TRABALHO PRISIONAL: O ANTAGONISMO ENTRE A LEI E A REALIDADE



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Transcrição:

1 TRABALHO PRISIONAL: O ANTAGONISMO ENTRE A LEI E A REALIDADE CARLOS EDUARDO DIAS MENDES 1 MOÉSIO MUNIZ LOPES 2 ANA PAULA MARQUES DE SOUZA 3 Resumo: O trabalho prisional é um meio de garantir a dignidade e uma das formas mais eficazes de levar a efeito a ressocialização do preso. Com esse entendimento, o legislador dispôs sobre o trabalho prisional como sendo um direito dos encarcerados, podendo ainda, nos casos dos regimes fechado e semi-aberto, remir parte da execução da pena. Porém, a realidade das prisões brasileiras está distante de contemplar as possibilidades da lei. Nosso estudo tem como intento principal analisar a forma como a lei penal dispõe e regulamenta o trabalho na prisão em contrapartida com a realidade do trabalho oferecido nas prisões brasileiras. Palavras-Chave: Trabalho prisional. Ressocialização. Prisões brasileiras. INTRODUÇÃO Os avanços da doutrina jurídica evidenciam que a concepção acerca do trabalho prisional evoluiu, ganhando novo viés no âmbito social. O trabalho na prisão visava, sobretudo, endurecer a pena privativa de liberdade. Hoje, o trabalho do presidiário tem caráter ressocializador e, dessa forma, se faz necessário respeitar o detento enquanto sujeito de direitos. Seguindo esse raciocínio, a lei 7.210/84, conhecida como Lei de Execução Penal (LEP), dispõe em seu art. 28 que o trabalho do presidiário é um dever social e uma condição de dignidade humana. Observa-se, todavia, que essa mudança visionária ocorreu tão somente na esfera teórica. A maioria das prisões do país está superlotada de presos, faltando-lhes condições mínimas de higiene, saúde etc, e o que dirá trabalho. Para incluir o preso na vida social e tirar-lhe o espectro de delinquente é necessário que seja (re)estabelecida sua dignidade e uma das formas de alcançar tal objetivo é oferecer condições de trabalho adequado nas penitenciárias. Vale ressaltar que, na maioria dos casos, quando o indivíduo do sexo masculino é preso a família perde o seu principal mantenedor. Dessa forma, torna-se um dever do 1 Aluno do 4º Semestre do curso de Direito da Universidade Estadual Vale Do Acaraú (UVA). Email: carloseduardo.17@outlook.com 2 Aluno do 2º Semestre do curso de Direito da Universidade Estadual Vale Do Acaraú (UVA). Email: moesio07@gmail.com 3 Professora do Centro de Ciências Jurídicas, UVA, Sobral, Ce. Mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB. Email: profa.anapaulamarques@gmail.com

2 Estado oferecer trabalho para que o presidiário possa continuar ajudando no sustento de sua família. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Pesquisa de cunho bibliográfico com consulta a distintos livros e sites que se dedicam às questões do trabalho prisional no âmbito do sistema carcerário brasileiro. ANÁLISE HISTÓRICA ACERCA DA RELAÇÃO PRESO-TRABALHO Os povos mais antigos enxergavam o trabalho sob diferentes óticas. Na Grécia antiga não havia sequer uma palavra equivalente a trabalho, o mais próximo que havia era a palavra ergon, que significava esforço penoso. Para os gregos, diferente da concepção burguesa predominante atualmente, o trabalho era algo que diminuía o homem, por isso somente o cidadão simples e os escravos deviam se submeter ao trabalho. A elite preocupava-se tão somente com assuntos políticos e filosóficos.no Império Romano havia o vocábulo tripalium, que remetia a um instrumento de castigo utilizado na época. Durante o período feudal houve uma mudança na concepção do trabalho. Este seria necessário para construir fortificações e desenvolver outras atividades de suma importância para a manutenção do feudo. Na verdade, houve um reconhecimento social da importância do trabalho. Com o fim da Idade Média e início das Grandes Navegações, marco da idade Moderna, a classe burguesa ascendente, buscando melhorar sua imagem perante os nobres, começa a patrocinar uma série de eventos culturais que enalteciam o homem e seu trabalho, fazendo com que este passasse a ser visto como elemento que dignifica o homem. Ainda com o fim da Idade Média houve um processo de migração dos homens do campo para a cidade. A aglomeração de pessoas nos centros urbanos europeus fez surgir uma série de calamidades: desemprego, violência, assaltos. Isso fez com que as autoridades pensassem em uma forma de retirar os indigentes que sujavam as ruas da cidade. Na Inglaterra foram criadas as Work Houses que tinham como objetivo punir o indivíduo com a prisão e com o castigo do trabalho. Até esse momento, os sistemas prisionais baseavam-se na ideia de que o preso devia pagar pelo mal por ele cometido com o próprio corpo, por isso a

