CORPOS, GÊNEROS E SEXUALIDADES: ALGUMAS ANÁLISES SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES NEGRAS

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Transcrição:

CORPOS, GÊNEROS E SEXUALIDADES: ALGUMAS ANÁLISES SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES NEGRAS Isabel Cristina Baia da Silva 1 Vilma Nonato de Brício 2 Resumo: Este trabalho traz como tema corpos, gêneros e sexualidades por considerar relevante analisarmos como os discursos sobre os mesmos são produzidos em nossa sociedade por meio de relações de poder e constituem subjetividades. Buscamos compreender as ligações existentes entre tais discursos e a violência contra a mulher que nos últimos anos ficou mais evidente, bem como problematizar como os corpos femininos negros vêm sendo hiperssexualizados. Os principais aportes teóricos utilizados foram os seguintes: Scott (1995), Foucault (1996, 1988), Louro (2001), Hooks (2014) e Fonseca (2000). Com base nas ferramentas teórica e metodológica de Michel Foucault analisamos como as relações de poder operam dentro do sistema de significação. Palavras-chave: Gêneros. Sexualidades. Violências. Introdução Neste artigo apresentamos o tema Corpos, gêneros e sexualidades com base, principalmente, nas ferramentas teórica e metodológica de Michel Foucault. Consideramos relevante compreendermos as relações de poder presentes na sociedade que constroem verdades e subjetividades referentes à sexualidade e aos corpos negros femininos. Com a genealogia, Foucault passa a analisar como as relações de poder operam dentro do sistema de significação afirmando que: [...] em toda a sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade (FOUCAULT, 1996, p. 8-9). 1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Cidades, Territórios e identidades (PPGCITI - UFPA), sob orientação da Profª. Drª. Vilma Nonato de Brício; isabelbaia@yahoo.com.br. 2 Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Pará - UFPA; briciovn@gmail.com.

Pensar nos procedimentos de controle que silenciam as mulheres e produzem verdades é fundamental para buscarmos na descontinuidade da história possibilidades de transformação da realidade atual. O objetivo principal é analisar como os discursos referentes aos corpos negros femininos são constituídos como verdades e como eles se relacionam com a violência contra a mulher que nos últimos anos ficou mais evidente nos diversos meios de comunicação. Nossas reflexões apontam para necessidade de atentarmos para os dispositivos de controle sobre os corpos e a produção da hiperssexualização. Esta produção é uma discussão inicial da dissertação de mestrado que está em andamento. Entre os trabalhos que abordam a temática podemos citar Hooks (2014), Prado e Sanematsu (2017), Ferreira (2016) e Friederichs (2015). Este texto está dividido em duas seções. A primeira apresenta as relações entre corpos, gêneros e sexualidades e a segunda enfatiza os discursos e subjetivações: breve análise da violência contra a mulher negra. Corpos, gêneros e sexualidades As forças que se entrecruzam atuam sobre o corpo, reforçam o lugar e o comportamento pré-determinado para o gênero feminino e masculino, criando a cadeia de relações que temos. Então, torna-se necessário questionarmos a constituição histórica, social e cultural da oposição binária, visto que, nas discussões mais atuais o modo de demonstrar à naturalização que coloca em polos opostos a mulher e o homem em um contexto a-histórico apresentam sinais de fragilidade e não conseguem dar conta da complexidade e multiplicidade das manifestações de gênero. Segundo Joan Scott (1995, p. 86), [...] gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e [...] é uma forma primária de dar significado às relações de poder. Assim, para compreendermos as a constituição do ser mulher ou do ser homem precisamos levar em consideração aspectos sociais, culturais e discursivos que lhes conferem verdade e legitimidade, em um campo marcado por dinâmicas de poder. De acordo com essa concepção de gênero, não nascemos homens ou mulheres, mas nos constituímos naquilo que o meio social, cultural, econômico diz que somos, ou seja, somos construídos por outros sujeitos. Os corpos ganham sentido socialmente. A inscrição dos gêneros feminino ou masculino nos corpos é feita, sempre, no contexto de uma determinada cultura e, portanto, com marcas dessa cultura (LOURO, 2001, p. 11). Para

