Improviso nº1 para violão solo de Theodoro Nogueira: Discussão sobre o uso do arpejo e do plaqué.

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Transcrição:

Improviso nº1 para violão solo de Theodoro Nogueira: Discussão sobre o uso do arpejo e do plaqué. MODALIDADE: COMUNICAÇÃO SUBÁREA: PERFORMANCE Laís Domingues Fujiyama Universidade Federal de Goiás lais_dom@hotmail.com Eduardo Meirinhos Universidade Federal de Goiás emeirinhos@gmail.com Resumo: Este artigo discute a utilização dos ataques em arpejo e em plaqué no Improviso nº 1 de Theodoro Nogueira, levando-se em consideração as diferenças entre a partitura e a gravação de Geraldo Ribeiro. Propõe-se discorrer quais seriam os ataques pertinentes à peça, fundamentando nossas escolhas através de uma análise baseada no livro Fundamentos da Composição Musical de Schoenberg (2012) e de algumas características peculiares do processo composicional de Nogueira. Os resultados poderão servir como uma concepção da performance a partir destes parâmetros. Palavras-chave: Improviso nº 1. Arpejo. Plaqué. Theodoro Nogueira. Violão solo. Improviso nº1 for solo guitar by Theodoro Nogueira: Discussion about the use of arpeggio and plaqué. Abstract: This article discusses the use of the arpeggio and plaqué attacks in Improviso nº 1 by Theodoro Nogueira, taking into account the differences between the score and the recording of Geraldo Ribeiro. It is proposed to discuss the pertinent attacks on the piece, basing our choices through an analysis based on Schoenberg's Fundamentals of Musical Composition (2012) and some peculiar features of Nogueira's compositional process. The results may serve as a conception of performance from these parameters. Keywords: Improvise nº 1. Arpeggio. Plaqué. Theodoro Nogueira. Solo guitar. Introdução O Improviso nº 1 para violão solo, de Ascendino Theodoro Nogueira, inicia uma série de 12 peças compostas em 1958/59. O violonista Geraldo Ribeiro gravou os 12 Improvisos em Long Play pela gravadora Fermata no ano de 1971. As partituras deste ciclo foram editoradas pela Ricordi em 1970. Em 19 de julho de 2006 a gravação deste primeiro Improviso - com o violonista Geraldo - foi exibida no programa de rádio Violão com Zanon, transmitido pela rádio cultura FM de São Paulo. A motivação deste trabalho surgiu durante a construção da performance do Improviso nº 1, quando notamos que o violonista Geraldo Ribeiro - em gravação - utilizou-se várias vezes do recurso do arpejo, divergindo da partitura apresentada pela Ricordi. Diante disso decidimos refletir sobre tais técnicas e suas influências na performance a partir de um olhar analítico, que contemplou a estruturação da peça, bem como a estética da mesma 1

