O filme em sala de aula: como usar



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Transcrição:

O filme em sala de aula: como usar Larissa Almeida Freire e Ana Luiza Caribé 1. Introdução A utilização das novas tecnologias em sala de aula, como suporte para se transmitir conhecimento aos alunos, está muito em voga nas discussões pedagógicas atuais. E é sobre essa base que este artigo se estabelece, mas com algumas questões específicas. Dentre as novas tecnologias, abordaremos o cinema, ou melhor, a reprodução dos filmes como fonte de análise e discussão em sala de aula e sua utilização no estudo da História. Existem motivos muito claros para a escolha do tema O cinema na prática do ensino da História. O primeiro é que, desde o surgimento da sétima arte, são inúmeras as películas que trazem como temática um acontecimento histórico. Algumas vezes como mero pano de fundo para contar uma estória (em sua maioria de amor) como em Doutor Jivago (David Lean, 1965); em outras, todo o enredo está direcionado para relatar a História propriamente dita, podendo ser não-ficcional (documentários) ou pura ficção ( Terra e Liberdade, Ken Loach, 1995). O segundo ponto é que, como graduandas em História na Ufba e há um ano participantes da 1 e desenvolvendo trabalhos nessa área, resolvemos por parte das nossas análises sobre o assunto nesse artigo. É importante ressaltar, no entanto, que não é só com a História que o cinema mantém relação, nem é essa a única tecnologia a qual deve ser utilizada em sala de aula. Muito pelo contrário, o filme é apenas um recurso num universo que vem crescendo e se desenvolvendo tanto quanto o mundo tecnológico e que deve ser aproveitado de forma intensa pelos educadores. Só que essa utilização 1 Núcleo da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA que se dedica ao estudo da relação entre as representações imagéticas e a história, fundado pelo professor Dr. Jorge Nóvoa. 1

deve ser diferente da que vem acontecendo atualmente. Os elementos eletrônicos devem servir para elevar o interesse dos alunos pelas aulas, além de torná-los pessoas mais críticas no meio que os cerca. 2. As novas tecnologias Durante muito tempo, o mundo do ensino teve seu pilar de sustentação na transmissão oral e escrita do conhecimento, sendo o mundo das imagens algo alheio e por que não dizer -- abominável à sua realidade. A escrita firmou-se -- a partir das idéias positivistas cristalizadas no século XIX -- como receptáculo legítimo e inquestionável do saber. Ao professor, coube o papel solitário e igualmente incontestável de propagador das informações. Do aluno, pode-se dizer tratar-se do espectador passivo, sem participação na construção desse conhecimento. Nas últimas décadas, tem-se observado uma modificação nestes parâmetros de ensino, cuja motivação encontra-se, principalmente, no advento de novos meios de comunicação que se inseriram ativamente no cotidiano da sociedade moderna, implicando numa mudança não apenas comportamental, mas de ações como um todo. Uma dessas ações encontra-se na inserção dessas novas tecnologias nas salas de aula. Processo crescente, a utilização da linguagem audiovisual no ensino suscita discussões incessantes. A principal delas se organiza em torno da utilização crítica das imagens e sua validade no processo de aprendizado. A televisão, Internet e o cinema, meios de comunicação e entretenimento com consumo cada vez mais intenso, motivam críticas e debates sobre o uso mais correto dessas informações, difundidas num ritmo cada vez mais frenético. É inegável o valor da linguagem imagética nos processos de aprendizagem atuais. O investimento cada vez maior no aprimoramento das produções 2

