A (RE)VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL PROMOVENDO A ATIVIDADE TURÍSTICA NO MUNICÍPIO DE QUISSAMÃ-RJ 1. Leandro Ribeiro Cordeiro 2



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Transcrição:

A (RE)VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL PROMOVENDO A ATIVIDADE TURÍSTICA NO MUNICÍPIO DE QUISSAMÃ-RJ 1 Leandro Ribeiro Cordeiro 2 RESUMO O objetivo deste ensaio é verificar a intensificação do turismo no município de Quissamã em decorrência da (re)valorização do patrimônio histórico e cultural do município, a partir de uma série de políticas implementadas pela Prefeitura que visam o gradativo aumento do número de turistas na cidade. Quissamã era um antigo distrito da cidade de Macaé e foi emancipado em 1989. Desde então significativas mudanças ocorrem em sua estrutura que vão desde melhorias infra-estruturais na cidade até o aumento expressivo da população e do setor terciário. Muitas destas mudanças estão associadas ao fato de o município ser hoje um dos maiores beneficiados pelos royalties vindos da exploração do gás e do petróleo da Bacia de Campos. O território quissamaense abriga fixos históricos significativos que remontam o passado da atividade canavieira. Encontramos nesta área casas, senzalas, imóveis históricos e fazendas do período áureo da cana-de-açúcar no Brasil. A cidade destaca-se também por seus atrativos naturais. Desta forma, a paisagem modificada, a refuncionalização e a (re)valorização do patrimônio nortearão nossa pesquisa com a finalidade de entendermos como a turistificação altera a dinâmica espacial e econômica do espaço quissamaense. PALAVRAS-CHAVE: Turismo, (re)valorização, patrimônio histórico/natural e refuncionalização. 1 Este artigo é fruto de um projeto de pesquisa orientado pelo Professor Doutor Glaucio José Marafon e atualmente é financiado pela FAPERJ. 2 Graduando em Geografia pela Uerj/Bolsista do Núcleo de Estudos de Geografia Fluminense- NEGEF/Bolsista de Iniciação Científica FAPERJ. E-mail: leandrorcordeiro@gmail.com

I - INTRODUÇÃO Este trabalho encontra-se no bojo das pesquisas já realizadas pelo Núcleo de Estudos de Geografia Fluminense - NEGEF, que vem promovendo uma série de investigações 1 acerca das principais transformações sociais, econômicas e territoriais no Estado do Rio de Janeiro. Essas implicações acontecem de forma acentuada, não só na Capital Fluminense, mas em todo o estado. Hoje percebemos uma desconcentração de serviços e funções, desprendendo-se da Região Metropolitana e fazendo com que outras Regiões do estado cresçam de forma marcante. Quissamã, município da Região Norte do Estado e distrito de Macaé até 1989, quando conseguiu a sua emancipação, têm sofrido mudanças significativas em seu território, mudanças essas quase sempre ligadas à utilização dos royalties provenientes da exploração do gás natural e do petróleo extraídos da Bacia de Campos. Quissamã abriga fixos históricos que remontam o áureo período da cana-de-açúcar no Brasil. Encontramos naquela porção do território fluminense, importantes imóveis desta época, fazendas e casas que abrigaram os primeiros senhores de engenhos, as primeiras senzalas, o primeiro engenho central (hoje desativado) e ainda uma série de casas que foram sede da aristocracia canavieira. Hoje esses imóveis encontram-se (re)valorizados, num processo que intensifica o turismo através da valorização do patrimônio histórico e ainda do aporte natural do território quissamaense, que abriga um grande tesouro ambiental com praias, lagoas e uma reserva ecológica que conta com uma quantidade de espécies enorme. Nossa intenção é verificar os impactos da valorização do patrimônio e da cultura local que conduzem a um aumento do turismo na cidade. Aqui cabe ressaltar que o conceito de lugar, tanto discutido e analisado dentro da ciência geográfica, não ficará fora na nossa análise. Já que entendemos o lugar como campo a reproduzir culturas, redes e uma fonte de especificidades incalculáveis e que é através da interação de lugares e sistemas que se têm o novo, ou uma (re)configuração do já existente Massey (2000). Como já apontou Rua (2000), Quissamã muda e continuará mudando. Esta afirmação serve como apoio a trabalharmos as transformações que se dão no

