Acadêmico do curso de Direito da UNIJUÍ. 3

Documentos relacionados
Aborto, Saúde e Direitos Reprodutivos e Sexuais. Simone Lolatto

DESAFIOS DO ESTADO CONTEMPORÂNEO: DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO NA SOCIEDADE PORTUGUESA


ASPECTOS ÉTICOS NA MEDICINA FETAL PRÁTICA DA. Prof. Dr. Hermes de Freitas Barbosa Departamento de Patologia e Medicina Legal FMRP - USP

Legalização do Aborto e o STF

ABORTO E O PROFANO. Prof.Dr.HC João Bosco Botelho

Luta pela Legalização do. Aborto. Educação sexual para decidir, contraceptivos para não abortar, aborto seguro para não morrer!

ABORTO: STF É PALCO DA BATALHA DEFINITIVA PELA DESCRIMINALIZAÇÃO

Recurso Extraordinário Repercussão Geral prestação jurisdicional. Francisco Bernardes Lage Pós-Graduação Direito Administrativo

Lei do aborto é aprovada na Argentina em sessão histórica Qui, 14 de Junho de :56 - Última atualização Qui, 14 de Junho de :36

ABORTO ANENCÉFALO, UM DIREITO DA MULHER OU NÃO?

Plataforma para. autodeterminação. reprodutiva das mulheres, maternidade. livre. e legalização do aborto

BuscaLegis.ccj.ufsc.Br

Aborto em foco - Posicionamento do Conjunto CFESS/CRESS

Prof a Cristiane Oliveira

CONFLITOS DO ABORTO: Uma Visão Bioética

DESAFIOS DO BIODIREITO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: DIREITO À VIDA, AUTONOMIA DA VONTADE E AS TÉCNICAS ABORTIVAS

Agravos prevalentes à saúde da. gestante. Profa. Dra. Carla Marins Silva

A legitimidade do Ministério Público para a defesa de direitos sociais e individuais indisponíveis

parte da nossa história desde sempre, uma vez que só passou a ser juridicamente relevante a partir primeiro Código Penal brasileiro.

PORTARIA MS/SAS Nº 415, de 21/5/2014

Magnitude do Aborto no Brasil: uma análise dos resultados de pesquisa.

1. Art. 123 CP Infanticídio

BIOÉTICA E O DIREITO À VIDA. Prof a Cristiane Oliveira

Supremo Tribunal Federal

CURSO DE FORMAÇÃO DE OBREIRO ON LINE

PROJETO DE LEI Nº, DE 2017

Dos Direitos Individuais (I) Profª Me. Érica Rios

Programa Analítico de Disciplina EFG361 Enfermagem Materna

R. C. M. IMPETRANTE F. L. F. IMPETRANTE M. S. S.. L. P. PACIENTE A C Ó R D Ã O

Direitos reprodutivos, aborto e laicidade: opiniões de estudantes universitários.

DIREITO CONSTITUCIONAL

Tema de redação: A autonomia da mulher brasileira nos casos de interrupção da gestação.

Grupo de Trabalho 3 - Políticas públicas e Direitos Humanos.

ATENÇÃO HUMANIZADA AO ABORTAMENTO

Supremo Tribunal Federal

UMA REFLEXÃO SOBRE O ABORTO NO CASO DE MICROCEFALIA ALVES, L. A.

INFANTICÍDIO. Acadêmica do 3 ano do curso de Direito das Faculdades Integradas Santa Cruz de Curitiba.

