual a 2.292, sendo uma média aritmética de 191 por estudo, com desvio-padrão de 13,1. A média

25 aritmética das médias das idades das participantes por trabalho foi igual a 37,5, com desviopadrão de 7,7. (QUADRO 1) QUADRO 1: Número da Amostra e Idade das Participantes, por autor e ano Autor e Ano Número da Amostra Idade das Participantes (anos) Juliato et al., 2000 (5) 95 Entre 15 e 63 (média de 28 ± 8,35) Kietpeerakool et al., 2007 (17) 85 Média: 48,6 (variando entre 27 e 78) Amiram Bar-Am et al., 2000 (18) 426 Em média 27 (+- 4,4) Costa et al., 2002 (19) 699 Em média 33 (variando entre 18 e 83) AeliRyu et al., 2012 (20) 183 Siriaree et al., 2006 (4) 55 Em média 39,3±8,7 (variando entre 22 e 73) 48,5 ± 8,9 (mediana: 49; variação: 27-78) Murta et al., 1999 (15) 201 Variação: 21 a 70; média: 37,4 (± 9,7) Jain et al., 2001 (21) 79 Não descrito Hyun-Jung Kim et al., 2007 (22) 172 Não descrito Verguts et al., 2006 (23) 72 Em média 40 (variação: 22 78), com uma mediana de 37 Chang et al., 1996 (24) 135 Não descrito Brismar et al., 2009 (25) 90 Média: 35,4 (variando entre 21 a 74) TOTAL 2.292 - MÉDIA 191 37,5 DESVIO-PADRÃO 13,1 7,7 O tempo médio de seguimento das pacientes após o LEEP foi, em média, de 19,8 meses por estudo e não houve uniformidade quanto ao método utilizado para definição de doença residual ou recidiva (QUADRO 2). A proporção dos graus de NIC entre as participantes e o percentual de envolvimento das margens do cone variou bastante entre os estudos, como mostra o QUADRO 3.

26 QUADRO 2: Tempo médio de seguimento e definição de doença residual/recorrente, por autor e ano Autor e Ano Tempo médio de Definição de doença Seguimento (meses) residual/recorrente Juliato et al., 2000 (5) 16,8 ± 12,6 Anormalidades no seguimento ou na peça cirúrgica do procedimento subseqüente ao primeiro LEEP Kietpeerakool et al., 2007 (17) 3 (entre o primeiro LEEP e o tratamento cirúrgico subseqüente) Qualquer tipo de anormalidade histológica após o tratamento cirúrgico subseqüente ao LEEP Amiram Bar-Am et al., 2000 (18) 59 (variando de 61 a 118) Anormalidades na citologia no seguimento após o LEEP Costa et al., 2002 (19) 12 Análise histológica pós LEEP AeliRyu et al., 2012 (20) 25.3±13.3 (variando de 4 Biópsia ou Re-LEEP com a 60) alterações Tratamento cirúrgico Qualquer tipo de anormalidade Siriaree et al., 2006 (4) subsequente em até 3 histológica em tratamento meses após o primeiro cirúrgico subseqüente ao LEEP LEEP Murta et al., 1999 (15) 32 (variando de 2 a 80) Anormalidade na citologia ou biópsia, ou detecção de anormalidades na peça cirúrgica do tratamento cirúrgico Jain et al., 2001 (21) Hyun-Jung Kim et al., 2007 (22) Verguts et al., 2006 (23) Chang et al., 1996 (24) Brismar et al., 2009 (25) 1,5 a 2 (entre a conização e a histerectomia) 1,5 (entre o LEEP e a histerectomia) 24 (acompanhamento semestral) Não descrito 39 (mediana: 34; variação entre 4 e 115) subseqüente ao LEEP Presença de NIC ou câncer invasivo na peça cirúrgica após histerectomia HSIL ou CIS na peça cirúrgica após histerectomia NIC II (ou maior grau) recorrente ou residual histologicamente confirmado Análise da peça cirúrgica após histerectomia Presença de LSIL (ou pior) na citologia, ou histologia confirmada com NIC I ou mais grave em uma das visitas de seguimento. MÉDIA 19,8 meses - DESVIO-PADRÃO 18,4 - CIS: Carcinoma in situ; HSIL: High Grade Squamous Intraepithelial Lesion; LSIL: Low Grade Squamous Intraepithelial Lesion; LEEP: Loop Electrosurgical Excision Procedure; NIC: Neoplasia Intraepitelial Cervical.