cotidiano quissamaense, cotidiano que sempre seguiu marcado por uma estrutura tradicional e estritamente agrária. Para Carvalho (2003) os espaços rurais no mundo ocidental deixaram de ser apenas espaços de reprodução de potencialidades produtivas, para com certa complexidade ganharem diversidade funcional e sustentabilidade. Entretanto, tratando-se de turismo rural, a agricultura permanece como alicerce de novas diretrizes de desenvolvimento territorial dos espaços rurais. A (re)valorização do rural reconhece o papel central da atividade agrícola, pois sem ela o turismo perde a sua funcionalidade. O que verificamos é que está característica rural de Quissamã continua, só que com o aparecimentos de complexas alterações que fazem com que a história e as características daquele espaço sejam (re)valorizado. No bojo destas alterações tentaremos entender este novo que surge marcando a paisagem através de sua valorização com modificações nas formas e nas estruturas e ainda o impacto dessas novas significações. Assim, temos como objetivo central entender como atividades, como o turismo, interferem com a dinâmica da cidade, e visualizarmos as transformações na estrutura econômica e os impactos que esta nova forma de exploração traz e poderá trazer. A (re)valorização do patrimônio histórico e cultural local e também a valorização da natureza serão os alicerces para entendermos melhor como a historicidade da região passa a ser importante em um processo novo. Buscamos, assim, identificar os movimentos da contemporaneidade que (re)organizam as relações socioespaciais. Estas transformações e (re)organizações já foram apontadas por (RUA 2003, p.221) quando afirma que O território quissamaense e as atividades que nele se desenvolvem têm passado, nas últimas décadas, por profundas transformações que materializam o movimento de modernização que, por sua vez, alcança múltiplas dimensões no município e coloca novos desafios para seus habitantes. Esses desafios e essas novas dimensões são pontos específicos deste trabalho, no qual daremos ênfase a explicações e análise de como se dão esses processos, e de como ocorre a inclusão destas materializações no processo de modernização do município.

II - CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE QUISSAMÃ E A SUA DINÂMICA ATUAL Para iniciarmos um desencadeamento da historicidade de Quissamã, acabaremos traçando um perfil de toda a Região Norte conforme figura 1, pois apresentam o mesmo aspecto. Caracterizada por uma paisagem fortemente marcada pelas plantações de cana-de-açúcar, a Região, ainda hoje se traduz em um dos principais produtores desta cultura, sendo sua economia quase toda regida pela monocultura canavieira, exceção se faz à extração de gás e petróleo 2. A atual configuração da cidade é resultado da ocupação histórica marcada pela criação do Engenho Central em 1877, quando a partir daí passaram a existir dois núcleos que convergiam suas atividades para a região. Desde o início da colonização da Região Norte do Estado do Rio de Janeiro, se tem a presença dos grandes produtores e das grandes fazendas. Quissamã, como dito, abrigou o primeiro Engenho Central, agregando a produção das fazendas produtoras de cana-de-açúcar. Essas grandes fazendas ainda hoje são marcas da paisagem do lugar, onde se verificam casarões com corredores de palmeiras caracterizando a aristocracia canavieira daquela época. Temos hoje a refuncionalização de algumas dessas fazendas e do Engenho. Existe um projeto que pretende fazer do Engenho o primeiro museu do álcool e do açúcar da América Latina. Aqui se verifica o processo pelo qual pretendemos perpassar, que é o de entender a atual valorização do local pelo seu forte contexto histórico. Todo o desenvolvimento de Quissamã é contextualizado com o crescimento do interior fluminense. Ele acontece a partir da década de 1980, quando há o início da desconcentração da Região Metropolitana e com a conseqüente urbanização do interior do estado. A cidade de Quissamã apresenta, como mostrou Rua (2000), um espaço propício a mudanças em decorrência do processo de crescimento populacional e de serviços. Isso porque ela ainda não apresenta uma complexidade que impossibilite tal crescimento de ser realizado de forma ordenada. Pelo contrário, diz que a possibilidade de intervenção nos rumos e na forma como irá se desenvolver esse espaço pode originar uma melhor qualidade de vida de sua população.