Uma análise das causas que levam as mulheres ao aborto em São Luís-MA

OS DIREITOS REPRODUTIVOS DAS MULHERES INDÍGENAS: RELAÇÃO ENTRE DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS

A possibilidade de admissão de prova ilícita nos casos de alienação parental, considerando o Princípio da Dignidade Humana e o da Proporcionalidade

ORLANDO JR. DIREITO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA

1) Sexo: 3) Estado Civil. 2) De acordo com as categorias de cor do IBGE, como você se define: 4) Faixa Etária:

Guilherme Lopes 09/ Juliana Santiago 11/ Rafaela Peña 11/

A CASA DO SIMULADO DESAFIO QUESTÕES MINISSIMULADO 17/360

FUNDAÇÃO EDUCACIONAL MANOEL GUEDES Escola Técnica Dr. Gualter Nunes Habilitação Profissional de Técnico em Enfermagem

Abortamento. Bioética e Deontologia Profissional. 4º Ano da Licenciatura em Medicina

A ADMISSIBILIDADE DO ABORTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O debate parlamentar sobre aborto no Brasil: atores, posições e argumentos

BuscaLegis.ccj.ufsc.br

AS INOVAÇÕES QUE A PEC 10/2013 TRAZ SOBRE O INSTITUTO DO FORO PRIVILEGIADO

REDAÇÃO Diminuição da maioridade penal em questão no Brasil

Ano V Abr./2018. Prof. Dr. André Lucirton Costa, Adrieli L. Dias dos Santos e Paulo Henrique dos S. Grange

08 DE MARÇO - DIA INTERNACIONAL DA MULHER

DIREITO CONSTITUCIONAL

- PARA CRIMES CUJA PENA MÁXIMA SEJA IGUAL OU SUPERIOR A QUATRO ANOS: PROCEDIMENTO ORDINÁRIO;

DECRETO N.º 37/XIII. Artigo 1.º Objeto. Artigo 2.º Alteração à Lei n.º 32/2006, de 26 de julho

Curso Resultado. Mapeamento das provas do MP-SP 2010, 2011, 2012, 2013 e 2015 Versão com gabaritos DEMONSTRAÇÃO. Trabalho atualizado em julho/2017.

AS IMUNIDADES DAS SANTAS CASAS DE MISERICÓRDIA

Direitos Sexuais e Reprodutivos das Mulheres como Direito á Saúde. Sarah Silqueira Gonçalves de Mattos¹ Carine Silva Diniz²

CARATERIZAÇÃO DAS GESTANTES DE UMA UNIDADE DE SAÚDE DE PONTA GROSSA PR

Teresa Robichez de Carvalho

Pós Penal e Processo Penal. Legale

Disponível em: < Acesso em: ago

A ENFERMAGEM E A ORGANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA À MULHER NO PARTO E NASCIMENTO NO ÂMBITO DO SUS. Profa. Dra. Emilia Saito Abril 2018

CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS HUMANAS: NASCITURO OU APENAS UMA CÉLULA?

ABORTO: UMA PROBLEMÁTICA DE SÁUDE PÚBLICA NO BRASIL

Por: Pedro Henrique ChaibSidi

11/09/2017 PRIMEIRA TURMA : MIN. ALEXANDRE DE MORAES PAULO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O aborto midiatizado e a defesa da vida em comentários no Facebook 1 The mediatization of abortion and the defense of life in Facebook comments

Inicialmente, é necessário saber qual deve ser o conteúdo de um artigo de opinião. Observe as afirmações abaixo:

Estado Laico Laicidade e Governo

CARLOS MENDONÇA DIREITO CONSTITUCIONAL

10º FÓRUM DE EXTENSÃO E CULTURA DA UEM

COMPORTAMENTO SUICIDA: AVALIAÇÃO E MANEJO MANUAL DO CURSO

PERFIL DE MULHERES ASSISTIDAS EM SITUAÇÃO DE ABORTAMENTO: REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

TÍTULO: O DESAFIO DA LIBERDADE RELIGIOSA EM UM PAÍS LAICO CATEGORIA: EM ANDAMENTO ÁREA: CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

ORTOTANÁSIA: A AUTONOMIA DA VONTADE DO PACIENTE E A OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA DO MÉDICO

PARECER Nº, DE RELATORA: Senadora ÂNGELA PORTELA I RELATÓRIO

demonstra o grande poder de Deus.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEGALIZAÇÃO DO ABORTO NO BRASIL RESUMO

Universidade de Brasília UnB PRINCÍPIOS PROCESSUAIS: CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NO PROCESSO PENAL (HABEAS CORPUS /MG)

O homossexualismo e o casamento homoafetivo.

