UMA ANÁLISE SOBRE O ABORTO NO BRASIL: CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ASPECTOS JURÍDICOS RELEVANTES NA TOMADA DE DECISÕES 1 AN ANALYSIS ON ABORTION IN BRAZIL: CONSIDERATIONS ON RELEVANT LEGAL ASPECTS IN DECISION MAKING Guilherme Humberto Fabrício Strauss 2, Joice Graciele Nielsson 3 1 Projeto de Pesquisa realizado no Curso de Direito da UNIJUÍ 2 Acadêmico do curso de Direito da UNIJUÍ. E-mail: oguistrauss@hotmail.com 3 Dra. em Direito, Professora do Programa de Pós-Graduação? Mestrado em Direitos Humanos? e do Curso de Graduação em Direito da UNIJUÍ INTRODUÇÃO Após quase duas décadas, o assunto aborto volta a ser discutido na mídia, nos projetos de lei, nas faculdades e pela população, graças aos avanços da medicina e da sociedade brasileira em diversos outros assuntos como a identidade de gênero e movimento feminista, tratar sobre o aborto e questões relacionados à ele, tornou-se menos complexo e igualmente necessário, neste sentido, o presente estudo busca realizar uma análise jurídica acerca do tema, afastando argumentos que não deveriam se relacionar com o assunto, especialmente aqueles de natureza religiosa, uma vez que vivenciamos um Estado Laico. Sob esta perspectiva, caberia ao Estado legislar acerca de temáticas relevantes como esta, com base em fatos e necessidades de uma sociedade em que na sua grande maioria, especialmente a sua população mais pobre, é afetada de forma direta e negativa pela criminalização do aborto. METODOLOGIA O trabalho se desenvolveu a partir de pesquisas bibliográficas de autores (nacionais e internacionais) pró e contra a descriminalização do aborto. Com base nas leituras, o ora acadêmico, pode destacar os principais fundamentos e pensamentos que entram em acordo e são mais aceitos, mais lógicos e menos criticados entre a doutrina e jurisprudência. RESULTADOS E DISCUSSÕES Pode-se considerar o aborto como a interrupção da gestação em qualquer fase, podendo ser ela espontânea, que advém de causas naturais, e provocada, que há a interferência de agente alheio com o intuito de impedir o prosseguimento da gestação. Quanto a este aspecto, não há divergência, uma vez que ainda ocorra diferenciações, aborto é a interrupção da gravidez, é o impedimento da possibilidade do ser humano em potencial chegar a vida extrauterina.
O que nos leva a procura por outro consenso, que ainda não há, sobre o início da vida, que será relativizado, mas que é de suma importância para chegar ao centro do questionamento, quais aspectos que circundam as questões político-sociais devem ser levados em consideração na tomada de decisões sobre o aborto. Neste quesito, a evolução científica desde a década de noventa, ajuda, uma vez que graças à tecnologia, é possível distinguir etapa por etapa de uma gestação e dizer onde ocorre cada transformação e progressão de um ser humano em potencial à um ser humano, que será de suma importância para tentar responder a pergunta quanto aos direitos, corroborando com Analise Tessaro (2006), Os novos recursos de diagnóstico pré-natal e o advento das técnicas de reprodução assistida trouxeram novo fôlego para as discussões sobre o momento em que se deve considerar existente a vida humana, inclusive no que se refere a sua proteção jurídico-penal. Isso porque, no que concerne ao diagnóstico pré-natal, atualmente é possível conhecer detalhadamente as etapas do desenvolvimento embrionário e fetal. Mesmo não ocorrendo um consenso entre todas às matérias, há o entendimento majoritário que tem como base a atividade cerebral do feto para distinguir o momento em que ele deixa de ser um ser humano em potencial, para ser um ser humano em desenvolvimento Até o momento, não existe consenso na ciência, filosofia ou religião, sobre qual o momento em que se inicia a vida. Segundo a autora (2006), destacam-se algumas posições majoritárias, tais como a fecundação, nidação ou o início da atividade cerebral, entretanto, todas elas são passíveis de questionamentos, traduzindo-se, não raras vezes, num debate apaixonado baseado mais num ato de fé do que na razão, como o aborto é tipificado no Código Penal Brasileiro, é de suma importância que o entendimento que concernem o tema, não tomem sentidos contrários à razão, não deve ser pioneiro em um debate de saúde pública, a moral, ética e crenças pessoais, como ocorreram e ainda ocorrem no Brasil. De acordo com Sônia Corrêa (2015), Mais especialmente, a partir do final da década passada, os setores conservadores passariam a adotar uma estratégia agressiva com pressão física e por via judicial de impedir o acesso aos procedimentos de aborto, em casos permitidos por lei ou autorizados excepcionalmente por via judicial, como no caso da anomalia fetal grave. No caso do Brasil, isto ocorreu várias vezes. O Brasil por ser um país fundado pela Igreja Católica, em seus costumes, morais e éticos, está vencelhado até hoje a isto, mesmo sendo um país de Estado Laico. Necessário fazer um adento a Laicidade do Estado, é definida pelo não posicionamento do Estado nas questões sociopolíticas em favor de nenhuma religião, mesmo defendendo que seus cidadãos possam pertencer a qualquer religião existente. Mesmo sendo isto muito bem definido na Constituição Federal do Brasil, há