Em relação à atividade canavieira, temos um ambiente favorável para o desenvolvimento dessa atividade. Por isso, desde o final do século XVIII vem sendo marcante a presença da monocultura da cana e também dos desdobramentos sociais, econômicos decorrentes do domínio dessa atividade. Figura 1: Mapa de localização da Região Norte e do Município de Quissamã. Um dos principais fatores que promovem as modificações no município de Quissamã é o acesso aos royalties pagos pela Petrobrás. O município está hoje próximo ao topo da lista de beneficiados por esses royalties. Este acesso permite uma expansão da urbanização, do turismo e do veraneio, e até da especulação imobiliária. Sobre esta expansão (RUA, 2003, p. 294) afirma que: O dinamismo da expansão da urbanização, do turismo e do veraneio, da especulação imobiliária, da estruturação do mercado de trabalho e a vinda de pessoas de fora do município para nele trabalhar, colocam desafios crescentes, que afetam a identidade territorial de seus habitantes.

Já em seu trabalho Rua (2003) mencionava essa alteração na identidade territorial, e é aqui que pretendemos nos apoiar, verificando até onde esta identidade é transformada, até onde o processo de capitalização e de reestruturação altera a vida e o cotidiano quissamaense. Percebe-se na infra-estrutura da cidade um avanço considerável desde a melhoria nas ruas, com a urbanização das vias, até o expressivo aumento do número de estabelecimentos, que aumenta o setor terciário. III - A (RE)VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURA LOCAL Nesse contexto é que verificamos uma tentativa de recriação de valores e de tradições quissamaenses por parte da prefeitura. Tradições locais como o jongo, a culinária, o fado, e principalmente o patrimônio que passa pelo processo de (re)valorização. Carvalho (2003) afirma que o patrimônio é hoje reconhecido como elemento estruturante da memória, da identidade territorial e um dos recursos essenciais para a afirmação de valores culturais locais. Aqui tratamos o patrimônio não apenas como tesouro, tentando fugir da utilização generalizada, e nos permitindo entendê-lo com uma visão integral, na qual ele é todo testemunho de qualquer natureza, que seja capaz de iluminar o passado como tratou Carvalho (2003). Assim, reconheceremos não só as fazendas e os imóveis como patrimônio e sim, toda a história do lugar, até mesmo a paisagem (fortemente marcada pela atividade canavieira) e a sua estrutura atual. Percebemos várias articulações para o melhor desenvolvimento da atividade turística, a prefeitura elaborou um roteiro turístico pelas fazendas e a Secretaria de Turismo articula uma série de projetos que melhor qualifiquem esse roteiro, entre eles estão a reforma completa da Casa de Quissamã (figura 2) e um plano de qualificação dos profissionais que trabalham no setor turístico para um melhor desenvolvimento do mesmo. Esta qualificação está sendo feita em cursos ministrados pela PRESERVALE (Instituto de Preservação e Desenvolvimento do Vale do Paraíba) 3, e se pretende criar uma associação semelhante para a preservação do patrimônio do Ciclo da cana-de-açúcar.

Hoje o roteiro conta com mais de dez imóveis, particulares e também de propriedade da Prefeitura (como é o caso da Casa de Quissamã), e ainda existem 17 capelas que servem de atrativos turísticos. As fazendas mais conhecidas são: a Fazenda Mantiqüera (também chamada de solar), hoje se encontra em total destruição; a Fazenda Mato de Pipa - Que é a mais antiga casa de senhor de engenho da Região Norte, é em estilo bandeirista e ainda mantém o mobiliário original; a Fazenda São Manoel conserva ainda louças e mobiliários originais de 1886; a Fazenda Santa Francisca; a Fazenda Machadinha - tombada pelo INEPAC é um conjunto de imóveis com: casa grande, capela e senzalas; a Fazenda Floresta e a Fazenda São Miguel. Outros importantes imóveis são: a Igreja de Nossa Senhora do Desterro, o Espaço Cultural (onde encontra se todo o acervo da cultura e da memória de Quissamã), o canal Campos-Macaé (construído pelos escravos e que servia de escoamento da produção açucareira das fazendas) e a Prefeitura (figura 3) (Imóvel construído originalmente para ser sede da casa educacional dos netos do Visconde de Araruama e que já foi uma escola pública, um convento e um colégio de freiras). Objetivamos estudar a intensificação das atividades turísticas e a inserção desta na dinâmica da economia local. Assim, a turistificação de uma localidade encaixa-se num processo maior que seria a reprodução do capital através da valorização do lugar e da criação de um valor simbólico dado a este lugar 4. Queremos compreender como a cultura, o patrimônio e a história de Quissamã servem como base para o desenvolvimento da atividade turística e de que forma podemos incluir em toda essa dinâmica fatores como: a população, os hábitos tradicionais locais, a vocação da região, a mudança na estrutura econômica e uma série de novas características que a população e a estrutura da cidade absorve. Uma das questões que nos levou a tentar entender o processo de intensificação do turismo é perceber com a história e a cultura local influenciam nesse processo 5. Como podemos diferenciar se as transformações estão ligadas à atividade turística ou a outro tipo de fenômeno. A aceleração atual do mundo, e as forças econômicas são quase sempre as fontes das transformações no cotidiano das pessoas, entretanto, como afirmou Massey (2000) há muito mais coisas determinando nossa vivência no espaço do que o próprio capital. Assim reafirmamos a relação do povo com o local como uma marca