fundamentada por elementos próprios da linguagem composicional de Theodoro Nogueira. Neste caso a escuta da gravação foi um fator essencial para a concepção da interpretação, segundo ROSA (2014) a intencionalidade semântica da escuta auxilia o intérprete na tarefa de produzir uma execução musicalmente coesa, tanto do ponto de vista da estruturação, quanto de suas concepções interpretativas particulares (ROSA, 2014, p.369). Antes de incorrermos à análise da peça entendemos como necessário uma breve explanação dessas duas técnicas de mão direita do violão. O arpejo é um recurso idiomático da mão direita do violonista que consiste no ataque separado das cordas, tal efeito pode produzir uma ideia de legato ou ressonância (KREUTZ, 2014, p. 122, grifo noso). O plaqué ou blockchord é o ataque simultâneo das cordas, exigindo do músico precisão para que as notas atuem como bloco sonoro. (MALTA, 2012, p.13, grifo nosso). A priori tal diferença entre estes ataques pode não influenciar muito em uma peça, já que o arpejo é recorrente na prática violonística e atua idiomaticamente como recurso expressivo, porém o caráter contrapontístico do Improviso nº 1 nos direciona a uma atenção especial na expressão e articulação das vozes, que torna necessário a delimitação da fluência das frases e os encadeamentos harmônicos resultantes delas. Análise do Improviso nº 1 para violão solo de Theodoro Nogueira O compositor Arnold Schoenberg, em seu livro Fundamentos da Composição Musical (2012), apresenta uma série de conceitos que permeiam a análise de uma peça. A escolha deste autor para subsidiar este trabalho parte da premissa básica recorrente em sua didática: a inteligibilidade do discurso musical. Os requisitos essenciais para a criação de uma forma compreensível são a lógica e a coerência: a apresentação, o desenvolvimento e a interconexão das ideias devem estar baseados nas relações internas, e as ideias devem ser diferenciadas de acordo com a sua importância e função (SCHOENBERG, 2012, p. 27). O modo como Schoenberg (2012) apresenta e entrelaça os conceitos de forma, frase, motivo, encadeamento, caráter, expressão e outros elementos do cerne da composição sustentam esta proposição de discurso lógico de uma peça musical. O intuito foi fazer primeiramente uma análise neutra da peça, através da abordagem analítica supracitada, para então correlacionarmos seu discurso com a estética vinculada à linguagem composicional de Nogueira e a partir disso fundamentar as escolhas dos ataques em arpejo e plaqué da obra. 2

O Improviso nº 1 tem aproximadamente 1 minuto de duração, apresenta uma armadura de clave em Mi maior e possui 32 compassos. Na partitura há indicação da expressão cômodo e o andamento de 92 b.p.m. para a colcheia. O compasso é quaternário com o valor da semibreve de oito tempos. Até aqui já sabemos que é uma peça em andamento confortável e, que por ser tratar de um Improviso, sua forma se revelará através da organização das relações internas entre frases, motivos, relações harmônicas e outros materiais inventivos. A peça contém duas vozes: a primeira voz é apresentada sozinha no início da obra com uma frase de seis notas, o motivo inicial (as primeiras quatro notas) se repete duas vezes com terminações diferentes (compasso 1 ao 6). Figura 01: primeira frase do Improviso nº 1 e suas variações. Em anacruse do compasso 07 surge uma nova frase, agora descendente, que encaminha o ouvinte para o surgimento de um novo motivo que se desenvolverá nos compassos seguintes (anacruse de 09 ao 18); esta primeira voz só voltará em anacruse do compasso 22 repetindo a primeira frase da música em uma oitava acima com pequenas variações até o compasso 25. Os compassos seguintes apresentam nesta voz superior desenvolvimento motívico em grau conjunto. No final da peça, anacruse do compasso 30 até o 31, prevalece o motivo da terceira ideia melódica: graus conjuntos descendentes reforçados pelo intervalo de terça maior para finalmente chegar à nota final desta primeira voz (dó sustenido) que se configura como o sexto grau maior do acorde da tônica Mi maior. Partindo do pressuposto de que o termo frase significa, do ponto de vista da estrutura, uma unidade aproximada àquilo que se pode cantar em um só fôlego (SCHOENBERG, 2012, p.29), poderíamos organizar esta primeira voz em: Frase 1, Frase 1 com variação A, Frase 1 com variação B; Frase 2, Frase 3, Frase 3 com variação A. Frase 1 com variação C, Frase 1 com variação D, Frase 4, Frase 4 com variação A, Frase 3 com variação B. Neste sentido percebemos que há uma relevância nas frases 1 e 3 que são repetidas ao longo do Improviso e geram uma dicotomia no discurso melódico desta voz. 3

Figura 02: Explanação das frases que constituem a 1ª voz do Improviso 1 A segunda voz aparece no compasso 2 como um pequeno contraponto de motivo descendente até o compasso 8, onde se mostra como voz solista, reforçando a polarização da dominante. Dos compassos 9 ao 17 segue como contraponto e reforço de ambientação harmônica, dos compassos 18 até 21 se torna a voz principal novamente finalizando a primeira parte da peça. Não aparece no compasso 22, nos compassos 23 e 24 atua como contraponto e no compasso 25 tem maior destaque. Do compasso 26 até o final reforça seu motivo base. 4

