SEMINÁRIO SOCIEDADE, ESCOLA E VIOLÊNCIA 06 de junho de 2009 Juventude negra e violência: um extermínio anunciado 1. Luiz Fernandes de Oliveira * Pedem-me para comprar, mas não posso... Pedem-me para trabalhar, mas não consigo... Em recente reportagem da revista Caros Amigos sobre o crime organizado, três promotores de justiça afirmaram que não há organização criminosa que sobreviva sem a participação do Estado. Nessa reportagem eles fazem revelações surpreendentes, como o fato de o PCC (Primeiro Comando da Capital) ser formado por líderes que, há pouco tempo, não eram considerados criminosos perigosos. Mas que, por intermédio de um sistema carcerário administrado pelo Estado, com suas torturas e maus-tratos, teriam sido levados ao mundo do crime organizado. Hoje, chega-se a discutir, inclusive, a adoção da diminuição da maioridade penal. Ou seja, devido ao fato de muitos adolescentes, menores de 18 anos, estarem matando pessoas de bem por causa de drogas, por que, então, não diminuir a maioridade penal para, por exemplo, 16 anos? Afinal, os menores de idade já tiram carteira de identidade, podem votar e por que, quando matam pessoas, não podem ir para a cadeia? Ou ainda: essas pessoas que cometem crime, sejam menores ou adultos, não têm caráter, são monstros que promovem a violência e se houvesse a pena de morte no Brasil isso diminuiria. Essas afirmações de senso comum devem ser relativizadas. Ou seja, devemos estudar o fenômeno da violência para que possamos ter um conhecimento preciso de como podemos combatê-la, além de identificar as razões que levam certos indivíduos à prática do ato criminoso. A novidade social no novo cenário brasileiro quando discutimos violência é motivada pelo fato, como afirma Virginia Fontes (1999), de que a nova forma de organização da produção capitalista produz seres descartáveis em todas as áreas da vida social. São trabalhadores que não encontram mais empregos em suas profissões devido à automação e à robotização, são negras e negros condenados ao trabalho 1 Este texto é um resumo do capítulo Juventude negra e violência: um extermínio anunciado do livro organizado por mim e por José Flávio P. de Barros, intitulado todas as cores na educação: contribuições para uma reeducação das relações étnicoraciais no ensino básico. Rio de Janeiro: Quartet, 2008, p. 291 320. * Professor da UERJ e da FAETEC. Doutorando em Educação pela PUC-Rio e Mestre em Ciências Sociais pela UERJ.
2 informal para sempre, são mulheres discriminadas, jovens impossibilitados de terem educação básica e um primeiro emprego, sem-terras que não têm direito de plantar em terras improdutivas etc. O sociólogo Pierre Bourdieu (1998) diz que o mundo globalizado não produz riqueza para todos. Pelo contrário, para os excluídos, ele estabelece um mundo de precariedade, ou seja, o trabalho se tornou uma coisa rara, desejável a qualquer preço, e aqueles que têm trabalho, fazem qualquer coisa para mantêlo. Isto leva à competição generalizada, à luta de todos contra todos, destruindo-se aos poucos os valores de solidariedade humana. A precariedade afeta homens e mulheres, tornando o futuro incerto, impedindo a crença em algo melhor, ou podendo gerar a resignação de que tudo é assim mesmo e não tem mais jeito. A partir desse entendimento, o que resta aos excluídos para tentar sobreviver, conseguir comida, roupa, remédios, educação, saúde, uma casa para morar etc? E se aparecer uma forma de ganhar dinheiro fácil, que não exija qualificação técnica ou escolar para satisfazer um consumismo desenfreado e estimulado pela mídia? Já que não se pode contar muito com os serviços do Estado (hospitais públicos, escolas, saneamento etc.) e como só se conseguem empregos sem qualificação, resta, então, ou ganhar no máximo um salário mínimo, ou se integrar ao chamado capitalismo de pilhagem (Wacquant, 1999), qual seja, o mundo da criminalidade e do narcotráfico. Claro que nem todos escolhem este caminho. Felizmente, existem muitas pessoas honestas e batalhadoras. Mas, para entender o submundo da criminalidade, da violência, das balas perdidas e do tráfico de drogas, é necessário entender a estrutura social que está por trás disso tudo, pois a maioria das pessoas não escolhe o pior para suas vidas. E ainda sou culpado por tudo... Falar em violência em tempos de João Hélio requer alguns cuidados. Toda forma de violência deve ser repudiada. Entretanto, será que existem somente aquelas formas de violência que lemos nos jornais e vemos na