Indicadores Qualitativos & Sustentabilidade: Geração de renda, identidades & território 1 Alicia Ferreira Gonçalves Orientadora PIBIC (UFPB) Nedja Carvalho Lopes - Bolsista PIBIC (UFPB) Flávio de Melo Luna (AGEMTE). O trabalho focaliza o mapeamento dos indicadores qualitativos de sustentabilidade (GONÇALVES, 2009) em assentamentos rurais na Zona da Mata Norte do estado da Paraíba em parceria com a AGEMTE. Os supracitados indicadores nos revelam as dimensões centrais consideradas pelos agricultor@s como fundamentais para a sustentabilidade socioeconômica e ambiental de seus empreendimentos: 1) Domínio do ciclo produtivo e arranjos produtivos locais organizados em rede; 2) Estilo da liderança local; 3) Acesso às tecnologias de comunicação, hídricas, produtivas e energéticas; 4) Transição agroecológica; 5) Identificação com o território e com a agricultura de base familiar; 6) Organização política e capacidade de articulação (em rede) do assentamento: 7 ) Gênero e Geração; 8) Acesso à rede pública de ensino. A metodologia aplicada envolveu a análise etnográfica de dados fornecidos pela AGEMTE. Palavras-chaves: Indicadores qualitativos; Agricultores Familiares: Renda, Identidade e Território. 1. INTRODUÇÃO O lançamento do Programa Brasil Sem Miséria no dia 23 de julho de 2011 em rede nacional anunciou como um dos seus eixos a geração de renda via economia solidária tendo como foco 16 milhões de pessoas vivendo em estado de pobreza extrema, pessoas cuja renda familiar, dividida entre os integrantes, é igual ou menor que R$70 mensais por pessoa. Na região semiárida são vinte e cinco milhões de pessoas que vivem da agricultura familiar e pequenos comércios distribuídos em um território de 900 mil km suscetível à desertificação. Nesta perspectiva o problema que inspira este projeto é o enfrentamento à pobreza no universo rural no Estado da Paraíba, particularmente no Polo da Borborema mediante políticas de microfinanças solidárias, dentre estas, os Fundos Rotativos Solidários (FRS), que se configuram como políticas de 1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN.
desenvolvimento territorial (SANTOS Filhos & GONÇALVES, 2011). Segundo Duque e Oliveira (2007, p.1), a supracitada política, baseia-se na cooperação dos atores envolvidos, a partir dos laços sociais de solidariedade, confiança e reciprocidade entre eles estabelecidos. Os recursos circulam na própria comunidade e a reposição desses fundos obedece a uma lógica da solidariedade baseada nas regras tradicionais de reciprocidade, que levam qualquer agricultor a compartilhar água de beber porque no sertão, água não se nega ou ainda criar seus animais em áreas de pastagens comuns, os fundos de pasto. Neste sentido, o problema acima referido nos remete diretamente às análises sobre a política fundiária do Estado (MOREIRA E TARGINO, 2007), a formação dos assentamentos rurais (MOREIRA, 1997), as novas configurações identitárias do mundo rural, interfaces entre rural e urbano, ás novas estratégias de combate à pobreza, incremento da agricultura familiar e desenvolvimento dos territórios (ABRAMOVAY, 2000), a partir dos laços de reciprocidade. Argumentos que a política dos Fundos acompanha as tendências políticas atuais com a criação da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) de nortear suas políticas com enfoque territorial principalmente àquelas direcionadas ao mundo rural. Deste modo, as questões subjacentes ao projeto são: Quais ações estão sendo realizadas e financiadas por meio do FRS? Quais os efeitos dessa política na vida cotidiana dos agricultores em termos de incremento da renda? Quais os efeitos intangíveis, incomensuráveis que podemos identificar a partir da supracitada política de microfinanças solidárias? Quais os efeitos na (cadeia produtiva) produção e comercialização agrícola? Quais as contribuições na construção de uma cultura agroecológica no território? Quais as ligações entre o laço social e as estratégias de enfrentamento à pobreza? 2. METODOLOGIA O trabalho dispõe de uma metodologia que é inspirada na abordagem etnográfica, que envolve a pesquisa de campo, os desvendar dos significados atribuídos ao processo sob investigação e a apreensão do (s) ponto (os) de vista nativo (os) como fundamental na análise. Em consonância com esta metodologia, os procedimentos metodológicos são: 1. Revisão bibliográfica e fichamentos dos textos relativos às temáticas em foco; 2. Compilação de documentos institucionais sobre os os empreendimentos financiados
