DOCUMENTAÇÃO E PESQUISA: Iniciativas de democratização do Arquivo Público e Histórico de Jacareí SP *

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Transcrição:

DOCUMENTAÇÃO E PESQUISA: Iniciativas de democratização do Arquivo Público e Histórico de Jacareí SP * ALLAN DOUGLAS DE OLIVEIRA ** BRUNO BAHIA DE SIQUEIRA *** Breve Histórico da formação do Arquivo Público e Histórico de Jacareí SP O Arquivo Público e Histórico do Município de Jacareí (APHJ) foi criado e sancionado pela lei nº 4.264, de 15 de dezembro de 1999, cuja inauguração oficial foi realizada em 12 de Setembro de 2000. Vinculado à Fundação Cultural de Jacarehy José Maria de Abreu, o Arquivo Histórico de Jacareí é a unidade administrativa responsável pela guarda de todos os documentos produzidos direta ou indiretamente pelo município, considerados históricos (documento permanente) e os de guarda temporária. Anteriormente, toda a produção documental era gerenciada e resguardada pelos setores administrativos da Fundação Cultural, as quais cuidavam da documentação produzida de atividades do dia-a-dia da entidade. Com a criação de uma Diretoria de Cultura, criou-se uma equipe de arquivo e documentação. Entretanto, esse novo grupo de salvaguarda dos documentos não possuía um suporte teórico adequado, um plano de classificação, descrição, destinação dos documentos e tabelas de temporalidade (APHJ, 2002:03). Desde 1986 podemos encontrar registros de iniciativas da Fundação Cultural de Jacareí-SP para formar um núcleo de trabalho objetivando obter fundos documentais e coleções. A partir disso, iniciou-se o recolhimento dos documentos produzidos e acumulados pelo Fórum da cidade, além de registros fotográficos. Em 1997, a Fundação Cultural de Jacarehy contratou uma equipe composta por Historiadores e Arquivistas, com intuito de organizar a documentação recolhida do Fórum. A partir da formação dessa equipe foi constituído o departamento de Arquivo Histórico que se tornou responsável pela execução de políticas públicas. O papel de custodiar e tratar os fundos de arquivos, cuja realização era feita * Trabalho desenvolvido sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Aparecida Papali (UNIVAP). Projeto apoio FAPESP. ** Universidade do Vale do Paraíba, graduando em História, aluno de iniciação científica/projeto apoio FAPESP. *** Universidade do Vale do Paraíba, graduando em História, aluno de iniciação científica/projeto apoio FAPESP.

2 pela Fundação Cultural, passou então a ser responsabilidade do Arquivo Publico e Histórico de Jacareí 1 (APHJ, 2002: 03). Convém ressaltar que a cidade de Jacareí figura entre as mais antigas do Estado de São Paulo, erigida à vila em 1653, portanto, o acervo do Arquivo Público e Histórico de Jacareí é de grande relevância para o registro da memória paulista. Nele podemos encontrar, em um período que se estende do século XVII até os dias atuais, diversos fundos provenientes do Poder Público, coleções fotográficas e hemeroteca. Os fundos são os conjuntos documentais cuja procedência permite que sejam agrupados. Como por exemplo, é denominado Fundo Fórum os documentos originários do Fórum. As coleções fotográficas do arquivo, são diversas e oriundas da doação de particulares. Essas coleções remontam à memória da cidade ao registrarem as cenas do cotidiano em várias ruas e praças. Como também são de grande importância para o registro arquitetônico de Jacareí retratando inúmeros casarões, prédios comerciais e industriais. Algumas destas construções não existem mais, como é o caso da notável residência do Barão de Santa Branca 2 um casarão em estilo neoclássico que tomava por completo uma face da Praça da Matriz e que após a morte do Barão chegou a abrigar uma importante indústria têxtil da cidade, a Malharia Nossa Senhora da Conceição 3. Igualmente, há um grande número de imagens aéreas e panorâmicas nas quais se podem obter importantes percepções da expansão e extensão territorial da cidade, principalmente comparadas com as imagens atuais. Do mesmo modo, consta no acervo do Arquivo Público e Histórico de Jacareí uma considerável hemeroteca disposta em uma gama de periódicos jornalísticos que abrangem o período de 1874 até os dias atuais. Nesses periódicos pode-se encontrar com riqueza de detalhes a memória de incontáveis fatos no âmbito municipal e internacional. Igualmente, observam-se divergentes opiniões acerca dos mesmos fatos revelando a existência de inúmeros discursos na cidade. Os fundos provenientes do Poder Público são agrupados por tema e origem: Legislativo, intitulado Fundo Câmara Municipal de Jacareí que é composto 1 Denominamos Arquivo Público e Histórico de Jacareí pela sigla APHJ 2 Refere-se à Francisco Lopes Chaves, 1º Barão de Santa Branca. 3 Para mais informações ver: RICCI, F.. Origens e Aspectos do Desenvolvimento das Indústrias Têxteis no Vale do Paraíba Paulista na República Velha. Tese de doutorado apresentada à FFLCH/USP - Área: História Econômica. São Paulo, 2002. 228p.

