PRIMEIRO REGISTRO DE TUFAS CALCÁRIAS QUATERNÁRIAS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Documentos relacionados
2 Área de Estudo Meio Físico Localização e características gerais

Análise da Susceptibilidade a Processos Erosivos, de Inundação e Assoreamento em Itajobi-SP a Partir do Mapeamento Geológico- Geotécnico

CARACTERÍSTICAS DOS RESERVATÓRIOS

Relatório Parcial de Andamento RPA-1

Difratometria por raios X

PALEOAMBIENTE DEPOSICIONAL DA FORMAÇÃO BARREIRAS NA PORÇÃO CENTRO-SUL DA ÁREA EMERSA DA BACIA DE CAMPOS (RIO DE JANEIRO)

2 Geologia 2.1. Carvão

4 Área de Estudo e Amostragem

Figura 07: Arenito Fluvial na baixa vertente formando lajeado Fonte: Corrêa, L. da S. L. trabalho de campo dia

9. Domínios de Dissecação

Atividades. As respostas devem estar relacionadas com o material da aula ou da disciplina e apresentar palavras

FORMAÇÃO DE CANAIS POR COALESCÊNCIA DE LAGOAS: UMA HIPÓTESE PARA A REDE DE DRENAGEM DA REGIÃO DE QUERÊNCIA DO NORTE, PR

I T A C 0 L 0 M I T 0 E M SÃO PA U L O

Geologia do Brasil. Página 1 com Prof. Giba

3 Material Material Utilizado

10. Evolução Geomorfológica da Bacia do Rio Grande e evidências de capturas

GEOGRAFIA. Solos. Prof ª. Ana Cátia

N O FUNDAÇÃO GEO-RIO APOIO TÉCNICO PARA MAPEAMENTO GEOLÓGICO EM ENCOSTAS MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO RELATÓRIO DE CAMPO LADEIRA DOS TABAJARAS

Com base nos pontos foram determinadas direções intermediárias, conhecidas como. pontos : nordeste (NE), (NO), sudeste (SE) e (SO).

CARACTERIZAÇÃO ESTRATIGRÁFICA DE CABECEIRA DE DRENAGEM LOCALIZADA NO PLANALTO DAS ARAUCÁRIAS SUL DO BRASIL

Caracterização da Ecorregião do Planalto Central

UNIDADES DE RELEVO DA BACIA DO RIO PEQUENO, ANTONINA/PR: MAPEAMENTO PRELIMINAR

Significado paleoclimático dos calcários Quaternários da formação Xaraiés

ESTRUTURAS E FORMAS DE RELEVO

ANÁLISE FACIOLÓGICA DE DEPÓSITOS DA FORMAÇÃO BARREIRAS(?) NA REGIÃO DOS LAGOS, ENTRE MARICÁ E SAQUAREMA (RIO DE JANEIRO)

GEOGRAFIA DO BRASIL Relevo e Solo

ANAIS do XXX Congresso Brasileiro de Espeleologia Montes Claros MG, de julho de Sociedade Brasileira de Espeleologia

Estrutura Geológica e o Relevo Brasileiro

AREA DE ESTUDllO. Fig. i- hreo de estudio. I c

Formação Vegetal PROFESSORA NOELINDA NASCIMENTO

5 Materiais estudados

DEFORMAÇÃO NEOTECTÔNICA DOS TABULEIROS COSTEIROS DA FORMAÇÃO BARREIRAS ENTRE OS RIOS PARAÍBA DO SUL (RJ) E DOCE (ES), NA REGIÃO SUDESTE DO BRASIL

Plano de Recuperação Semestral 1º Semestre 2016

2. CARACTERIZAÇÃO GEOLÓGICA DAS ÁREAS EM ESTUDO

PREVISÃO HIDROLÓGICA E ALERTA DE ENCHENTES PANTANAL MATO-GROSSENSE

CARACTERIZAÇÃO DE PERFIS TRANSVERSAIS NO SEGMENTO ENTRE A VOLTA DO ANGICAL À CONFLUÊNCIA COM O SEPOTUBA, NO RIO PARAGUAI MATO GROSSO

