COURO DE PEIXE: UMA ALTERNATIVA PARA O DESIGN SUSTENTÁVEL. Fish leather: an alternative for sustainable design

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Transcrição:

COURO DE PEIXE: UMA ALTERNATIVA PARA O DESIGN SUSTENTÁVEL Fish leather: an alternative for sustainable design SCHMITT, Marieli; Discente; Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul; marieli_schmitt@hotmail.com.br 1 FRANA, Letícia Debastiani; Discente; Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, let_dfrana@hotmail.com 2 SZABAT, Carla Natacha; Discente; Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, carla_natacha_szabat@hotmail.com 3 DALAROSA, Regiane; Especialista; Docente; Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, regiane.dalarosa@erechim.ifrs.edu.br* Resumo: O presente artigo aborda questões relativas à sustentabilidade no uso do couro de peixe como opção de matéria-prima no desenvolvimento de produtos para o setor têxtil. Nesta perspectiva, buscou-se retratar questões socioambientais relacionadas ao seu processo de obtenção e seu contexto atual no mercado. O artigo foi desenvolvido a partir de um projeto interdisciplinar envolvendo as disciplinas de Leitura e Produção Textual e Materiais e Processos Têxteis I, que objetivou o rientar a produção textual de um artigo científico. A pesquisa foi feita a partir de levantamento bibliográfico e visa demonstrar as possibilidades de aplicação deste material como uma nova alternativa para o design sustentável de produtos. Palavras-chave: Couro de peixe. Indústria têxtil. Design de moda. Sustentabilidade. Ecologia. Abstract: This article addresses issues related to sustainability in the use of fish leather as a raw material option in the development of products for the textile sector. In this perspective, we sought to portray socio-environmental issues related to its procurement process and its current market context. The article was developed from an interdisciplinary project involving the subjects of Reading and Textual Production and Materials and Textile Processes I, which aimed to guide the textual production of a scientific article. The research was done from a bibliographical survey and aims to demonstrate the possibilities of applying this material as a new alternative for sustainable product design. Keywords: Fish leather. Textile industry. Fashion design. Sustainability. Ecology. 1 Marieli Schmitt é graduanda do Curso Superior de Tecnologia em Design de Moda do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia no Campus Erechim. 2 Letícia Debastiani Frana é graduanda do Curso Superior de Tecnologia em Design de Moda do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia no Campus Erechim. 3 Carla Natacha Szabat é graduanda do Curso Superior de Tecnologia em Design de Moda do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia no Campus Erechim. * Regiane Dalarosa é especialista em Moda: Criação, Desenvolvimento e Comunicação e atua como docente no Curso Superior de Tecnologia em Design de Moda no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul no Campus Erechim. 1

1 INTRODUÇÃO A indústria da moda apresenta altos níveis de impactos ambientais resultantes dos processos relacionados à sua cadeia têxtil, tornando-se uma das indústrias mais poluentes do mundo. Nesse sentido, a busca incessante por processos produtivos e matérias-primas que atendam às necessidades do consumidor de forma ecologicamente consciente ganham cada vez mais espaço na indústria da moda. A fim de alcançar este desenvolvimento sustentável, iniciativas que considerem o uso adequado de recursos ambientais são vistas com bons olhos pela sociedade contemporânea. É importante considerar que essa consciência social vem crescendo principalmente a partir de 1972, após a Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em Estocolmo, onde as discussões ambientais começaram a ser difundidas em nível mundial, evoluindo posteriormente para o discurso de sustentabilidade. Nesse contexto de questionamentos relacionados à produção e ao consumo de forma que se reduza os impactos ambientais, o couro de peixe surge como alternativa de matériaprima para atender o design sustentável de produtos. Pois, conforme afirma Lira e Lima (2010), o descarte incorreto deste material causa graves danos ao meio ambiente. As peles dos peixes são consideradas subproduto com pouca utilidade, sendo descartadas em rios e em solos, causando danos para os seres vivos que vivem neste ambiente, estas podem ser utilizada como matéria-prima e podem passar por processo de curtimento, resultando em artigos nobres, exóticos e podendo ampliar a utilização das mesmas (LIRA E LIMA, 2010, p. 1). Com isso, constata-se que além de ser uma oportunidade de fonte econômica de renda para as famílias envolvidas nesse processo, é também uma maneira sustentável e menos prejudicial de se reutilizar esse material. Nesse sentido, o presente artigo objetiva contribuir para a difusão de informações acerca do uso do couro de peixe como matéria-prima, já que esse tema ainda é pouco abordado no meio acadêmico. Para isso, utilizou-se de pesquisa bibliográfica, priorizando obras, artigos científicos e dissertações relacionadas ao tema. O artigo foi desenvolvido a partir de um projeto interdisciplinar envolvendo as disciplinas de Leitura e Produção Textual e Materiais e Processos Têxteis I, com acadêmicos do primeiro semestre do Curso Superior de Tecnologia 2