da região. Antes mesmo da emancipação da cidade já existia por parte das pessoas uma ligação com aquele distrito e não com Macaé. Figura 2: Casa ou Fazenda Quissamã

Figura 3: Prefeitura de Quissamã Imóvel refuncionalizado O nosso estudo é pautado na amplitude das mutações ocorridas naquele local, pois é certo que não percebemos tais modificações em mesma escala em outros municípios. Desta forma, a reorganização territorial, a integração ao mundo capitalista, ao consumo do espaço e do lugar através das diversas formas de turismo, os novos fluxos serão partes fundamentais para nortear os impactos da modernização e do turismo no município. Quando citamos estes fluxos migratórios nas diferentes escalas, sabemos que eles são marcas das diferenças criadas pela própria história de Quissamã, como elucidou Rua (2003) dizendo que estes fluxos são reflexos das diferenças entre lugares face às necessidades historicamente criadas. Aqui se inicia uma análise do passado, verificando todos os possíveis acontecimentos e marcos que se constata até os atuais dias. Em relação às transformações, percebemos que se encaixam no que chamamos de urbanidades 6. A paisagem quissamaense sofre diversas alterações, entretanto, é importante comentar que apesar desta se modificar, o que vemos e pretendemos estudar é a união da paisagem histórica, que sofre um processo de refuncionalização, de resignificação unindo-se ao que podemos chamar de moderno como as urbanidades físicas e formais características de um mundo moderno. Para nós as alterações que o município passa é percebida de forma mais concreta através da refuncionalização das fazendas e da conseqüente (re)valorização da histórica do local. Como comentou Carvalho (2003), preservar o patrimônio pode constituir em um recurso importante e até fundamental para a atuação do território, e para o desenvolvimento local. CONCLUSÃO Quissamã sempre manteve seu perfil econômico relacionado à atividade canavieira, entretanto, percebemos hoje uma reestruturação de sua economia, através de alterações significavas que traçam um novo tempo para o município. Um tempo marcado por novas e complexas mutações, que fazem surgir uma série de novas características a Quissamã.

A maioria dessas mudanças estão ligadas à utilização dos royalties da exploração do petróleo na Bacia de Campos, porém, vemos outras possibilidades para o desenvolvimento socioespacial e econômico do município; como é o caso do turismo, que através da valorização de elementos como o patrimônio, aparece como uma força a repensarmos a dinâmica das mutações que acontecem naquela porção do espaço. Assim, buscamos analisar como ocorre a intensificação do turismo, e de que forma essa intensificação pode ajudar no processo de urbanização e na melhoria da qualidade de vida da população. Para entender o aumento do turismo, verificamos a (re)valorização do patrimônio histórico e natural, em função de toda historicidade que o município possui, e ainda de que forma isso é realizado hoje pela prefeitura. Encontramos em Quissamã uma quantidade enorme de transformações que nos remetem à idéia de pensar um rural não mais como algo atrasado e ultrapassado, e sim como um objeto em constante alteração, que consegue através de ações como a valorização do patrimônio, estratégias para a sustentabilidade e desenvolvimento de seu território. Deste modo, percebemos que o patrimônio valorizado é forçado a servir de base de reprodução do capital através de sua turistificação. É assim que olhamos para aquela porção da Região Norte do Estado do Rio de Janeiro, que traz em sua história um alicerce para hoje simularmos uma volta ao passado e olharmos para o seu patrimônio e o valorizarmos. NOTAS: 1 O NEGEF desenvolve uma série de investigações sobre o Estado do Rio de Janeiro, investigações que perpassam desde estudos acerca da dinâmica das micro regiões de governo até casos particulares como é o Projeto Quissamã. Os trabalhos desenvolvidos são: Diagnóstico das condições socioespaciais das regiões de governo do Estado do Rio de Janeiro; Transformações no Rural Fluminense; entre outros. 2 Podemos citar uma série de novas formas de exploração do solo quissamaense, que buscam reestruturar a economia. Entre elas a tentativa de diversificação de culturas, que insere uma série de novas formas de agricultura; como exemplo maior temos o coco, que através do Programa Frutificar vem dando a Quissamã o lugar de maior produtor do Estado do Rio de Janeiro, como mostro Castro (2003 e 2005). Aqui não pretendemos analisar mais minuciosamente este aspecto, e sim apenas