ainda forte presença da religião nas decisões legislativas do país, vide a quantidade de líderes religiosos em exercício na Câmara dos Deputados e Senado Federal. Acaba que esta interferência religiosa leva a discussão do aborto para um caminho onde o final é mais levado em conta o que a igreja diz, do que a saúde pública grita. E na questão aborto, não deve se falar em início da vida ao receber a alma, ou morte, da alma sento levada do corpo, deve se dar voz à ciência, as necessidades sociais o os direitos fundamentais de um Estado Laico. Baseado nestas considerações, o Excelentíssimo Ministro Marco Aurélio Barroso, integrante do Supremo Tribunal Federal brasileiro, decidiu em um caso concreto, pela não punição das pessoas envolvidas em um aborto provocado durante as 12 primeiras semanas de gestação, nas palavras A história da humanidade é a história da afirmação do indivíduo em face do poder político, do poder econômico e do poder religioso, sendo que este último procura conformar a moral social dominante. O produto deste embate milenar são os direitos fundamentais, aqui entendidos como os direitos humanos incorporados ao ordenamento constitucional, (...) sustentam que antes da formação do sistema nervoso central e da presença de rudimentos de consciência o que geralmente se dá após o terceiro mês da gestação não é possível ainda falar-se em vida em sentido pleno. (STF, Habeas Corpus 124.206). Afastando assim os conceitos religiosos e trazendo a definição de início da vida como a atividade cerebral do feto para o debate do aborto, e neste sentido, Ferrajoli, citado opor Tessaro, (2006, p. 17), afirma que isto equivale a não brandir contra nenhuma delas o Código Penal, como gostam de fazer, pretendendo impor a todos a sua moral, os defensores da punição do aborto. Das questões que concernem a discussão sobre a necessidade da descriminalização do aborto, está, se o aborto é ou não, um caso de saúde pública. A grande dificuldade de obter dados precisos em relação a quantidade de mulheres que abortam e destas, que morrem durante o procedimento, é devido ao fato da ilegalidade do ato. Entretanto, dados do Ministério da Saúde trazem números comprovados e assustadores, cerca de 1.664 (mil, seiscentos e sessenta e quatro) mulheres morreram, em 2015 devido ao aborto bem como deram entrada cerca de 200.000 (duzentas mil) mulheres com complicações em relação ao aborto no Sistema único de Saúde, um número alto, se levado em consideração que nos países onde o aborto é legalizado, ocorrem cerca de 0,5 mortes a cada 100.000 (cem mil) procedimentos. Torna-se um problema de saúde pública, nas definições encontradas por Da Costa, J.S.D e Victora, C.G, do Departamento de Medicina Social da Universidade Federal de Pelotas, (...) ao se julgar sobre recomendações de rastreamento deve-se considerar a "carga de mortalidade, morbidade e sofrimento causados pela condição". Segundo os autores esta carga é caracterizada em duas amplas áreas: 1. O impacto no indivíduo em termos de anos potenciais de vida perdidos, a extensão de incapacidade, dor e desconforto, o custo do tratamento, e o impacto na família do indivíduo. 2. O impacto na sociedade mortalidade, morbidade e custos do tratamento para a
sociedade. (...). Não somente as mortes oriundas do aborto devem ser levadas em consideração, a busca deve partir do que levou a mulher, enquanto ser dotado de autonomia e desejo, decidiu tomar esta decisão. Um estudo social realizado na cidade de São Paulo com mulheres em situação de rua, realizado pelo Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama, constatou às grandes dificuldades que as 2.326 mulheres nesta situação (senso 2015) passam durante a gestação, muitas vezes por falta de documentos de identificação, medo de buscar ajuda, dependência química, e ainda, a insuficiência do Sistema Único de Saúde disponibilizado. As pessoas na situação de rua são obrigadas a dar prosseguimento na gestação devido a