DIREITO CONSTITUCIONAL. A ordem de prioridade é marcada de * a ****, respectivamente.

Mortalidade Materna no Brasil. Mario Francisco Giani Monteiro UERJ. Airton Fischmann. Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul

Existem autores que colocam a transexualidade fora dos marcos patologizantes, considerando-a apenas uma experiência idenitária.

RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA POR CRIMES AMBIENTAIS 1 PENAL RESPONSIBILITY OF THE LEGAL PERSON FOR ENVIRONMENTAL CRIMES

O Aborto e suas implicações éticas frente ao Direito

Situações excepcionais podem impedir prisão domiciliar para mães mesmo após alterações do CPP

Direito Processual Penal Conceito, Finalidade, Características, Fontes. Prof. M.Sc. Adriano Barbosa Delegado de Polícia Federal

A DOR DO NASCITURO E OS MÉTODOS ABORTIVOS (Jornal O São Paulo 06/03/2018)

LEI Nº , DE 25 DE MARÇO DE 2015

Sumário. 1. O diálogo das cortes : o caso da obrigatoriedade do diploma de jornalismo André de Carvalho Ramos

MINISTÉRIO DA SAÚDE SECRETARIA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INSUMOS ESTRATÉGICOS

FORMAÇÃO CONTINUADA EM LÍNGUA PORTUGUESA

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO N o 434, DE (Do Sr. Vieira da Cunha e outros)

Excelentíssimo Secretário da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo Sr. Lourival Gomes

EXMA. SRA. MINISTRA ROSA WEBER (STF - MS n )

Transcrição:

UMA ANÁLISE SOBRE O ABORTO NO BRASIL: CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ASPECTOS JURÍDICOS RELEVANTES NA TOMADA DE DECISÕES 1 AN ANALYSIS ON ABORTION IN BRAZIL: CONSIDERATIONS ON RELEVANT LEGAL ASPECTS IN DECISION MAKING Guilherme Humberto Fabrício Strauss 2, Joice Graciele Nielsson 3 1 Projeto de Pesquisa realizado no Curso de Direito da UNIJUÍ 2 Acadêmico do curso de Direito da UNIJUÍ. E-mail: oguistrauss@hotmail.com 3 Dra. em Direito, Professora do Programa de Pós-Graduação? Mestrado em Direitos Humanos? e do Curso de Graduação em Direito da UNIJUÍ INTRODUÇÃO Após quase duas décadas, o assunto aborto volta a ser discutido na mídia, nos projetos de lei, nas faculdades e pela população, graças aos avanços da medicina e da sociedade brasileira em diversos outros assuntos como a identidade de gênero e movimento feminista, tratar sobre o aborto e questões relacionados à ele, tornou-se menos complexo e igualmente necessário, neste sentido, o presente estudo busca realizar uma análise jurídica acerca do tema, afastando argumentos que não deveriam se relacionar com o assunto, especialmente aqueles de natureza religiosa, uma vez que vivenciamos um Estado Laico. Sob esta perspectiva, caberia ao Estado legislar acerca de temáticas relevantes como esta, com base em fatos e necessidades de uma sociedade em que na sua grande maioria, especialmente a sua população mais pobre, é afetada de forma direta e negativa pela criminalização do aborto. METODOLOGIA O trabalho se desenvolveu a partir de pesquisas bibliográficas de autores (nacionais e internacionais) pró e contra a descriminalização do aborto. Com base nas leituras, o ora acadêmico, pode destacar os principais fundamentos e pensamentos que entram em acordo e são mais aceitos, mais lógicos e menos criticados entre a doutrina e jurisprudência. RESULTADOS E DISCUSSÕES Pode-se considerar o aborto como a interrupção da gestação em qualquer fase, podendo ser ela espontânea, que advém de causas naturais, e provocada, que há a interferência de agente alheio com o intuito de impedir o prosseguimento da gestação. Quanto a este aspecto, não há divergência, uma vez que ainda ocorra diferenciações, aborto é a interrupção da gravidez, é o impedimento da possibilidade do ser humano em potencial chegar a vida extrauterina.