cinematográficas e televisivas, sem falar nas inovações constantes no campo da informática (sites de pesquisa na internet, cd-roms, etc), fazem do audiovisual um auxiliar poderoso ao ensino. O aluno não se vê mais como mero coadjuvante no binômio transmissão-recepção de conhecimento. Agora ele pode estabelecer, junto com o professor, uma relação entre o que vê e o que ouve. Entretanto não é uma realidade tão abrangente como aparenta. O uso das novas mídias ainda é um fenômeno em desenvolvimento. Há um certo receio em fazê-las presentes nas escolas e universidades, em parte pelo apego excessivo a métodos tradicionais já citados anteriormente. A escrita, principalmente, ainda possui um valor como documento superior muitas vezes à transmissão oral ou ao uso da fotografia. Além disso, há a questão do que é veiculado pela mídia e do conteúdo ideológico da programação, ou seja, ainda se considera como nocivo e extremamente ineficaz o uso do audiovisual em sala de aula por não se ver nele um auxiliar construtivo no processo educacional, já que, no pensamento geral, não há nada aproveitável na programação diária dos meios de comunicação. Dessa forma, observamos um uso restrito e, na maioria das vezes, equivocado dos meios audiovisuais. O vídeo, o filme ou o cd-rom acabam se tornando instrumentos de transmissão mecânica do saber, desprovidos de análise crítica, o que acaba servindo a um propósito contrário ao projeto primordial da inserção da linguagem imagética em sala de aula. Como afirma Nelson de Luca Pretto (1996, p.): obrigar o audiovisual cinema, vídeo, televisão e, agora, as multimídias a entrar à força nas categorias preexistentes da educação é o mesmo que não utilizá-lo. O conteúdo termina por tornar-se inútil, visto que a informação é somente fixada sem provocar o questionamento ou motivar a pesquisa. A função do audiovisual não é agir como mero suporte na transmissão tradicional do saber. É preciso pensar os meios de comunicação como fonte válida de pesquisa, auxiliar importante da investigação científica. Desconsiderá-los é subestimar seu valor informativo e, por que não, pedagógico. Um erro tão fatal 3

quanto confiar em uma possível neutralidade dos mesmos e deles fazer uso sem considerações críticas. 3. Relação História-Imagem. A relação história-imagem existe desde o momento em que os homens começam a se utilizar de desenhos para preservar e contar sua trajetória. Essa realidade não se modificou até hoje. Sempre que desejamos nos lembrar de algo, quando lemos um livro ou ouvimos uma estória, as imagens mentais são formadas. Nós estamos acostumados a encarar o mundo através das imagens, e hoje em dia ainda mais, já que este vem se tornando, a cada dia que passa, muito mais visual do que nunca antes imaginado. No entanto, apesar desse costume, a utilização das imagens como forma de se enxergar a História é muito recente. Isso por que desde a aceitação da mesma como ciência, no século XIX, época auge do cientificismo, para que algo fosse considerado como verdade deveria estar baseado em fontes confiáveis e imparciais como só os documentos escritos poderiam ser. Desse momento em diante, até mais ou menos o fim segunda grande guerra, deu-se privilégio a história dos grandes líderes (ou seja, história política), com uma visão linear e um papel de deus para as fontes escritas. Com o surgimento da Escola dos Annales, esse panorama começa a ser modificado. São abertos novos campos para estudos historiográficos como a economia, a cultura etc., mas ainda com base no material escrito. A inclusão de novas visões sobre esses materiais provocaram uma mudança na concepção dos mesmos que deixaram o estatuto de deuses e passaram a ser vistos como falíveis, com uma visão limitada do processo o qual representam, sendo escritos 4