27 QUADRO 3: Proporção dos graus de NIC entre as pacientes incluídas e envolvimento das margens do cone, por autor e ano Autor e Ano Proporção dos graus de NIC (%) % de Pacientes com Envolvimento das Margens Juliato et al., 2000 (5) Antes do LEEP: NIC I: 30,5; NIC II: 41; NIC III: 24,3; Colposcopia sugestiva + Inflamação na Citologia: 4,2 26 Kietpeerakool et al., 2007 (17) Amiram Bar-Am et al., 2000 (18) Costa et al., 2002 (19) AeliRyu et al., 2012 (20) Antes do LEEP: HSIL: 65,9; Carcinoma de células escamosas: 21,2; Células Escamosas atípicas: 9,4; LSIL: 2,4; Indeterminado: 1,2 Antes do LEEP: 64,6 NIC II; 35,4 NIC III. Biópsia do cone (pós LEEP): 4,2 normais; 14,4 NIC I; 45,6 NIC II; 35,8 NIC III Antes do LEEP: NIC I: 19; NIC II: 17 e NIC3: 64 Biópsia Antes do LEEP: NIC II: 16,9 e NIC III: 83,1 100 9,5 27 26,2 Siriaree et al., 2006 (4) Todas as pacientes com HSIL 100 Murta et al., 1999 (15) Jain et al., 2001 (21) Diagnóstico antes do LEEP: todas as pacientes com NIC III Todas as pacientes incluídas tinham diagnóstico histopatológico de NIC III (antes do LEEP) 26,4 59,5 Hyun-Jung Kim et al., 2007 (22) Não descrito 81,4 Verguts et al., 2006 (23) Chang et al., 1996 (24) NIC de alto grau antes do LEEP. 16,7 NIC II, e 83,3 NIC III Antes do LEEP: 4,4 LSIL 95,6 HSIL. 19,4 LSIL: 0 HSIL: 18,6 Diagnóstico histológico de NIC II ou III Brismar et al., 2009 (25) 27 na biópsia antes do LEEP HSIL: High Grade Squamous Intraepithelial Lesion; LSIL: Low Grade Squamous Intraepithelial Lesion; LEEP: Loop Electrosurgical Excision Procedure; NIC: Neoplasia Intraepitelial Cervical.

28 Dos 12 trabalhos analisados, 6 encontraram forte associação (com valor de p estatisticamente significante) entre o comprometimento das margens cirúrgicas e incidência de NIC residual ou recidiva da doença. Em 2 estudos, essa associação foi mostrada, mas o valor de p não foi descrito. Em 3 artigos, foi demonstrada fraca relação (com p>0,05 ou hipótese nula contida dentro do Intervalo de Confiança). Apenas 1 estudo indicou que o status da margem após o LEEP não interfere nas chances de recidiva, embora o valor de p tenha sido maior do que 0,05 (não significante). (QUADRO 4)

