Estudo da Influência da Tensão durante o Aquecimento Ôhmico da Polpa de Acerola M.F. Grings 1a, P.R.L. Watanabe 1b, J.R. Sarkis 1c, L.D.F. Marczak 1d 1- Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Laboratório de Tecnologia e Processamento de Alimentos (LATEPA) - Departamento de Engenharia Química CEP: 90035-007 Porto Alegre RS Brasil, Telefone: +55 (51) 3308-5155 a e-mail: matheus_grings@hotmail.com, b e-mail: wat.paulo@gmail.com, c e-mail: julia@enq.ufrgs.br, d e-mail: ligia@enq.ufrgs.br. RESUMO Métodos de conservação de alimentos pelo calor consistem na aplicação de um processamento térmico que promove a inativação de enzimas e micro-organismos patogênicos. O aquecimento ôhmico é um método de tratamento térmico que possibilita um aquecimento rápido e uniforme. O objetivo desse trabalho é investigar a influência da tensão elétrica na degradação de antocianinas monoméricas da polpa da acerola, bem como estudar a cinética de degradação. Os experimentos foram conduzidos a 80 C em uma célula ôhmica agitada por 90 minutos. Analisaram-se três experimentos com diferentes tensões de 25, 75 e 83 V, além do aquecimento convencional para fins comparativos. O modelo cinético de 1ª ordem se adequou aos dados experimentais. Concluiu-se que a aplicação de aquecimento ôhmico acelerou a degradação das antocianinas. ABSTRACT Thermal food conservation methods consist in the application of heat to promote enzymes and pathogenic microorganism inactivation. Ohmic heating is a thermal treatment method that provides a fast and uniform heating. The objective of this study is to investigate the influence of the electric field in the degradation of monomeric anthocyanins from acerola pulp and to analyze the degradation kinetics. The experiments were conducted at 80 C in a stirred ohmic cell for 90 minutes. Three experiments at different tensions of 25, 75 and 83 V were analyzed and compared to the conventional heating method. The 1 st order kinetic model proved to be appropriate to fit the experimental data. The application of ohmic heating accelerated the degradation of anthocyanins. PALAVRAS-CHAVE: antocianinas, aquecimento ôhmico, acerola, cinética. KEYWORDS: anthocyanins, ohmic heating, acerola, kinetics. 1. INTRODUÇÃO O mercado de alimentos é um dos que mais cresce no mundo e está em constante adaptação ao crescimento da população. Com o aumento do interesse por alimentos saudáveis, tornou-se desejável o desenvolvimento de tecnologias que permitam que o alimento mantenha as suas características naturais e que seus nutrientes não sofram danos causados pelo processamento, ao mesmo tempo em que se aumente sua vida de prateleira. Tratamentos térmicos são os mais utilizados tradicionalmente: sua aplicação causa a inativação de enzimas e de micro-organismos patogênicos, mas também pode provocar a degradação de componentes biológicos desejáveis. Atualmente, o Brasil é o maior produtor de acerola (Malpighia Emarginata) do mundo (Mezadri et al., 2006). Essa é uma fruta de muito interesse devido ao seu valor nutricional: possui um baixo valor calórico e uma grande quantidade de compostos antioxidantes. Esses compostos causam reações benéficas ao corpo humano, sendo de muita importância na prevenção de doenças como o
câncer. Entre eles, destacam-se as antocianinas, um grupo de pigmentos presente em uma grande variedade de plantas, sendo responsáveis pela coloração azul, roxa, violeta, magenta, vermelha e laranja em diversos frutos e vegetais. Apesar de suas vantagens e aplicações na área da saúde, as antocianinas são moléculas instáveis, facilmente degradadas por fatores externos como o ph, a temperatura, a exposição a luz e ao oxigênio (Fennema et al., 2010). O aquecimento ôhmico é uma tecnologia que vem sendo cada vez mais aplicada nos últimos anos, servindo como alternativa para os métodos convencionais. Enquanto estes consistem no contato do alimento com paredes aquecidas por água quente ou vapor, o aquecimento ôhmico tem como base a passagem de corrente elétrica alternada através de um alimento, que se aquece internamente por efeito Joule uma vez que o alimento oferece uma resistência à passagem da corrente elétrica. Como o calor é gerado internamente, menores gradientes de temperatura são observados quando comparados com a pasteurização convencional. Desta forma, o tratamento ôhmico conduz a aquecimentos mais uniformes, mesmo em sistemas heterogêneos, onde há a presença de partes líquidas e porções de sólidos (Goullieux & Pain, 2005). Este trabalho tem como objetivo estudar a influência de diferentes tensões aplicadas no aquecimento ôhmico sobre a cinética de degradação das antocianinas monoméricas da polpa de acerola. Foram realizados três experimentos com diferentes tensões e um aquecimento convencional, para fins comparativos. 2. MATERIAIS E MÉTODOS Todos os experimentos foram realizados no Laboratório de Tecnologia e Processamento de Alimentos (LATEPA) do Departamento de Engenharia Química (DEQUI) da UFRGS. A polpa de acerola utilizada no processo experimental foi da marca Mais Fruta, comprada em um supermercado local. Para homogeneização, as amostras foram misturadas e separadas em porções de 200 g dentro de sacos plásticos, onde então foram seladas a vácuo para conservação. As polpas foram armazenadas em um freezer à -15 C, para evitar degradação antes da utilização. 