apenas por uma das partes presentes no conflito 2 e tendo, por isso, um excessivo grau de parcialidade. Só no final da década de setenta é que o historiador francês Marc Ferro começa a pensar as imagens, mais especificamente o cinema, como fonte possível para estudos historiográficos, já que, por se tratar de uma produção do homem e que freqüentemente se utiliza da história como fonte de inspiração, merece ser analisado pela ciência que tem como ponto principal as ações humanas em um processo de desenvolvimento contínuo: a História. Além disso, desde o surgimento dessa arte, como já se afirmou, não são poucas as películas que se apossaram de fatos históricos para contar suas estórias. Desde então a discussão sobre a possibilidade ou não da utilização dos filmes como fonte para o trabalho do historiador vem crescendo e, apesar de alguns ainda não aceitarem essa técnica, vem aumentando o número de pesquisadores que têm em seus trabalhos fontes e natureza fílmica. Mas é necessário se fazer algumas ressalvas sobre essa nova fonte histórica. No cinema, torna-se impossível tratar todos os aspectos dos acontecimentos históricos. Se assim fosse feito, além de tornar as películas imensas, faria com que o espectador se perdesse, já que não haveria linearidade no filme, sem atingir com isso sua questão fundamental, a de entretenimento do espectador. No entanto esse não é um ponto que impede a utilização do mesmo na historiografia, é apenas uma limitação com a qual o historiador terá de lidar 3. Outra questão importante é que, durante esse artigo, o filme ao qual nos referiremos é o considerado filme histórico, o que tem como base central um acontecimento histórico em seu roteiro, seja ele ficcional ou não. Uma última ressalva consiste em que, ainda que todo filme seja representativo da realidade em que é produzido, o tipo de filme ao qual nos referimos trata de realidades específicas, de maior relevância por tratar de 2 Conflito aqui tem o sentido de movimento, já que a história é feita de movimentos e de confrontamento de pessoas. 3 Até porque todas as fontes possuem suas limitações tanto as escritas, quanto as orais e, como não poderia deixar de ser, as fílmicas. 5

assuntos referentes aos temas abordados em sala de aula. Assim trata-se não de excluir os primeiros, mas de privilegiar os últimos. 4. O filme em sala de aula. - Por que levar? Se faz necessário discutir certos pontos antes de se expor os motivos pelos quais o filme deve ser trabalhado em sala de aula. Existe uma questão primordial a ser analisada quando se pensa numa película histórica, a saber, épocas que o filme evoca. Uma produção cinematográfica refere-se a mais tempos do que aquele representado na tela em primeiro plano. Ao contrário do que se possa imaginar, o filme representa tanto o passado quanto o presente, estando estes dois momentos ocorrendo num processo simultâneo. De que maneira: como pensamento contemporâneo sobre o passado, o filme sempre terá, de forma expressiva, o reflexo das idéias do tempo ao qual pertence. Significa dizer que a película utiliza-se da história contada para transmitir, de forma subliminar, conceitos e verdades presentes no momento de sua produção. Um bom exemplo disso está contido no filme Gladiador (Ridley Scott, 1999), no qual pode-se fazer comparações entre a corrupção no estado romano antigo e a situação dos Estados Unidos atual 4. Outra visão que se precisa ter do filme histórico é o relato sobre o passado o qual ele apresenta. Como todos os outros tipos de fonte, uma obra filmográfica também se propõe a dar um olhar novo acerca de um acontecimento anterior e, por conseqüência, emitir opiniões e novas análises do fato em questão. Assim sendo, esta é uma fonte parcial como todas as fontes o são, pois apresentam o 4 Caso Mônica Lewinski e Bill Clinton que estava muito em voga no momento de produção da obra filmográfica. In: N VOA, Jorge. Imagens, imaginário e representações da história a partir do filme Gladiador. 6

ponto de vista de um determinado lado. No entanto, é importante ressaltar que um filme, como fonte para a análise historiográfica, é limitado pela necessidade de linearidade do roteiro. Isso significa que nem todos os aspectos da história serão analisados. Afinal, não cabe ao diretor assumir o papel de historiador, já que, antes de tudo, a função do cinema continua sendo o entretenimento dos espectadores. Mesmo as películas mais conceituais ainda têm essa como sua maior função. Acrescente-se aos posicionamentos anteriores o ponto de vista daquele que assiste ao filme. Mesmo que sem perceber, o espectador está sempre fazendo associações com seu espaço-tempo, ou seja, os acontecimentos do seu cotidiano influenciam sua percepção da obra e, assim, se estabelece um diálogo entre quem assiste e a realidade da tela. Depois de analisados estes três pontos de vista, torna-se cada vez mais claro qual a importância de se levar para a sala de aula o recurso audiovisual. Ao confrontar essas três análises, se estabelece uma relação dialógica na qual o aluno sente-se participante no processo de construção dos seus valores e do seu aprendizado, na medida em que o próprio estudante consegue perceber as relações entre o que está assistindo e sua própria vivência. Além disso, não se pode esquecer o caráter de ludicidade presente na experiência cinematográfica, pois o cinema é e sempre será um meio atrativo na transmissão de conhecimento, capaz de prender a atenção do espectador/aprendiz. 7