7. o ANO FUNDAMENTAL. Prof. a Andreza Xavier Prof. o Walace Vinente

Nome do Sítio Experimental: Cruz Alta. Localização e Mapas do Sítio Experimental: Latitude: Longitude: Altitude: 432 m

Formação do Solo. Luciane Costa de Oliveira

ESTRATIGRAFIA DO QUATERNÁRIO DA PLANÍCIE DELTAICA AO SUL DO RIO PARAÍBA DO SUL, RJ

Geologia e relevo. Bases geológicas e Classificação do relevo

Variações Granulométricas durante a Progradação da Barreira Costeira Holocênica no Trecho Atlântida Sul Rondinha Nova, RS

Estrutura Geológica e o Relevo Brasileiro

3 Características dos locais estudados

ANALISE DA REDE DE DRENAGEM NA BACIA DO RIO MACAÉ (RJ) A PARTIR DA ABORDAGEM MORFOESTRUTURAL

Geografia. Os Biomas Brasileiros. Professor Thomás Teixeira.

BIOMAS. Os biomas brasileiros caracterizam-se, no geral, por uma grande diversidade de animais e vegetais (biodiversidade).

O que é tempo geológico

CARACTERIZAÇÃO DA DINÂMICA DA PAISAGEM GEOMORFOLÓGICA SOBRE A PORÇÃO SUL DA BACIA DO ALTO PIABANHA DO DISTRITO SEDE DO MUNICÍPIO DE PETRÓPOLIS-RJ

ESTRUTURAS E FORMAS DE RELEVO

AMÉRICA LATINA: ASPECTOS NATURAIS

GEOLOGIA GERAL E TIPOS DE VEGETAÇÕES MUNDIAIS. Prof ª Gustavo Silva de Souza

ANÁLISE DE LIMIARES E PROCESSOS DE GERAÇÃO DE ESCOAMENTO SUPERFICIAL EM UMA ENCOSTA DA LAGOA DO PERI-SC

Divisão Ambiental Prazer em servir melhor!

9º SINAGEO - Simpósio Nacional de Geomorfologia 21 à 24 de Outubro de 2012 RIO DE JANEIRO / RJ

Geologia e Geomorfologia na Gestão Ambiental. Aula 4. Organização da Aula. Intemperismo e Formação dos Solos. Contextualização.

PROPOSTA DE REVISÃO ESTRATIGRÁFICA E ASPECTOS HIDROGEOLÓGICOS DO GRUPO URUCUIA NA BACIA SANFRANCISCANA.

GEOLOGIA COSTEIRA DA ILHA DE SÃO FRANCISCO DO SUL/SC COASTAL GEOLOGY OF THE SÃO FRANCISCO DO SUL/SC ISLAND.

45 mm. Av. Colombo, 5.790, Bloco J-12, Zona 7, Maringá, Paraná, Brasil. Fone: (44)

PROCESSOS OCEÂNICOS E A FISIOGRAFIA DOS FUNDOS MARINHOS

PREFEITURA MUNICIPAL DE ITAPIRANGA-SC

Objetivo. Material de apoio. Curso básico de mecânica dos solos (Carlos Souza Pinto, Oficina de Textos, 2006); Sumário

NOVAS CAVERNAS EM ARENITO NO ESTADO DO PARANÁ [NEW SANDSTONE CAVES IN THE STATE OF PARANÁ]

OS RELEVOS CÁRSTICOS DA VERTENTE ORIENTAL DO MACIÇO DE BATURITÉ (CE): UMA ABORDAGEM GERAL

ÁREAS DE RISCO AO USO/OCUPAÇÃO DO SOLO NA SUB-BACIA DO CÓRREGO DO SEMINÁRIO, MUNICÍPIO DE MARIANA MG. COSTA, R. F. 1 PAULO J. R. 2

FSP Avaré 1º semestre 2013 Prof. Fabio Tonin MECÂNICA DOS SOLOS

Variação espaço-temporal do transporte de sedimentos do Rio Santo Anastácio, Oeste Paulista