criminalização do aborto, a falta de dinheiro para recorrer a clínicas clandestinas, uma vez sabido que o aborto ocorre em todas as classes sociais, entretanto é somente a população marginalizada que não tem acesso a um aborto realizado em clínica, de forma segura, que é afetado diretamente pela criminalização do ato e segregação de oportunidade. Estas mulheres são renegadas, desde sua nascença até o gerar de outra vida, são pessoas na sua grande maioria sem educação, sem o ensino fundamental completo, que por diversos fatores acabaram nas ruas. O estudo realizado pode mostrar dados mediante os relatos das próprias mulheres, conseguiu constatar que ocorre muitas vezes a tentativa de aborto, noutras vezes, as mulheres nem mesmo procuram o SUS pois, devido a sua hipossuficiência, vício em drogas, ao nascer do bebê, são impossibilitadas pelos assistentes sociais de manter contato com os filhos que vão diretamente para a adoção. Com os relatos disponibilizados no estudo, fica clara a insuficiência da lei que criminaliza o aborto, uma vez que são negadas a estas pessoas, não somente em situação de rua, mas que atinge cerca de 60% da população brasileira que se encontra na faixa de pobreza, desde o seu nascimento um Estado que não consegue oferecer proteção, saúde, educação, lazer e nem saneamento básico, negar-lhes a escolha de dar ou não prosseguimento em sua gestação, sendo a mulher, gestante, a pessoa que mais tem propriedade para dizer se consegue, psicologicamente, financeiramente, dar prosseguimento, é uma crueldade sem tamanho e Tessaro (2006), no tocante a legitimação do direito de punir do Estado, vale assinalar que sua legitimidade provém da exigência de que o Estado só deve tomar de cada pessoa o mínimo dos seus direitos e liberdades que se revele indispensável ao funcionamento, sem entraves, da comunidade, são pessoas invisíveis ao Estado e aos fiscais de ética e moral enquanto somente fazendo parte da grande maioria da população brasileira, apenas sendo miserável, mas quando se trata de um feto, que muitas vezes acaba por ter o mesmo destino desta parcela da população, surgem no Senado, na sociedade, os detentores da moral, da ética, da verdade, mas nunca, os da empatia. O Excelentíssimo Ministro Luís Roberto Barroso é categórico: O tratamento penal dado ao tema, no Brasil, pelo Código Penal de 1940, afeta a capacidade de autodeterminação reprodutiva da mulher, ao retirar dela a possibilidade de decidir, sem coerção, sobre a maternidade, sendo obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada. E mais: prejudica sua saúde reprodutiva, aumentando os índices de mortalidade materna e outras complicações relacionadas à falta de acesso à assistência de saúde adequada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Face aos dados que concernem o aborto e suas consequências, não cabem argumentos arcaicos e ultrapassados, evoluímos enquanto sociedade democrática exatamente para buscarmos o bemestar social acima do individual, nesta concepção, cabe dar voz às pessoas que são diretamente afetadas pela criminalização do aborto e repressão de direitos, às mulheres. Há um paradoxo entre a visibilidade e invisibilidade feminina: enquanto mulher, essas vulnerabilidades muito provavelmente passaram invisíveis. Entretanto, a partir do momento em que ficaram grávidas essas mulheres se tornaram visíveis, principalmente aos julgamentos de uma sociedade que está mais propensa a condenar moralmente do que oferecer acolhimento e cuidado (GOMES, 2017, p. 55). PALAVRAS-CHAVE: Aborto; Políticas Públicas; Descriminalização do Aborto; KEYWORDS: Abortion; Public Policy; Decriminalization of abortion; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MINISTÉRIO DA SAÚDE. 20 anos de pesquisa sobre aborto no Brasil. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos Departamento de Ciência e Tecnologia. Brasília, 2009; TESSARO, Anelise. Aborto, Bem jurídico e Direitos Fundamentais. Dissertação (Mestrado em Ciências Criminais) - Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006; BARROSO, Luis Roberto. Habeas Corpus 124.206. Relator, Supremo Tribunal Federal, Rio de Janeiro, 2016; GALVÃO, Pedro. Ética do Aborto. Acessado em 02.06.2018, link: http://pedrogalvao.weebly.com/uploads/6/6/5/5/6655805/pgaborto.pdf GOMES, J. D. Primeira Infância e Maternidade nas ruas da cidade de São Paulo. Pesquisa (Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama) - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - São Paulo, 2017. CORRÊA, Sônia. Aborto na Cena Política Global: Fios da História, Desafios do Momento. IPAS Brasil, 2004;