- Como levar? Um erro comum que vem ocorrendo ao se utilizar o audiovisual nas escolas é o de fazer do filme apenas uma ilustração, muitas vezes vazia de sentido prático, para as aulas tradicionais. Pergunta-se então: que acréscimo trará tal hábito para o ensino da história, de qualquer outra disciplina e para a consciência crítica dos alunos? Respondemos: nenhum. É inegável a praticidade desses métodos na diminuição do trabalho do professor. É um artifício muito utilizado o de projetar o filme e deixar a cargo dos próprios alunos a análise dos mesmos. Isto elimina completamente a qualiddae dialética da imagem em sala de aula. A função do educador reside justamente na orientação da discussão. Ao professor cabe a tarefa de esclarecer o que está obscuro no roteiro, preenchendo os espaços deixados intencionalmente ou não pelos realizadores da película. É dessa forma que os educandos vão estabelecendo relações entre o que está sendo visto e o que vivem. A sugestão que apresentamos é que, antes da projeção, haja uma aula introdutória para que os alunos tomem conhecimento da realidade apresentada na produção. Não está se exigindo que se delimite um número de aulas. O mais recomendável é que depois do tema ter sido trabalhado em sala de aula, o filme seja projetado. Afinal, de nada adiantará uma discussão na qual os envolvidos não tenham nenhuma intimidade com o assunto em debate. Após a exibição, terá início a discussão. O papel do professor será estimulara criticidade do aluno, levantando ou solicitando o levantamento de questões referentes ao tema. Isto não deve aparentar uma imposição de um detentor do saber, alguém que possui todas as informações e é o maior conhecedor do assunto. O professor também é um espectador e deve se portar como tal, ou seja, aberto a novas visões sobre o que assistiu. 8

Não se deseja aqui estabelecer o audiovisual como recurso definitivo e incontestável para a transmissão do conhecimento. Nem que o estudo da história pode ou deve ser baseado unicamente nessa perspectiva. São muitos os recursos a serem explorados que merecem tanta atenção quanto o audiovisual. Não foi nossa intenção também fornecer um modelo-padrão de trabalho. Cada um conhece a melhor maneira de desenvolver o seu trabalho, tendo assim todo o direito de modificar a estrutura de apresentação do filme. 5. Os cuidados necessários na utilização dos filmes em sala de aula. É preciso deixar claro que em nenhum momento estamos pregando a necessidade do professor de história se tornar um especialista em cinema para se utilizar do mesmo em sua prática profissional, apesar de se fazer necessário um conhecimento sobre a área par se melhor explorar o mundo de informações presentes na sétima arte, não é esse o objetivo dessa nova prática de ensino. O que se está pretendendo é modificar a estruturação das aulas de história, tanto nas escolas quanto na universidade, deixando um pouco de lado a velha postura do professor detentor de todos os saberes e do aluno receptor passivo para uma formulação em que o diálogo entre esses dois grupos venha gerar o conhecimento sem que um prevaleça sobre o outro. Outra questão importante é que não se pode querer basear todo um curso apenas neste recurso das novas tecnologias (a não ser que se trate de um curso específico). Como já foi dito anteriormente, o filme não consegue abordar todos os aspectos necessários para se entender o processo histórico como um todo (o que não consiste numa impossibilidade de utilização, apenas uma limitação, como todas as fontes possuem), por essa razão não se pode ainda utilizá-lo de forma isolada das outras técnicas, tanto as novas, como internet, cd-roms e etc., como dos antigos quadros negros e livros, além obviamente do professor. Além do 9

