Judicialização da Atenção Domiciliar
Comissão de Estudos da Atenção Domiciliar à Saúde da OAB/SP A Ordem dos Advogados do Brasil, secção de São Paulo (OAB/SP), através de Portaria publicada em 04 de Janeiro de 2012, instituiu um Comitê de Estudos sobre a Atenção Domiciliar, e recentemente o transformou em uma Comissão Especial, cujo objetivo é contribuir para a difusão da Assistência Domiciliar, estimulando os trabalhos e discussões sobre o assunto. A Douta Comissão de Estudos da Atenção Domiciliar à Saúde é formada por advogados especialistas e profissionais de notório saber na área da Atenção Domiciliar, e atua como um foro especializado de estudos e análise das necessidades do setor, em seus aspectos acadêmicos, legais, regulatórios, administrativos, institucionais e até mesmo internacionais.
Precisamos ressaltar a oportunidade de ter, o Comitê de Estudos sobre Atenção Domiciliar. Embora antigo na concepção, é algo novo no que diz respeito ao poder público se conscientizar de que não há vagas suficientes para todos aqueles que precisam de atendimento médico, quer na rede pública, quer na rede privada. Diante disso, reitero que esse modelo precisa de uma legislação mais clara, precisa de um debate mais amplo, aliás, precisa ser conhecido pela sociedade. O poder público já acena com essa vertente, no âmbito federal, estadual e municipal, mas queremos mais. Queremos trazer aqui para a OAB, para este campo isento, para este palco de debate, as grandes questões que envolvem o segmento, especialmente, uma que reclama uma intervenção imediata, que é a questão do diferente vínculo que estabelece essa relação de trabalho. Luiz Flávio Borges D Urso, presidente da OAB São Paulo.
A OAB São Paulo tem se empenhado nos estudos sobre a judicialização da saúde, com o objetivo de fornece um diagnóstico sobre as principais questões levadas ao Poder Judiciário e, por conseguinte, permitir compreender, analisar e debater a postura dos gestores públicos da saúde, operadoras de saúde suplementar, consumidores, magistrados e órgãos da administração sobre o tema. Procuramos com esta iniciativa, alertar a comunidade jurídica para os custos que as decisões judiciais impõem aos agentes públicos e privados, que acabam por inviabilizar ou desestimular certas atividades ou, ainda, por repassar estes custos aos próprios consumidores.
Judicialização da Saúde: A expressão judicialização da saúde, define o fenômeno, também recente no Brasil, de uma crescente busca por acesso a serviços e tecnologias de saúde por intermédio da Justiça. Helton Freitas. Existem diferentes causas que contribuem para Judicialização da Saúde, entre elas o maior acesso ao Judiciário; o fortalecimento de órgãos/entidades de defesa do consumidor; o fortalecimento das defensorias públicas. Porém, o recurso ao Judiciário se apresenta como saída individual, ante a ausência de respostas satisfatórias para o dilema de como garantir, com equidade, o acesso pleno dos cidadãos aos serviços assistenciais.
A Judicialização da Atenção Domiciliar na Saúde Suplementar: Na saúde suplementar, essa tendência se inscreve no mesmo contexto que produziu a regulamentação do setor a partir de 1998. Como advento da Lei nº 9.656/98 procurou se regulamentar o mercado de saúde suplementar, antes caracterizado pela prevalência de instrumentos contratuais diversos, com coberturas de procedimentos médicos fixados em conformidade com a vontade exclusiva do particular que atuava nesse mercado. Atualmente, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é a responsável por normatizar, controlar e fiscalizar as atividades das operadoras de planos privados de assistência à saúde, garantindo a qualidade da prestação dos serviços prestados aos beneficiários destes planos privados de assistência, zelando ao mesmo tempo pela sustentabilidade econômica e financeira do setor de Saúde Suplementar.