em Design de Moda do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul no Campus Erechim. O artigo encontra-se estruturado em cinco partes. A primeira parte é composta pela introdução ao tema central. Na sequência, a revisão da literatura aborda questões relativas ao processo de transformação da pele do peixe e as perspectivas em relação ao mercado têxtil. A quarta parte é referente à metodologia, onde encontra-se a descrição do processo de desenvolvimento do artigo. A quinta parte diz respeito às considerações finais do trabalho. E por fim, encontram-se as referências bibliográficas utilizadas como subsídio para a pesquisa. 2 REVISÃO DA LITERATURA São várias as matérias-primas utilizadas no setor têxtil para se obter diferentes resultados em termos de preço e qualidade dos produtos. As primeiras fibras têxteis cultivadas pelo homem para serem usadas como matéria-prima em roupas e acessórios foram as vegetais e animais, como o algodão e a lã, respectivamente. Com o tempo, foram sendo criadas as fibras artificiais, como a viscose e o liocel, e sintéticas, como o acrílico e o poliéster. No entanto, além das fibras supracitadas, o couro também está dentre as matérias-primas mais antigas da humanidade. Nesse sentido, é importante ressaltar que cada fibra ou matéria-prima possuí propriedades específicas que a diferencia das demais e faz com que seja selecionada, ou não, para a produção de artigos (UDALE, 2015). No entanto, Fletcher e Groser (2011) afirmam que além das características estéticas e usuais que as fibras empregam aos tecidos e produtos prontos, também deve ser levado em consideração o impacto do cultivo dessas fibras sobre a sustentabilidade. O material usado na confecção de vestuário está associado a todo tipo de impacto sobre a sustentabilidade: mudanças climáticas; efeitos adversos sobre a água e seus ciclos; poluição química; perda de biodiversidade; uso excessivo ou inadequado de recursos não renováveis; geração de resíduos; efeitos negativos sobre a saúde humana; efeitos sociais nocivos para as comunidades produtoras. Todos os materiais afetam de alguma forma os sistemas ecológicos e sociais, mas esses impactos diferem de uma fibra para a outra quanto ao tipo e à escala. O resultado é um conjunto complexo de compensações entre determinadas características materiais e questões específicas de sustentabilidade que têm de ser negociadas para cada tipo de fibra (FLETCHER E GROSER, 2011, p. 13). Nesse sentido, a utilização do couro animal como matéria-prima envolve questões polêmicas no que diz respeito a opinião da sociedade ambientalista, que em defesa dos 3

direitos dos animais, questiona sua utilização. Porém, apesar das polêmicas que envolvem a utilização do couro animal, observa-se um diferencial em relação ao couro de peixe, já que seu processo contribuí para o desenvolvimento socioeconômico de pequenos produtores, tendo em vista que o processo de obtenção é relativamente simples e pode ser feito de forma artesanal. É importante ressaltar que no mercado da moda, apesar do surgimento constante de novas matérias-primas, o couro mantém seu espaço por possuir características específicas que materiais sintéticos até hoje não conseguiram adquirir com tamanha qualidade. Dentre essas características, destacam-se sua porosidade, permeabilidade, transpiração, elasticidade, resistência à abrasão e a tração, proporcionando conforto e durabilidade em sua utilização. Nos últimos anos, grandes estilistas, marcas, feiras e eventos voltam seus olhos para a moda sustentável, ou moda ética, segmento que vem conquistando cada vez mais força no mercado, o qual tem por objetivo produzir produtos de moda de maneira ecologicamente consciente, com tecidos orgânicos e sob condições justas de trabalho, contribuindo para um desenvolvimento não apenas no aspecto ambiental mas também social e econômico. Considerando essa crescente valorização da moda sustentável, aliada à preferência de muitos consumidores por produtos em couro animal, observa-se no couro de peixe uma oportunidade de matéria-prima para o desenvolvimento de novos produtos. 2.1 O processo de transformação da pele de peixe Por ser uma atividade que está em constante crescimento, a aquicultura traz consigo a necessidade de estratégias eficientes de aproveitamento do pescado como um todo. Para fins alimentícios, o filé de peixe é um produto de grande comercialização no Brasil. Na região amazônica, a qual produz grande maioria dos pescados brasileiros, surgiu a necessidade de beneficiamento e otimização dos peixes cultivados, principalmente a tilápia, cujos resíduos contém um subproduto de excelente qualidade, a pele. Essa, após o processo de curtimento, permite agregar valor à produção de bolsas, sapatos, joias, entre outros produtos valorizados no mercado da moda (SOUZA, 2004). 4