que, já que se pretende formar pessoas com a capacidade de pensar o mundo de uma nova forma, é sempre bom que se tenha contato com materiais e técnicas diferentes, pois essa diversidade é muito boa para criar a consciência da importância de se manter contato com todos os tipos de manifestações do pensamento humano, sem que nenhuma delas seja superior a outra, para não se cair novamente no erro cometido anteriormente da fetichização de um tipo específico de fonte. Para finalizar, é sempre bom lembrar que não é nosso objetivo tornar obrigatória a utilização do filme ou qualquer outra nova tecnologia, em sala de aula, muito pelo contrário, o que se deseja é criar espaço para a discussão sobre o tema. A aceitação ou não desses novos paradigmas da educação pelos professores é uma questão particular, mas, em pouco tempo, (e esse é o nosso desejo) quem não estiver adaptado às novas tecnologias tende a se perder no tempo, já que, a cada dia que passa, elas fazem mais parte do cotidiano mundial, e tornando assim inseparável do processo ensino-aprendizagem. 6. Conclusão. A utilização do cinema no ensino da história corresponde a uma tendência bastante crescente ainda que freqüentemente combatida nos meios historiográficos. O filme, enquanto testemunho de seu tempo e do tempo ao qual se reporta, pode ser visto como um documento de grande importância na análise histórica, tanto pelo seu valor enquanto registro de época(s), quanto pelo seu caráter pedagógico. Assim, a análise aqui empreendida buscou, primordialmente, afirmar o cinema e, em particular, o filme histórico, como documento válido e necessário no 10

entendimento de acontecimentos passados do qual não raras vezes a indústria cinematográfica se ocupa. É dessa forma que a história passa a ocupar o centro de discussão da sociedade, de forma mais abrangente, do público jovem consumidor que também ocupa os estabelecimentos de ensino. É nesse momento que o papel do professor se mostra imprescindível na qualidade de mediador do processo de captação da mensagem pelo aluno. Ao educador cabe o papel de exercitar a consciência crítica dessa parcela de espectadores que faz uso não apenas do cinema, mas das mídias como um todo. Todavia não é função do audiovisual desvincular o espectador/usuário de sua realidade, tornando as (multi) mídias um instrumento de escapismo dentro do universo caótico no qual está inserida a sociedade atual. Pelo contrário, é necessário fazer da experiência com o audiovisual um exercício de capacidade crítica, através do qual o aluno possa estabelecer uma relação entre o transmitido na tela e o mundo ao seu redor. Nas palavras de Nelson Pretto (1996, p.2): Uma nova política econômica e social precisa ser gestada para a diminuição dessas discrepâncias. Nessa nova política, um novo sistema educativo e aí também uma nova escola tem de ser estruturado. Estruturado em outras bases. Uma dessas bases é, sem dúvida, a utilização das novas tecnologias de maneira racional e construtiva. E cabe ao historiador/educador auxiliar o educando neste processo. 11

7. Referências Bibliográficas. 1. FABRIS, Mariarosaria et alii. Estudos Socine de Cinema. Porto Alegre: Sulina, 2003. 2. NOVA, Cristiane. O cinema e o conhecimento da História. In: O Olho da História. v. 2, n.3. Salvador: Prometheus, 1995. 3. NÓVOA, Jorge. Imagens, imaginário e representações da história a partir do filme Gldiador. In: Projeto História. São Paulo: EDUSP, 2000. 4. OLIVEIRA, Henrique. Limites e possibilidades da narrativa histórica audiovisual e o ensino de História. In: O Olho da História. v.1, n.5. Salvador: Prometheus, 1998. 5. PRETTO, Nelson de Luca. Uma escola sem/com futuro educação e multimídia. São Paulo: Papirus, 1996. 6. ROSENSTONE, Robert. História em imagens, história em palavras: reflexões sobre as possibilidades de plasmar a história em imagens. In: o Olho de História. v.1, n.5. salvador: Prometheus, 1998. 12