para identificar os objetos, o desenho e a metodologia da política da perspectiva institucional e das entidades, através da realização de entrevistas qualitativas com os sujeitos da pesquisa, (AGEMTE, STR, agricultores e as suas lideranças, entidade, associações), procurando apreender as representações sociais sobre as ações financiadas e seus efeitos na vida cotidiana das famílias de agricultores; 3. Registros visuais e realização de grupo focal. Considerando a importância desta metodologia para o processo de entrada e análise do campo e de seus respectivos sujeitos. Para além da geração de renda, o projeto visa à difusão de uma cultura agroecológica no território, a melhoria na dieta alimentar das famílias e a ressignificação das identidades. As supracitadas pesquisas estão vinculadas ao grupo de Pesquisa Cotidiano (UFPB), Etnografias do Capitalismo (UNICAMP) e do Grupo Interdisciplinar em Cultura, Ambiente e Sociedade (UFPB). 3. RESULTADO E DISCUSSÃO Espera-se obter como resultado o mapeamento dos indicadores de sustentabilidade dos empreendimentos econômicos de territórios rurais situados na Zona da Mata Norte da Paraíba. Os supracitados indicadores revelam as dimensões centrais da vida dos agricultor@es de base familiar em termos de agregação na renda, fortalecimento das identidades referidas à agricultura familiar de base agroecológica e desenvolvimento do território. Ademais fornecem subsídios qualitativos para o desenho e aperfeiçoamento de políticas públicas rurais a partir do ponto de vista do (os) e com os sujeitos sociais, neste caso, pretende-se realizar um exercício hermenêutico que remete à fusão de horizontes nos termos em que concebe Cardoso de Oliveira (2006). O foco empírico são três assentamentos na cidade de Cruz do Espírito Santo junto a ONG AGEMTE que generosamente fez parceria com o Projeto. ONG AGEMTE Apresentação A AGEMTE Assessoria de Grupo Especializada Multidisciplinar em Tecnologia e Extensão é uma Organização Não Governamental, fundada em 23 de Janeiro de 1992, e, em parceria com as representações da sociedade civil organizada, tem por objetivo promover o desenvolvimento com sustentabilidade e a educação ambiental visando a geração de emprego e renda, além da saúde comunitária e o desenvolvimento humano,
enfocando a responsabilidade social através da educação popular adotando o referencial da Teoria da Complexidade (Edgar Morin). ASSENTAMENTOS INDICADORES INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE Assentamento Assentamento Boa Vista Rainha dos Anjos Assentamento Santana II Domínio da cadeia produtiva e potencialização de arranjos produtivos locais articulados em rede 19% comercializa para atravessadores e 22% para as usinas 44% dos produtores comercializa por meio dos atravessadores 50% dos entrevistados comercializam para atravessadores Organização política do grupo e organização do trabalho articulado em redes Presença do Associativismo. Possui uma Associação, tendo 40 a 50% da participação dos associados nas reuniões e assembleias Presença do Associativismo. Possui uma Associação, tendo uma participação regular dos associados. Presença do Associativismo. Não possui Associação, fazem uso de assembleias e reuniões extraordinárias, tendo uma boa participação dos assentados nestas. Acesso às tecnologias hídricas, energéticas e produtivas (agroecologia) O assentamento possui energia elétrica, abrangendo todas as residências. Faz uso de máquinas em sua produção, compondo esse material um trator (com grade hidráulica), leroadeira e carroção. Há dois poços artesianos localizados nas escolas O assentamento possui energia elétrica, com fornecimento monofásico (processo