Seguindo a lógica da regulamentação, o que não se pode admitir, evidentemente, é o estabelecimento de regras de atuação pela agência reguladora competente, o que leva à definição do preço do serviço que será oferecido ao consumidor, e a pura e simples inobservância, por parte do Judiciário, das regras que emanaram da Administração Pública. Afinal, tal inobservância pode acarretar o desequilíbrio econômico financeiro do contrato. É certo que o atendimento a demandas pela via judicial, sem a necessária contraprestação, onera a lógica solidária entre os contratantes e instaura o conflito, sobretudo, impactos econômicos imprevisíveis da concessão de coberturas não contratadas. As operadoras de planos e seguros de saúde vêm sofrendo com a oneração do processo e a insegurança dos contratos celebrados, oque gera distorções nos custos e nos preços dos produtos.
Em todos os tribunais, destacam se os pedidos de assistência médica, próteses, materiais, indenização por dano moral, embora o mais expressivo em quantidade seja o de internação, ainda é tímida nos tribunais, a discussão a respeito da assistência domiciliar, apenas 2% (dois por cento) referem se ao tema, possivelmente por se tratar de serviço de cobertura não obrigatória das operadoras de plano de saúde. (Pesquisa: Judicialização da Saúde Suplementar Unimed BH 2010.).
A Resolução Normativa 167 da ANS, que entrou em vigor em 02.04.2008, resolveu pela inclusão opcional dos Programas de Atenção Domiciliar nos contratos de saúde suplementar, que figura no rol das coberturas não obrigatórias dos planos ou seguros hospitalares. Cada operadora adota um determinado formato na organização de assistência à saúde. Essas configurações são estruturadas nos contratos com os prestadores, fornecedores e beneficiários. Parte da jurisprudência entende que, se o laudo médico de um especialista comprovar que a internação domiciliar é imprescindível à recuperação do paciente, embora o serviço seja excluído contratualmente, ele deva ser fornecido. Desta forma, se o fornecedor negar ou limitar algum pedido de assistência domiciliar, o consumidor por meio de laudo médico, mesmo sem previsão contratual, poderá ajuizar uma ação de obrigação de fazer, a fim de que o serviço seja prestado.
A Judicialização da Atenção Domiciliar na Saúde Pública: Com o advento da Constituição Federal de 1988, que consagrou o direito de acesso universal à saúde (art.196), e mais acentuadamente a partir do final da década de 1990, passou se a assistir ao crescente aumento de demandas judiciais destinadas a exigir dos entes públicos a disponibilização das mais diversas prestações materiais na área da saúde (tratamentos, medicamentos, exames, internamento em leitos hospitalares e internamento domiciliar, consultas, cirurgias, etc.). Esta crescente litigiosidade trouxe outras consequências danosas, pois perverteu o planejamento do setor da saúde, além de ampliar a iniquidade no SUS, ao impor elevados gastos sem qualquer previsão, racionalidade ou priorização, não levando em conta as necessidades da população.
Há casos, em que Municípios se veem instados adaremcumprimento imediato a decisões judicial provisórias, cujo comando se mostra tecnicamente inviável ou mesmo lesivo à saúde dos beneficiários. É o que ocorre, com a internação domiciliar (home care). Para ser admitido em Atenção Domiciliar, primeiro é necessário que haja a indicação do profissional de saúde que acompanha o paciente. Apenas o relatório médico não é suficiente para que seja autorizada a atenção domiciliar. É necessário, também, que seja verificado se o caso em análise se enquadra nas normas da Vigilância Sanitária, verificando se se há indicação clínico terapêutica e psicossocial para o atendimento domiciliar do paciente.
Merecem análise, ainda, os requisitos de infraestrutura do domicílio do paciente; a necessidade de recursos humanos, materiais, medicamentos, equipamentos e retaguarda de serviços de saúde; o cronograma de atividades profissionais e logística de atendimento; tempo estimado de permanência do paciente no serviço de atenção domiciliar. A inobservância de tais aspectos pode acarretar reais prejuízos ao paciente, inclusive no âmbito da responsabilidade civil por dano.
