Expedição Humboldt 2000



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Transcrição:

Expedição Humboldt 2000 ENTREVISTA Entrevista concedida a Lucas Tadeu Ferreira Fotos: Juan Pratginestós Pesquisa científica na Amazônia do Caribe ao Atlântico Partindo da experiência acumulada pelos viajantes naturalistas que percorreram a grande floresta Amazônica nos séculos XVIII e XIX, 39 cientistas da Universidade de Brasília UnB, da Universidad Simon Bolívar, da Venezuela, e de outras instituições de pesquisas brasileiras realizaram ampla coleta de material e informações para o desenvolvimento de pesquisas de ponta, contribuindo assim, para o avanço do conhecimento científico no século XXI. Defendendo os direitos dos povos indígenas e da floresta, e combatendo a biopirataria, os cientistas que participaram dessa expedição Professor César na biblioteca do barco percorreram aproximadamente 10.000 km em busca de novos conhecimentos a partir dos achados amazônicos. Assim, espera-se que os resultados da expedição proporcionem contribuições importantes para várias áreas do conhecimento humano, uma forma inteligente que a comunidade científica encontrou para se vincular aos problemas amazônicos contemporâneos e, principalmente, na busca de soluções. Para falar um pouco dessa aventura Humboldt 2000, o professor de microbiologia da Universidade de Brasília - UnB -, César Martins de Sá, que foi um dos principais coordenadores da Expedição, concedeu esta entrevista a Lucas Tadeu Ferreira para a revista BIOTECNOLOGIA Ciência & Desenvolvimento. O professor César Martins é graduado em biologia e mestre em biologia molecular pela UnB. Fez doutorado em Paris, no Instituto Jacques Monod da Universidade de Paris VII. Voltou ao Brasil em 1989; foi contratado e é professor do Departamento de Biologia Celular da UnB. Recentemente fez Pós-Doutoramento em San Diego, Califórnia, na área de biologia molecular de câncer. 4 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento

BC&D - Quais foram os principais objetivos da Expedição Humboldt -Amazônia 2000? César Martins Primeiramente, gostaria de explicar um pouco o porquê da escolha do nome Humboldt para nossa Expedição. Alexander Von Humboldt, de origem alemã, foi um dos maiores cientistas de sua época. Em meados de 1799, juntamente com seu amigo botânico, o francês Aimé Bonpland, chegou à América Latina, no delta do rio Orinoco, na Venezuela. Os dois cientistas tinham como objetivo estudar a Amazônia através de seus rios. Acreditavam que, subindo o rio Orinoco e passando pelo canal do Cassiquiare, que liga a bacia do Orinoco à bacia do Rio Negro, poderiam chegar a Belém, no Brasil. O problema é que Humboldt, quando chegou à fronteira do Brasil, foi impedido de entrar no país. Naquela época, o Brasil era colônia portuguesa e ele ficou uns dois meses na fronteira aguardando um visto de entrada. Acabou sendo impedido, pois os portugueses pensaram que ele era um espião espanhol. Dessa forma, a Amazônia Brasileira deixou de ser estudada pelo grande sábio. Assim, a nossa expedição, homenageando Humboldt, faz um resgate histórico: - duzentos anos depois, fizemos o mesmo percurso que ele fez na Venezuela e, principalmente, o percurso que ele não fez, no Brasil, que era chegar a Belém através dos rios. Tendo como patrono Humboldt, a expedição obrigatoriamente deveria ser uma expedição científica multidisciplinar, pois Humboldt era um cientista universal: geógrafo, astrônomo e com grande conhecimento em muitas outras áreas da ciência. Nossa expedição teve como objetivo principal contribuir para o desenvolvimento de pesquisas voltadas para assegurar o futuro da Amazônia. BC&D - Qual foi o critério de escolha e quantos pesquisadores brasileiros e venezuelanos integraram a expedição Humboldt 2000 à Amazônia?...seguramente, têm achados biológicos que pela primeira vez serão descritos e identificados. Encontramos, por exemplo, um microrganismo luminescente. Bioluminescência tem sido muito utilizada em biologia, medicina e agricultura como rastreadores moleculares César Martins A escolha privilegiou cientistas brasileiros. Nós