2.1. Aquecimento Ôhmico Os experimentos de aquecimento ôhmico foram realizados de acordo com a abordagem descrita por Mercali et al. (2014), utilizando a mesma célula ôhmica encamisada e eletrodos de titânio. A temperatura do sistema foi monitorada com dois termopares cilíndricos de aço inoxidável que coletavam dados a cada 0,6 s. Uma hora antes dos experimentos, descongelaram-se 200 g das amostras à temperatura ambiente, sendo posteriormente colocadas na célula ôhmica. Para analisar apenas o efeito das diferentes tensões, os experimentos foram mantidos a 80 ± 1 C. Inicialmente, as amostras foram aquecidas através da passagem de água quente a 95 C pela camisa da célula até que a polpa atingisse 78 C. Após isso, através de um sistema de by-pass, trocouse a corrente de água por um banho frio e ativou-se a tensão nos eletrodos. Três diferentes tensões foram estudadas (25, 75 e 83 V), além da realização de um experimento convencional sem corrente elétrica. A Figura 1 contém a variação da temperatura com o tempo de processamento para todos os casos estudados, mostrando que todas as amostras foram aquecidas a praticamente a mesma taxa e que as temperaturas foram mantidas na faixa de estudo desejada (para melhor visualização da rampa de aquecimento, mostram-se na Figura 1 apenas os primeiros 1000 segundos de experimento).
Figura 1 - Variação da temperatura com o tempo de processamento para os diferentes experimentos. A temperatura do banho frio foi diferente em cada caso para compensar o calor gerado pelas diferentes tensões. O tempo total dos experimentos foi de 90 minutos e o estudo da cinética de degradação das antocianinas foi realizado através da coleta de amostras a cada 15 minutos em tubos de tipo Eppendorf, posteriormente selados e guardados em banhos de gelo. A coleta foi realizada em duplicata. 2.2. Análise do Teor de Antocianinas A quantificação de antocianinas foi baseada no método do ph diferencial para determinação de antocianinas monoméricas, seguindo a abordagem descrita por Giusti & Wrolstad (2001) e foram realizadas em triplicata com um espectrofotômetro de UV-visível (Pró-Análise, modelo UV-1600, Brasil). 2.3. Cinética de Degradação e Análise Estatística Após o cálculo das concentrações de antocianinas em função do tempo de processamento, foi realizado um estudo cinético com o objetivo de correlacionar os experimentos com o modelo de degradação de 1ª ordem, descrito por van Boekel (2008) e mostrado na Equação 1. As constantes cinéticas e os coeficientes de determinação foram calculados com o uso do software Statistica 13 (Statsoft, Tulsa, OK, USA), bem como parâmetros estatísticos como o qui-quadrado (χ²), o erro percentual absoluto (E%) e o erro padrão de médias (S.E.M.), utilizados para verificar se os experimentos se adequaram ao modelo. Calculou-se também outro parâmetro cinético: o tempo de redução decimal (ou valor D ), calculado conforme a Equação 2. Onde C(t) é a concentração de antocianinas em função do tempo t, C 0 é a concentração inicial e k é a constante cinética da reação de primeira ordem. Para comparação entre constantes cinéticas e valores D, foi realizada uma análise de variâncias (ANOVA). Os diferentes valores obtidos foram comparados através do Teste de Tukey com nível de significância de 95%. (1) (2)
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO As curvas de degradação das antocianinas são apresentadas na Figura 2. Ao fim dos 90 minutos, observou-se maior degradação com a aplicação da tensão de 75 V, correspondente a 61%, enquanto que o aquecimento convencional apresentou a menor degradação com 53%. Figura 2 Curva de degradação das antocianinas monoméricas em função do tempo e das tensões. Através desses resultados e do Statistica 13, foram calculados os parâmetros de adequação R², E(%), χ² e S.E.M., mostrados na Tabela 3. Tabela 3 - Resultados da análise estatística para o modelo de 1ª ordem. Experimento R² E(%) χ² x 10 4 S.E.M. x 10³ Convencional 0,98 2,75 2,50 0,47 25 V 1,00 1,06 1,29 0,24 75 V 0,99 2,21 2,43 0,46 83 V 0,99 2,68 0,84 0,16 MÉDIA 0,99 2,18 1,76 0,33 Para que um modelo seja considerado adequado, são desejados baixos valores dos três últimos parâmetros listados e um valor próximo de 1 para o R². Constatou-se que o modelo de 1ª ordem se mostrou adequado para representar a cinética de degradação das antocianinas monoméricas da polpa de acerola, o que é compatível com outros trabalhos encontrados na literatura sobre sucos de fruta e polpas (Patras et al., 2010; de Rosso & Mercadante, 2007). A Tabela 4 mostra as constantes cinéticas de 1ª ordem e os respectivos valores D em relação às diferentes tensões aplicadas em cada experimento. Tabela 4 - Resultados para os parâmetros cinéticos obtidos em cada experimento*. Tensão (V) k (min -1 ) D (min) Convencional 0,0075 ± 0,0004ª 307 ± 17ª 25 ± 1 0,0093 ± 0,0004 b 247 ± 10 b 75 ± 1 0,0100 ± 0,0001 b 229 ± 1 b 83 ± 1 0,0098 ± 0,0003 b 234 ± 7 b *Mesma letra sobrescrita na mesma coluna não apresenta diferenças significativas entre si (p > 0,05).