3 utilização de penas aflitivas, que variavam de penas de trabalhos forçados até a pena de esquartejamento. Não se falava que o preso era sujeito de direitos, tampouco que a pena devia ter caráter ressocializador. A partir do século XVIII, sob influência dos ideais iluministas e liberais, os filósofos passaram a analisar a perversidade e desumanidade do sistema penal e começaram, a partir dessa análise, a compreender os presos como seres humanos e, portanto, detentores de direitos. Essa nova concepção acerca do preso foi revolucionária, pois permitiu que a pena deixasse o caráter tão somente punitivo e passasse a ter caráter também reeducativo. Com essa mudança de paradigma os sistemas prisionais sofreram algumas mudanças, pois a partir de então deveria ser criada uma estrutura que possibilitasse ao preso refletir sobre sua conduta e dar-lhe condição de se (re)integrar na sociedade após o cumprimento de sua pena. Dessa forma, o trabalho que antes era utilizado como martírio para o encarcerado, começou a ser utilizado como instrumento de reeducação do mesmo. Essa ideia acerca do trabalho chegou ao Brasil ainda durante o período imperial. Apostava-se na ideia de reabilitação por meio de uma reforma moral do preso, sendo assim entendia-se que apenas através da disciplina do trabalho era possível a recuperação do deliquente. A DISCIPLINA DO TRABALHO NOS REGIMES DE CUMPRIMENTO DE PENA BRASILEIROS Os regimes de cumprimento de pena brasileiros organizam o trabalho prisional de diferentes maneiras. No regime fechado o preso fica sujeito ao trabalho durante o período diurno e ao isolamento durante o período noturno. No regime semiaberto é permitido ao preso o trabalho em comum durante o período diurno, também sendo admitido o trabalho externo. Já o regime aberto é último estágio para que o preso volte ao convívio social, por isso é necessário que o preso demonstre que está pronto para voltar ao seio social, devendo agir cautelosa e responsavelmente, já que neste regime durante o período diurno ele pode freqüentar a escola, universidade, trabalhar e fazer outras atividades que lhe foram autorizadas e tudo isso o fará sem vigilância. A relação do trabalho no regime aberto é diferente daquela havida nos outros dois regimes, nestes o trabalho gera remição naquele não, pois uma das

4 condições para que o preso avance ao regime aberto é demonstrar a possibilidade de trabalhar. No direito brasileiro o trabalho executado pelo preso gera remissão de parte de sua pena, para cada 3 (três) dias trabalhados ele tem 1 (um)dia abatido de sua pena. Devido à péssima infraestrutura da quase totalidade dos presídios brasileiros muitos não oferecem o trabalho determinado pela lei, o que gera muitas discussões entre os doutrinadores sobre o cabimento ou não do instituto da remissão. Rogério Greco, que defende a possível aplicação do benefício da remissão aos presos, mesmo nos casos em que os presídios não oferecem trabalho ao presidiário, esclarece: Por essa razão, se o Estado, em virtude de sua incapacidade administrativa, não lhe fornece trabalho, não poderá o preso ser prejudicado por isso, uma vez que o trabalho gera direito à remissão da pena, fazendo com que, para cada três dias de trabalho, o Estado tenha de remir um dia de pena do condenado. Se o Estado não está permitindo que o preso trabalhe, este não poderá ficar prejudicado no que diz respeito à remição de sua pena. Assim, excepcionalmente, deverá der concedida a remição, mesmo que não haja efetivo trabalho. (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 15. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2013, p.494) Diferente é o posicionamento de Cezar Roberto Bitencourt: Quando a lei fala que o trabalho é direito do condenado está apenas estabelecendo princípios programáticos, como faz a Constituição quando declara que todos têm direito ao trabalho, educação e saúde. No entando, temos milhões de desempregados, de analfabetos, de enfermos e de cidadãos vivendo de forma indigna. Por outro lado, os que sustentam o direito à remição, independentemente de o condenado ter trabalhado, não ofendem também o pagamento da remuneração igualmente prevista na lei, o que seria lógico. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual direito penal, Parte Geral, v.1, p. 436) TRABALHO PRISIONAL: UM FATOR DE RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO Desde o período imperial até os dias atuais o trabalho que era aplicado nas prisões brasileiras adquiriu nova conotação. Se antes o preso deveria trabalhar para adquirir disciplina, atualmente, além de disciplinador, o trabalho deve ser útil na reintegração social do encarcerado quando este deixar a penitenciária. Conforme apresentado anteriormente, o trabalho está presente em todos os regimes de cumprimento de pena, isto reflete a importância que o legislador brasileiro confere ao trabalho para a ressocialização dos presidiários. Através do trabalho o preso (re)encontra sua dignidade e um meio de participar da vida social.