começamos a desenhar a expedição há dois anos e como íamos fazer um percurso dentro da Venezuela, que é a parte do rio Orinoco, fizemos contato com professores da Universidade Simon Bolívar, em Caracas. Nessa parte, a expedição ficou sendo binacional. Participaram quatro professores venezuelanos, que foram escolhidos por eles mesmos. Essa equipe deixou a expedição na fronteira com o Brasil. Do nosso lado adotamos alguns critérios de seleção: primeiro, os cientistas deveriam ter disponibilidade de longos períodos de tempo, já que a expedição durou 65 dias. Segundo, esses pesquisadores deveriam ter um certo conhecimento do que era uma navegação e convivência dentro de um barco com espaço reduzido. Terceiro, o critério cientifico, que é a escolha de especialistas em diferentes áreas. Levamos muitos pesquisadores jovens, inclusive estudantes, porque achamos muito importante para as Equipe trabalhando na biblioteca do barco Flor de guaraná gerações que estão vindo conheceram um pouco da Amazônia. Participaram 39 cientistas ao longo de toda a expedição. Nem todos puderam ficar os 65 dias corridos. Enquanto um grupo viajava, outros iam entrando e saindo em diferentes percursos. BC&D - Quais os principais trechos percorridos na Amazônia brasileira e venezuelana? César Martins O início da expedição foi no dia 1º de setembro de 2000. Partimos de Brasília por avião até Manaus. Daí, com destino a Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 5

Ciudad Guayana no baixo Orinoco Venezuelano. Esse percurso foi feito por terra, atravessando o estado de Roraima, a serra de Pacaraima e as savanas venezuelanas. De Ciudad Guayana a Puerto Ayacucho, a viagem foi feita de barco. O segundo trecho foi feito de Puerto Ayacucho às cidades de Esmeralda e San Carlos del Rio Negro no Cassiquiare, e Cucuí, já na fronteira com o Brasil. Nós tivemos alguns problemas de segurança na travessia desse trecho por causa do recrudescimento da guerrilha na fronteira com a Colômbia e assim tivemos que percorrê-lo em helicóptero da força aérea venezuelana. O terceiro trecho compreendeu a descida, de barco, pelo rio Negro até Manaus, com escala de 10 dias em São Gabriel da Cachoeira. Naquela cidade as atividades foram intensas graças ao apoio do Exército Brasileiro. Parte da equipe subiu o rio Uaupés até Iauareté próximo à fronteira colombiana; outra foi ao morro dos Seis Lagos, próximo do parque do Pico da Neblina e outra parte permaneceu pesquisando em São Gabriel da Cachoeira. O quarto trecho foi de Manaus a Santarém, passando pela foz do rio Nhamundá, pelo Paraná do Ramos, baixo Trombetas e subimos o Tapajós até Fordlândia e outros. O quinto trecho da expedição desceu o rio Amazonas, passando pelo rio Xingu e pelas cidades de Monte Alegre, Prainha, Almerim, Laranjal do Jari, Santana e chegou a Macapá. No Amapá, fomos por terra até o rio Oiapoque, no extremo norte do Brasil. De lá, alguns pesquisadores seguiram ao norte até a foz do rio Oiapoque para pesquisa de microrganismos marítimos. A equipe de hidrólogos também fez medições importantes de vazão e sedimentos no Estreito de Óbidos e na foz do Amazonas. De Macapá, fomos até Belém. Passamos Parte da equipe Humboldt e o apoio dos militares do 5º Bis por quatro estados brasileiros: Roraima, Amazonas, Pará e o Amapá. Nossa expedição percorreu quase 10.000 km na Amazônia. BC&D - Quem coordenou, quanto custou e quais foram as instituições que financiaram a expedição? César Martins A expedição foi organizada pelo Núcleo de Estudos Amazônicos da UnB e coordenada por mim e pelo historiador professor Vítor Leonardi, especialista em história da Amazônia. Foi difícil levantar todo o recurso necessário e tivemos de fazer muitos cortes. Ao todo ficou em torno de R$ 180.000,00. O principal financiador foi o Ministério do Meio Ambiente, através da Secretaria da Amazônia; o Banco do Brasil, através da BB-Tour, que nos forneceu as passagens aéreas. O WWF, que financiou toda a parte de fotografia e a Fundação Universitária de Brasilia-FUBRA. Contamos também com o apoio do Exército Brasileiro através do 5º Batalhão de Infantaria