de fornecimento simples, chegando no máximo de 8000 watts), tem acesso à internet, esta porém, com sinal muito fraco. Não possui nenhum tipo de máquina. Há dois poços artesianos que suprem adequadamente as necessidades das famílias. O assentamento possui energia elétrica, com fornecimento monofásico (processo de fornecimento simples, chegando no máximo de 8000 watts), que dificulta a utilização de motores elétricos para irrigação. Não possui nenhum tipo de máquina, nem poços artesianos Institucionalidade PAA, PNAE; Foi identificado em documentos da assistência técnica o número de 5 contratos para o PAA e 2 contratos para o PNAE elaborados pela AGEMTE no No ano de 2012 foram elaborados pela AGEMTE o número de 1 contrato para o PAA beneficiando 26 assentados, e 1 contrato individual para o PNAE O assentamento não possui nenhuma participação em programas governamentais como o PAA e o PNAE
ano de 2012 Acesso à rede pública de ensino; Transição agroecológica Possui duas escolas públicas: uma estadual (com três salas), que atende cerca de 135 alunos da área e regiões vizinhas (Santa Helena, Cobé, Cuité e Massangana); e uma municipal que atende cerca de 90 crianças apenas do assentamento. Na produção o agrotóxico ainda é muito utilizado, inclusive sem cuidados, o que acarreta na contaminação da água e do solo. Possui duas escolas públicas de ensino fundamental (1ª fase), estando uma em situação precária de conservação Na produção o agrotóxico ainda é muito utilizado, constatando que 33% dos assentados fazem uso do mesmo. Possui uma escola pública que oferece ensino fundamental, apenas pela manhã. Para acessar uma escola de nível médio os alunos precisam se deslocar até a cidade de Cruz do Espírito Santo Na produção o agrotóxico ainda é muito utilizado, inclusive sem cuidados, o que acarreta na contaminação da água e do solo. 4. Considerações O mapeamento e análise dos indicadores dos três assentamentos nos revelam que precisamos refinar os instrumentos de pesquisa para estabelecer o tipo ideal de sustentabilidade que almejamos para os territórios da perspectiva dos agricultor@s de base familiar. Por exemplo, no caso da transição agroecológica, 100% dos empreendimentos produzindo sem agrotóxico e fertilizantes químicos, seria o tipo ideal? Para responder essa questão precisamos afinar nossos horizontes acadêmicos com os horizontes dos agricultores e suas famílias que vivem cotidianamente na belíssima paisagem da Zona da Mata Norte do estado da Paraíba. 5. REFÊNCIAS ABRAMOVAY, Ricardo. Finanças de proximidade e desenvolvimento territorial no semiárido brasileiro. In: COSSÍO, Mauricio Blanco (Org). Estrutura Agrária Mercado de Trabalho e Pobreza Rural no Brasil. 2003. GARCIA, Lorely Gomes (Coord.). Família como armadilha: a busca de fissuras no cotidiano das mulheres rurais nos Cariris paraibanos. João Pessoa: Editora Universitária, 2011. GONÇALVES, Alicia Ferreira. Experiências em economia e seus múltiplos sentidos. Revista Katálysis, 2008, v.11, n1. P132-142. Políticas Públicas, etnografia e a construção de indicadores sócio-culturais. Revista Avaliação de Políticas Públicas, Fortaleza, v.1, pp. 1-17, 2009.
LANNA, Marcos. A dívida divina. Troca e Patronagem no Nordeste Brasileiro. Campinas: Editora da Unicamp, 1995. LECHAT, Noëlle. Trajetórias intelectuais e o campo da economia solidária no Brasil. Tese de Doutorado em Ciências Sociais, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp, Campinas, 2004. MARTINS, Paulo Henrique (org.). A dádiva entre os modernos. Discussão sobre os fundamentos e as regras do social. Rio de Janeiro: Vozes, 2002. TEMPLE, Dominique. As origens antropológicas da reciprocidade. Disponível em: <http://www.jornaldomauss.org>. Consulta em 28 set 2013. SANTOS FILHO; GONÇALVES, Alicia. Fundos Rotativos Solidários: Dilema na gestão de recursos públicos por comunidades rurais no Nordeste do Brasil. Recife, Gestão Pública: práticas e desafios, vol.2, n4, 2011. P.104-123. WOORTMANN, Klaas. Com parente não se neguceia. O campesinato como ordem moral. Brasília, Anuário antropológico. Vol.87, p. 11-73. 1990