CAPÍTULO 4: ROCHAS SEDIMENTARES 4.1. INTRODUÇÃO:

Biomas / Ecossistemas brasileiros

RELATÓRIO DE CAMPO - GEOMORFOLOGIA II

Clima de Passo Fundo

Disciplina: Mecânica dos Solos e Fundações

ELEMENTOS DA GEOLOGIA (II)

Formas de relevo. Professora: Jordana Costa

ANÁLISE DE PROVENIÊNCIA DOS SEDIMENTOS DE FUNDO DO RIO ARAGUARI-AP COM BASE NAS ASSEMBLÉIAS MINERALÓGICAS

Geografia. Estrutura Geológica do Brasil. Professor Luciano Teixeira.

DISTRIBUIÇÃO GRANULOMÉTRICA AO LONGO DO RIO CACERIBU, ITABORAÍ/RJ

GEOLOGIA GERAL GEOGRAFIA

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS GEOMORFOLOGIA E FOTOGEOLOGIA

45 mm. Palavras-chave: Sistemas Laguna-Barreira, Sedimentação Lagunar, Terraços Lagunares, Evolução Costeira, GPR. 1. INTRODUÇÃO

MOVIMENTOS DE MASSA ASSOCIADOS AOS MACIÇOS ROCHOSOS GRANITO-GNÁISSICOS DO MUNICÍPIO DE PETRÓPOLIS, RJ

BACIA DO PARNAÍBA: EVOLUÇÃO PALEOZÓICA

CLASSIFICAÇÃO DE SEGMENTOS MORFOLÓGICOS DO ALTO CURSO DO CÓRREGO DA ÁGUA ESCURA SERRA DE SÃO JOSÉ/MG

Recursos Hídricos e Manejo de Bacias Hidrográficas Profa. Cristiana C. Miranda RECORDANDO NOSSA AULA DE INFILTRAÇÃO..

GEOGRAFIA - 1 o ANO MÓDULO 07 ESTRUTURA GEOLÓGICA BRASILEIRA

Ambientes tectônicos e sedimentação

DETERMINAÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO GEOQUÍMICA DE ELEMENTOS EM ROCHAS DA BACIA SEDIMENTAR DO GANDARELA

ESTIMATIVA DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO POTENCIAL NO BRASIL

45 mm CIMENTOS, IDADES E ISÓTOPOS ESTÁVEIS DE ARENITOS SUBMERSOS DO LITORAL PARANAENSE - BRASIL

Patrimônio Ambiental nos Geossistemas Ferruginosos no Brasil. Flávio Fonseca do Carmo Biólogo - UFMG

Solo características gerais. Definição: solo = f(rocha+ clima + relevo+biota)

CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA IDADE DO SISTEMA DE LAGOS DO BAIXO CURSO DO RIO DOCE (LINHARES, ES)

MUDANÇAS DE COBERTURA VEGETAL E USO AGRÍCOLA DO SOLO NA BACIA DO CÓRREGO SUJO, TERESÓPOLIS (RJ).

BRASIL: RELEVO, HIDROGRAFIA E LITORAL

GEOLOGIA. Professor: Adilson Soares E- mail: Site:

IDENTIFICAÇÃO DOS SOLOS TROPICAIS

ECA_2ª etapa. 2. Observe os gráficos a seguir: Página 1 de 6

Solos. Professora: Jordana Costa

TIPOS DE VEGETAÇÃO E OS BIOMAS BRASILEIROS. Profº Gustavo Silva de Souza

Fatores de Formação de Solos

Transcrição:

PRIMEIRO REGISTRO DE TUFAS CALCÁRIAS QUATERNÁRIAS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Renato Rodriguez Cabral Ramos 1 ; Marcelo Vilella da Costa Braga 2 ; Charles Ozanick 3 ; Luís Otávio Jatobá 4 ; João Wagner de Alencar Castro 1 1 Laboratório de Geologia Costeira e Sedimentologia (Departamento de Geologia e Paleontologia) Museu Nacional, UFRJ (rramos@mn.ufrj.br); 2 Geológica Pcon Estudos e Soluções Ambientais Ltda.; 3 Lab. de Ornitologia e Bioacústica, Dept. de Zoologia, Inst. de Biologia, UFRJ; 4 Arquiteto. Abstract. This work aims to describe the first quaternary tufa register in Rio de Janeiro State, located at Águas Quentes and Cândido mountain ridges, on Cantagalo and Itaocara districts (northern State). These ridges are developed over a proterozoic marble lens, with subordinate amphibolites and quartzite insertions. At the foot of the southeastern ridge slope, on the lower part of almost all drainages, it s observed step features with about 8 to 20 meters of difference in levels, where occurs the tufa deposits. At the top of these steps, the progradation of tufa curtains developed caves and the stalactites. Inclined sheets of carbonate precipitates inherited from the carbon-rich water flowing over the step feature surface. This is the Cascade model, very common in active European tufas. At the tufa deposits base, usually occurs marble cobbles and boulders, covered by stratified tufas. There are a few places where the still precipitating carbonate, only where the water flows or dropping are perennial. These tufas are deposited during a wet period during Holocene. Palavras-chave: Tufas calcárias, carbonatos continentais, Rio de Janeiro 1. Introdução Depósitos de tufas calcárias são escassos no Brasil. A principal ocorrência do país localizada-se na Serra da Bodoquena, Estado de Mato Grosso do Sul, identificada pioneiramente por Almeida (1965), que incluiu as tufas na Formação Xaraiés. Boggiani & Coimbra (1995) descreveram quatro tipos de calcários continentais na região sudoeste deste Estado: os calcretes da Formação Xaraiés; as Tufas Calcárias da Serra da Bodoquena; as lentes calcárias do Pantanal de Miranda e espeleotemas. Estes, portanto, consideraram as tufas como unidade distinta da Formação Xaraiés. Segundo Boggiani et al. (1999b), as tufas calcárias ocorrem ao longo de quase todas as drenagens da Serra da Bodoquena, formando cachoeiras, represas e depósitos de micrita. Foram obtidas para estas tufas idades entre 2.130 e 3.400 anos A.P., através do método do radiocarbono. (Boggiani et al., 1999a) Além dos depósitos da Serra da Bodoquena, foram descritas ocorrências de tufas calcárias nos Estados da Paraíba e do Ceará. (Duarte & Vasconcellos, 1980a, b) Durante os trabalhos de prospecção e pesquisa realizados pela equipe da Sociedade Carioca de Pesquisas Espeleológicas (SPEC) na região das serras das Águas Quentes (município de Cantagalo/RJ) e do Cândido (município de Itaocara/RJ), foram identificados diversos depósitos de tufa calcária, que constituem o primeiro registro quaternário desta litologia no Estado do Rio de Janeiro.