de Selva, que nos alojou em São Gabriel da Cachoeira e o Governo do Amapá, que forneceu veículo e o alojamento em Oiapoque. BC&D - Que áreas do conhecimento humano foram exploradas e investigadas na expedição? César Martins A expedição contou com quatro microbiologistas, especialistas em ornitologia (pássaros), botânicos, mastozoologia, saúde pública, hidrologia, antropólogos, indigenistas e historiadores.o restante da expedição era composta de uma equipe de cinegrafia, fotografia e documentação; ao todo, a expedição contemplou 14 áreas específicas do conhecimento. BC&D - Poderia descrever, sucintamente, os principais achados que, potencialmente, permitem Equipe Humboldt navegando pelo Rio Tapajós 6 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento

aprofundar os conhecimentos sobre a floresta Amazônica? César Martins Na área da biologia, realizamos muitos levantamentos e coletas ao longo de nosso percurso. Todo esse material será agora processado pelos pesquisadores em suas respectivas unidades de trabalho. Dizer atualmente que vamos ter descobertas novas na área de biologia, em função do que foi coletado, ainda é um pouco prematuro. Precisamos de muitas análises de laboratório e anos de estudos para isso; mas, seguramente, têm achados biológicos que pela primeira vez serão descritos e identificados. Encontramos, por exemplo, um microrganismo luminescente que eu não sei ainda sua natureza. Bioluminescência tem sido muito utilizada em biologia, medicina e agricultura como rastreadores moleculares. Esse achado é muito promissor. Na parte de ciências humanas e saúde, os pesquisadores visitaram Instituições Públicas de vários municípios, pesquisaram arquivos, gravaram muitas entrevistas com cientistas da região, lideranças indígenas e de populações ribeirinhas. Certamente, o conhecimento existente sobre a Amazônia vai ser ampliado a partir dessa expedição. Um fato interessante ocorrido na região do Paraná do Ramos, foi a descoberta pela equipe de arqueólogos do Museu Amazônico de um sitio arqueológico, até agora desconhecido. Tudo indica que aquele sítio fora habitado por uma sociedade estável e bem estruturada há, pelo menos, dois mil anos. Trata-se de uma descoberta inédita que será comunicada ao IPHAN. BC&D O Senhor mencionou o Extração e transporte de madeira na Amazônia achado de um organismo luminescente. De que forma a característica deste microrganismo poderá vir a ter, potencialmente, alguma aplicação prática? Por que coletar recursos biológicos da Amazônia para pesquisar no exterior? Por que não fazer tudo isso aqui dentro do nosso próprio país ou com as nossas universidades e empresas, ou instalando laboratórios, tal como se instalam empresas multinacionais? César Martins O nosso interesse está na utilização desses microrganismos em biotecnologia. Dentro Ruinas do velho Airão, cidade do alto Rio Negro desse contexto, eu vejo grande chance de sucesso. Os microrganismos foram coletados no solo amazônico, onde a degradação da biomassa se dá de forma intensa e natural. Assim, seguramente esses microorganismos podem também ser utilizados na degradação da biomassa originária, por exemplo, do bagaço da cana-de-açúcar, do farelo de arroz, entre muitos outros, cujos produtos de hidrólise podem ser utilizados na agroindústria. Por outro lado, a bioluminescência encontrada é de longe a mais fascinante. Para se ter uma idéia de sua importância basta verificarmos, na literatura especializada, as revolucionárias aplicações, por exemplo, do sistema luciferase isolado do vagalume e da GFP (Green Fluorecent Protein) isolada de jelyfish. É preciso, contudo, estudar muito bem esse potencial, que é muito expressivo. BC&D - Quem serão os detentores do conhecimento e dos achados nessa expedição e como se dará a distribuição do que foi encontrado? César Martins Assim que começarmos a isolar e a classificar, todo o material coletado estará disponível para quem quiser e, naturalmente, solicitar. Os estudos e as pesquisas serão realizadas nas universidades brasileiras, e assim que começarmos a conhecer o que coletamos, tudo será disponibilizado pelas medidas legais. É importante enfatizar que não existe nenhum detentor específico dos achados e tudo será amplamente publicado. BC&D - A Convenção da Diversidade Biológica estabelece que a diversidade bioló- Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 7