televisão? Alguns aspectos da violência que analisaremos aqui servirão de exemplos para percebermos sua relação com o capitalismo, com a exclusão social, com a falta de cidadania e com as políticas do Estado neoliberal. O ato violento é condenado pelo Código Penal brasileiro sob diversas formas e aquele que o comete, dependendo da gravidade do ato, pode sofrer pena de reclusão ou multa. Ora, está escrito na Constituição brasileira que todo cidadão tem direito a uma vida digna, mas isso não ocorre. Isto é violência. Mas quem é o culpado de cometer este crime? O Estado? Os políticos? Note-se que estas entidades, não se encontram no Código Penal, que fala apenas em pessoas concretas que diretamente cometem violência. Vejamos um caso ocorrido em São Paulo, em 2002: o promotor de justiça José Carlos Blat se perguntava por que existiam tantos ferros-velhos em São Paulo. Será que aconteciam tantas batidas de carro para justificar tamanho comércio? O promotor de justiça, então, junto com seus colegas de gabinete, ficou 45 dias na Avenida Rio das Pedras, onde se concentram os ferros-velhos. Eles conseguiram fechar três estabelecimentos e, ao contrário da polícia, apreenderam todas as peças
3 roubadas. Depois, fizeram um levantamento na Secretaria de Fazenda e observaram que, apenas em um deles, eram mil carros importados. Foram, então, necessários 95 caminhões para levar o material apreendido: mais de 25 milhões de reais em peças de Audi, Mercedes, Pajero, Cherokee etc. E sua permanência na Avenida Rio das Pedras levou a um fenômeno interessante: os quarenta ferros-velhos resolveram fechar nesse período. Posteriormente, foi feito um levantamento sobre se isso teria alguma repercussão sobre o número de roubos e furtos de veículos na metrópole de São Paulo. Os sindicatos das seguradoras informaram que a incidência daqueles delitos caiu em 25% naquele período. Conclusão: roubo e furto são crimes, previstos no Código Penal, mas e o ferro-velho que incentiva os roubos e furtos (o que fica evidente neste caso, porém não explícito), não é condenado? O que é mais fácil para um desempregado: ganhar um salário mínimo ou furtar e roubar carros e ganhar muito mais, sabendo que tem uma rede de corrupção que lhe protege (polícia, empresários etc.) por trás desse negócio? Penitenciárias de São Paulo e do Rio de Janeiro, local de concentração do PCC e do Comando Vermelho. Assaltantes perigosos, traficantes pequenos e grandes, ladrões de galinha e assaltantes de bolsas de velhinhas, desesperados para comprar um sanduíche na esquina. Todos juntos, numa cela que, ao invés de comportar cinco pessoas, tem cem homens. Além disso, são tratados na base da tortura, do cacete. Não comem diariamente, não têm assistência médica nem psicológica. Todos, desde o traficante até o ladrão de galinhas, que tem uma pena máxima de seis meses. O que esperar desse ladrão de galinhas ou do assaltante de velhinhas negros, em sua maioria, quando são maltratados e torturados? Será que não é mais fácil para eles se submeterem ao grande traficante, que lhes oferece fuga e um salário de 500 reais por semana se estiverem a serviço do dono do tráfico? Segundo outro promotor de justiça de São Paulo, Roberto Porto, nenhum dos líderes do PCC entrou nas penitenciárias como homicida e traficante. Eram presos comuns, que deveriam estar fora do sistema carcerário em, no máximo, três anos. Eles se tornaram criminosos pesados dentro do sistema carcerário, sob a proteção do Estado. Para o promotor, a responsabilidade disto é do Estado. Não é para menos que o ex-ministro da Justiça do primeiro governo Lula (2003-2006), Márcio Thomaz Bastos, tenha dito, numa entrevista ao programa do Jô Soares, que o preso comum, faz mestrado, doutorado e pós-doutorado em criminalidade violenta nos presídios brasileiros. E tem gente ainda que defende a antecipação desta formação básica propondo a diminuição da maioridade penal! Mas, então, devemos continuar culpando somente os criminosos de rua, menores, pretos, ou quase pretos, ou quase brancos de serem responsáveis pela violência nas grandes cidades? Drogas: brancos que produzem e consomem... Negros que consomem e morrem... Os sociólogos Manuel Castells (1996) e Löic Wacquant (1999), estudiosos, respectivamente, da globalização e da criminalidade urbana, afirmam que é necessária uma análise global deste fenômeno para não cairmos no erro de responsabilizar quem, na verdade, muitas vezes, é vítima de um sistema econômico e social maior.