2. Caracterização da área As serras das Águas Quentes e do Cândido possuem orientação NE-SW, situam-se entre as localidades de Euclidelândia (terra natal de Euclides da Cunha, no município de Cantagalo) e de Laranjais, no município de Itaocara, compreendendo um trecho com cerca de 18 km. Ambas situam-se sobre uma grande lente de mármore, cuja largura ao norte de Euclidelândia (Serra das Águas Quentes) alcança até 4 km e, na Serra do Cândido, uma largura máxima de 2 km. Os mármores são calcíticos (com teores de magnésio baixos), de textura sacaroidal grossa e maciços, coloração branca a cinza, tendo sido incluídos por Fonseca (1998) na Unidade Italva. Ocorrem intercaladas aos mármores lentes de anfibolito e de quartzito de espessuras centimétrica a métrica. Nas áreas mais baixas que circundam as serras, predominam hornblenda-biotita-gnaisses com lentes anfibolíticas intercaladas (SPEC, 1998). Na região, as serras apresentam destaque topográfico caracterizando-se como divisor de águas entre as sub-bacias do Ribeirão das Areias (NW) e do Rio Negro (SE), ambos tributários do Rio Paraíba do Sul. O ponto mais elevado da serra das Águas Quentes possui 577 m, enquanto na serra do Cândido as encostas são mais íngremes atingem 627 m. O nível de base local situa-se na cota de 100m, sendo assim, o desnível é de aproximadamente 500 m. Cabe ressaltar que a toponímia Serra do Cândido, mencionada na carta do IBGE, é desconhecida pelos moradores da região. Estes a identificam através de denominações que correspondem a distintos trechos da serra, como Chave do Pires, Panela d Água, Chave do Lontra, Gramal, Mirindiba, Santa Bárbara e Canudo. A partir da cidade do Rio de Janeiro, a região de estudo é acessada passando-se por Nova Friburgo e Cantagalo, e daí pela RJ- 152 até Euclidelândia, Boa Sorte e Laranjais. Também pode ser atingida a partir de Itaocara, seguindo-se no sentido S para o distrito de Laranjais, de onde se alcança a borda SE da Serra do Cândido por estrada vicinal que acompanha o Córrego da Espia. O tempo médio de viagem até a área por qualquer um dos acessos é de 4 a 5 horas. 3. Tufas Calcárias Segundo Ford & Pedley (1996), o termo tufa designa uma ampla variedade de depósitos calcários continentais recentes, formados sob climas diversos, desde temperados frios até semi-áridos. Pedley (1990) afirma, no entanto, que climas frios retardam o crescimento das tufas e que condições semi-áridas não sustentam um fluxo aquoso contínuo favorável à precipitação. Desta forma, climas temperados amenos e úmidos aparentemente favorecem o desenvolvimento de tufas. Os depósitos de tufas são normalmente de pequenas dimensões, quando formados em locais como cachoeiras e fontes, podendo cobrir áreas extensas quando na forma de barragens ao longo de drenagens encaixadas. As tufas (Fig. 1) constituem o produto da precipitação de carbonato de cálcio a partir de águas não-termais (temperatura próxima a ambiente), possuindo textura porosa ( esponjosa ) devido à presença de macrófitas, folhas, raízes, talos e até invertebrados. Posteriormente, essa matéria orgânica se decompõe, produzindo a típica porosidade da rocha. Segundo Pedley (1990), as tufas são precipitadas a partir de águas contendo baixos teores de magnésio.

Fig. 1: Aspecto da tufa calcária encontrada na Serra do Cândido Muitas vezes associados às tufas ocorrem os travertinos, precipitados a partir de águas termais ou hidrotermais. Estes são normalmente laminados ou finamente estratificados, maciços ou friáveis, não contendo remanescentes macroscópicos de plantas ou de animais. 4. Materiais e métodos O trabalho foi elaborado através de observações efetuadas durante quatro anos de pesquisas da SPEC nas serras das Águas Quentes e do Cândido. Primeiramente, descreveu-se os afloramentos sob o ponto de vista geológico acompanhado de amplo inventário fotográfico. Adicionalmente, foi coletada e analisada a bibliografia internacional e nacional disponível sobre essa temática. (tributários do Córrego São Bartolomeu), ocorrem as principais tufas da área. Na Serra do Cândido, estes são observados em praticamente todos os vales, ocorrendo regularmente ao longo da cota de 200 m, onde há o contato entre a encosta e a planície, que coincide com o contato litológico da lente de mármore com os gnaisses. No trecho nordeste da Serra das Águas Quentes, os depósitos de tufa também obedecem este padrão.estes ocorrem na escarpa de feições em degrau com desníveis entre 8 e 20 m acima da planície, topo plano ou com declividade suave em direção à planície. O mais notável destes depósitos ocorre no sopé do vale mais a nordeste da Serra do Cândido, local denominado Caxangá (coord. 21 o 46 46 S / 42 o 10 21 W). Nesta área são registrados dois degraus, conforme mostrado na Fig. 2. Na escarpa do degrau mais a norte, ocorre uma pequena cavidade (abrigo sob rocha Fig. 3), formada pela precipitação de tufa na forma de cortinas. Na feição em degrau situada mais a sul, são observados diversos estalagtites (Fig. 4). Cavidades em tufa com formação de estalagtites também foram descritas por Boggiani et al. (1999b) na região da Bodoquena. 5. Resultados No sopé dos pequenos e íngremes vales que drenam a vertente sudeste da Serra do Cândido (tributários do Córrego da Espia) e nordeste da Serra das Águas Quentes Fig. 2: Vista geral da área de Caxangá, na vertente sudeste da Serra do Cândido, sendo indicados pelas setas as duas feições em degrau com depósitos de tufa em suas escarpas.