Figura 03: Explanação da 2ª voz da peça. Fig 04: Compassos 2, 8 e 12: Motivo da segunda voz baseado na estabilidade rítmica de duas semicolcheias e colcheia Devido à estrutura contrapontística a harmonia intercorre pelo resultado do encontro das vozes e sua progressão de acordo com as subseções da peça. É importante ressaltar a presença do caráter modal e tonal que se contrapõem devido o deslocamento harmônico no encontro das vozes. Neste sentido o que exemplificamos é a região em que as vozes se encontram dentro das funções tonais tendo como prioridade a voz superior. Figura 05: Caminho harmônico dos compassos 01 a 08. De acordo com Schoenberg (2012) o termo forma é utilizado em diversas concepções como o número de partes de uma peça, a organização das partes e suas relações ou ainda, as características rítmicas e de andamento de uma dança (SCHOENBERG, 2012, p. 27). O Improviso nº 1 pode ser dividido em duas partes, sendo a primeira do compasso 1 ao 21 e a segunda de anacruse do 22 ao 32, justificamos tal divisão pela repetição da primeira frase em outra oitava. A assimetria entre as partes ocorre pelo destaque da voz contrapontística e redução do desenvolvimento da ideia de terças paralelas ao final da peça. O violonista Fábio Zanon comenta que esta assimetria das frases é uma das marcas registradas de Nogueira. (ZANON, 2007). 5

Figura 06: Motivo da primeira voz no início da peça e a repetição dele em outra 8ª em anacruse do compasso 22. Características da linguagem composicional de Nogueira Neste Improviso destacamos alguns pontos que são frequentemente associados ao universo de composição de Nogueira pelo fato do mesmo ter sido integrante da Escola de Camargo Guarnieri. Podemos avaliar a economia de material, através do desenvolvimento com poucos motivos, e a rigidez do contraponto como indícios dessa influência guarnieriana. Segundo PEREIRA (2011): Isto porque, nos anos cinquenta, Theodoro Nogueira, Osvaldo Lacerda, e Sérgio Oliveira Vasconcelos Correia, iniciam suas produções para o violão e, apesar de poéticas distintas e das individualidades estilísticas, essas obras apresentavam características em comum com as obras de Guarnieri como o rigor contrapontístico e formal e o mesmo apego à estética marioandradiana. (PEREIRA, 2011, p.294) Já com relação à estética própria de Nogueira podemos citar sua forte relação com o estudo do folclore - foi representante do estado de São Paulo no V Congresso brasileiro de Folclore em Fortaleza (1963) e coordenador do Simpósio sobre Pesquisa de Folclore em São Paulo em 1977 (NOGUEIRA, 1977). O musicólogo Luis Roberto Trench corrobora tecendo o seguinte comentário: [...]creio que sua produção permanecerá como uma das mais sérias e profundas tentativas de incorporação do folclore paulista à música culta, com crescente pesquisa de linguagem e utilização de certas técnicas de vanguardas como citada música da fala, filiada ao concretismo. (TRENCH, 1998, p. 60, grifo nosso) O compositor Guerra Peixe também salientou a importância da música de Theodoro como representante do folclore paulista em artigo publicado no jornal O Comércio: No entanto, o caráter da música paulista parece que acaba de ser definido pelo compositor Theodoro Nogueira, nascido no interior de São Paulo, isso é o que nos parece afirmar o seu Concertino para viola brasileira isto é, viola caipira e orquestra de câmara, cuja primeira audição ocorreu meses atrás na Capital Paulista. Suas melodias, bem assim como sequências harmônicas, ritmos e rasgueados se caracterizam pelo sabor notadamente paulista. (PEIXE, 1964, grifo nosso). 6