lembrar que essa também é uma forma de ver o município se diferenciando daquilo que historicamente lhe foi marca. 3 O PRESERVALE é um instituto que surgiu da necessidade de preservação do patrimônio histórico, arquitetônico, cultural e ambiental da região do Ciclo do Café, no Vale Paraíba Fluminense, onde existem fazendas históricas do século XIX. 4 Aqui entendemos o turismo como uma forma de reprodução do capital. Vemos que todo processo de turistificação de uma área nada mais é do que a atuação capitalista, valorizando e desvalorizando áreas, sem esquecer das múltiplas escalas que podemos analisar este fenômeno. 5 Outras áreas no Estado do Rio de Janeiro passam por processos semelhantes, como é o caso das fazendas do vale do ciclo do café na Região do Médio-Vale Paraíba, onde encontramos uma série de fazendas sendo refuncionalizadas para que os turistas (em sua grande maioria de fora do Brasil) possam reviver os tempos do período cafeeiro no Brasil. 6 Conceito desenvolvido por (RUA, 2001) onde a urbanização transforma o espaço rural sem que este perca as suas especificidades. Seria uma urbanização ideológica, cultural e bastante difusa, que marca inúmeras manifestações além da urbanização física, formal. REFERÊNCIAS CASTRO, Demian Garcia. Patrimônio histórico-arquitetônico como marca de qualificação da paisagem de Quissamã: identidade cultural, poder e consumo. 112 fl. Dissertação (Mestrado em Geografia). Instituto de Geociências, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2005. MASSEY, Doreen. Um sentido global do lugar. In: ARANTES, Antônio A. (Org.). O espaço da diferença. Campinas: Papirus Editora, 2000. p177-185. CARVALHO, Paulo. Patrimônio e (re)descoberta dos territórios rurais. Boletim Goiano de Geografia. Goiânia: v. 23, n. 2, p. 173-196. Jul./Dez. 2003. RUA, João. Urbanidades e Novas Ruralidades no Estado do Rio de Janeiro: Algumas Considerações Teóricas. In: MARAFON, Glaucio José e RIBEIRO, Marta Foeppel (orgs.). Estudos de Geografia Fluminense. 1ª ed. Rio de Janeiro: DEPARTAMENTO DE Geografia UERJ, 2001. 208p. p.27-42

RUA, João. (Coord.). Quissamã: em busca de novos caminhos. 1ª ed. Rio de Janeiro: Departamento de Geografia UERJ / Prefeitura de Quissamã, 2000. 172p. RUA, João. Seguindo novos caminhos: transformações territoriais e modernização no município de Quissamã RJ. Uma contribuição para o desenvolvimento local. 336 f. Tese (Doutorado em Geografia). PPGG-USP, 2003. RUA, João & MARAFON, Gláucio José (org.). Atlas Escolar do Município de Quissamã. 1ª ed. Rio de Janeiro: Prefeitura de Quissamã / NEGEF / Departamento de Geografia UERJ, 2001. 66p. SANTOS, Milton. Pensando o Espaço do Homem. 5ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004. 96p. SOUZA, José Luiz Amado de Menezes e. Transformações no espaço rural através de políticas agrícolas: o Programa Frutificar e a cultura do coco em Quissamã RJ. 115 f. Dissertação (Mestrado em Geografia). Instituto de Geociências, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2005. SOUZA, José Luiz Amado de Menezes e. Reestruturação do espaço agrário do município de Quissamã em função da inserção de novas atividades agrícolas. 56 f. Monografia (Graduação em Geografia). Instituto de Geociências, Universidade do estado do Rio de Janeiro, 2003.