Fig. 3: Abrigo sob rocha formado pela precipitação de tufa a partir da borda superior do degrau. Em algumas outras feições em degrau situadas a sudoeste de Caxangá, foram observadas tufas estratificadas (Fig. 6), muitas vezes intercaladas com depósitos gerados por fluxos gravitacionais e/ou por fluxos trativos (arenitos com grânulos e ruditos finos cimentados por carbonato de cálcio) (Fig.5). A base dos depósitos de tufa, no sopé dos degraus, é formada por um pavimento de blocos de mármore tamanho calhau até matacão fino (Blair & McPherson, 1999), cobertos por tufa estratificada. Fig. 5: Tufas estratificadas, intercaladas com depósitos de fluxos gravitacionais e/ou trativos cimentados por carbonato de cálcio Na base da feição em degrau (Fig. 6) por nós denominada de Boi Morto (coord. 21 o 48 18 S/42 o 10 58 W), foi registrada a precipitação de carbonato sobre a vegetação (raízes) através do contínuo escorrimento e gotejamento de água, conforme por se observado na Fig. 7. Fig. 6: Aspecto do degrau denominado Boi Morto, observando-se na sua escarpa, na cor marrom, o depósito de tufa. Fig. 4: Estalagtites formados na escarpa de uma das feições em degrau de Caxangá.

Fig. 7: Precipitação atual de carbonato de cálcio sobre raízes no sopé da feição em degrau por nós denominada de Boi Morto. No lado oposto da Serra do Cândido, foram observadas as mesmas feições em degrau com depósitos de tufa na escarpa, só que localizadas não na base, mas a meiaencosta, o que tornou-as inacessíveis devido à vegetação fechada. No alto curso do Córrego dos Tanques, logo abaixo da entrada da Gruta Novo Tempo (coord. 21 o 48 50 S/42 o 11 54 W), foram observadas pequenas represas de tufa ao longo da drenagem, uma das poucas perenes de toda a serra. No interior da gruta, próximo a sua entrada, ocorrem represas de travertino atualmente secas. 6. Conclusões Os depósitos de tufa do sopé das serras são formados através da progradação de cortinas desta rocha carbonática sobre a borda das feições em degrau, conforme o modelo tipo Cascata (Cascade) de Pedley (1990). Estes foram gerados durante um período climático mais úmido que o atual, tendo em vista que nos poucos locais onde ainda há o fluxo de água contínuo ou, ao menos, durante um período mais prolongado (localidade de Boi Morto e no Córrego dos Tanques), ainda há a precipitação de carbonato de cálcio, formando depósitos atuais de tufa do tipo cascata (ou cachoeira, segundo Boggiani et al., 1999b) e represas (ou barragens). A relativa abundância de depósitos arenosos ou rudíticos finos intercalados às tufas sugere chuvas torrenciais remobilizando material inconsolidado das encostas próximas. Foi registrada a presença de tufas ou arenitos cimentados com tubos formados pela decomposição de troncos de madeira com diâmetro de até 10 cm, trazidos por fluxos trativos ou gravitacionais. A região de estudo apresenta, atualmente, chuvas mal distribuídas ao longo do ano, com duas estações bem definidas: uma seca normalmente entre abril e outubro, podendo estender-se um ou dois meses, e outra chuvosa entre novembro e março. Na maior parte dos depósitos de tufa, no entanto, a precipitação de carbonatos parece estar interrompida a bastante tempo, visto que estes se encontram erodidos (Figs. 3 e 5) e apresentam, ainda, espeleotemas desgastados pelo intemperismo (vide Fig. 4). 7. Recomendações Os depósitos de tufas calcárias descritos neste trabalho constituem um registro geológico único no Estado do Rio de Janeiro. Segundo Ford & Pedley (1996), as tufas representam um dos meios mais eficientes para se determinar mudanças climáticas, visto que estes depósitos se acumulam muito mais rapidamente que turfas ou sedimentos lacustres. Na região da Serra da Bodoquena, as tufas antigas vêm sendo datadas com certo sucesso através do método do radiocarbono. Também vem sendo realizados em tufas antigas e modernas estudos de desequilíbrio