gica deve trazer benefícios para a humanidade e reconhece ainda a soberania dos Estados no uso e disponibilidade dos recursos biológicos encontrados em seus territórios. Como conciliar então os interesses do Brasil com o dos outros países quanto ao uso da sua biodiversidade? César Martins Esse tema é pouco entendido, haja visto os vários projetos de lei e medida provisória que tramitam no Congresso. Eu tenho uma visão bastante pragmática a respeito da autonomia da nossa biodiversidade. Na minha opinião, quem detém a autonomia da nossa biodiversidade é o Estado Brasileiro; mas os conhecimentos dela gerados e de seu uso pertencem à humanidade. É só aplicar a Convenção. Entretanto, isto tem gerado muito malentendido, principalmente com respeito à biopirataria. Biopirataria é uma atividade ilícita praticada em larga escala e, como tal, tem de ser combatida. Mas como combatê-la? Não se combate a biopirataria somente com a criação de Leis, com as forças armadas, a polícia federal e outros instrumentos de força. A melhor forma de combatê-la é com ciência. A biodiversidade brasileira tem que ser preservada e estudada ao mesmo tempo. Através do conhecimento científico é que vamos Equipe Humboldt navegando pelo Rio Tapajós exercer a nossa verdadeira autonomia. BC&D - Como garantir a participação das comunidades locais e dos povos indígenas nas decisões que tenham por objetivo o acesso e a exploração dos recursos biológicos das áreas que ocupam? Não se combate a biopirataria somente com a criação de Leis, com as forças armadas, a polícia federal e outros instrumentos de força. A melhor forma de combatê-la é com ciência César Martins As terras indígenas, em alguns estados brasileiros, como por exemplo, no Amapá, estão praticamente todas demarcadas. O processo de demarcação de terras em outros estados tem evoluído através de muitas lutas. Mas, o conhecimento existente dos recursos biológicos, ainda não. Em alguns casos, principalmente o uso fitoterápico de algumas plantas, é, há muitos anos, de pleno domínio dos povos da floresta, mas pouco publicado. Você encontra alguns relatos descritos por grandes viajantes expedicionários e historiadores. Como garantir, por exemplo a propriedade intelectual deste conhecimento? Agora, com a demarcação de suas terras, a exploração dos recursos biológicos das áreas que ocupam fica muito mais fácil. É fazer parcerias e contratos entre as partes. Estou convicto de que não seremos bem sucedidos se não fizermos parceria entre esses povos e os pesquisadores e/ou Instituições envolvidas na exploração dos recursos biológicos. BC&D - Recentemente, a imprensa denunciou um acordo firmado entre a Organização Não- Governamental Bioamazônia e a multinacional NOVARTIS para a exploração dos recursos biológicos da Amazônia. Qual a sua opinião a respeito de eventos dessa natureza? César Martins Está aí; esses mal entendidos ocorrem. Na minha opinião, esses acordos têm de ser claramente definidos para preservar os nossos interesses. Por que coletar recursos biológicos da Amazônia para pesquisar no exterior? Por que não fazer tudo isso aqui dentro do nosso próprio país ou com as nossas universidades e empresas, ou instalando laboratórios, tal como se instalam empresas multinacionais? Dessa forma, criaríamos empregos e principalmente, garantiríamos a formação de recursos humanos qualificados, inclusive, para a própria região. Depois, é só dividir os lucros. Para o amplo conhecimento da diversidade biológica da Amazônia é preciso fazer parcerias e estimular os envolvidos a investirem na formação de recursos humanos. Que se instalem indústrias e laboratórios dentro da Amazônia. Desta forma, sim, pode vir todo mundo. E-mail do Prof. César: sasa@unb.br 8 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 8 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento