ENSAIO SOBRE A CENTRALIDADE DE UMA CIDADE RIBEIRINHA AMAZÔNICA: REFLEXÕES SOBRE OS CIRCUITOS DA ECONOMIA URBANA EM CAMETÁ-PA. MIGUEL GONÇALVES SEPÊDA FILHO 1 Resumo: A centralidade de uma cidade ribeirinha amazônica é o nosso objeto de pesquisa. Deste modo, busca-se meditar sobre as relações que a cidade de Cametá (Estado do Pará), no Baixo Tocantins, estabelece com seu entorno, analisando os circuitos da economia urbana (SANTOS, 2008b) que nela se espacializam. Neste sentido faz-se uma reflexão das horizontalidades e das verticalidades (SANTOS, 2008a), tendo em vista a dinâmica empreendida pelos fluxos econômicos, no tocante a formação da centralidade cametaense. Palavras-chave: Cidade ribeirinha. Centralidade. Circuitos da Economia Urbana. Abstract: The centrality of an Amazonian riverside city is our object of research. In this way, it is sought to meditate on the relations that the city of Cametá (State of Pará), in Lower Tocantins, establishes with its surroundings, analyzing the circuits of the urban economy (SANTOS, 2008b) that are spatialized in it. In this sense, a reflection of the horizontalities and verticalities (SANTOS, 2008a) is made, considering the dynamics of the economic flows, in relation to the formation of the centrality of the Cametaense. Key-words: Riverfront town. Centrality. Circuits of the Urban Economy. 1 INTRODUÇÃO Analisar a centralidade de uma cidade ribeirinha amazônica é o nosso objeto de pesquisa. Deste modo, busca-se meditar sobre as relações que a cidade de Cametá (Estado do Pará), no Baixo Tocantins, estabelece com seu entorno, analisando os circuitos da economia urbana (SANTOS, 2008b) que nela se espacializam. Neste sentido faz-se uma reflexão das horizontalidades e das verticalidades (SANTOS, 2008a), tendo em vista a dinâmica empreendida pelos fluxos econômicos, no tocante a formação da centralidade cametaense. Sendo uma cidade que se caracteriza pela forte relação com as águas, a dimensão ribeirinha de Cametá reflete em boa parte a economia intraurbana. O 1 - Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável no Trópico Úmido, sediado no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos na Universidade Federal do Pará. E-mail de contato: mgeourbam@yahoo.com.br 2121
rio e a floresta não são apenas fontes de sobrevivência e espaços de circulação de sua população, mas compõem também boa parte das representações da cidade a partir de práticas socioculturais de sua população (TRINDADE JR, 2002). Como objetivo do trabalho busca-se analisar os circuitos da economia urbana e a relação da cidade com a região expressas, principalmente, no plano das horizontalidades. Para isso, busca-se contextualizar historica e geograficamente a cidade de Cametá, analisando a sua condição de cidade ribeirinha e a sua relação com a sub-região na qual está inserida, identificando os agentes as atividades econômicas e suas respectivas espacialidades que dinamizam os circuitos da economia urbana e que lhe conferem um papel fundamental no contexto sub-regional. Para o alcance destes objetivos lançou-se mão de revisão teóricoconceitual acerca do tema e do objeto da pesquisa, de revisão bibliográfica de natureza histórico-geográfica sobre a cidade de Cametá e de sua sub-região, bem como de coleta de dados in locu sobre à dinâmica empreendida pelos circuitos da economia urbana local. Caracterizada como uma cidade de grande importância histórica no contexto de formação do espaço regional amazônico, Cametá, desde a sua origem, sempre se destacou na sub-região do Baixo Tocantins, ainda que não tenha sofrido grandes repercussões diretas das políticas mais recentes de desenvolvimento regional. O espaço regional onde Cametá se insere possui uma forte presença de populações tradicionais, de origem local, que tem em seu processo de formação uma forte relação com o rio, caracterizando a cidade em referência como cidade ribeirinha e cidade da floresta, nos termos definidos por Trindade Jr.(2010). O autor se refere a estas últimas cidades como sendo aquelas que, no contexto regional, apresentam forte ligação orgânica com o ecossistema florestal em contraponto a um outro tipo de cidade, a cidade na floresta, que nega a dinâmica interna do ecossistema florestal, a relação 2122