3 principalmente de atas das sessões da Câmara que abrangem todo período do século XX. Estas atas contêm todas as decisões e discussões ocorridas na Câmara Municipal que nortearam a administração publica no período. Executivo, com o Fundo Prefeitura Municipal de Jacareí do qual fazem parte variados mapas da cidade, plantas de prédios públicos, fotos de obras e documentos de linguagens técnicas e que são registros relevantes, por exemplo, para os estudos de planejamento urbano. Por fim, o Judiciário, denominado Fundo Fórum de Jacareí, compreende documentos relativos à esfera judiciária local no período entre os séculos XVII a XX, abordando o âmbito jurídico do município de Jacareí por intermédio de diversos documentos oficiais. Portanto, podemos encontrar no Arquivo Público e Histórico de Jacareí aproximadamente 1.500 caixas que compõem seu acervo. Em vista de toda essa documentação, teve inicio um projeto de pesquisa denominado: Vestígios de uma Cidade: homens pobres livres, escravos e negócios da pobreza em Jacareí, SP, no século XIX. Financiado pela FAPESP (Projeto nº 2011/01769-0) e coordenado pela Profª. Drª. Maria Aparecida Papali tendo como objetivo levantar conflitos, crimes e tensões sociais existentes na cidade de Jacareí durante o século XIX. Tendo como apoio documental os Processos Crimes e Cíveis, e seus desdobramentos: corpo de delito, denúncia, injúrias, interrogatórios, entre outros. Esmiuçando os Documentos Oitocentistas. Essa pesquisa, financiada pela FAPESP (2011/01769-0), tem como objetivo levantar conflitos, crimes e tensões sociais, bem como o rol de testemunhas contido nos Processos Crimes e Cíveis existentes na cidade de Jacareí durante o século XIX, com o intuito de buscar desvendar as formas de trabalho, relações solidárias e cotidianas de pobres livres, escravos e libertos da referida cidade (PAPALI, 2011).