O que nos leva a procura por outro consenso, que ainda não há, sobre o início da vida, que será relativizado, mas que é de suma importância para chegar ao centro do questionamento, quais aspectos que circundam as questões político-sociais devem ser levados em consideração na tomada de decisões sobre o aborto. Neste quesito, a evolução científica desde a década de noventa, ajuda, uma vez que graças à tecnologia, é possível distinguir etapa por etapa de uma gestação e dizer onde ocorre cada transformação e progressão de um ser humano em potencial à um ser humano, que será de suma importância para tentar responder a pergunta quanto aos direitos, corroborando com Analise Tessaro (2006), Os novos recursos de diagnóstico pré-natal e o advento das técnicas de reprodução assistida trouxeram novo fôlego para as discussões sobre o momento em que se deve considerar existente a vida humana, inclusive no que se refere a sua proteção jurídico-penal. Isso porque, no que concerne ao diagnóstico pré-natal, atualmente é possível conhecer detalhadamente as etapas do desenvolvimento embrionário e fetal. Mesmo não ocorrendo um consenso entre todas às matérias, há o entendimento majoritário que tem como base a atividade cerebral do feto para distinguir o momento em que ele deixa de ser um ser humano em potencial, para ser um ser humano em desenvolvimento Até o momento, não existe consenso na ciência, filosofia ou religião, sobre qual o momento em que se inicia a vida. Segundo a autora (2006), destacam-se algumas posições majoritárias, tais como a fecundação, nidação ou o início da atividade cerebral, entretanto, todas elas são passíveis de questionamentos, traduzindo-se, não raras vezes, num debate apaixonado baseado mais num ato de fé do que na razão, como o aborto é tipificado no Código Penal Brasileiro, é de suma importância que o entendimento que concernem o tema, não tomem sentidos contrários à razão, não deve ser pioneiro em um debate de saúde pública, a moral, ética e crenças pessoais, como ocorreram e ainda ocorrem no Brasil. De acordo com Sônia Corrêa (2015), Mais especialmente, a partir do final da década passada, os setores conservadores passariam a adotar uma estratégia agressiva com pressão física e por via judicial de impedir o acesso aos procedimentos de aborto, em casos permitidos por lei ou autorizados excepcionalmente por via judicial, como no caso da anomalia fetal grave. No caso do Brasil, isto ocorreu várias vezes. O Brasil por ser um país fundado pela Igreja Católica, em seus costumes, morais e éticos, está vencelhado até hoje a isto, mesmo sendo um país de Estado Laico. Necessário fazer um adento a Laicidade do Estado, é definida pelo não posicionamento do Estado nas questões sociopolíticas em favor de nenhuma religião, mesmo defendendo que seus cidadãos possam pertencer a qualquer religião existente. Mesmo sendo isto muito bem definido na Constituição Federal do Brasil, há