Diante disso podemos concatenar o uso de terças paralelas à música folclórica paulista, sendo este um elemento muito utilizado por Nogueira não só no ciclo de Improvisos como nas Valsas Choro e Brasilianas (outros dois ciclos para violão solo do compositor paulista). Em relação ao aspecto harmônico Theodoro admite o uso do modalismo e do tonalismo na sua teoria da música da fala em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, quanto ao aspecto teórico o professor Nogueira explica que a música da fala possui apenas tons e meio tons e que os sons são apenas modais e tonais (Folha de São Paulo, 1980, p.3). Apesar do ciclo dos Improvisos não ter sido composto através do método da música a fala (essa teoria se desenvolveu alguns anos depois) conseguimos notar essa contraposição modal e tonal na análise descrita acima. O uso do plaqué e do arpejo no Improviso nº 1 Com base na relação entre a análise neutra da peça, tomando como ponto de partida as proposições da análise Schoenberiana e os elementos pertinentes à linguagem composicional de Nogueira, fizemos a escolha de quais momentos deveriam ser utilizados para o procedimento dos arpejos. Para relembrar: na partitura editorada pela Ricordi a peça ocorre sem nenhuma indicação de arpejo e na gravação de Geraldo Ribeiro exibida pelo programa do violonista Fábio Zanon em 2006 constam treze arpejos. Em nossa análise consideramos o elemento contrapontístico como o mais importante na estruturação deste Improviso, segundo TRAGTENBERG: O contraponto procura sistematizar a combinação dos diversos elementos da ideia musical. A partir dele a harmonia ganha temporalidade e ritmo. A música se constrói, se levanta. É através da condução das linhas melódicas que ritmo, harmonia e forma se tornam realidade (TRAGTENBERG, 2002, p.20) A fluência desta pequena obra está no diálogo das duas vozes, por conseguinte tocar com arpejo quando as duas se encontram seria uma licença poética em favor da expressão que precisaria de uma justificativa pertinente - por exemplo, a conclusão de uma ideia motívica ou cadência harmônica - porém o caráter modal (sensações suspensas da harmonia na maior parte da peça) e a constante presença do contraponto não permitiriam tal exceção. A primeira decisão foi a de não usar arpejos quando temos o encontro das duas vozes., considerando o rigor contrapontístico de Nogueira, neste sentido escolhemos utilizar o arpejo em dois momentos do Improviso, para tal decisão consideramos o fator idiomático do arpejo, segundo PEREIRA: 7

[...] há pelo menos três maneiras de uma obra se apresentar como idiomática: utilizar os efeitos que são peculiares ao instrumento (rasgueios, tamboras, harmônicos), potencializar as características acústicas do instrumento e tirar proveito de elementos mecânicos que favoreçam sua exequibilidade (PEREIRA, 2012, p. 531). No compasso 11 temos harmonicamente uma tríade do que seria a dominante que se encaminha para um breve repouso na tônica alterada (sexta maior), melodicamente também se encerra uma variação da Frase 3, aqui o recurso do arpejo no acorde da dominante, contempla o transcurso harmônico/melódico e não afeta a fluência das vozes. O uso do arpejo neste trecho potencializa acusticamente e expressivamente uma passagem significante na estruturação da peça. Figura 07: Sugestão de arpejo na tríade da Dominante A escolha do segundo arpejo é no compasso 25, no acorde da Tônica Relativa (tríade definida). Além disso é preciso que a voz superior fique soando, logo a opção do arpejo se torna mais acessível pelo seu caráter de ressonância, além de - idiomaticamente - favorecer a exequibilidade de legato do som da tríade na posição de pestana da mão esquerda. Figura 08: Sugestão de arpejo na tríade da Tônica Relativa, sustentando a primeira voz. O último acorde consiste numa tônica alterada e não deve ser arpejado devido a coerência das terças paralelas que o antecedem. Estas terças possuem um valor estético na linguagem de Nogueira, tornando o ataque plaqué na quarta paralela mais apropriado. 8