operarmos mudanças na determinação que nos é imposta é fundamental que ocorra resistência. A partir do exposto percebemos que os argumentos em torno da explicação biológica para determinação dos lugares e comportamentos considerados adequados para o gênero feminino e masculino, vêm ganhando outros contornos em que começam a serem discutidas as formas como essas características são construídas, ou seja, o que as legitima, permitindo uma melhor compreensão em torno da criação dessas diferenciações, para assim, desconstruirmos tais discursos aprendidos por via de diversos mecanismo que constroem verdades sobre os corpos e a sexualidade. A sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não à realidade subterrânea que se apreende com dificuldade, mas à grande rede da superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências, encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e de poder (FOUCAULT, 1988, p. 101). Foucault no livro História da sexualidade I: a vontade de saber é o regime de poder-saber-prazer que sustenta, entre nós, o discurso sobre a sexualidade. No período vitoriano a sexualidade reconhecida se limitava ao quarto dos pais, as outras eram consideradas ilegítimas e deveriam buscar lugares de tolerâncias. Essa suposta repressão a sexualidade é refutada pelo autor. Contudo, essa prática reconhecida convivia com outras invisibilizadas e que ainda hoje refletem na forma de pensar a sexualidade das mulheres, principalmente das mulheres negras. Enquanto os homens americanos idealizaram a natureza feminina branca, assaltavam sexualmente e brutalizavam as mulheres negras. O racismo foi sem expediente a única causa dos muito cruéis atos sádicos de violência perpetrados pelos homens brancos sobre as mulheres negras escravizadas (HOOKS, 2014, p. 25). Consideramos relevante fazermos uma análise histórica que nos permita perceber as continuidades e descontinuidades relacionadas à sexualidade e o corpo negro feminino, visto que os discursos precisam ser considerados por sua carga histórica. [...] os discursos precisam ser tratados como práticas descontínuas, que se cruzam por vezes, mas também se ignoram ou se excluem (FOUCAULT, 1996, p. 52-53). A descontinuidade da história nos possibilitaria a transformação do presente, buscando constituir novas subjetividades. Assim, em meio a relações de poder os discursos sobre sexualidade vão sendo constituídos como se todos a vivenciassem da mesma forma, buscando homogeneizar o campo dos prazeres. Porém, na prática se há relações de poder as resistências também estão presentes, mesmo que as dinâmicas de poder, por via de diversas instituições, tentem fixar um

padrão normativo. Precisamos pensar que relação os discursos relacionados à sexualidade estabelecem com a violência contra as mulheres. Discursos e subjetivações: breve análise da violência contra a mulher negra Após apresentar os aportes teóricos para compreensão de gênero e sexualidade, consideramos relevante problematizar a função que os discursos exercem na constituição de nossas subjetividades. Precisamos analisar os enunciados que vêm hiperssexualizando os corpos femininos, principalmente das mulheres negras, e como tais discursos ganham condição de verdade, servindo de justificativa para culpabilizar as próprias mulheres pelas violências físicas e psicológicas das quais são vítimas. Na página da ONU (Organização das Nações Unidas) Mulheres Brasil observamos que segundo pesquisa realizada em 2015, em 10 anos, o número de assassinatos de mulheres e meninas negras aumentou 54%, enquanto a taxa de assassinatos de mulheres brancas caiu 10% (ONU Mulheres, 2015). Sem tentar buscar resposta definitiva, é fundamental refletirmos se esses números retratam que a violência aumentou ou se as mulheres negras passaram a denunciar com mais frequência às agressões. O dado acima citado nos faz pensar na relevância da discussão referente à violência contra as mulheres, buscando analisar a questão a partir do processo histórico de constituição dos corpos femininos e na multiplicidade de possibilidades analíticas do objeto de pesquisa. O parágrafo 69 da Declaração e Programa de Ação adotados na III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas aponta para necessidade de investigar a violência contra as mulheres levando em consideração sua relação com as questões de gênero e raça. Estamos convencidos de que o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata revelam-se de maneira diferenciada para mulheres e meninas, e podem estar entre os fatores que levam a uma deterioração de sua condição de vida, à pobreza, à violência, às múltiplas formas de discriminação e à limitação ou negação de seus direitos humanos. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2001, p.15). Torna-se necessário repensamos como as subjetividades são forjadas dento de um processo de construção de discursos que criam a ideia de valorização da mulher negra 3 pautada na erotização de seus corpos, bem como, nos movimentos de resistências que possibilitam construirmos novos discursos que contemplem a liberdade em suas múltiplas possibilidades, entre elas na forma de vestir e circular nos espaços sociais, sem que isso seja visto como um convite. Em 2017, a matéria que circulou na mídia sobre o caso de um homem 3 A palavra negra foi, então, ressemantizada pelos mais diversos movimentos sociais dos afro-descendentes, termo que segundo Muniz Sodré passou a ser considerado politicamente correto (SODRÉ, apud ESTANISLAU, 2000, p. 218).