Ficaclaroquetantoasaúde pública quanto a saúde suplementar possuem limitadores para a prestação do atendimento domiciliar, o que denota a importância da RDC 11, de 26 de janeiro de 2006, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que obriga a elaboração do Plano de Atendimento Domiciliar onde as reais necessidades do paciente serão aferidas, afastando, por conseguinte quaisquer dúvidas que possam surgir sobre qual modelo a ser seguido e de que forma ocorrerá. A RDC n.º 11, deveria funcionar como um roteiro para o deferimento da atenção domiciliar, visto que a exigência de elaboração do plano de atenção domiciliar pode funcionar como um norte para o magistrado leigo da ciência médica.
Cumpre ressaltar que a garantia à saúde do cidadão pelo Estado (sentido abstrato) não se dá de qualquer forma, mas sim em conformidade com a Lei, em razão da submissão da Administração ao Princípio da Legalidade. A norma é expressa ao determinar que o cumprimento do deverdoestadosedámedianteoestabelecimentode políticas sociais e econômicas, até porque essa é a única forma de se garantir a universalização do acesso à saúde. E é com base na política previamente estabelecida, inclusive com aprovação prévia de protocolos clínicos e de diretrizes terapêuticas de tratamento, que deve ocorrer o cumprimento dos deveres do SUS.
O Programa de Atenção Domiciliar é definido pela Portaria 2.527 de 2011, alterada e acrescida recentemente pela Portaria 1.533 de 16 de julho de 2012, a exemplo da ampliação do recorte populacional dos municípios elegíveis para implantação das equipes de atenção domiciliar. Além disso, estabelece normas de cadastro dos Serviços de Atenção Domiciliar (SAD), suas respectivas Equipes Multidisciplinares de Atenção Domiciliar (EMAD) e Equipes Multidisciplinares de Apoio (EMAP) e habilitação dos estabelecimentos de saúde aos quais estarão vinculadas, regras de habilitação e valores de incentivo.
Desafios diante da Judicialização da Saúde: Os desafios para a gestão saúde provocados pelo fenômeno da judicialização vêm exigindo um tipo de atuação do gestor, administrativa e judicialmente diferenciada, no sentido de responder às ordens judiciais, evitar o crescimento de novas demandas, bem como preservar os princípios e as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Frente a esse quadro geral, é preciso identificar as principais demandas, compreender os argumentos em disputa, desvendar o comportamento e as motivações dos diversos agentes sociais que se confrontam em cada ação.
Medidas Adotadas por alguns Estados e Municípios para fazer frente ao problema da Judicialização: São Paulo: Núcleo de Inteligência da Corregedoria Geral da Administração do Estado de São Paulo, órgão vinculado à Secretaria da Casa Civil de São Paulo, criou um software que registra e cruza informações relacionadas à pacientes, doenças, médicos e advogados que defendem ações judiciais contra o Estado. Assim foi possível mapear e estudar os autores envolvidos no fenômeno que foi chamado de judicialização. Pioneiro no Brasil, o projeto consiste em uma ação conjunta entre a Secretaria da Saúde, Corregedoria Geral da Administração, Secretaria de Segurança Pública, Secretaria da Fazenda e a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, este projeto ajudou a identificar criminosos que fraudavam o fornecimento de medicações pelo Estado.
Outra solução foi trazida por um programa na capital paulista criado em parceria com a Defensoria do município para orientar a população sobre como garantir seus direitos a tratamentos e medicamentos pelo SUS. As pessoas que procuram os serviços dos defensores públicos, pretendendo ajuizamento de demandas por medicamentos e afins, são encaminhadas a uma triagem realizada portécnicosefarmacêuticosdasecretáriadeestadodasaúde, localizados dentro do próprio prédio da Defensoria. Por meio deste atendimento administrativo, se o medicamento estiver dentro dos padrões do SUS, o paciente já é orientado a buscar a farmácia. Se o poder público não tiver o remédio, busca se uma alternativa. Se há uma necessidade especial, o médico preencherá um laudo de solicitação de medicamento não padronizado para tentar demonstrar que é necessário para aquela doença.