O processo pelo qual a pele de peixe passa para chegar à condição de uso denomina-se curtimento. O método de curtimento para a pele de peixe é considerado simples e artesanal, pois não requer elaborados equipamentos industriais, facilitando assim a sua prática. Apesar de o curtume de couro de peixe ser uma alternativa considerada sustentável em comparação a outros processos de obtenção de fibras mais poluentes, ainda é uma prática questionada por alguns autores. Os questionamentos que envolvem a prática do curtimento se dão principalmente pela utilização de produtos químicos em algumas etapas do processo. No entanto, é após o processo de curtimento, que a pele se torna um produto imputrescível e com qualidades físicomecânicas, como maciez, elasticidade, flexibilidade e resistência, que permitem sua aplicação na indústria de confecção de vestuário, calçados ou artefatos em geral (SOUZA, 2004). As etapas pelas quais as peles normalmente passam durante o processo de curtimento são: o remolho, descarne, caleiro, desencalagem, purga, desengraxe, piquel, curtimento, basificação, recurtimento, tingimento, engraxe, fixação e o acabamento. Porém, os métodos empregados nas etapas para cada espécie nem sempre são iguais, necessitando ajustes nas quantidades dos produtos químicos e no tempo de preparo em cada etapa, que são determinadas a partir de uma fórmula básica que analisa os teores de gordura, textura das fibras e a presença de escamas (SFENDRYCH, 2009). Entretanto, Melo (2007) reforça que os impactos ambientais oriundos do processo de curtimento de pele podem ser reduzidos a partir da adoção de métodos ecológicos, principalmente em relação à poluição dos cursos de água. Um exemplo disso, é a destinação do lodo proveniente dos processos à compostagem, que posteriormente, pode ser transformado em adubo, o que só é possível quando são utilizados produtos orgânicos nas formulações. Neste caso, com o tratamento adequado dos efluentes e a separação do lodo, a água utilizada pode voltar a circular como água de reúso. 2.2 Perspectivas em relação ao mercado têxtil Com a grande influência midiática e informativa de modo geral que vem ocorrendo em relação a conscientização ambiental, diversas marcas têm investido em processos e 5

materiais menos agressivos ao meio ambiente, visando agregar valor à marca e atender às expectativas deste exigente grupo de consumidores que vem crescendo gradativamente. Nesse sentido, a busca por soluções que atendam essa demanda social é constante. E o couro de peixe, por se tratar de uma matéria-prima que nasce a partir do aproveitamento dos resíduos do peixe, ganha visibilidade perante o mercado, não apenas pelo âmbito ecológico, mas pelo seu aspecto exclusivo formado a partir da textura das escamas (SOUZA, 2004). Visando incentivar a produção e utilização dessa matéria-prima, eventos específicos e amostras de produtos feitos com o couro de peixe vem acontecendo para melhor divulgar esse material. Em 2013 aconteceu a 1ª Exposição de Artigos Confeccionados com Couro de Peixes Brasileiros, em Brasília/DF, na qual reuniram-se representantes de diversas empresas com o intuito de compartilhar experiências, resultados e novidades em relação a este material. Além das iniciativas nacionais para divulgação dessa matéria-prima, o couro de peixe curtido no Brasil aos poucos ganha espaço também internacionalmente. A empresária carioca, Lozia Filip, que trabalha com couro de peixe há cerca de sete anos, representou o Brasil na Mipel, uma representativa feira internacional de acessórios em couro, que acontece anualmente Milão. Lozia foi a primeira, entre 2300 expositores, a apresentar produtos com couro de peixe nesta feira. A empresária relata que a aceitação do material apresentado por ela na feira foi surpreendente, principalmente por se tratar de uma aplicação com características originais e ecologicamente corretas (ABOUTSHOES, 2013). Contudo, observa-se que uso do couro de peixe ganha cada dia mais destaque no mercado nacional e internacional. A empresária supracitada, Lozia Filip, é uma das profissionais que acredita na matéria-prima como diferencial na produção de bolsas e acessórios em couro de pirarucu, tambaqui, jacaré, salmão e pescada amarela. Além disso, outras marcas brasileiras têm investido no couro de peixe, como a Fora D Água, Victorelle e Benntta. Ambas criaram coleções focadas no desenvolvimento de produtos à base de resíduos de pescados e afirmam que o negócio deu certo (GONÇALVES, 2016). Outra marca que aposta nesta matéria-prima é a Green Obsession, que comercializa produtos desenvolvidos pelas mãos de artesãs amazonenses e já alcançou sucesso internacional, com foco em bolsas e calçados, transforma resíduos que seriam descartados, em peças de luxo. Os preços dos 6

