Um anel de luz (Expresso: 01-10-2005) Na manhã de segunda-feira ocorre o mais espectacular eclipse anular do Sol desde 1912, sendo o fenómeno visível em todo o país Na manhã da próxima segunda-feira, dia 3 de Outubro, pelas 8h40, cerca de uma hora depois do romper do dia, a Lua começa a interpor-se entre nós e o Sol. A princípio nada se notará e apenas os observadores munidos de equipamento apropriado conseguirão ver alguma coisa. O que começarão a observar será uma pequena beliscadura no disco do Sol. À medida que o tempo avança, essa beliscadura aumenta. Entre as 9h e as 9h30, a porção do disco solar que está ocultada é tão grande que a luminosidade do dia começa a diminuir em vez de aumentar, como seria natural com o avançar da manhã. Passadas as 9h30, mesmo os transeuntes mais distraídos começarão a notar uma diminuição substancial de luminosidade e uma alteração da atmosfera. É uma sensação difícil de definir, porque muito afastada das nossas vivências diárias. A luz parece que muda de tom, como se estivéssemos perto do ocaso, mas o Sol
continua a subir no céu. A temperatura diminui um pouco e as sombras têm um comportamento estranho. Não se trata de um eclipse total do Sol, em que o dia se apaga e há uma noite fugaz. Mas regista-se uma redução significativa de luminosidade e observam-se vários fenómenos raros. É um eclipse anular do Sol. A Lua, esse pequeno astro que se coloca à frente do Sol, pode ser pequeno mas consegue fazer face à nossa estrela. Por uma coincidência extraordinária, o seu diâmetro é 400 vezes menor que o do Sol, mas está também cerca de 400 vezes mais perto de nós do que a nossa estrela. Por isso, os diâmetros aparentes dos dois astros são quase iguais. No entanto, umas vezes a Lua está ligeiramente mais perto da Terra outras vezes mais longe, pelo que umas vezes consegue tapar completamente a estrela, outras vezes falha por pouco. Esta segunda-feira é precisamente um desses momentos em que a Lua não consegue ocultar por completo o disco solar. Por isso, o eclipse que nessa manhã se regista é anular. No momento decisivo - e para os observadores bem situados -, o disco negro da Lua penetra totalmente no disco do Sol, mas deixando ver no bordo um estreito anel luminoso. Para ver este ânulo é preciso estar situado numa estreita faixa que começa no Atlântico Norte, atravessa a Península Ibérica, cruza o Mediterrâneo e passa pelo continente africano antes de terminar no Índico. É uma sorte para nós que essa faixa atravesse Portugal Continental a Norte, cruzando o Minho, Trás-os-Montes e Alto Douro. Quem aí estiver poderá ver esse raro espectáculo: o disco do Sol comido a meio
pela Lua. Quem se encontrar fora da faixa de anularidade verá o eclipse como parcial. O disco do Sol apresentar-se-á comido de lado pela interposição da Lua. O fenómeno tem o seu máximo pelas 9h55, mais minuto menos minuto, conforme o local. Em Bragança e Miranda do Douro, dois sítios privilegiados, o máximo ocorre exactamente nesse momento. Em Viana do Castelo e na costa do Minho, onde o eclipse começa mais cedo, o máximo tem lugar pelas 9h53, tal como em Lisboa e no Porto. Nos Açores, onde o eclipse se inicia pouco antes do nascer do Sol, o máximo regista-se uns minutos mais cedo. Na hora local, terá lugar às 8h42 em Ponta Delgada. No Funchal, que segue a hora do Continente, o máximo ocorre às 9h48. Todos estes momentos estão referidos à hora legal, que agora corresponde ao Tempo Universal somado em uma hora no Continente e Madeira, e equivale simplesmente ao Tempo Universal nos Açores. No entanto, as notícias internacionais que circulam sobre o eclipse e os dados fornecidos pelas instituições especializadas estão habitualmente referidos ao Tempo Universal (Greenwich), o que pode criar alguma confusão. Quem estiver a Norte, na faixa central, disporá de algum tempo para apreciar a fase anular do eclipse. Em Miranda do Douro, por exemplo, essa fase mantém-se durante uns quatro minutos. Mais perto dos limites, esse intervalo diminui. Quem estiver mesmo sobre o bordo, na chamada zona rasante («grazing»), verá o disco da Lua penetrar e logo largar o disco do Sol. Mas poderá apreciar um espectáculo diferente, pois estando o bordo da Lua alinhado com o bordo do Sol, as irregularidades do relevo lunar interpõem-se na zona de contacto e pode parecer que essa zona treme, com a luz do Sol a passar intermitentemente. A procura desse fenómeno é um dos motivos que levam alguns entusiastas a deslocar-se a Castelo Rodrigo e outras localidades situadas nesse limite. A maioria dos interessados, contudo, dirige-se a Trás-os-Montes, à zona privilegiada do eclipse. Em Argozelo, Vimioso, o Nuclio (www.nuclio.pt) organiza excursões, conferências e diversas actividades antes e durante o eclipse. Em Bragança, o Ciência Viva (www.cienciaviva.pt) organiza uma mesa-redonda no Teatro Municipal e observações nesse local e em escolas.
Fora da faixa central, o eclipse será também interessante. Além de ver a imagem do Sol recortada, o que se pode fazer usando métodos apropriados mas simples, é curioso observar a luminosidade da atmosfera, registar as reacções das pessoas e animais e ver a miríade de meias-luas que as copas das árvores projectam no solo. Este é um dos aspectos mais curiosos e inesperados dos eclipses. O que acontece é que os pequenos intervalos entre as folhas deixam passar estreitos feixes de luz que projectam imagens invertidas do disco solar. Com o vento, as folhas mexem e as imagens oscilam, mas não em pequenos círculos, como é usual, e sim em pequenos ânulos ou pequenas meias-luas. O eclipse de 3 de Outubro é o mais significativo que ocorre em Portugal Continental desde 1912. Mas convém ser realista quanto ao obscurecimento que se verificará. Na zona mais privilegiada a luminosidade reduz-se em 90%. Em zonas mais afastadas da faixa central, o obscurecimento será mais modesto. Os habitantes de Lisboa, por exemplo, verão a luz do dia reduzir-se em 80%. Após o momento de ocultação máxima do Sol, a Lua afasta-se pouco a pouco do alinhamento perfeito que nos proporciona o eclipse. Pelas 10h30 a atmosfera readquire as suas tonalidades normais e tudo parece ter passado, excepto para os entusiastas que seguirem com equipamento apropriado o desenrolar do fenómeno. O último contacto entre os bordos dos astros, com que a Lua se despede do Sol e o eclipse se encerra, ocorre cerca das 11h17. O grande eclipse de 2005 estará, então, terminado. Textos de uno Crato
Observar em segurança Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa Sempre que ocorre um eclipse há pessoas que sofrem lesões graves na retina. Tome cuidado e não olhe directamente para o Sol, muito menos através de instrumentos ópticos que concentram os raios solares. Os chamados vidros fumados e/ou escurecidos por fuligem também nada protegem. Claro que se pode observar o eclipse com binóculos e telescópios e se pode fotografá-lo, desde que se utilizem os filtros necessários. Terão de ser filtros profissionais, de vidro de soldadura ou de camadas de plástico aluminizado Mylar. Se não os tem não arrisque, não improvise filtros. O método de observação mais seguro e que permite uma observação colectiva é o da projecção. Faça um pequeno furo (1mm) numa cartolina e projecte a imagem do Sol através do furo numa superfície lisa e branca. Pode ainda usar espelhos e lentes de projecção, ou um óculo invertido, de forma a projectar uma imagem ampliada. Muita gente prefere usar óculos especiais (óculos de eclipse, de plástico aluminizado) ou um vidro de soldador (grau 12 a 14) e olhar directamente para o Sol. Este método também é seguro, mas não para observação prolongada.