Affonso Romano: A glória do autor é virar folclore



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Transcrição:

Affonso Romano: A glória do autor é virar folclore Com mais de 50 livros publicados, Affonso Romano de Sant Anna é uma das referências da literatura brasileira contemporânea. Agora mesmo, ele está saindo com mais duas obras: Que presente te dar? Crônicas de amor e outros afetos (Editora Leya) e Música popular e moderna poesia brasileira, pela editora Nova Alexandria. E é sobre essas duas obras que o autor fala com exclusividade nesta entrevista ao REPORTERPB. Em relação à primeira obra, revela que são crônicas mais lidas e reproduzidas pelos leitores. Textos que ganharam autonomia, que viraram folclore dos quais os autores se apossaram. Essa é a glória do autor, virar folclore. Numa fase da vida de fazer um balanço das coisas, lembra sua relação com Carlos Drummond de Andrade (a quem substituiu no Jornal do Brasil, em meados dos anos 80) e diz que a crônica de hoje virou uma geléia geral. Uma confusão entre cronista, colunista, comentarista, colunista social. Faz parte do pandemônio do que se chama academicamente pós modernidade. Sobre a segunda obra, explica que Música popular e moderna poesia brasileira faz um paralelo entre Noel Rosa e o Modernismo, entre o ufanismo dos anos 30 que aparecia na música e na poesia, entre a Geração 45 e o samba canção, entre a bossa-nova e a vanguarda. Sobre a poesia atual, inclusive, se queixa da confusão estabelecida. Como não há mais critica, não há parâmetros, e os mais espertos ocupam espaços. Segundo ele, qualquer coisa prosaica e chata é servida como poesia nos tempos de hoje. REPORTERPB - Você está lançando Música popular e moderna poesia brasileira, pela editora Nova Alexandria. Como as relações entre música e poesia são abordadas na obra? Affonso Romano de Sant Anna - Este é um livro, segundo a crítica, fundador, pois foi o primeiro estudo dentro da universidade, sobre música popular brasileira. A primeira edição é de 1977. Essa

tem várias adaptações. Tentei estabelecer um paralelo entre o que acontecia na historia da poesia e na história da música,criar uma periodologia. O livro aborda a dicotomia entre letra de música e poesia? Que tipo de abordagem é feito sobre esse assunto e qual sua opinião sobre essa polêmica do que é verdadeiramente poesia nas letras de música? Estabeleço um paralelo entre Noel Rosa e o Modernismo, entre o ufanismo dos anos 30 que aparecia na música e na poesia, entre a Geração 45 e o samba canção, entre a bossa-nova e a vanguarda, e aí estão as primeiras análise estruturais da obra de Chico Buarque e Caetano Veloso. Qual a sua avaliação da música que vem sendo feita hoje no Brasil? Não existe perspectiva de nada de novo nesta seara, a ponto de mudar conceitos e criar seguidores, como aconteceu com Bossa Nova, Jovem Guarda e Tropicália, entre outros movimentos? Minha análise vai até Os Secos se Molhados. Nesse livro está o primeiro texto teórico sobre a Tropicália, quando eu era redator de Jornal do Brasil, em 1968. Está o histórico encontro entre Chico, Gil e João Cabral, lá na Expoesia na PUC/Rio, 1973. Não trato do que sucedeu depois, quando mercado e música se misturaram perturbadoramente, E a moderna poesia brasileira, como vai? O que existe de realmente moderno na nossa poesia que possa mudar conceitos literários? Há uma confusão notável. Como não há mais critica, não há parâmetros, e os mais espertos ocupam espaços. Virou uma geléia geral, como diria o falecido Décio Pignatari. E perdeu-se a noção do que seja verso, qualquer coisa prosaica e chata é servida como poesia. Na literatura, de uma forma geral, não estamos muito reféns dos best-sellers americanos? O que fazer para mudar isso?