Figura 09: O toque plaqué do acorde de tônica alterada no último compasso seguindo a ideia da frase em intervalos paralelos. Conclusão A partir da análise neutra, fundamentada nos conceitos schoenberianos, e dos elementos presentes na linguagem musical de Nogueira chegamos à conclusão do uso de dois arpejos na música, que não comprometem o discurso das vozes e agem como recurso expressivo e idiomático. Elencamos o contraponto como o elemento mais importante da peça e o relacionamos com outros materiais importantes dentro das subdivisões internas da música. O conhecimento sobre algumas características da linguagem de Nogueira como o contraponto rigoroso, a alusão ao folclore paulista com o uso de terças paralelas e o caráter harmônico nos direcionaram para a escolha dos ataques da mão direita. Além disso, o caráter idiomático do arpejo atuou aqui como recurso expressivo coerente à proposta do compositor; como ressalta BATTISTUZZO (2009) é preciso cuidado em qualquer modificação do intérprete numa peça, até mesmo para instrumentistas experientes o uso do idiomatismo do instrumento deve ser com um objetivo bem claro que não altere a ideia original do compositor. (BATTISTUZZO, 2009, p. 76). Acreditamos que a correlação entre aspectos estruturais de uma peça, a estética que esta mesma se vincula, e o olhar idiomático do instrumento colaboram para uma preparação consciente do que vem a ser uma obra musical, cabendo ao intérprete se confrontar com todos estes contextos para fazer suas escolhas performáticas. REFERÊNCIAS A FALA se transforma em música, São Paulo. Folha de São Paulo. 1980, p.03 BATTISTUZZO, S. A. C. Francisco Araújo: o uso do idiomatismo na composição de obras para violão solo. Campinas, 2009. Dissertação (Mestrado em Música) UNICAMP. 9

KREUTZ, T. C. A música para violão solo de EdinoKrieger: um estudo do idiomatismo técnico-instrumental e processos composicionais. Goiânia, 2014.Dissertação (Mestrado em Música) Universidade Federal de Goiás, 205 p. MALTA, L. N. Regularidade e simultaneidade na técnica violonística de mão direita: uma abordagem quantitativa de arpejos, sons plaqué e tremolos. 2012, Dissertação (Mestrado em Música) Universidade Federal de Minas Gerais Escola de Música. NOGUEIRA, A. T.: catálogo de obras. Brasília: Ministério das Relações Exteriores Departamento de Cooperação Cultural, Científica e Tecnológica, 1977. PEIXE, G. Em termos de música paulista. Rio de Janeiro. Jornal do Comércio. 1964. PEREIRA, M. F. e GLOEDEN, E. Apontamentos sobre o idiomatismo na escrita violonística. IN: Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música, 2012, Anais, João Pessoa, p. 526-533. PEREIRA, M. F. A contribuição de Camargo Guarnieri para o repertório violonístico brasileiro. São Paulo, 2011, Tese (Doutorado em Música) - Universidade de São Paulo Escola de Comunicação e Artes, 403 p. ROSA, R. M. Discutindo o papel da escuta nas práticas interpretativas, II Congresso da Associação Brasileira de Performance Musical, Vitória Espírito Santo, 2014. Pôster p. 364-371. SCHOENBERG, A. Fundamentos da composição musical, Edusp. 2012-3ª ed. TRAGTENBERG, L. Contraponto: uma arte de compor. Edusp, 2002-2ª ed. TRENCH, L. R. Decano quase esquecido. Viva Música!. Rio de Janeiro, p.60, fev. 1998. VIOLÃO COM ZANON. Theodoro Nogueira II. São Paulo: rádio cultura FM, 21 de novembro de 2007, programa de rádio. Disponível em http://vcfz.blogspot.com.br/2007/11/99-theodoro-nogueira.html Acesso em 19 de junho de 2016. VIOLÃO COM ZANON. Theodoro Nogueira e José Vieira Brandão. São Paulo: rádio cultura FM, 19 de julho de 2006, programa de rádio. Disponível em http://vcfz.blogspot.com.br/2006/07/29-theodoro-nogueira-jos-vieirabrando.html. Acesso em 20 de agosto de 2016. 10