A análise dessa tabela mostra que o tratamento convencional teve a menor constante cinética da reação de degradação de antocianinas monoméricas, enquanto os experimentos de aquecimento ôhmico apresentaram maior degradação, destacando como a tensão pode influenciar a estabilidade dos pigmentos. O valor D do aquecimento convencional foi o maior encontrado, com uma diferença superior a uma hora para degradar 90% das antocianinas quando comparado com experimentos com tensões mais elevadas. Uma das potenciais causas para a degradação de antocianinas em um sistema de aquecimento ôhmico é a geração de reações eletroquímicas quando se aplica um campo elétrico através do alimento. Assiry, Sastry e Samaranayake (2003), ao estudarem a degradação do ácido ascórbico (outro composto antioxidante) em um sistema de aquecimento ôhmico, propuseram que o contato dos eletrodos com o alimento é responsável pelo surgimento de efeitos eletrolíticos, destacando a eletrólise da água e a corrosão dos eletrodos. Mercali et al. (2012) também observaram maiores degradações do ácido ascórbico na polpa de acerola quando exposta a maiores tensões. Os autores também sugerem as reações eletroquímicas como provável causa. 4. CONCLUSÕES O presente trabalho realizou um estudo da cinética de degradação das antocianinas monoméricas presentes na polpa de acerola através de um tratamento por aquecimento ôhmico em diferentes tensões. Foi também feito um tratamento convencional (sem corrente elétrica) a fim de estabelecer um comparativo com os outros resultados, assim estabelecendo uma avaliação de efeitos não-térmicos no produto. A aplicação de aquecimento ôhmico nas diferentes tensões estudadas resultou em uma maior degradação de antocianinas do que o aquecimento convencional. Especula-se que o aumento da tensão possa estar relacionado com o surgimento de reações eletroquímicas que seriam as responsáveis pela degradação dos compostos. A cinética de 1ª ordem se mostrou adequada como modelo de degradação das antocianinas monoméricas em polpa de acerola, confirmando dados encontrados na literatura. 5. AGRADECIMENTOS Ao apoio financeiro recebido da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e da FAPERGS (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul). 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Assiry, A.; Sastry, S. K.; Samaranayake, C. (2003). Degradation kinetics of ascorbic acid during ohmic heating with stainless steel electrodes. Journal of applied electrochemistry. v. 33, n. 2, p. 187 196. de Rosso, V. V.; Mercadante, A. Z. (2007). Evaluation of colour and stability of anthocyanins from tropical fruits in an isotonic soft drink system. Innovative food science and emerging technologies. v. 8, n. 3, p. 347 352.
Fennema, O. R., Damodaran, S., Parkin, K. L. (2010). Química de Alimentos de Fennema (4. ed.). Editora Artmed. Giusti, M. M., Wrolstad, R. E. (2001). Characterization and measurement of anthocyanins by UV- Visible spectroscopy. Current protocols in food analytical chemistry: John Wiley & Sons, Inc. Goullieux, A., Pain, J. P. (2005). Ohmic Heating. Emerging Technologies for food processing. Italy: Elsevier Academic Press. 549p. Mercali, G. D., Jaeschke, D. P., Tessaro, I. C., Marczak, L. D. F. (2012). Study of vitamin c degradation in acerola pulp during ohmic and conventional heat treatment. LWT - Food Science and Technology. v. 47, n. 1, p. 91 95. Mercali, G. D., Schwartz, S., Marczak, L. D. F., Tessaro, I. C., & Sastry, S. (2014). Ascorbic acid degradation and color changes in acerola pulp during ohmic heating: Effect of electric field frequency. Journal of Food Engineering, 123, 1 7. Mezadri, T.; Fernández-Pachón, M. S.; Villano, D.; Garciá-Parrilla, M. C.; Troncoso, A. M. (2006). El fruto de la acerola: composición y posibles usos alimenticios. Archivos Latinoamericanos de Nutrición, Caracas, v.26, n.2, p.101-109. Patras, A., Brunton, N. P., O Donnell, C., Tiwari, B.K. (2010) et al. Effect of thermal processing on anthocyanin stability in foods; mechanisms and kinetics of degradation. Trends in food science and technology. v. 21, n. 1, p. 3 11. van Boekel, M. (2008). Kinetic modeling of food quality: a critical review. Comprehensive reviews in food science and food safety. v. 7, n. 1, p. 144 158.