4 Castells afirma que a criminalidade, instituída como organizações criminosas e seus associados, é um fenômeno novo que afeta a economia, as relações sociais e principalmente os jovens. A cosa nostra italiana, a máfia americana, os cartéis colombianos e mexicanos, as redes criminosas nigerianas, a yakuza japonesa, as máfias russas, os traficantes de heroínas turcos e outras, formam uma rede de organizações criminosas que ultrapassam fronteiras. Realizam comércio de drogas, armas, crianças, órgãos humanos, prostituição, falsificação de mercadorias, cartões de crédito, identidades, mercadorias roubadas etc. O poder econômico que essas redes possuem ultrapassam, inclusive, o peso de determinados países como EUA, Brasil, México, movimentando bilhões de dólares anualmente. A conferência promovida pela ONU, em 1994, sobre o Crime Global Organizado, estimou que o comércio mundial de drogas, por exemplo, atingiu a cifra de 500 bilhões de dólares por ano, o que significa uma cifra maior que o valor das transações globais envolvendo petróleo. Segundo dados da Força-Tarefa de Finanças do G-7, de 1990, US$ 120 bilhões anuais do sistema financeiro mundial (as bolsas de valores) foram provenientes do tráfico de drogas internacional. São conhecidas as conexões da máfia siciliana com as redes bancárias da Itália e com toda a elite política e empresarial daquele país. Em relação ao narcotráfico na América Latina, Castells afirma que ele depende da demanda e da exportação de seu principal mercado, o mais importante, os Estados Unidos. Além disso, a indústria do tráfico é totalmente internacionalizada, com divisão de trabalho e produção. O componente essencial de toda indústria da droga, ou seja, sua sobrevivência, é o sistema de lavagem de dinheiro. Isso sem falar da necessidade de corrupção e de penetração no meio institucional (o Estado, os políticos e burocratas) para poder funcionar em todas as etapas do sistema. Em suma, o crime organizado só é capaz de sobreviver através de corrupção e intimidação dos funcionários do Estado e o cumprimento de todo o conjunto de transações é assegurado por meio do uso de violência em um nível extraordinário. Paulo Lins, carioca, autor da obra Cidade de Deus, que inspirou o filme com o mesmo nome, afirma que quem consome a grande quantidade de drogas no Brasil, não são as pessoas do morro. Essas servem apenas como mão-de-obra barata entre os grandes traficantes e os consumidores do asfalto. Mas, o mais grave é o fornecimento de armas. De onde elas vêm? Segundo o ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Hélio Luz, grande parte das armas em mãos dos traficantes são produzidas nos EUA e na Suíça, mas também na Alemanha, na Rússia e Israel. Existem até submetralhadoras, pistolas e fuzis, que a própria polícia militar e o exército brasileiro não possuem. Diversos estudos, dossiês e Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPIs) já concluíram que o crime organizado, como afirma o promotor José Carlos Blat, não sobrevive sem a participação do Estado. Portanto, o quadro que se configura é o de que o problema da violência nas grandes cidades diz respeito, essencialmente, àquilo que Löic Wacquant (1999) denomina de capitalismo de pilhagem. Ou seja, um grande negócio capitalista internacional que se utiliza de mão-de-obra barata (jovens da periferia, na sua maioria negros), não institucionalizada oficialmente e que, por sua vez, traz conseqüências catastróficas para a população das grandes cidades. Mas, se o Estado e suas instituições não são eficientes no combate a esta criminalidade, como se caracteriza sua atuação diante desta barbárie? Ou melhor, quais as soluções apresentadas pelos dirigentes de Estados e Governos para diminuir e combater a criminalidade urbana e o narcotráfico?