orgânica para com este, assim como a vida e os valores socioculturais do seu entorno. O primeiro tipo de relação, o de articulação orgânica com o entorno, é interpretada por Santos (2008a) como sendo de natureza horizontal. Trata-se de uma ordem ou arranjo socioespacial atrelado a um contingente de objetos reunidos no território de maneira contígua. As relações decorrentes desse mesmo arranjo voltam-se para interesses endógenos em detrimento dos interesses externos. Tais horizontalidades, contrapõem-sea outro tipo de lógica, mais moderna e racional, definida por Santos (2008a) como verticalidades, ligadas notadamente aos interesses externos e ao capital hegemônico. São relações que referendam uma ordem de natureza global, que impõem um tempo único a espaços diferenciados, buscando padronizá-los e torná-los dependentes e hierarquizados. Constitui-se, assim, um outro espaço geográfico, o meio técnico-científico informacional, marcado por pontos descontínuos no território, mas que asseguram, por meio de suas formas de articulação e conexão com o espaço externo, o funcionamento global da sociedade e da economia. É diante desse contexto que desperta o interesse de estudar uma cidade ribeirinha como Cametá, que assume um papel de cidade intermediária na microrregião onde se insere, oferecendo serviços e distribuição de determinadas mercadorias e que, mesmo reforçando as horizontalidades, começa a se inserir, ainda que de forma incipiente, em dinâmicas pontuais marcadas pelas verticalidades geográficas. Analisar os circuitos da economia urbana presentes em Cametá justificase, portanto, devido à necessidade de entender como as horizontalidades e verticalidades são expressas, no tocante a formação da centralidade cametaense. 2 DESENVOLVIMENTO A cidade de Cametá pode ser compreendida enquanto uma cidade tradicional no ordenamento territorial amazônico, devido ao seu processo 2123
pioneiro de formação da estrutura regional. Seu surgimento data do séc. XVII, com os primeiros momentos da colonização amazônica. Sua formação enquanto núcleo urbano ribeirinho acaba por caracterizá-la pelo seu "tempo lento e dinamizado por atividades econômicas tradicionais, praticadas principalmente no seu entorno, mas que, internamente, imprime-lhes dinamismo e particularidades, tal a relação entre as dimensões do rural e do urbano nelas existentes" (TRINDADE JR., 2013, p. 15). Assim sendo, cabe o destacar que uma cidade ribeirinha amazônica tende a revelar elementos dialéticos entre rural e urbano, em que a ação ribeirinha tende a transitar entre estes lugares, tornando-os espaços complementares e relacionalmente imbricados, com isso podemos afirmar que, no caso de Cametá, o rural está no urbano e o urbano está no rural, expressando singularidades, no que tange a sua organização espacial, deste modo, evidenciam-se conteúdos sócioespaciais que só se mostram presentes na Amazônia. Portanto, verifica-se que a importância empreendida por Cametá junto a sua sub-região, em que esta assume "um papel de cidade intermediária no sistema de cidades, quanto ao oferecimento de serviços e à distribuição de determinadas mercadorias (TRINDADE JR., 2009) e, no sentido de avançar neste debate, a cidade revela uma dimensão histórico-cultural que conduz à realização de sua centralidade. Dessa forma, tomando como base as reflexões apresentadas, busca-se analisar o papel estabelecido por Cametá junto à sub-região do Baixo Tocantins e com isso analisar o processo de formação da centralidade cametaense. 2.1. O CIRCUITO SUPERIOR EM UMA CIDADE INTERMEDIÁRIA: FARMÁCIA E DROGARIA Nesta parte, busca-se realizar uma discussão sobre os processos econômicos responsáveis pela organização intra-urbana e articulações estabelecias por Cametá. 2124
Identificamos que algumas relações estabelecidas na cidade revelam dinâmicas associadas ao circuito superior da economia urbana, em que, no caso de uma cidade com vocação mais orgânica, este subsistema vem apresentar particularidades. Portanto, faz-se necessário o entendimento acerca das relações deste circuito em uma cidade intermediária, pois este representa o nível inferior da escala urbana. Estas relações, portanto, apresentam um alcance menor, em que no caso de Cametá, estão, principalmente, a serviço da população local ou zona de influência, seguindo de encontro à função do mercado, além de que, em alguns casos identifica-se a existência de um circuito superior marginal, em que este é a resposta a uma demanda incapaz de suscitar atividades totalmente modernas. Essa demanda pode vir tanto de atividades modernas, como do circuito inferior (SANTOS, 2008b, p. 103), no caso de Cametá, essa demanda é oriunda de atividades do circuito inferior. Estas dinâmicas estão contidas na realidade da cidade, entretanto como será visto posteriormente, existem lógicas ligadas a dinâmicas externas, logo se percebe um jogo dialético entre horizontalidade e verticalidades geográficas. Nesse sentido, para um melhor entendimento destes processos, faz-se aqui uma analise do circuito superior da economia urbana, identificando os seus principais agentes e atividades econômicas responsáveis por uma dinâmica, que mesmo incipiente, começa a se constituir na cidade de Cametá. 