que ejaculou em duas mulheres no interior de um ônibus em Fortaleza-CE chamou atenção para a discussão da questão, sendo que apenas uma delas registrou boletim de ocorrência (G1 CEARÁ, 2017). A impunidade e o medo de denunciar ainda são constantes e dificultam o processo de mudança. É fundamental discutirmos racismo e sexismo, visto que não podemos compreender a violência contra a mulher fora do contexto das desigualdades atribuídas aos gêneros, bem como não podemos considerar a violência contra a mulher sem enfatizar que entre as mulheres negras a violência é mais acentuada. De acordo com Fonseca (2000, p. 94): Ainda quando se quer transgredir a tipificação do chamado homem de cor e ultrapassar os estereótipos negativos que configuram sua marginalização, as representações de negro tendem a cair nas armadilhas de justificativas ou na idealização de qualidades. A estética do atleta vigoroso ou da mulata exuberante e sensual serve bem a esse propósito. Partindo dessa perspectiva, notamos que os corpos femininos, em especial os negros, estão diretamente relacionados nos discursos como objeto de desejo e acabam servindo ao propósito de reforçar a mulher negra como amante e naturalizar a violência. Em nossas pesquisas iniciais destacamos alguns trabalhos pesquisados sobre a questão da violência contra as mulheres, entre eles: Prado e Sanematsu (2017), Ferreira (2016) e Friederichs (2015). A história, quando fala das mulheres, nos apresenta a mulher dessa forma, silenciando-as em seus múltiplos contextos e resistências. A visibilidade dada às mulheres, erotizando seus corpos, acabam servindo para marginalizá-las e por vezes servem de justificativa para a violência. Campanhas midiáticas perpetuam essa cultura, reforçando em seus enunciados a mulher hiperssexualizada, apresentando-as como objeto sexual. A título de exemplo temos as propagandas de cerveja que, em sua maioria, usam a imagem feminina para vender seus produtos, é o caso da propaganda de cerveja Itaipava que apresenta a imagem da modelo, atriz e bailarina Aline Riscado, associando o tamanho do silicone de seus seios com a quantidade de conteúdo da lata e da garrafa de cerveja, que o consumidor pode escolher, o texto ao lado da imagem diz faça sua escolha. Considerações Finais As reflexões apresentadas neste artigo apontam para a necessidade de maiores debates e mudanças nos discursos que constituem nossas subjetividades para que as transformações no modo de vivenciarmos as relações de gênero e a sexualidade possam ser pensadas em suas múltiplas possibilidades, não como uma verdade que fixa os modos de ser