4 Segundo Vellasco: Escravos e livres, homens e mulheres, pobres e das camadas intermediárias, compostas por pequenos artesãos, lavradores e comerciantes, e mesmo as elites locais, todos esses, em maior ou menor grau, recorriam à justiça para a solução de seus conflitos, e, de alguma forma, demandaram um espaço de ordem e previsibilidade para viver e trabalhar. E mais do que isso, enxergaram no recurso à justiça e na ativação das letras da lei uma forma de participar da ordem. A face da justiça foi sedutora, uma vez que permitia incorporar os indivíduos às regras do jogo, oferecendo-lhes possibilidades de usá-las como garantias de seus direitos (2004: 28) Um dos objetivos também é arquivar esse Corpo Documental digitalizado e disponibilizado no site do Projeto Pró-Memória Jacareí 4, convênio firmado entre a Univap (por meio do Laboratório de Pesquisa e Documentação Histórica/IP&D) e a Fundação José Maria de Abreu, detentora da documentação arquivística de Jacareí. A execução desse projeto está sendo viabilizada por meio de procedimentos de digitalização, transcrição paleográfica de alguns processos crimes, disponibilização dos documentos no site do Pró-Memória Jacareí e publicação de produções de caráter científico. A digitalização e disponibilização dos documentos no site do Pró-Memória contribuem para a democratização do acesso e a preservação dos documentos do Arquivo Público e Histórico de Jacareí. Ao disponibilizar os documentos digitalizados no site, o acesso a determinado documento pode ser feito ao mesmo tempo por diferentes pessoas e por interessados que se encontram distantes do arquivo. Também contribui para a preservação de documentos, pois o papel também está sujeito à deterioração pelo manuseio e pela ação de agentes ambientais (MOREIRA et. al, 2007: 91). Ao todo 100 caixas documentais do acervo serão digitalizadas e alguns documentos escolhidos para produção científica serão transcritos a partir de um levantamento realizado através de temas. Dessas 100 caixas para digitalização, 55 já foram digitalizadas e em breve serão disponibilizadas no site do Pró-Memória de Jacareí e utilizadas para publicação de artigos científicos. 4 Site Pró-Memoria Jacareí: www.promemoriajacarei.com.br

5 Documento, patrimônio e direito à informação. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece que o poder público, com a cooperação da comunidade, deve promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro. Dispõe ainda que esse patrimônio é constituído pelos bens materiais e imateriais que se referem à identidade, à ação e a memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, entre elas: as obras, os objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artísticos e culturais (IPHAN). Quando se preserva legalmente e, na prática, o patrimônio cultural, conserva-se a memória do que fomos e do que somos: constrói-se e/ou consolida-se a identidade da nação. Patrimônio, etimologicamente, significa herança paterna na verdade, a riqueza comum que nós herdamos como cidadãos, e que se vai transmitindo de geração a geração (SECRETARIA DE CULTURA DE PERNAMBUCO). Henri-Pierre Jeudy argumenta que o patrimônio não se configura como um depósito da memória, mas como um elemento detonador de investigações culturais ou, em suas palavras, fundador de uma interrogação sobre o sentido das mutações da sociedade (JEUDY apud FONSECA, 2002). Embora a gestão da documentação governamental seja um dever do poder público em todos os níveis previsto na Constituição Federal de 1988 (artigo 216, 2º) e na Lei de Arquivos nº 8.159/91 (art.1º), a descentralização político-administrativa confere aos Estados e Municípios autonomia para legislar sobre os documentos geradores na esfera de suas competências (Constituição Federal, art. 30 e Lei Federal nº 8.159/91, art. 21). Além de atender às determinações da Lei Federal, cabe aos Estados, Municípios e Distrito Federal, sobretudo, aprovar instrumentos legais que definam critérios para a gestão e o acesso aos documentos públicos. Tão importantes quanto os arquivos instituídos por lei, estão os centros de documentação ou informação histórica, que também estão localizados dentro de universidades. Atualmente, existe uma preocupação em se preservar a memória em suas várias tendências e expressões. A recuperação e organização, a pesquisa e a documentação desde as mais organizadas até as simples experiências cotidianas, são funções das Ciências Humanas (KHOURY, 1991:14).