5 Löic Wacquant (1999) nos fornece a resposta revelando que, com o advento do neoliberalismo, isto é, com a ausência ou diminuição de toda rede de proteção social (hospitais, escolas, saneamento, assistência social etc.), não resta alternativa para o Estado senão aquela de investir na repressão, substituindo sua função de Estado Previdência pelo Estado Penitência. O que o autor quer dizer é que o Estado se torna um Estado Penal, deixando de lado seu papel de assistência aos cidadãos e seus direitos. E, ciente da situação caótica que cria (violência, insegurança, etc.), tem como única solução aumentar a repressão, a vigilância, o quantitativo de cárceres e o aparato militar. Exemplo desta orientação é a política da tolerância zero, praticada na cidade de Nova York nos anos 90. Em Manhattan, na administração do prefeito Rudolph Giuliani, houve um aumento do efetivo policial de 34.000 para 46.000 empregados, enquanto que, na área de serviços sociais, houve uma redução de 30%, baixando o número de empregados para 13.400. A política da tolerância zero tem como essência extirpar a delinqüência, a violência urbana, as incivilidades que, segundo o Estado, são, simultaneamente, as causas e os resultados da violência, principalmente naquelas áreas ditas sensíveis, isto é, periferias, favelas, guetos negros, bairros pobres e degradáveis. Além disso, seria necessário afastar das ruas, dos parques, dos trens, etc os pobres ameaçadores à ordem. Ou seja, tal política parte da idéia de que o abandono das ruas favorece a criminalidade. No Brasil, a mesma política foi tentada pelo governo do Estado do Rio de Janeiro anterior, desde julho de 2003. No bairro de Copacabana, por exemplo, estavam retirando das ruas prostitutas, mendigos, crianças, trabalhadores sem-teto etc., com o objetivo de combater as possíveis causas do favorecimento da criminalidade. Se por um lado há uma diminuição dos gastos sociais do Estado e a degradação das condições de vida dos indivíduos, por outro, o Estado investe no aumento dos recursos penitenciários. Estatísticas sociais americanas mostram que, para cada cinco crianças americanas menores de seis anos, uma cresce na miséria e uma em duas, entre a comunidade negra. A população considerada muito pobre dobrou entre 1975 e 1995 para atingir 14 milhões de pessoas. Quarenta e cinco milhões de americanos (dos quais 12 milhões são crianças) não têm cobertura médica. Trinta milhões sofrem de fome e de desnutrição crônica. Sete milhões de americanos vivem na rua, depois que as verbas federais para a questão social foram diminuídas em 80% nas décadas de 80 e 90. O censo americano informou, em 26 de setembro de 2003, que a taxa de americanos pobres alcançou 12,1% em 2002, cerca de 34,6 milhões de pobres. Entretanto, os dados referentes ao número de pessoas encarceradas nos Estados Unidos são inversamente proporcionais aos dados socioeconômicos. Entre 1975 e 1985, os efetivos encarcerados haviam pulado de 380.000 para 740.000 pessoas. Em 1995, saltou para 1,5 milhão e, em 1998, para quase dois milhões de pessoas. Entre esses indivíduos, de cada 10 presos, seis são negros ou imigrantes latinos. Os gastos dos Estados americanos com penitenciárias, entre 1979 e 1990, cresceram 325%, enquanto que os gastos com a construção civil, no mesmo período, cresceram 61,2%. O setor penitenciário contava, em 1993, com 600.000 empregados, ou seja, era o terceiro setor da economia a empregar trabalhadores, atrás apenas da General Motors e da rede de supermercado Wal-Mart. Entre
6 1979 e 1989, o orçamento dos hospitais estagnou, o dos Liceus escolares diminuíram em 2%, o da assistência social diminuiu em 41%, mas o do setor penitenciário cresceu, no mesmo período, em 95%. Por fim, o sistema policial e judiciário nos EUA prioriza seu foco de detenções entre os negros. Os dados: os negros representam 13% dos consumidores de droga e, no entanto, 33% das pessoas detidas e 75% das pessoas encarceradas por infração à legislação sobre drogas. Em 1995, de cada dez encarcerados, seis foram condenados por portar ou comercializar drogas, e a maioria era proveniente de bairros pobres afro-americanos. Depois de revelar esses dados, Löic Wacquant afirma que não existe vínculo algum comprovado, em pesquisas, entre índice de criminalidade e índice de encarceramento. Ou seja, a violência e o tráfico de drogas, nos EUA, não diminuíram com a política da tolerância zero, pois a repressão não teve influência alguma sobre os motores dessa criminalidade, que têm como objetivo criar uma economia de pilhagem justamente nos espaços onde a economia oficial não existe, como, por exemplo, aqui no Brasil, nas favelas e nos subúrbios das grandes cidades. Na política da tolerância zero, destaca-se o papel das polícias. Se o alvo destas, nos EUA, são os bairros negros ou degradáveis, os imigrantes ou indesejáveis, aqui no Brasil são, por exemplo, a juventude negra e os pobres da periferia. Löic Wacquant deixa mais explícito o papel da polícia, na ordem econômica neoliberal, quando