Exemplo da confusão e ambigüidade em que vivemos é a FLIP. É um signo duplo. É boa porque nos põe no circuito internacional. É má porque é um produto ambíguo da globalização. Os índios locais se sentem muito civilizados conversando com autores estrangeiros. Você também está lançando Que presente te dar? Crônicas de amor e outros afetos, que reúne textos publicados em jornais desde a década de 80 a meados dos anos 90. Fale um pouco sobre essa obra. São as crônicas mais lidas, reproduzidas e guardadas por leitores. Textos que ganharam autonomia, que viraram folclore dos quais os autores se apossaram. Essa é a glória do autor, virar folclore. Que temas são priorizados nas crônicas reunidas nesta obra? Temas afetivos: o amor, a amizade, a família, velhice, a maturidade, a beleza, enfim, temas imemoriais, caros à literatura. Você diz, em uma das crônicas, que envelhecer deveria ser como plainar. Que detalhes da velhice você diria que às vezes passam ignorados pelos comuns dos mortais? Estou numa fase da vida de dar um balanço nas coisas. Estou revendo inéditos dos anos 60, revendo meu quase diário, publicado em parte no Rascunho, dando um balanço na vida e na morte. Afinal, vi coisas de algum interesse. Estava em Moscou quando o comunismo acabou na minha frente, e assisti um concerto dos Beatles... e se eu contar minha vida debaixo de um pé de amora, enquanto eu conto você chora (ou ri)... Você foi contratado pelo Jornal do Brasil, nos anos 80, para substituir Carlos Drummond de Andrade, num tempo em que pontificavam grandes cronistas nas páginas de jornais. Como foi substituir uma das maiores referências na literatura brasileira? Foi um susto agradável. Segui meu rumo. Tive a preocupação de dar uma contribuição ao gênero crônica. Ao invés de um estilo monocórdico e alienado trouxe para a crônica a temática da

violência ( Nós os que matamos Tim Lopes ); em Perdidos na Toscana (crônicas sobre viagens) em A sedução da Palavra e A cegueira e o Saber (crônicas sobre o fazer artístico). Procuro diversificar. Ao contrário do que disseram alguns cronistas, a crônica não é mero divertimento. Como era a sua relação com Drummond e como ele recebeu o fato de você substituí-lo no JB? Tivemos uma relação próxima e respeitosa. Tenho muitas anotações sobre isto que sairão no meu quase diário. Ele não teve qualquer participação na minha indicação para o JB. Ao contrário, ele mantinha distância de qualquer autor, quando ele começava a crescer. Veja-se a relação complexa que tinha com João Cabral, que analiso num longo ensaio ainda inédito. Como você vê o espaço para a crônica hoje, na mídia impressa do Brasil? Virou uma geléia geral: uma confusão entre cronista, colunista, comentarista, colunista social. Faz parte do pandemônio do que se chama academicamente pós modernidade. E as novas ferramentas (blogues, sites e redes sociais) suprem a carência de leitura de boas crônicas? Informo que também tenho facebook, que substituiu o blog. Estamos num momento de metamorfose, espaço para muitos arrivistas e confusão genérica e de gêneros... Geralmente uma narrativa que segue ordem temporal, como tornar uma crônica atemporal? Tem dois tipos de intemporalidade: a conferida pelo leitor que copia, cola, guarda seu texto, porque o texto mexeu com a vida dele, e a intemporalidade acadêmica. Eu lido com as duas. Que cronista atual lhe empolga? Fernando Sabino costumava me telefonar para se queixar do estado em que andava a crônica hoje. E eu o ouvia...

Qual a crônica que você gostaria de ter escrito ou de escrever, ainda? Tenho dito que sou um escritor crônico. Estou plantado no tempo e no espaço, indagando Que país é este? e procurando me transcender. Como disse certa vez, literatura é a linguagem transverberada. (Entrevista publicada no REPORTERPB, em 17/06/2013)