29 QUADRO 4: Doença residual e/ou recidiva de NIC, por autor e ano Autor e Ano Juliato et al., 2000 (5) Kietpeerakool et al., 2007 (17) Amiram Bar-Am et al., 2000 (18) Costa et al., 2002 (19) Aeli Ryu et al., 2012 (20) Siriaree et al., 2006 (4) Murta et al., 1999 (15) Jain et al., 2001 (21) Hyun-Jung Kim et al., 2007 (22) Verguts et al., 2006 (23) Chang et al., 1996 (24) Brismar et al., 2009 (25) Taxa de Recidiva / Lesão Residual 16% dos casos em que houve comprometimento da margem apresentaram doença residual. Entre as mulheres em que as margens foram livres, a doença residual representou apenas 4,3%, aproximadamente. (valor de p não descrito) Doença residual em 51,8% das mulheres (com IC de 95% = 40,7-62,7) Apenas o envolvimento extenso da margem do cone (3 a 4 quadrantes) se mostrou como um preditor estatisticamente significante para lesão residual após o LEEP (P < 0,001), aumentando em 14 vezes o risco de doença residual em mulheres com lesões deste tipo. 38,5% de ocorrência de citologia anormal no seguimento pós LEEP em pacientes com margens cirúrgicas positivas X 7,3% em pacientes com margens negativas. Com p< 0,001 Doença residual foi detectada em 5,4% das pacientes. O status da margem do cone não teve influência na prevalência de NIC residual. Esta foi detectada em 5,3% das pacientes com margens negativas e em 5.9% das pacientes com margens positivas. (p>0,05). 6,6% das pacientes tiveram doença residual. Com margens negativas: 1,48 % e com margens positivas: 20,8%, com p=0,001. Lesões residuais foram observadas em 47.3% das mulheres (IC de 95% = 33.7 a 61.2) Entre os casos com margens comprometidas, NIC residual foi identificada na peça cirúrgica em 28,3% e microinvasão foi encontrada em 3,8%. Das pacientes com margens livres, 10,5% foram submetidas a histerectomia durante o seguimento devido a diagnóstico de NIC III por citologia e biópsia. 6,1% das pacientes com margens livres tiveram NIC na peça cirúrgica e nenhuma apresentou câncer microinvasivo. 60,7% das peças cirúrgicas obtidas após o envolvimento das margens do cone tiveram neoplasia residual. (p<0,10) Doença residual foi encontrada em 66% das pacientes com comprometimento das margens do cone (valor de p não descrito) Nas pacientes com margens positivas: 64,3% apresentaram neoplasia residual e 35,7%, não. Nas mulheres com margens negativas: 6,2% tiveram neoplasia residual e 93,8% não. (p<0,001) Entre as mulheres com margens comprometidas, 14,2% tiveram recorrência. Das pacientes com margens livres, 6,9% apresentaram recidiva da doença. OR = 2.25 (95% CI: 0.18 17.7) Lesões residuais foram mais frequentemente encontradas em pacientes com margens positivas (84,8%) do que naquelas com margens negativas (10,1%). A diferença foi estatisticamente significante. (χ 2 = 76.81, p = 0.0001). O status da margem foi um fraco preditor de recidiva (sensibilidade <50%, OR<=2,5) NIC: Neoplasia Intraepitelial Cervical; LEEP: Loop Electrosurgical Excision Procedure IC:Intervalo de Confiança; OR: Odds Ratio

30 VI. DISCUSSÃO Entre os fatores que predizem doença residual, alguns autores citam: idade (50 anos ou mais), multiparidade, teste de detecção de DNA de HPV positivo após o tratamento, envolvimento de múltiplos quadrantes pela doença, margens comprometidas e envolvimento glandular endocervical. (22) A avaliação apropriada desses fatores pode levar a um declínio na quantidade de histerectomias desnecessárias (após tratamento com excisão eletrocirúrgica com alça). As pacientes com margens de ressecção comprometidas após o LEEP podem ser acompanhadas através de colposcopia e citologia, repetir o LEEP (re-leep) ou submeter-se a histerectomia. A escolha da conduta é influenciada pelo desejo da paciente em preservar a fertilidade, pela sua idade, pela aderência ao seguimento e pela probabilidade de doença residual. (22) Em trabalho publicado em 2007, Hyun-Jung Kim et al. (22) concluíram que alguns fatores histológicos podem predizer a necessidade de uma histerectomia subseqüente. São eles: comprometimento das margens cirúrgicas após o LEEP, biópsia endocervical positiva e formação pseudoglandular ou necrose central. Esses parâmetros podem ser considerados fatores histológicos suplementares para a decisão de uma cirurgia adicional. Como afirmam Bar-Am et al. (18), em estudo realizado em 2000, doença residual pode ocorrer tanto após excisão incompleta, quanto após excisão completa da NIC. Contudo, como relatado por muitos autores, a recorrência é mais prevalente em mulheres com excisão incompleta, independentemente do método empregado. Está estabelecido que o estado das margens do cone é muito importante nos casos de neoplasia intraepitelial cervical. Segundo Kietpeerakool et. al. (17), 51,8% das mulheres com NIC de alto grau submetidas ao LEEP, com envolvimento das margens cirúrgicas,