6 O arquivo permanente não se constrói por acaso. Para se chegar a um arquivo histórico, o documento passa por diversas etapas. A função primordial dos arquivos permanentes ou históricos é recolher e tratar os documentos públicos após o cumprimento das razões pelas quais foram gerados. Entretanto, nos arquivos permanentes ou históricos de caráter privado, a abertura à consulta pública é mais rara, pois, geralmente, a pesquisa é feita pela comunidade acadêmica. Portanto é menos complexa e formal do que um arquivo público permanente que exige legislação específica para o seu funcionamento. Sintetizando, documento é algo corpóreo, em que já foi fixada ou gravada uma noção, idéia ou mensagem. Em sentido amplo, é todo e qualquer suporte da informação. Assim, além do documento convencional, podemos admitir que um bem cultural como um monumento, um sítio paisagístico possa ser, também, documento. Em sentido mais restrito, documento é livro, folheto, revista, relatório, fita magnética, disco, microfilme, portanto, todo material escrito, cartográfico, fotocinematográfico, sonoro (CASTRO, 1988: 19). De acordo com Janice Gonçalves, no senso comum, o documento costuma ser entendido como tudo que possa registrar (e atestar) o cumprimento de deveres do indivíduo, enquanto cidadão, ou mesmo servir como garantia de direitos; e, em geral, documento também costuma ser identificado somente como documento escrito. Um historiador, hoje, tenderá a dar uma definição mais ampla de documento, abrangendo tanto a esfera pública como a esfera privada da vida dos indivíduos (1998: 16). Para um historiador, praticamente tudo poderá vir a ser considerado documento, desde que forneça informação sobre algum problema sujeito à investigação histórica. Aquilo que para maior parte das pessoas não é documento pode ser transformado em documento por um historiador, em função de seu interesse por certos temas de pesquisa (idem, ibid:17). Ainda segundo Gonçalves, por mais heterodoxos que sejam os documentos dos quais lance mão, atualmente, o historiador sempre recorrerá a eles para fundamentar suas interpretações: ao citar os documentos consultados em sua pesquisa, não só estará declarando, indiretamente, que eles possibilitaram suas interpretações, como assegurando que tais interpretações não são mero fruto de sua criatividade e imaginação, os documentos demonstrariam, evidenciariam, em alguma medida, a consistência de suas reflexões (Idem, ibid:18).

7 A documentação escrita ou textual apresenta inúmeros tipos físicos ou espécies documentais criados para produzir determinada ação específica, tais como: contratos, folhas de pagamento, livros de contas, editais, certidões, tabelas, questionários, correspondência e outros (Idem, ibid). Embora haja leis que garantam a preservação da memória e da cultura, ainda assim, na prática, os objetivos instituídos em lei, esbarram em burocracias, cortes de verbas, planejamento urbano, modernidades e encontram resistências, inclusive de políticas públicas. Devido a esse descaso, nosso patrimônio, seja ele arquitetônico ou documental, e nossa história vão se perdendo, porque não existem ações concretas para colocar em prática essas diretrizes instituídas por lei. A situação do acervo documental de diversos municípios que estão em risco por falta de espaço físico, recursos humanos e principalmente porque não estão sendo praticados pelo Estado são infelizmente realidades cotidianas. Muitos administradores nos furtam do dever de criar arquivos em seus municípios. Hoje, felizmente, existem projetos financiados por órgãos de fomento à pesquisa como a FAPESP e CNPq, que estão possibilitando a formação de sistemas de arquivo e isso é demasiado importante, sobretudo porque o acesso à documentação é um caminho para a preservação da cidadania. Arquivos, centros de informação ou centros de documentação, todos eles tem papel vital, pois, são essas instituições que permitem o acúmulo e a expansão da cultura e da memória histórica. Em relação ao projeto Vestígios de uma Cidade: homens pobres livres, escravos e negócios da pobreza em Jacareí, SP, no século XIX, alguns resultados de pesquisas já foram publicados por meio de artigos. O artigo intitulado: Entre contendas e Sociabilidades: Escravos e Pobres Livres na cidade de Jacareí/ SP/ Brasil, foi publicado nos Anais do Colóquio Internacional Trabalho Forçado Africano, na Universidade do Porto, Portugal em 2011. Resultado de um trabalho que procurou refletir sobre as formas de sociabilidades e os embates cotidianos que tinham como protagonistas escravos e pobres livres de Jacareí. Para tanto, as autoras Papali e Zanetti buscaram interpretar dois processos crimes dos anos de 1872 e 1882, os quais tratam de roubos de mercadorias praticados por escravos e livres, para a negociação com comerciantes locais. Como resultado de outra pesquisa, foi publicado, em 2011, nos anais do 1º Congresso