mulher e ser homem, gerando relações conflituosas. A sexualidade é um dos principais pontos em que as relações de poder se concentram para manter, por via de diferentes mecanismos, o controle dos corpos. No contexto das relações de poder as resistências se apresentam e colocam em questionamento as verdades produzidas sobre os corpos e as sexualidades. A partir do exposto evidenciamos a necessidade de repensarmos a violência contra as mulheres que se apresentam cotidianamente, buscando compreender o que está envolvido nesse processo de construção de novos discursos. Portanto, os discursos precisam ser analisados por sua potencialidade na constituição das verdades e as possibilidades de transformação nas relações estabelecidas na sociedade. Que mulheres possam se vestir, circular por lugares diversos, trabalhar, fazer todas as coisas que tenha vontade sem que isso seja usado para justificar atitudes violentas seja no plano psicológico ou físico. Referências ESTANISLAU, Lídia Avelar. Feminismo Plural: negras no Brasil. In: FONSECA, Maria Nazareth Soares (org.). Brasil afro-brasileiro. Belo horizonte: Autêntica, 2000. FERREIRA, Paula Pulgrossi. Violência contra a mulher: atravessamentos pela juventude e escola. Dissertação (Mestrado) Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas, 2016. FONSECA, Maria Nazareth Soares. Visibilidade e Ocultação da diferença: imagens do negro na cultura brasileira. In: FONSECA, Maria Nazareth Soares (org.). Brasil afro-brasileiro. Belo horizonte: Autêntica, 2000. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Tradução: Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Edições Loyola, 1996. FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Tradução Maria Thereza da Costa Albuquerque; J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro, Edições Graal, 13ª edição, 1988. FRIEDERICHS, Marta Cristina. Quanto mais quente melhor: corpos femininos nas telas do cinema. Tese (Doutorado) Programa de Pós-Graduação em educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2017. HOOKS, Bell. Não sou eu uma mulher. Mulheres negras e feminismo. 1ª edição 1981. Tradução livre para a Plataforma Gueto. Janeiro 2014. G1 CEARÁ. Polícia analisa material genético em roupa de mulher que sofreu ejaculação em ônibus em Fortaleza. G1, 2017. Disponível em: <http://g1.globo.com/ceara/noticias/policia-analisa-material-genetico-em-roupa-de-mulherque-sofreu-ejaculacao-em-onibus-em-fortaleza.ghtml>. Acesso em: 15 de fevereiro de 2018.

LOURO, Guacira Lopes. O Corpo Educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. ONU Mulheres. Mapa da Violência de 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil. Brasília, DF, 20015. Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/mapaviolencia2015 mulheres.pdf. Acesso em: 21 de março de 2018. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração e plano de ação da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerâncias Correlatas. Durban, África do Sul, setembro de 2001. Disponível em: <http://www.un.org>. Acesso em: 25 de fevereiro de 2018. PRADO, Débora; SANEMATSU, Marisa (orgs.). Feminicídio: #InvisibilidadeMata. São Paulo: Instituto Patrícia Galvão, 2017. SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, Porto Alegre: FACED/UFRGS, v. 20, n. 2, jul./dez., 1995.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG Catalogação na Publicação: Bibliotecária Simone Godinho Maisonave CRB -10/1733 S471a Seminário Corpo, Gênero e Sexualidade (7. : 2018 : Rio Grande, RS) Anais eletrônicos do VII Seminário Corpo, Gênero e Sexualidade, do III Seminário Internacional Corpo, Gênero e Sexualidade e do III Luso-Brasileiro Educação em Sexualidade, Gênero, Saúde e Sustentabilidade [recurso eletrônico] / organizadoras, Paula Regina Costa Ribeiro... [et al.] Rio Grande : Ed. da FURG, 2018. PDF Disponível em: http://www.7seminario.furg.br/ http://www.seminariocorpogenerosexualidade.furg.br/ ISBN:978-85-7566-547-3 1. Educação sexual - Seminário 2. Corpo. 3. Gênero 4. Sexualidade I. Ribeiro, Paula Regina Costa, org. [et al.] II. Título III. Título: III Seminário Internacional Corpo, Gênero e Sexualidade. IV.Título: III Luso-Brasileiro Educação em Sexualidade, Gênero, Saúde e Sustentabilidade. CDU 37:613.88 Capa e Projeto Gráfico: Thomas Aguiar Diagramação: Thomas Aguiar