2.1.1. FARMÁCIA E DROGARIA 2 Foi possível notar na cidade de Cametá uma forte relação com o espaço regional, pela presença da drogaria BIG FARMA que é sediada na cidade de Cametá e se espacializa por toda a microrregião. Podemos evidenciar esta relação a partir dos quadros 1 e 2: 2 A farmácia com maior dinamismo na cidade de Cametá é a Big Farma. Contudo, existem outras farmácias, mas que são menos representativas que esta na cidade, que devido a problemas de cunho burocrático, não foi possível a coleta de dados nestas. 2125
Nome Fanta sia Droga ria Big Farm a Ano de insta laçã o Quantid ade de farmáci as na cidade 2001 3 Cametá centro Quadro 1: Drogaria big farma Localização Nº de Opções da matriz/ empregado de centro de s por loja pagam distribuição ento 35 (matriz) 10(filial) 5 (filial) Elaboração: Miguel Gonçalves Sepêda Filho Trabalho de campo Julho de 2014 Cartão externo Visa e Masterc ard Nº de Farm ácias Estoque do produto 23 Grande quantidad e Quadro 2: Distribuição espacial da rede de drogarias big farma Cidades Quantidad Mesorregião Microrregião e Cametá 3 Nordeste paraense Cametá Abaetetuba 1 Nordeste paraense Cametá Mocajuba 1 Nordeste paraense Cametá Igarapé-miri 1 Nordeste paraense Cametá Baião 1 Nordeste paraense Cametá Vila de Curuçambaba 1 Nordeste paraense Cametá (Cametá) Limoeiro do Ajuru 1 Nordeste paraense Cametá Oeiras do Pará 1 Nordeste Paraense Cametá Moju 1 Nordeste paraense Tomé-Açu Barcarena 1 Metropolitana de Belém Belém Vila dos Cabanos 1 Metropolitana de Belém Belém Ponta de Pedra 2 Marajó Arari Cachoeira do Arari 1 Marajó Arari Soure 1 Marajó Ararii Salva Terra 2 Marajó Arari Breves 2 Marajó Furos de Breves Curralinho 1 Marajó Furos de Breves Portel 1 Marajó Portel Total 23 Elaboração: Miguel Gonçalves Sepêda Filho Pesquisa de Campo: Junho de 2014 2126
Mapa 1 Espacialização da drogaria big farma na microrregião de Cametá. Fonte: Pesquisa de Campo, 2015. Elaboração pelo autor (Philcarto). Como se verifica pelos quadros, percebemos a forte relação que a rede de Drogarias Big Farma estabelece no espaço microrregional onde Cametá se insere, além de ter alcance para com outras mesorregiões do estado. A forte atração promovida por esta drogaria, sediada em Cametá, revela a importância da cidade para com o seu entorno, no tocante ao oferecimento de mercadorias, o que reforça a condição de Cametá enquanto importante nódulo na rede urbana. 2.2. O CIRCUITO INFERIOR EM UMA CIDADE RIBEIRA: A FEIRA LIVRE DE CAMETÁ O circuito inferior da economia urbana pode ser caracterizado pelo oferecimento de "serviços não modernos (...) e pelo comércio em pequena escala não moderno" (SANTOS, 2005, p. 97). Essas características são verificadas em Cametá de forma mais expressiva através de sua feira livre, sendo ela, de grande importância na dinâmica econômica local, além de ser um espaço de convergência de fluxos, para a cidade, importante pólo na 2127
microrregião onde Cametá se insere. A partir disto elencamos a maior representatividade do circuito inferior na cidade de Cametá, a feira livre, que se caracteriza como um espaço de referência identitária para a local. Segue o quadro 3, com os dados da feira livre: 2128
QUADRO 3: FEIRA LIVRE DE CAMETÁ-PA. Identificação Bairro Tipo Organização Localidades de onde vêm os produtos Mercado da Carne Mercado do Peixe Mercado do Açaí Mercado da Farinha Bairro Central Bairro Central Bairro Central Bairro Central Feira Livre Feira Livre Feira Livre Feira Livre Prefeitura do Município Prefeitura do Município Prefeitura do Município Prefeitura do Município Tucuruí, Breu Branco, Barcarena e Castanhal Santarém, Ilhas de Cametá, Tucuruí, Baião, Oeiras do Pará e Limoeiro do Ajuru Mapiraí (Ilha de Cametá), Cuxipiari (Ilha de Cametá), Moju (Ilhas), Limoeiro do Ajuru (Ilhas), Igarapé Miri (Ilhas) e Tucuruí (Índios) Vilas: Nova América, Costureira, Marambira, Porto Alegre, Pau Rosa, Livramento e Joaba. Colônia de Bucubarana e Ponte do Nerá. (Transcametá) Quantidade de Feirantes 43 87 70 fixos 80 sazonais Transporte Pequenas e médias embarcações Pequenas e médias embarcações Pequenas e médias embarcações Ônibus (Tucuruí) 120 Ônibus Mercado das Roupas Bairro Central Feira Livre Elaboração: Miguel Gonçalves Sepêda Filho Trabalho de Campo: Julho de 2014. Prefeitura do Município São Paulo, Fortaleza, Recife e Belém 146 Transportadora (SPC Brasil) 2129