ainda forte presença da religião nas decisões legislativas do país, vide a quantidade de líderes religiosos em exercício na Câmara dos Deputados e Senado Federal. Acaba que esta interferência religiosa leva a discussão do aborto para um caminho onde o final é mais levado em conta o que a igreja diz, do que a saúde pública grita. E na questão aborto, não deve se falar em início da vida ao receber a alma, ou morte, da alma sento levada do corpo, deve se dar voz à ciência, as necessidades sociais o os direitos fundamentais de um Estado Laico. Baseado nestas considerações, o Excelentíssimo Ministro Marco Aurélio Barroso, integrante do Supremo Tribunal Federal brasileiro, decidiu em um caso concreto, pela não punição das pessoas envolvidas em um aborto provocado durante as 12 primeiras semanas de gestação, nas palavras A história da humanidade é a história da afirmação do indivíduo em face do poder político, do poder econômico e do poder religioso, sendo que este último procura conformar a moral social dominante. O produto deste embate milenar são os direitos fundamentais, aqui entendidos como os direitos humanos incorporados ao ordenamento constitucional, (...) sustentam que antes da formação do sistema nervoso central e da presença de rudimentos de consciência o que geralmente se dá após o terceiro mês da gestação não é possível ainda falar-se em vida em sentido pleno. (STF, Habeas Corpus 124.206). Afastando assim os conceitos religiosos e trazendo a definição de início da vida como a atividade cerebral do feto para o debate do aborto, e neste sentido, Ferrajoli, citado opor Tessaro, (2006, p. 17), afirma que isto equivale a não brandir contra nenhuma delas o Código Penal, como gostam de fazer, pretendendo impor a todos a sua moral, os defensores da punição do aborto. Das questões que concernem a discussão sobre a necessidade da descriminalização do aborto, está, se o aborto é ou não, um caso de saúde pública. A grande dificuldade de obter dados precisos em relação a quantidade de mulheres que abortam e destas, que morrem durante o procedimento, é devido ao fato da ilegalidade do ato. Entretanto, dados do Ministério da Saúde trazem números comprovados e assustadores, cerca de 1.664 (mil, seiscentos e sessenta e quatro) mulheres morreram, em 2015 devido ao aborto bem como deram entrada cerca de 200.000 (duzentas mil) mulheres com complicações em relação ao aborto no Sistema único de Saúde, um número alto, se levado em consideração que nos países onde o aborto é legalizado, ocorrem cerca de 0,5 mortes a cada 100.000 (cem mil) procedimentos. Torna-se um problema de saúde pública, nas definições encontradas por Da Costa, J.S.D e Victora, C.G, do Departamento de Medicina Social da Universidade Federal de Pelotas, (...) ao se julgar sobre recomendações de rastreamento deve-se considerar a "carga de mortalidade, morbidade e sofrimento causados pela condição". Segundo os autores esta carga é caracterizada em duas amplas áreas: 1. O impacto no indivíduo em termos de anos potenciais de vida perdidos, a extensão de incapacidade, dor e desconforto, o custo do tratamento, e o impacto na família do indivíduo. 2. O impacto na sociedade mortalidade, morbidade e custos do tratamento para a