de isótopos de oxigênio ( 18 O) e carbono ( 13 C), de modo a se determinar variações nas condições hidrológicas e climáticas. Estes métodos poderiam vir a ser empregados nas tufas fluminenses Também seria interessante investigar futuramente a estratigrafia dos platôs acima das feições em degrau, de modo a confirmar ou não se nestes locais teriam se desenvolvido pequenos lagos contidos por barragens de tufa. Ressalta-se ainda que, no final dos anos 90, um projeto de autoria do Deputado Carlos Minc criou o Parque Estadual das Cavernas Fluminenses, que englobava toda a Serra do Cândido e o setor norte da Serra das Águas Quentes. O Parque, no entanto, até hoje não saiu do papel, estando todo o patrimônio espeleológico da região e, também, as tufas calcárias, ameaçadas pela mineração de mármore para a indústria cimenteira. 8. Referências Almeida, F.F.M., 1965, Geologia da Serra da Bodoquena (Mato Grosso), Brasil. Boletim de Geologia e Mineralogia, DNPM, Rio de Janeiro, 219:1-96. Blair, T.C.; McPherson, J.G., 1999, Grain size and textural classification of coarse sedimentary particles. Journal Sedim. Research, 69(1):6-19. Boggiani, P.C.; Coimbra, A.M., 1995, Quaternary limestone of the pantanal area, Brazil. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 67(3): 343-349. Boggiani, P.C.; Sial, A.N.; Ribeiro, F.R.; Flexor, J-M.; Roque, A.; Ferreira, V.P., 1999a, Paleoenvironmental indications from stable isotopes in freshwater Quaternary limestones in the Bodoquena Plateau, Central South America. In: Simpósio Sudamericano de Geologia Isotopica, Buenos Aires, Actas... 1999, Buenos Aires, Associação Geológica Argentina, v.1, p.380-382. Boggiani, P.C.; Coimbra, A.M.; Gesicki, A.L.; Sial, A.N.; Ferreira, V.P.; Ribeiro, F.B.; Flexor, J-M., 1999b, Tufas Calcárias da Serra da Bodoquena. In: Schobbenhaus, C.; Campos, D.A.; Queiroz, E.T.; Winge, M.; Berbert- Born, M. (Edit.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. Duarte, L.; Vasconcelos, M.E.C. 1980a. Vegetais do Quaternário do Brasil. I Flórula de Russas, CE. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 52(1): 37-48. Duarte, L.; Vasconcelos, M.E.C. 1980b. Vegetais do Quaternário do Brasil. II Flórula de Umbuzeiro, PB. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 52(1): 93-108. Fonseca, M.J.G., 1998, Texto explicativo do Mapa Geológico do Estado do Rio de Janeiro, escala 1:400.000. Rio de Janeiro: MME/DNPM, 141 p. Ford, T.D.; Pedley, H.M., 1996, A review of tufa and travertine deposits of the world. Earth-Science Reviews, 41:117-175. Pedley, H.M., 1990, Classification and environmental models of cool freshwater tufas. Sedim. Geology, 68:143-154. Sociedade Carioca de Pesquisas Espeleológicas - SPEC, 1998, Diagnóstico Ambiental e Avaliação do Potencial Turístico da Gruta Novo Tempo, Município de Cantagalo, Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 45 p. (inédito).