produtos produzidos com esse material variam muito, dependendo da marca, localidade e processos de fabricação. Outra marca que aposta no mercado do couro de peixe é a Osklen, a qual desenvolveu uma linha sofisticada de acessórios ecologicamente corretos em parceria com o curtume Nova Kaeru, que é especializado em couros exóticos. As iniciativas da grife são supervisionadas pelo Instituto-E, fundado em 2002 para promover o desenvolvimento sustentável na moda. A procura desta matéria-prima por parte de grandes marcas brasileiras e internacionais impulsionam esse mercado que só tende crescer, levando em conta a qualidade da mesma em relação à resistência, estética e sustentabilidade por trás dos produtos. 3 METODOLOGIA O presente artigo é resultado de um projeto interdisciplinar envolvendo as disciplinas de Leitura e Produção Textual e Materiais e Processos Têxteis I, com acadêmicos do primeiro semestre do Curso Superior de Tecnologia em Design de Moda do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul no Campus Erechim. O objetivo do projeto foi orientar a pesquisa bibliográfica e produção textual de um artigo científico, os quais priorizaram temas relacionados à inovação tecnológica na indústria têxtil, com foco no processo de obtenção e construção de novas fibras e tecidos. Para isso, foram respeitadas as etapas de pesquisa, desenvolvimento e apresentação dos resultados em um Seminário. Ambas as etapas foram desenvolvidas em aula sob o acompanhamento das professoras regentes das referidas disciplinas. A pesquisa bibliográfica foi realizada a partir de fontes seguras priorizando obras, artigos científicos e dissertações sobre o tema. Para a contextualização da pesquisa, foram realizadas leituras sobre fibras e tecidos, utilizando UDALE (2015) como referência. Outro autor que contribuiu para a contextualização de questões que envolvem a moda e sustentabilidade foi FLETCHER; GROSE (2011). Já em relação aos aspectos envolvidos no processo de utilização do couro de peixe em específico, foram utilizados os autores LIRA; LIMA (2010), MELO (2007), SFENDRYCH (2009) e SOUZA (2004). 7

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da presente pesquisa, contatou-se que apesar do couro de peixe estar conquistando seu espaço na indústria da moda, ainda existem alguns desafios para torná-lo ainda mais sustentável, principalmente em relação aos processos industriais que envolvem a transformação da pele de peixe em couro. No entanto, considerando que as técnicas produtivas do couro de peixe têm avançado, acredita-se que investimentos que resultem na melhoria do processo de curtimento de forma que atinja as exigências ecológicas são fundamentais para tornar essa matéria-prima ainda mais viável ambientalmente. Ciente da importância de discussões e pesquisas sobre alternativas que tomem os processos da indústria têxtil mais sustentáveis, constata-se que o presente artigo contribui para a difusão de informações sobre a utilização do couro de peixe como matéria-prima, tendo em vista a escassez de publicações relacionadas ao tema no meio acadêmico. REFERÊNCIAS ABOUTSHOES. Pele de peixe: ecologia, design & moda. 2013. Disponível em: goo.gl/k929um. Acesso em: 06 set. 2017. GONÇALVES, C. Produtos em couro de peixe ganham o mundo. 2016. Disponível em: goo.gl/7hiifs. Acesso em: 02 out. 2017. FLETCHER, K; GROSE, L. Moda & sustentabilidade: design para mudança. Tradução Janaína Marcoantonio. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2011. LIRA, M. E. O. C.; LIMA, C. A. P. Processo de curtimento de pele de tilápia, com curtente vegetal: uma alternativa para redução do impacto ambiental. 2010. Disponível em: goo.gl/juzncn. Acesso em: 17 de jun. 2017. MELO, K. S. G. de. Extração e uso de corantes vegetais da Amazônia no tingimento do couro de Matrinxã. (Dissertação mestrado) INPA/UFAM, Manaus, 2007. SFENDRYCH, A. M. Couro de Peixe: Curtimento Artesanal. Registro INPI NR 1532. 2009. SOUZA, M. L. R. O que fazer com as peles de peixes? 2004. Disponível em: goo.gl/uftqh9. Acesso em: 15 de jun. 2017. UDALE, J. Tecidos e Moda: explorando a integração entre o design têxtil e o design de moda. Tradução: Laura Martins. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2015. 8