sociedade. (...). Não somente as mortes oriundas do aborto devem ser levadas em consideração, a busca deve partir do que levou a mulher, enquanto ser dotado de autonomia e desejo, decidiu tomar esta decisão. Um estudo social realizado na cidade de São Paulo com mulheres em situação de rua, realizado pelo Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama, constatou às grandes dificuldades que as 2.326 mulheres nesta situação (senso 2015) passam durante a gestação, muitas vezes por falta de documentos de identificação, medo de buscar ajuda, dependência química, e ainda, a insuficiência do Sistema Único de Saúde disponibilizado. As pessoas na situação de rua são obrigadas a dar prosseguimento na gestação devido a criminalização do aborto, a falta de dinheiro para recorrer a clínicas clandestinas, uma vez sabido que o aborto ocorre em todas as classes sociais, entretanto é somente a população marginalizada que não tem acesso a um aborto realizado em clínica, de forma segura, que é afetado diretamente pela criminalização do ato e segregação de oportunidade. Estas mulheres são renegadas, desde sua nascença até o gerar de outra vida, são pessoas na sua grande maioria sem educação, sem o ensino fundamental completo, que por diversos fatores acabaram nas ruas. O estudo realizado pode mostrar dados mediante os relatos das próprias mulheres, conseguiu constatar que ocorre muitas vezes a tentativa de aborto, noutras vezes, as mulheres nem mesmo procuram o SUS pois, devido a sua hipossuficiência, vício em drogas, ao nascer do bebê, são impossibilitadas pelos assistentes sociais de manter contato com os filhos que vão diretamente para a adoção. Com os relatos disponibilizados no estudo, fica clara a insuficiência da lei que criminaliza o aborto, uma vez que são negadas a estas pessoas, não somente em situação de rua, mas que atinge cerca de 60% da população brasileira que se encontra na faixa de pobreza, desde o seu nascimento um Estado que não consegue oferecer proteção, saúde, educação, lazer e nem saneamento básico, negar-lhes a escolha de dar ou não prosseguimento em sua gestação, sendo a mulher, gestante, a pessoa que mais tem propriedade para dizer se consegue, psicologicamente, financeiramente, dar prosseguimento, é uma crueldade sem tamanho e Tessaro (2006), no tocante a legitimação do direito de punir do Estado, vale assinalar que sua legitimidade provém da exigência de que o Estado só deve tomar de cada pessoa o mínimo dos seus direitos e liberdades que se revele indispensável ao funcionamento, sem entraves, da comunidade, são pessoas invisíveis ao Estado e aos fiscais de ética e moral enquanto somente fazendo parte da grande maioria da população brasileira, apenas sendo miserável, mas quando se trata de um feto, que muitas vezes acaba por ter o mesmo destino desta parcela da população, surgem no Senado, na sociedade, os detentores da moral, da ética, da verdade, mas nunca, os da empatia. O Excelentíssimo Ministro Luís Roberto Barroso é categórico: O tratamento penal dado ao tema, no Brasil, pelo Código Penal de 1940, afeta a capacidade de autodeterminação reprodutiva da mulher, ao retirar dela a possibilidade de decidir, sem coerção, sobre a maternidade, sendo obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada. E mais: prejudica sua saúde reprodutiva, aumentando os índices de mortalidade materna e outras complicações relacionadas à falta de acesso à assistência de saúde adequada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Face aos dados que concernem o aborto e suas consequências, não cabem argumentos arcaicos e ultrapassados, evoluímos enquanto sociedade democrática exatamente para buscarmos o bemestar social acima do individual, nesta concepção, cabe dar voz às pessoas que são diretamente afetadas pela criminalização do aborto e repressão de direitos, às mulheres. Há um paradoxo entre a visibilidade e invisibilidade feminina: enquanto mulher, essas vulnerabilidades muito provavelmente passaram invisíveis. Entretanto, a partir do momento em que ficaram grávidas essas mulheres se tornaram visíveis, principalmente aos julgamentos de uma sociedade que está mais propensa a condenar moralmente do que oferecer acolhimento e cuidado (GOMES, 2017, p. 55). PALAVRAS-CHAVE: Aborto; Políticas Públicas; Descriminalização do Aborto; KEYWORDS: Abortion; Public Policy; Decriminalization of abortion; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MINISTÉRIO DA SAÚDE. 20 anos de pesquisa sobre aborto no Brasil. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos Departamento de Ciência e Tecnologia. Brasília, 2009; TESSARO, Anelise. Aborto, Bem jurídico e Direitos Fundamentais. Dissertação (Mestrado em Ciências Criminais) - Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006; BARROSO, Luis Roberto. Habeas Corpus 124.206. Relator, Supremo Tribunal Federal, Rio de Janeiro, 2016; GALVÃO, Pedro. Ética do Aborto. Acessado em 02.06.2018, link: http://pedrogalvao.weebly.com/uploads/6/6/5/5/6655805/pgaborto.pdf GOMES, J. D. Primeira Infância e Maternidade nas ruas da cidade de São Paulo. Pesquisa (Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama) - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - São Paulo, 2017. CORRÊA, Sônia. Aborto na Cena Política Global: Fios da História, Desafios do Momento. IPAS Brasil, 2004;