31 apresentaram doença residual no tratamento cirúrgico subseqüente. Esses dados foram similares aos de outros estudos. Costa (19) et al. (2002), afirmam que é geralmente aceito que técnicas de excisão eletrocirúrgica são ferramentas importantes, tanto para diagnóstico quanto para tratamento da NIC. Eles também explicam que estudos realizados anteriormente, apoiando a visão de que o status da margem influencia a probabilidade de falha do tratamento, têm divergido quanto ao tamanho da amostra, quanto à metodologia para o seguimento das pacientes e quanto à definição de doença persistente. Ainda segundo Costa (19), somente dois fatores foram associados com persistência da doença: o resultado da citologia cérvico-vaginal oncótica de referência (grau da lesão antes do LEEP), que teve um efeito de influência no limite da significância estatística (p=0,058), e a visibilidade da junção escamocelular na primeira consulta de seguimento, que se mostrou um forte determinante, com 80% de redução na probabilidade de NIC residual nos casos em que a junção era completamente visível (p=0,000). Ainda no estudo em questão, a prevalência de doença residual em pacientes com margens livres (5,3%) foi baixa, mas dentro da faixa de variação dos dados publicados até então. Em contrapartida, a frequência observada entre os casos de envolvimento das margens (5,9%) ficou muito aquém da menor percentagem relatada até então (que era de 14%). Consequentemente, os resultados não confirmam a observação comum de que o comprometimento das margens cirúrgicas consiste em risco aumentado de persistência da lesão. A interpretação desses achados não é simples. Os métodos de seguimento devem ser considerados. Estudos prévios divergiam quanto à técnica no acompanhamento pós-leep, e na definição de doença residual (confirmada por histologia, ou apenas citologia anormal sem confirmação histológica). Além disso, Costa et al. (19) acompanharam as pacientes por 3 anos, ao passo que os demais estudos conduziam geralmente 24 meses de observação. A maioria das pacientes seguidas realizou apenas duas visitas de seguimento, enquanto outros

32 trabalhos podem ter utilizados protocolos mais intensivos. Tal fato pode fazer surgir a hipótese de que, quanto maior o número de consultas precoces após o tratamento, maior é a detecção de NIC, que poderia regredir como tempo. Isso significa dizer que investigações muito freqüentes podem superestimar as taxas de recidivas. Mais pesquisas a respeito precisam ser realizadas para elucidar tal questão. Brismar et al. (2009) (25) mostraram que os achados histopatológicos de margens livres ou ausência de NIC 3 no cone foram fracos preditores para o desfecho do tratamento. Como a maioria dos estudos nesta área, este também foi limitado pelo pequeno número de HSIL recorrente. Já uma meta-análise sobre excisão incompleta de NIC mostrou que lesões de alto grau após o tratamento ocorreram em 597 (18%) de 3.335 mulheres que apresentaram comprometimento das margens cirúrgicas, enquanto houve 318 (3%) casos de recidiva entre 12.493 mulheres com excisão completa. (26) Segundo Chang et al.(1996) (24), o comprometimento ou não das margens cirúrgicas e a gravidade da neoplasia cervical podem desempenhar importantes papéis em predizer a presença e a severidade de lesões residuais. Quanto aos diversos fatores que podem ser capazes de prognosticar a recorrência da neoplasia, estudos têm sugerido que a evolução do tratamento pode ser influenciada pela idade da paciente, tamanho da lesão, grau histológico da doença e profundidade da conização. Acredita-se que mais pesquisas são necessárias para elucidar estas associações. (19) Segundo Aeli Ryu et al. (2012) (20), idade (menor ou maior de 50 anos), citologia préoperatória, carga viral de HPV e genótipo do HPV não foram preditores relevantes de recidiva de NIC. Já o status das margens foi um significante fator de predição. De acordo com Amiram Bar-Am et al.(2000) (18), a taxa de recorrência de anormalidades na citologia e de doença residual é maior em mulheres com margem cirúrgica