diz que ela cumpre a tarefa que a assistência social não faz ou já não faz mais desde que se admite que não há (ou haverá) trabalho para todos. Sua conclusão é de que, do controle da pobreza permanente pelo trabalho assalariado, de alguns anos atrás, passamos ao controle pelas forças da ordem e pelos tribunais, colocando essas pessoas, no que ele chama, de campo de concentração para pobres (ou seja, os cárceres). Luiz Eduardo Soares, sociólogo e ex-secretário nacional de segurança pública do Ministério da Justiça, afirmou, recentemente, que há um processo de eliminação de jovens negros entre 16 e 24 anos de idade. Pois o tratamento que a PM dá a essa população se assemelha a de um grupo de extermínio. Quando a polícia sobe um morro, ou aborda os jovens da periferia e das favelas, todos são considerados suspeitos ou elementos perigosos. Em nenhum momento na história do tráfico no Brasil, houve uma ação concreta da parte do Estado para desmantelar as redes do tráfico de drogas, no seu alto comando. As ações da polícia, quando intervém efetivamente nessa rede ou na criminalidade urbana, resultam em chacinas, como a de Acari (1990), da Candelária (julho de 1993) ou de Vigário Geral (agosto de 1993), sem falar na de Carandiru (SP), em outubro de 1992, onde foram assassinados 111 presos. Um ex-capitão da PM do Rio de Janeiro revelou recentemente que a polícia ocupa a favela quando há problema nos bairros ricos. Se é no morro da Tijuca o tiroteio, perto da casa de juízes e promotores, médicos, a polícia ocupa no dia seguinte. Se tem tiroteio no Pavãozinho, dá para ouvir no restaurante do hotel Othon, aí a polícia corre pra lá, dá no Jornal Nacional. Agora, se tiver guerra entre o Juramento e Engenho da Rainha (em Inhaúma, zona Norte do Rio), a polícia não ocupa nada. Luiz Eduardo Soares, em entrevista a Caros Amigos, observou: No morro, o que você tem? O varejo do tráfico. Aqueles meninos que, uma vez mortos, são substituídos como peça de reposição. Se você acha que, entrando e invadindo o morro, fuzilando aqueles meninos,
7 está resolvendo alguma coisa, está completamente enganado. Porque esses meninos não têm poder nenhum: não são eles que falam inglês, que têm computador, que lavam dinheiro, que negociam com o tráfico internacional. Em geral, o atacado está nas áreas nobres da cidade, se infiltrando cada vez mais nas instituições públicas... Diante desses depoimentos e de tudo que vimos neste texto até aqui, será que poderíamos chegar à conclusão ainda de que bandido bom é bandido morto? De que os meninos do tráfico estão nessa vida por que querem? Afinal, quem são os verdadeiros responsáveis pela violência? Basta colocar policiamento ostensivo nas ruas para acabar com a criminalidade? Será que essas medidas podem excluir cada vez mais os pobres? Ou será que, como enfatiza o sociólogo Löic Wacquant, os excluídos do neoliberalismo são entregues ao seu próprio destino, vivendo da economia de pilhagem das ruas, cada vez mais dominada por atividades criminosas controladas por poderosas redes internacionais? A partir dessas constatações, que não se restringem a realidade brasileira ou de Macaé, para a juventude negra brasileira, na sua grande maioria, a palavra futuro tem vários significados. Entretanto para uma parcela significativa, encontrada nas periferias das grandes cidades e sofrendo as conseqüências do neoliberalismo e do assassinato policial-estatal, vida e morte são sinônimos, ou melhor, chegar aos 25 anos significa ser idoso. Quais seriam as políticas mais adequadas, primeiro para garantir a existência física e, segundo, para conscientizar e politizar a juventude contra o racismo e a barbárie? Seriam somente as políticas de ações afirmativas, expressas nas cotas? Ou o assistencialismo das ONGs (pois enquanto houverem pobres pretos hão de haver ONGs)? Devemos ter políticas públicas concretas, onde ao mesmo tempo se denuncie o racismo, sacuda as estruturas financeiras do neoliberalismo internacional e abale a produção cientifica da matança estatalpolicial-capitalista contra os jovens negros. Certamente teremos que rever as políticas de repressão e incentivar uma política de prevenção do uso de drogas. Mas, também se faz necessário uma política de estado que identifique e coíba quem realmente é responsável pela circulação e consumo de drogas que, certamente, não é a maioria afrodescendente e pobre das grandes periferias das cidades brasileiras. Referências Bibliográficas BOURDIEU, P. Contrafogos. Tática para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. CASTELLS, M. Fim de milênio. São Paulo: Paz e Terra, 1996. FONTES, V. Apontamentos para pensar as formas atuais de exclusão. In: BOCAYUVA, P.C.C. Afinal, que país é este? Rio de Janeiro: DP&A, 1999. REVISTA CAROS AMIGOS, nº 44, 46, 60 e 70. SANTOS, M. Por uma outra globalização. Do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2002. WACQUANT, L. Prisões da miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.. Os condenados da cidade. Rio de Janeiro: Revan, 2001.