8 Internacional de História Regional, Universidade de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, o artigo: Cidade, Crime e Cotidiano: escravos e pobres livres em Jacareí / SP (1877), de autoria também da Profª. Drª. Maria Aparecida Papali e das alunas de graduação do curso de História Juliana Eliza Viana e Agda M. Seixas Carvalho. O estudo teve como objetivo a reflexão das relações entre escravos e homens livres na cidade, no ano de 1877 que, por meio de um processo crime, demonstrava como era a atuação desses sujeitos na construção de certa autonomia social. Considerações Finais Em síntese, ao explanar sobre o valor dos documentos encontrados no acervo do Arquivo Público e Histórico de Jacareí, evidenciamos sua vasta diversidade documental. Em vista disso, percebe-se a necessidade da difusão e preservação dessa informação por meio da digitalização, retardando a deteriorização do documento, ocasionada por diversos fatores, dentre eles o manuseio constante. Desse modo, a realização do projeto Vestígios de uma Cidade: homens pobres livres, escravos e negócios da pobreza em Jacareí, SP, no século XIX, financiado pela FAPESP, tem como objetivo digitalizar e transcrever os documentos denominados Processos Crime. Esse projeto proporcionará também publicações de cunho cientifico, envolvendo historiadores da Universidade do Vale do Paraíba, bem como alunos de iniciação cientifica da respectiva Instituição. Portanto, de forma concisa, abordamos a importância de iniciativas com concepções democráticas, visando o acesso à documentação histórica, direito de todo cidadão. Ressaltamos que cabe aos órgãos públicos e privados o dever de preservá-las e difundi-las como patrimônio Histórico. Referências ARQUIVO PÚBLICO E HISTÓRICO DE JACAREÍ. Guia do Acervo. Jacareí/SP. Fundação Cultural de Jacareí José Maria de Abreu. 2002. 23p. Linhas Gerais de Ação. Jacareí/SP. Fundação

9 Cultural de Jacareí José Maria de Abreu. 2000. 33p. CASTRO, Astréa de Moraes et al. Arquivística arquivologia. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico. 1988. FONSECA, A. A.. Escombros da memória coletiva. Revelação: jornal-laboratório do curso de Comunicação Social, Uberaba, v. 196. 25 fev. 2002., p. 6 9. Disponível em: <http://www.ralfer.com.br/principal/colunas/andre_fonseca/andre_conservacao.html>. Acesso em: 12 Jun. 2012. GONÇAVES, Janice. Como classificar e ordenar documentos de arquivo. Projeto como fazer v. 2, São Paulo: Arquivo do Estado, 1998. IPHAN. Bens Culturais Registrados. Disponível em: <http://www.iphan.gov.br/bcre/pages/coninformacaopatrimonialpoliticae.jsf >. Acesso em: 12 Jun. 2012. KHOURY, Yara Aun. Guia de Pesquisa: Igreja e Movimentos Sociais. Vol. 1, 20ª ed. São Paulo: PUC/CEDIC, 1991. p. 14. MOREIRA, A.; PAIVA, A.;MENDES, F. F.; QUEIROZ, Jonas Marçal de ; BRAGA, V. M.. Digitalização de Manuscritos históricos: a experiência da Casa Setecentista de Mariana. Ciência da Informação, v. 36, 2008. p. 89-98. PAPALI, Maria Aparecida. Vestígios de uma Cidade: homens pobres livres, escravos e negócios da pobreza em Jacareí, SP, no século XIX. Projeto nº 2011/01769-0, apoio FAPESP. 2011. SECRETARIA DE CULTURA DE PERNAMBUCO. O que é patrimônio cultural. Pernambuco. Disponível em: <http://www.fundarpe.pe.gov.br/politicacultural_patrimonio.php>. Acesso em: 13 Jun. 2012. VELLASCO, Ivan de Andrade. As seduções da ordem: violência, criminalidade administração da justiça. Minas Gerais século 19. EDUSC, 2004. 330 p.