Mapa 2 Rede de fluxos de Cametá a partir de sua feira livre. Fonte: Pesquisa de Campo, 2015. Elaboração pelo autor (Philcarto). A feira livre de Cametá concentra grande parte da comercialização da cidade, é o espaço de circulação, mas também o espaço de produção da vida, onde são produzidos significados e sentidos. A feira livre de Cametá se apresenta enquanto ponto importante da relação da cidade com a sua região, o que evidencia a relação que as cidades locais exercem o essencial de sua influência territorial por intermédio do circuito inferior (SANTOS, 2008b, p. 353-354). Esta integração acaba por gerar fortes relações orgânicas, que emanam a existência do lugar. Refletindo vínculos afetivos com o espaço, que acabam revelar a existência de fluxos, principalmente, não modernos com destino à Cametá. Estas particularidades urbano-regionais, no sistema de cidades que
compões a sub-região, que Cametá se insere, em que o circuito tradicional, (...) está vinculado à inversão endógena e exerce demanda sobre as produções regionais: mantém com elas, de forma bem natural, uma certa integração (SANTOS, 2008b, p. 134). Esta condição está contida na dinâmica empreendida da feira livre (foto 1) com municípios do entorno de Cametá, explicitando a relação da cidade-região, estabelecida por Cametá. FOTO 1 - ESPAÇO DE CIRCULAÇÃO DA FEIRA LIVRE DE CAMETÁ Fonte: (Miguel Gonçalves Sepêda Filho, julho de 2014). Este espaço acaba por se constituir, enquanto importante traço indentitário para a população cametaense e do Baixo Tocantins, exprimindo, características singulares que vão além de uma perspectiva econômica, pois, identificaca-se uma relevante dimensão simbólica contida neste espaço. As dinâmicas contidas neste local nos conduzem a meditar sobre a importância de Cametá diante a sua sub-região, sendo, portanto, a expressão da centralidade orgânica que denota a existência da diversidade urbana amazônica. CONSIDERAÇÕES FINAIS Consideramos, que tanto o espaço cametaense quanto a região onde se insere, possuem suas particularidades na produção do espaço. A cidade de Cametá 2131
apresenta papel de destaque na sua micro-região. Percebemos a importância da cidade inserida na região, que se materializa pela presença marcante do circuito inferior da economia urbana, porém, também se fazem presentes, ainda que de forma incipiente, fluxos ligados ao circuito superior da economia urbana, estes fluxos permitem reconhecer novas conexões responsáveis pela redefinição de determinadas conteúdos socioespaciais que vem marcando as cidades ditas tradicionais. A cidade de Cametá vem se caracterizando pela presença de ambos os circuitos. Portanto cabe ressaltar a relação de horizontalidades que são marcadas tanto no circuito inferior na figura da feira, quanto o circuito superior que estabelece fortes relações com a região, revelando a formação de uma centralidade de natureza horizontal. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo. razão e emoção. 4 ed. São Paulo: Edusp, 2008a.. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. 2 ed. São Paulo: Edusp, 2008b. TRINDADE JR, S-C. C. Das "cidades na Floresta" às "cidades da floresta": Espaço, ambiente e urbanodiversidade na Amazônia brasileira. Papers do NAEA 321. Belém, 2013.. Cidades na floresta: os grandes objetos como expressões do meio técnico-científico informacional no espaço amazônico. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, nº 51, p. 113-118, mar./set. 2010.. Diferenciação espacial e formação de sub-região: o Baixo Tocantins na Amazônia Oriental. In: SILVEIRA, M. R.; LAMOSO, P. F. C (Org). Questões nacionais e regionais do território brasileiro, 1 ed. São Paulo: Expressão Popular: UNESP, 2009. 2132
. Imagens e representações da cidade ribeirinha na Amazônia: uma leitura a partir de suas orlas fluviais. Revista Humanitas, Belém, v. 18, n. 2, p. 135-148, jun. 2002. 2133