Minas Gerais: Durante o primeiro semestre de 2011 o Comitê Executivo da Saúde de Minas Gerais desenvolveu diversas atividades e adotou algumas medidas com resultados positivos. Dentre as medidas já adotadas fica acentuado o seguinte: A Corregedoria Geral de Justiça de Minas Gerais baixou a Recomendação nº 10, de 08.06.2011, que segue a orientação da Recomendação 31 do CNJ, sugerindo aos magistrados que facilitem a criação dos acessos rápidos com os gestores. Foi solicitada ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais a celebração de convênios com o Estado de Minas Gerais para disponibilizar aos magistradosdeumserviçotécnicoisentoparaaelaboraçãodenotas técnicas sobre os procedimentos e medicamentos objeto de demandas judiciais.
Criação de link na página do Tribunal de Justiça, para disponibilizar informações sobre a Judicialização da Saúde, tais como normas, procedimentos, doutrina e jurisprudência. Elaboração de cartilha do SUS, com a disponibilização de informações básicas sobre a organização e o funcionamento do SUS.
Natal: A capital do Rio Grande do Norte reduziu em 50% os processos com a criação do Comitê Institucional de Resolução Administrativa de Demandas da Saúde (Cirads). O grupo foi criado com o objetivo de analisar e resolver problemas relacionados aos pedidos dos cidadãos que chegam à Justiça. O Comitê analisa e detecta quais casos realmente vão prosseguir na Justiça e os que podem ser solucionados sem esse recurso. As iniciativas do Município de Natal (RN) na redução de processos de judicialização foi destaque no 1º Seminário Nacional sobre Direito e Saúde, cujo objetivo é incentivar boas práticas na redução de litigiosidade, gestão e na melhoria do acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Conclusão: É desafiador gerir um sistema de complexidade notória, o qual concilia saúde pública (regida pelos princípios da universalidade e integralidade) e saúde suplementar (cujos serviços são regulados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar). E isso em um ambiente de recursos limitados, que inviabiliza a conhecida máxima de oferecer tudo para todos. O art. 196 da Constituição Federal prevê que: a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
O artigo 196 da Constituição Federal deixa claro que a garantia do direito à saúde se da por meio de políticas sociais e econômicas, não através de decisões judiciais, até porque essa é a única forma de se garantir a universalização do acesso à saúde. Verifica se, nesta lógica, que os direitos individuais, especialmente os civis, são postos em oposição aos direitos sociais, quando não são vistos como com eles incompatíveis, porquanto a defesa de interesses particulares afigurar se ia mesquinha, egoísta e reprovável. Essa, possivelmente, a razão da perplexidade manifestada por Paulo Roberto Vogel de Rezende, no artigo intitulado A Ação Direta de Inconstitucionalidadenº 1.931 8/DF sob o enfoque da segurança jurídica: uma análise da jurisprudência.
No que diz respeito à saúde suplementar, o que não se pode admitir, evidentemente, é o estabelecimento de regras de atuação pela agência reguladora competente, eapuraesimples inobservância, por parte do Judiciário, das regras que emanaram da Administração Pública. Finalmente, todas as ações para oferecimento do serviço público de saúde devem se dar de forma planejada e organizada, de modo a garantir o acesso universal, igualitário em sentido substancial e eficiente à saúde, e não somente daqueles que demandam o judiciário, além de racionalizar procedimentos e custos, respeitando se, com isso, o princípio da eficiência que deve nortear as práticas da Administração Pública.
Gislaine Caresia Presidente da da OAB São Paulo Membro do Comissão de Estudos sobre a Atenção Domiciliar da OAB São Paulo gislainecaresia@uol.com.br www.oabsp.org.br