5 O trabalho do detento está amparado pela Lei de Execução Penal LEP que dentre outras situações destaca: O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidades; o trabalho do preso não está sujeito ao regime da consolidação das leis [...] trabalho do sentenciado é um dever; o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena. Entretanto, na prática, vê-se um abismo entre a efetivação da LEP e a estrutura carcerária brasileira que impossibilita a reinserção do preso no convívio social (MIRABETE, 2002, p. 27). O trabalho do preso não é apenas uma forma de preencher uma lacuna temporal no dia a dia do encarcerado e de garantir que tenha sua pena remida; o seu maior propósito está além de tudo isso: é proporcionar a (re)socialização dos presidiários. No entanto, não é qualquer trabalho que permite ao indivíduo preso inserir-se no mercado de trabalho após o cumprimento de sua pena. O Estado deve oferecer ao preso condições de se profissionalizar em uma atividade útil e produtiva para que ele possa disputar as vagas de emprego em igualdade de condições com os demais que possuam o mesmo perfil. Mesmo capacitado seria utópico achar que um ex-presidiário concorreria igualmente com uma pessoa que não tem antecedentes criminais, por isso se faz fundamental que o Estado, atentando a função de ressocialização do trabalho, ofereça subsídios para que essa parcela da população tenha acesso ao mercado de trabalho. Comentando o assunto, esta é a opinião do criminólogo Daniel Viégas: A administração carcerária claramente descumpre as normas ratificadas pelo Brasil, sem mencionar a Lei de Execuções Penais nº 7210 de 1984. Fazendo com que essas premissas apenas sejam parte de um Direito Criminal Simbólico, a teoria e a prática apresentam-se totalmente dissociadas! O trabalho nas penitenciárias não tem nada de útil, muito menos é ressocializador. Em que emprego se encaixa uma pessoa especialista em fazer bolas de futebol? Ou que domina a arte de fazer pipas? Com antecedentes, o preso no mundo extramuros será submetido a um subemprego, isso se conseguir algum! (BARROSO, Daniel Viégas S. Criminologia: do estado de polícia ao estado de direito. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009, p.104). Interessante observar que, por mais raros que sejam, existem alguns presídios brasileiros que seguem as determinações da LEP e o resultado disso é claro: uma população carcerária disciplinada e não violenta. A título de exemplo é a matéria publicada no site Portal ESPM Jornalismo: O presídio militar Romão Gomes, na zona norte de São Paulo, apresenta condições bem diferentes da maioria dos

6 presídios brasileiros. Dirigido pelo major Márcio Necho da Silva há 27 anos na polícia e há seis meses no comando do presídio, o Romão Gomes segue a Lei de Execução Penal à risca, e oferece condições de trabalho dentro do próprio presídio. Além de oficinas como horta, marcenaria, suinocultura e lava rápido, três empresas empregam o trabalho dos internos, que fabricam velas, componentes eletrônicos para carros e embalagens de papelão. Por ser um presídio militar, o cumprimento da Lei de Execução Penal é obrigatório. Dos internos, 90% trabalham. As regras no presídio proporcionam melhores condições de vida e de conduta do interno. Não temos problemas de fuga, motim ou qualquer tipo de violência, aponta o major Necho da Silva. (BERALDO, Gabriela. MACHADO, Guilherme. TRIMIGLIOZZI, Ivan. Direitos humanos são violados nas penitenciárias brasileiras. Disponível em: <http://jornalismosp.espm.br/plural/direitos-humanos-sao-frequentementeviolados-nas-penitenciarias-brasileiras >. Acesso em: 15 set. 2014.) O trabalho exercido pelo preso não está submetido à Consolidação das Leis do Trabalho e a remuneração do preso não precisa obedecer ao piso do salário mínimo nacional, contanto que não seja ¾ (três quartos) inferior a este. Interessante ainda notar que a lei enumera uma série de itens a que se destina a remuneração recebida pelo preso devido ao seu trabalho, tais como: indenização dos danos causados pelo crime, assistência à família e pequenas despesas pessoais. A lei nos parece um tanto injusta, na medida em que gera clara discriminação com relação ao trabalho realizado pelo preso em relação ao indivíduo que se encontra extramuros. Comentando o assunto, este é o entendimento do criminólogo Daniel Viegas: Abordando o tema trabalho e prisão, essa é a maneira mais barata para reduzir as estatísticas do desemprego no país, pois a massa carcerária, constituindo um expoente razoável de desempregados, surge como uma mãode-obra submissa a qualquer tipo de exploração. O preso dentro da cadeia ou fora é alvo fácil de mixarias, porque está rotulado e sabe que a chance de conseguir empregos bons é mínima. As vantagens de uma empresa contratar um presidiário são inúmeras, tais como: dispensa de licitação para o setor público, não forma vínculo empregatício e é mão-de-obra barata, trabalhando em troca de menos de um salário mínimo. Isso pode ser visto no endereço virtual do Fundo de Amparo ao preso. (BARROSO, Daniel Viégas S. Criminologia: do estado de polícia ao estado de direito. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009, p.102) Concluindo, é válido ressaltar que o Brasil ratificou as Regras mínimas para o Tratamento dos Reclusos de 1955. Assim estabelece a Regra 71: O trabalho nas prisões não deve ser penoso. Todos os reclusos condenados devem trabalhar, em conformidade com as suas aptidões física e mental, de acordo com determinação do médico. Deve ser dado trabalho suficiente de natureza útil aos reclusos de modo a conservá-los ativos durante o dia normal de trabalho. Tanto quanto possível, o trabalho proporcionado deve ser de natureza

7 que mantenha ou aumente as capacidades dos reclusos para ganharem honestamente a vida depois de libertados. Deve ser proporcionado treino profissional em profissões úteis aos reclusos que dele tirem proveito, e especialmente a jovens reclusos. Dentro dos limites compatíveis com uma seleção profissional apropriada e com as exigências da administração e disciplina penitenciária, os reclusos devem poder escolher o tipo de trabalho que querem fazer. CONCLUSÃO A relação do preso com o trabalho assumiu diferentes conotações ao longo da história, passando de castigo a elemento ressocializador no momento em que o preso foi entendido como sujeito de direitos. O preso tem tolhida sua liberdade e não sua dignidade, sendo assim não há porque pagar com o próprio corpo pelo mal por ele cometido. A grande massa carcerária brasileira é composta de pobres, em sua maioria negros, ou seja, pessoas marginalizadas pela sociedade e que pouco interessam ao sistema capitalista. Para os políticos não existem atrativos em atender essa parcela da população, uma vez que não haverá nenhum retorno político direto. É comum ser apresentado como solução para criminalidade a construção de mais presídios e o endurecimento das penas. Triste engano. Não há como diminuir a criminalidade sem reduzir o seu real causador: a desigualdade social. Enquanto não se buscar recuperar a dignidade das classes mais pobres e oferecê-las condições de uma vida digna, não haverá redução de crimes. Seguindo esse raciocínio, acreditamos que a inserção do trabalho em todas as unidades prisionais, como determina a Lei de Execuções Penais, e a valorização do mesmo são importantes instrumentos de inclusão social da população carcerária. O trabalho deve ser digno, útil, produtivo e educativo, de forma que o preso o encare como uma oportunidade de começar uma vida diferente ao sair da penitenciária. REFERÊNCIAS ALVIM, Rui Carlos Machado. O trabalho penitenciário e os direitos sociais. São Paulo: Atlas, 1991.

8 BARROSO, Daniel Viégas S. Criminologia: do estado de polícia ao estado de direito. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009. BERALDO, Gabriela. MACHADO, Guilherme. TRIMIGLIOZZI, Ivan. Direitos humanos são violados nas penitenciárias brasileiras. Disponível em: <http://jornalismosp.espm.br/plural/direitos-humanossao-frequentemente-violados-nas-penitenciarias-brasileiras>. Acesso em: 15 set. 2014. BITENCOURT, C. R. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004. BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm >. Acesso em: 15 set. 2014. DASSI, M. A pena de prisão e a realidade carcerária brasileira. In: Congresso nacional do conpedi - pensar globalmente: agir localmente, 16., 2007, Belo Horizonte. Anais... [s.l.: s.n.], 2007. FACEIRA, Lobelia S.; MORAIS, J. P. S. A Memória Social E As Contradições Do Trabalho Na Prisão. II CONINTER Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 15. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2013. HISTÓRIA DO TRABALHO PRISIONAL. Disponível em: <http://www.santacabrini.rj.gov.br/.%5chtml%5cprisional.htm>. Acesso em 14 set. 2014. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16.ed. rev, atual. eampl. São Paulo: Saraiva, 2012. MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-1984. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2002. REGRAS MÍNIMAS PARA O TRATAMENTO DOS RECLUSOS.Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/direitos-humanos-na-administra%c3%a7%c3%a3oda-justi%c3%a7a.-prote%c3%a7%c3%a3o-dos-prisioneiros-e-detidos.-prote%c3%a7%c3%a3ocontra-a-tortura-maus-tratos-e-desaparecimento/regras-minimas-para-o-tratamento-dos-reclusos.html>. Acesso em: 15 set. 2014.